Era a primeira vez que estar em Polis me deixava inquieta. A primeira vez em que o ar parecia mais pesado que o habitual. A angústia crescia em meu peito como uma chama recém-acesa que aos poucos vai ganhando força e proporção. A reunião na sala do trono havia confirmado todas as minhas suspeitas. O inimigo definitivamente estava entre nós. O que eu não sabia era quantos estavam ao nosso redor ou até mesmo mascarados entre aqueles que acreditávamos ser aliados.
A soberba nos olhos de Nia e Ontari, o excesso de confiança e a prepotência me faziam temer o pior. Temer que nosso controle estivesse totalmente fora do que acreditávamos. Temer que o motim pudesse ser apenas um disfarce para algo maior e mais sórdido. E se fosse assim, então Lexa poderia estar caminhando para uma armadilha. Meu peito se comprimia em dor só de pensar nesta possibilidade. Na possibilidade de que a minha comandante estivesse correndo um risco ainda maior.
Eu confiava nas habilidades de Lexa como guerreira e no fato de que ela era especial, mas parte de mim temia por sua vida. Pude ver nos olhos de Ontari uma sombra ainda maior e mais obscura do que na Rainha do Gelo. Roan tinha razão. Ontari era um problema maior que Nia. Alguém que parecia ter sido meticulosamente preparada para um momento como este em que o trono poderia ser tomado e o poder roubado pela Nação do Gelo. E nada me fazia crer que agora que elas finalmente haviam conseguido essa chance, jogariam dentro das regras. A Rainha do Gelo e sua guardiã não mediriam esforços e no fundo, pressentia que isso significava que a vida de Lexa estava em grande risco.
Tudo que eu queria era vê-la, lançar-me em seus braços para ter certeza que ela estava segura. Queria poder terminar essa guerra antes mesmo que ela começasse e que Lexa não precisasse lutar até a morte.
Morte.
A palavra se repetia em minha mente sem descanso, causando uma onda de tremor pelo meu corpo. A raiva por me sentir impotente e não proteger a mulher por quem meu coração batia me dominando por completo. A raiva por deixar que ela se sacrificasse novamente, mesmo sabendo que isso fazia parte de quem ela era. Mesmo sabendo que por ser Heda esse era seu dever. Ainda assim, me sentia incapaz. As espadas tintilavam uma contra outra e toda minha fúria parecia ter irradiado para os meus punhos, fazendo com que minhas investidas contra Aden ficassem mais fortes e precisas. Meus pensamentos me consumiam, mas pela primeira vez eu consegui fazer com que eles não me cegassem totalmente. Eu tinha total noção dos movimentos do menino, do espaço ao meu redor e do fato de que estávamos lutando em treinamento.
Os olhos verdes malignos de Ontari vieram à minha mente. A forma como ela me encarou assim que Nia a escolheu, como se o jogo já estivesse ganho antes mesmo de começar. Como se ela me desse um aviso silencioso de que machucaria a pessoa que mais me importava somente para que eu sofresse antes dela vir atrás de mim. Somente pelo poder. Para mostrar que era ela e não Lexa a melhor guerreira de todas. Cada poro do meu corpo parecia explodir em fúria.
Urrei contra Aden, lançando golpes fortes e precisos contra sua espada, enquanto o rosto do menino aos poucos se transformava na face da guardiã da Nação do Gelo. O desejo de eliminá-la crescendo ao mesmo tempo em que a paz que havia em mim desde que cheguei a Polis esvaia-se junto ao meu suor. Senti a dor de Mount Wheater enraizar-se novamente, trazendo a tona uma parte de mim que eu não gostava, mas que desesperadamente precisava. Havia chegado a hora de libertar meu lado sombrio, mesmo sabendo que ele podia me destruir novamente e irreversivelmente. No entanto, não havia escolha. Nada me impediria de proteger Lexa, mesmo que eu precisasse me sacrificar no processo. Mesmo que eu perdesse minha alma ou minha vida para mantê-la segura. Mesmo que a Clarke sumisse para sempre e no seu lugar restasse apenas Wanheda.
Por Lexa eu faria qualquer sacrifício.
