Yoongi segurava desatento o saco repleto de pães mornos, que havia acabado de comprar, já que há tempos não tinha uma boa noite de sono, como o bom escritor fracassado que era.
De súbito, viu uma bicicleta vermelha passar de relance, mas não deu tanta importância, apenas acenou com a cabeça em um cumprimento à vizinha que regava as plantas. Ela sorriu manhosa.
Não entendia porque idosos sempre levantavam antes mesmo do sol.
O dia estava chuvoso, e o chão liso molhado, as poucas pétalas de uma primavera recém-findada grudavam não só nas extremidades das coisas, como na sola do tênis; na roda dos carros; no carpete surrado.
Suspirou oneroso, e buscou as chaves por entre os bolsos da enorme jaqueta verde escuro.
O tilintar soou, porém antes que pudesse limpar o solado dos tênis porcos, avistou um pequeno envelope branco, com alguns rabiscos em caneta preta. Semi-cerrou os olhos rasgados, e abaixou-se com pouca dificuldade.
Com a canhota, entrelaçou os dedos no papel, e por fim adentrou pela porta marrom queimado, enquanto ao lado as samambaias pingavam exalando cheiro de floresta úmida. Possuía um belo jardim frente à casa simplista.
Passou pelo estreito corredor, e depositou os pães sobre a rotunda mesa de vidro, com migalhas da manhã passada. Tirou cuidadoso o casaco espesso, ficando assim apenas com uma acolhedora lã creme.
Novamente, segurou o envelope mal cuidado, e se dirigiu até o quarto desarrumado, sentou-se na cadeira giratória em frontal ao computador, e esta, rangeu desajeitada.
Para: Min Yoongi. O garoto que cheira a cafeína e é um ótimo escritor de prateleira vaga.
Eu realmente não sou bom com palavras. Espero que aprecie.
Curioso, olhou ao redor de todo o papel, como se esperasse fielmente alguma informação de quem lhe dera. Não obtendo sucesso, resolveu enfim abrir.
Era um CD, colocado sem cautela alguma ali, com alguns corações e desenhos infantis feitos à caneta permanente. Observou como aquilo tudo era ingênuo e cândido.
Riu soprado. Era surreal, e ao mesmo tempo, intrigante.
Pensou em colocar o CD no rádio, mas lembrou-se que o mesmo havia queimado. Então calmamente ligou o computador, e assistiu todo o processo lento que ele levava até estar pronto para uso. Os dedos esguios e quentes por um buraco na blusa à abraçar o polegar, encaixaram a mídia no reprodutor.
Yoongi esperou curioso.
Uma nota apareceu, e enfim, o quarto se preencheu numa batida calma e relaxante, ela contagiava o peito, fazendo o coração bater junto aos instrumentos de fundo.
Riu completamente deliciado, os dentes miúdos e pueris fizeram morada no rosto pálido e cansado.
Tentou a todo custo imaginar quem lhe fizera uma playlist tão inimaginável. E se, prestasse bem atenção, podia escutar o cantar de longínquas aves atrás dos instrumentos graves.
Yoongi ouvia músicas clássicas, óperas, concertos apaixonados e sôfregos. Nunca sequer havia passado por gêneros do tipo, àquilo se tratava de puro R&B contemporâneo. Ainda sim, saboroso.
Involuntariamente, sentiu tamborilar sobre a perna numa calça jeans azul. Mesmo com o inglês amador, acabou por prestar atenção na letra. Se tratava de algo suave, assim como o primeiro amor. Dissertava sobre cores, e a mesclagem delas. Como alguém o ensinou a ver o mundo. Não era nada elaborado, entretanto, permanecia sendo uma melodia deleitosa de se cantar. Caía absurdamente bem com a fina garoa de outono que deslizava carente no vidro rachado da janela.
Recordou-se do bochechudo garoto que trabalhava na padaria ao lado, e que sempre lhe dava algum doce como cortesia. Ele parecia tão exótico – musicalmente falando. Curiou-se sobre as peculiaridades dele.
Park Jimin, era seu nome. Olhos de linha fina, dentes tortos, fios coloridos de um laranja desleixado, mãos pequenas, lábios redondos, All Star macróbio, sempre com cadarços desamarrados.
Jimin, era o único a lhe elogiar incessantemente, dizendo que sua escrita e visão universal era surpreendentemente ímpar; mesmo com as maçãs formigando em vermelho, e às vezes em tom inaudível com olhos escuros desviados.
Sorriu como um tolo. Balançava leve de um lado para o outro, aumentou o volume até que sentisse as paredes cantarem e baterem com a melodia grossa e mansa.
Seu estômago contorcia em um ninho, dando morada a passarinhos multicoloridos e alegres. Involuntariamente seus lábios curvavam, e o ar parecia laçar-lhe os pulmões num aperto paterno. Sentia-se leve, feliz.
A playlist aparentemente tratava de uma forma suave de ver a vida. Jimin parecia combinar com ela.
Amor.
Leveza.
Uma brisa calma num dia de verão fresco.
Ah, amor platônico.
Jimin não era bom com termos; mas tinha um extremo bom gosto musical.
Yoongi quis escrevê-lo algo bonito, porque era bom com palavras.
Porque ele gostava de Jimin e sua timidez constante.
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