Aden caiu depois que investi contra ele de maneira firme, sentindo o ódio me cegar por um momento. O garoto segurava a espada com as duas mãos, tentando impedir que a minha atingisse o fundo do seu peito. Seus olhos se arregalaram um breve instante, mas tudo que eu via era uma miragem embaçada do menino mesclada com o olhar de Ontari.
- Wanheda?
A voz do menino ecoou no silêncio da arena de barro e parecia ecoar no fundo do meu cérebro. Ainda assim continuei forçando a espada contra ele, sem poder discernir o que era ou não real. A espada se aproximava ainda mais de seu peito e a força em meus punhos era quase descomunal. Era como se toda a adrenalina estivesse concentrada em meus braços, tornando-os fortes e quase invencíveis. Os olhos de Ontari se mesclavam repetidamente entre o verde límpido do aprendiz. A bondade que havia nele se ofuscava nas miragens de meu inconsciente, dando lugar a maldade crua da guardiã da Nação do Gelo.
- Clarke!
O menino gritou quando a ponta de minha espada praticamente encostou-se a seu peito. Sua voz pacífica e firme era como a de Lexa. A semelhança atuou como um gatilho e a sombra em meus olhos se dissiparam por um momento. O verde dos orbes do menino voltou a ganhar vida e bondade. A maldade havia desaparecido e o choque tomou conta de mim. Afastei em reflexo, assustada com o que estava prestes a fazer. Aden não era uma ameaça, mas ainda assim estava cega o bastante para não enxergar isso e quase machucá-lo. Soltei a espada e levei as mãos ao rosto tentando não sufocar diante do desespero que me invadiu. Por um momento, tinha voltado a ser Wanheda simplesmente. A mesma que apertou o botão sem remorso e a mesma que quase havia machucado Aden por estar cega de raiva contra Ontari e Nia.
- Aden... Eu sinto muito. Por favor, me desculpe!
O menino levantou apoiando-se em sua espada, os cabelos loiros suados e colados em sua testa. A expressão tranquila e firme. Seus olhos não tinham nenhum resquício de raiva, mesmo após eu quase machuca-lo. Ele apoiou sua mão em meu ombro, num gesto de conforto e encarei o verde cristalino com receio. Um sorriso singelo formou-se no rosto do menino e sua expressão parecia me acolher como a de um amigo que me conhecia o bastante para saber que não havia sido intencional. Que eu não quis machuca-lo ainda que quase tivesse feito isso.
- Está tudo bem Wanheda? Você pode conversar comigo se quiser.
Assenti deixando o ar preso sair por minha boca. Eu tinha saudade dos meus amigos, de ter alguém para conversar. Tinha saudade de Lexa, que mesmo estando há poucos metros de mim estava longe o bastante para que eu não pudesse me aproximar dela. Aden era a única pessoa que eu podia desabafar e o conforto que eu sentia perto dele me fazia sentir como se eu tivesse perto de Octavia, Raven ou Bellamy.
- Sim. Eu só estou com raiva por tudo isso. Não confio em Ontari e tenho medo de...
- Tem medo de que a Comandante não vença o desafio?
- Tenho medo de perdê-la Aden...
Confessei. Minha voz saiu em sussurro e por um instante tive receio que o menino me julgasse ou não entendesse que existiam sentimentos entre eu e sua Heda. A cultura grounder era implacável quanto a isso, o que fez com que eu me arrependesse de ter dito qualquer coisa sem ter certeza da opinião do menino a respeito. Ele retirou a mão do meu ombro e abaixou-se para pegar minha espada que estava ao chão. Estendeu-a para mim e seu olhar ainda era calmo e sem julgamentos. Ainda era como o olhar de um amigo com quem podemos desabafar. Eu ainda estava confortável ao lado dele e de certa forma meu coração se acalmou por me sentir bem ao seu lado.
- Talvez eu não devesse te dizer isso, mas a comandante se reuniu com os nightbloods ontem. Ela nos fez prometer que se algo desse errado na luta contra Ontari nós honraríamos o acordo feito com o Décimo Terceiro Clã. Que nós protegeríamos os Skaikru como se fosse nosso povo.
Meu coração acelerou de imediato. O que tudo isso significava? As emoções se misturavam em mim de forma avassaladora. Sentia-me ainda mais apaixonada por Lexa ao saber que ela continuava me salvando e protegendo apenas porque desejava. Ao mesmo tempo, senti raiva por ela considerar a possibilidade de morrer e medo de perdê-la. As lágrimas se formaram em meus olhos e o bolo fechava minha garganta tornando difícil qualquer respiração pacífica. Não podia perder Lexa. Não podia nem pensar nisso.
- Você a ama não é? Aden questionou com a voz baixa e acolhedora.
Elevei meus olhos úmidos pelas lágrimas e encarei-o outra vez. Amizade. Paz. Conforto. Confiança. Era isso que seu olhar me transmitia. Era assim que eu me sentia. Então pela primeira vez me deixei pensar naquela pergunta. Deixei-me pensar nessa palavra que me assombrou por tanto tempo. Eu a amava? Mais que isso eu estava pronta para assumir meu sentimento? Amar Lexa era um presente, mas se eu me permitisse viver todo esse sentimento que explodia em mim conseguiria sobreviver se a perdesse? Eu conseguiria perder mais alguém que amo e ainda ter qualquer sanidade?
Tentei questionar meus sentimentos, embora no fundo eu soubesse que sim, eu amava Lexa. Eu a amava. E sim, não conseguiria seguir em frente sem ela. Precisava dela. Precisava de sua calma, do seu beijo, do seu abraço quente. Precisava senti-la comigo, me tornando forte e fraca ao mesmo tempo.
- Sim. O menino tocou novamente meu ombro e apertou-o delicadamente, como se estivesse me abraçando.
- Nós a amamos também. Ela vai vencer Wanheda. Ela não vai querer que ninguém mais cuide de seu povo e de você, além dela.
- Ela já pediu a você que o faça não pediu? Isso não quer dizer que ela sabe que não vai voltar?
Aden me encarou em silêncio, talvez procurando o que dizer ou talvez sem realmente ter uma resposta que me consolasse. Lexa era inteligente o bastante para pensar em tudo, assim como pensou em cada passo de Nia na reunião na sala do trono. Ela estava agora pensando no futuro. Um futuro em que ela poderia não fazer parte. Onde eu sobreviveria e ela não. Onde eu teria que achar um meio de sobreviver e não mais viver.
Sem ela a vida seria apenas sobrevivência. E eu já estava cansada disso.
A raiva começou a crescer novamente no meu peito. Tudo que eu queria era achar Lexa e segurá-la pela gola de seu traje. Queria gritar que ela não tinha o direito de pensar em partir. Que ela não tinha o direito de me deixar depois de tudo que vivemos. Fazer isso, no entanto, colocaria Lexa sob um risco maior, porque confirmaria a Nia que nós estávamos juntas. E se Lexa temesse que o meu destino fosse o mesmo de Costia, ela ficaria vulnerável e fraca.
- Eu confio em Heda. Confie também Wanheda.
Fé. Precisava ter fé em Lexa e em Trimani. E eu tinha. Mas também queria poder confiar em mim mesma. Fazer a coisa certa e terminar uma guerra de outro jeito. Protegê-la ao menos uma vez.
- Você confia em mim Aden?
O menino assentiu em silêncio aguardando que eu continuasse.
- Por favor, preciso falar com Roan a sós. Traga-o até mim.
***
A biblioteca de Polis era puro silêncio. O cheiro dos livros antigos inundava o ambiente envolto em paz. A ansiedade fazia meu coração bater forte deixando-me impaciente. Estava prestes a confiar em Roan sem ter certeza de que ele era confiável. Estava prestes a quebrar a promessa que fiz a Lexa em manter-me longe enquanto os inimigos estivessem em Polis.
Talvez fosse a pior das escolhas outra vez, mas não era como se eu pudesse esquecer o olhar de Ontari ou o medo de perder Lexa. Eu precisava agir, mesmo que me arriscasse demais. Eu ficaria bem se soubesse que ela estava bem. A porta da biblioteca se abriu. Eu estava sozinha, pois não permiti que Aden ficasse. Ele não me deixaria agir se soubesse o que eu pretendia fazer. E não deixaria que ele carregasse o peso da minha decisão se algo desse errado. Como em Mount Weather eu estava sozinha. Eu e o peso das minhas escolhas.
Roan aproximou-se me encarando com curiosidade. O guerreiro sentou a minha frente, apoiando os cotovelos na grande mesa de madeira. Seus olhos azuis fixos nos meus.
- Em que posso ajudá-la Wanheda?
Engoli em seco por um instante, tentado considerar se realmente estava no caminho certo. Tentando pensar se eu deveria recuar e desistir de tudo. Então me lembrei do olhar de Lexa, de nossos momentos juntas, da nossa primeira vez e de quando ela me disse que estava apaixonada por mim. Ela já estava se sacrificando por mim e eu devia me sacrificar por ela. Mais que isso, eu queria me sacrificar por ela se isso significasse que ela estaria a salvo. E não apenas por nosso povo, mas por que eu a amava.
- Nós dois temos um interesse em comum Príncipe Roan. Eu quero que se una a mim.
- E o que nós temos em comum Wanheda?
- Você quer destruir a Rainha e Ontari, tanto quanto eu quero. Se elas caírem você assume o trono e volta para sua terra. Azgeda será apenas sua.
- E você? Ele disse com o tom baixo e firme.
- Eu evito uma guerra e protejo meu povo.
- Seu povo e sua Comandante.
Encarei os olhos azuis de Roan mantendo-me firme e impassível enquanto por dentro estava explodindo. Se ele havia percebido algo entre eu e Lexa então talvez Nia e Ontari também e isso só piorava as coisas. Estava me atirando no escuro. Confiando em Roan quando ele podia estar apenas me sondando e repassando as informações a Rainha. E por isso, não podia deixar que ele percebesse qualquer sinal de receio em mim.
- A Comandante é a garantia de que meu povo continuará a salvo. Se Ontari vencer a batalha declarará guerra contra nós. E isso não é um risco que estou disposta a correr.
- Não posso fazer nada contra elas. Seria rejeitado pelo meu povo se o fizesse.
- Mas pode me ajudar a chegar até elas e deixar que eu o faça. Em troca apenas quero a sua palavra que quando assumir o trono não irá se voltar contra meu povo e irá honrar o acordo entre os clãs.
Os olhos azuis de Roan analisavam-me em silêncio, como se quisessem enxergar qualquer resquício de insegurança ou mentira. Minha única mentira era que a principal razão por correr esse risco era proteger Lexa, não pela paz e sim pelo meu amor por ela. Pelo desejo de querer viver ao lado dela ou apenas que ela vivesse, mesmo sem mim.
- Temos um acordo Wanheda. O que pretende fazer?
- Eu vou envenená-la e depois matar Ontari.
- Ontari não é alguém fácil de matar Comandante da Morte.
- Ainda assim, você seria Rei, pois é o filho legítimo de Nia. E eu ainda teria a garantia de que meu povo continuaria a salvo. Então, príncipe, vai me ajudar ou não?
- Como eu já havia dito, temos um acordo.
***
- Clarke dos que vieram do céu deseja falar com você minha Rainha.
Um dos guardas que escoltavam a porta de Nia anunciou-me. Mantive meu rosto impassível lembrando-me a todo o momento que eu era apenas Wanheda. Não poderia fraquejar assim que atravessasse a porta. Não poderia expor qualquer sentimento em relação à Lexa. A Rainha do Gelo não acreditaria em minhas fraquezas.
A grande porta de madeira se abriu assim que a permissão fora concedida. Atravessei o pequeno corredor avistando Nia sentada em uma cadeira com um banquete a sua frente. Permaneceu cortando calmamente uma fruta com sua adaga enquanto me aproximava dela. Eu só precisava convencê-la que seríamos aliadas e atacar no momento certo. Os olhos azuis e gélidos da mulher encararam-me com a mesma soberba e o mesmo ódio da sala do trono. Não havia nenhuma garantia de que eu sairia viva daquela sala, mas nada disso me importava desde que a Rainha também terminasse morta.
- A que devo o prazer?
A voz fria da mulher ressonou baixa e debochada. Engoli em seco, mantendo o controle para que ela não visse nenhum sinal de abalo ou raiva em mim.
- E se eu mudasse meu voto?
Por um momento a soberba nos olhos de Nia havia desaparecido. A mulher encarou-me com um certa surpresa em seu olhar frio. Certamente ela não esperava que eu propusesse isso e minha única chance era fazer com que ela acreditasse em cada palavra que eu diria. Mesmo não sendo verdade e sendo necessário mentir para que ela acreditasse em mim, parte de mim morria por dentro. Era como se eu estivesse traindo o que eu sentia por Lexa ao tentar fazer parecer que ela não me importava, quando ela era tudo que realmente me importava além da minha família e amigos. A sensação era de perfurar meu próprio coração para que ninguém perfurasse o dela.
A Rainha soltou um pedaço de fruta que estava em sua mão, depositando-o no prato a sua frente. Os olhos gélidos não desviaram dos meus em nenhum momento. O frio na espinha me percorria enquanto o veneno espalhado na manga da minha blusa parecia queimar minha pele.
- Agora você está pensando como líder de seu povo.
O ar que estava preso em meus pulmões soltou-se finalmente de forma delicada e quase imperceptível. Era um alívio silencioso poder respirar depois de ter conseguido a atenção da mulher. Roan havia me dito que a única maneira de Nia acreditar em mim seria demonstrando total desprezo por Lexa. E agora sabia que ele dizia a verdade. Nia entenderia apenas uma linguagem fria e egóista, meneada pelo desejo puro e simples de poder. A deixa que eu precisava foi dada pela mulher e dei alguns passos em direção a ela, parando lateralmente no centro da mesa.
- Eu precisaria de garantias primeiro. Minha voz soou firme e fria.
- Os Skaikru ficariam a salvo.
A mulher antecipou-se a mim, como se soubesse que essa seria minha principal condição para um trato.
- E quanto a mim?
- Minha briga é com Lexa, não com você.
Nia fincou sua adaga na mesa de madeira com fúria e controlei todo meu ser para não pegar a faca e enterrá-la no peito da mulher. O ódio por Lexa transbordava em seus olhos e na expressão de seu corpo e eu a odiava por querer fazer mal a minha mulher. Ali, naquele instante, tive a certeza que Nia não pouparia esforços para matar Lexa.
- Não é o que parece. Você vem tentando tomar meu poder há algum tempo. Desafiei-a.
- E perdi alguns bons guerreiros por isso. Você é boa Wanheda. Lexa não é tão tola em te querer como aliada.
- E o que me faz pensar que você também me teria como aliada?
- O fato de que matando Lexa não precisarei mais do seu poder. Serei a dona do trono de Polis, a soberana de todos os clãs. Não há maior poder que esse Wanheda. Nem mesmo o seu que foi capaz de derrotar a montanha.
O ódio inflamava por minhas células, fazendo meu coração bater forte e meu peito queimar enquanto eu respirava. O simples pensamento do sofrimento que ela havia feito Lexa passar ao cortar a cabeça de Costia e a certeza de que ela a machucaria de todas as formas possíveis até vê-la morta faziam qualquer resquício pacífico desaparecer. Eu a mataria. Eu não deixaria que ela chegasse perto de Lexa ou a ameaçasse.
- Está bem.
- Temos realmente um acordo Wanheda? Você não quer vingança pelas tentativas que fiz contra você ou pelas pessoas do seu povo que morreram na mão de Azgeda?
- Minha prioridade é com os que vivem, não com os mortos. Além disso, você nunca me traiu como Lexa fez em Mount Weather.
A Rainha deu um sorriso sórdido e maligno e apenas encarei-a séria, enquanto meu coração parecia estar sendo esfaqueado friamente. Era torturante ter que dizer cada palavra infligindo ódio nelas como se fosse isso que eu sentisse por Lexa quando era justo o oposto. Tinha consciência de que o ódio em minhas palavras era na verdade contra Nia e Ontari, mas ainda assim me machucava ter que dizer coisas tão frias da mulher que eu amava, mesmo que eu estivesse fazendo isso por ela.
- Então se trata de vingança também. Parece que Lexa tem o dom de fazer inimigos não é mesmo Wanheda?
Meu corpo parecia poder explodir a qualquer instante. Precisava acabar com isso antes que colocasse tudo a perder e partisse para cima de Nia para fazê-la engolir as palavras e pedir perdão pela forma como ela se referia a Lexa.
- Vinculamo-nos por sangue.
Disse utilizando a linguagem grounder enquanto arranquei a adaga da Rainha da mesa de madeira. Olhei friamente para a mulher mais uma vez antes de fincar a adaga na palma da minha mão e deixar que a lâmina afiada rasgasse minha pele em um corte profundo. A dor lacerou-me por dentro, mas meu rosto permaneceu impassível como se eu apenas tivesse alisado a palma da mão. O sangue quente e vermelho vivo brotou de imediato e começou a escorrer pelo corte. Nia me observava em silêncio, a soberba brotando em seus olhos como se o jogo estivesse ganho por ela outra vez. Então eu soube que ela havia acreditado em mim.
- Vejo que aprendeu nosso juramento.
Passei a adaga na parte da manga embebida com o veneno, limpando o sangue fresco e quente que estava na lâmina enquanto a envolvia com a transparência letal da morte. A substância potente feita da mistura de plantas raras e veneno de escorpião matava o inimigo poucos segundos após entrar em contato com a corrente sanguínea. Nia não teria tempo de gritar ou tentar me matar. Ela morreria muito antes de pensar nisso. Eu esperaria escondida por Ontari com a mesma adaga embebida em veneno e quando a guerreira aparecesse e se desarmasse ao perceber que sua rainha estava morta eu teria chance de atingi-la. Com as duas mortas, Roan assumiria o trono, a guerra terminaria e Lexa não precisaria mais lutar. Ela estaria a salvo. Nós teríamos paz. Finalmente, paz.
- Você aceita?
Finquei a adaga na madeira e encarei a Rainha nos olhos. O sangue escorrendo sem parar pela minha mão e o coração batendo no peito freneticamente a espera de sua resposta. Nia levantou-se da cadeira e andou até mim. A soberba em seus olhos penetrando-me como estacas de gelo frio. Ela arrancou a adaga da madeira e deu um sorriso mórbido.
- Vinculamo-nos por sangue.
Repetiu as palavras do juramento aproximando a adaga da palma de sua própria mão. Bastava apenas um corte para o veneno alastrar-se pelo seu corpo tirando-lhe a vida, o poder e orgulho que ela tanto conservava.
- ESPERE!
Um grito ecoou pela sala, fazendo com que a rainha parasse com a adaga a centímetros de sua pele. Senti meu braço sendo puxado com brutalidade e uma mão empurrar-me com força no ombro enquanto uma rasteira em minhas pernas foi dada com rapidez, fazendo com que eu caísse de costas na mesa de madeira. A dor em meus ossos fez-se aguda enquanto minha cabeça bateu contra a mesa deixando-me zonza. Meus olhos fitaram os verdes ainda mais gélidos que os de Nia. O mal parecia estar impregnado neles, tirando qualquer brilho de seus orbes. Era incrível como a cor verde que eu amava em Lexa e Aden agora parecia ser a cor mais horrenda do mundo, apenas por refletir a alma sombria de Ontari. A guerreira uniu meus braços com brutalidade e cheirou minha manga em seguida.
- Veneno!
Ela disse encarando Nia que pousou os olhos em mim repletos de ódio. A chance que eu tinha de salvar Lexa havia morrido e eu sabia que não conseguiria matá-las sozinha sem qualquer arma ou elemento surpresa. A morte estava sorrindo para mim outra vez. E dessa vez foi eu quem a procurei de peito aberto, arriscando-me sem medo. O sorriso de Lexa e seus beijos me vieram à mente. Os olhos verdes sempre cheios de paz rejuvenescendo minha alma perdida, lembrando-me o quanto doeria não mais vê-los.
- Nós poderíamos ter sido aliadas Wanheda, mas você me traiu. E agora, eu declaro você e seu povo inimigos de Azgeda. Quando Lexa cair vou exterminá-los até que o último Skaikru caia sem vida.
Um arrepio frio me percorreu a espinha enquanto a mulher rosnava as palavras com uma frieza assassina. Tudo que eu queria era evitar a guerra e ao invés disso estava apenas tornando-a inevitável. A esperança parecia esvair-se por minhas células enquanto o sentimento de incapacidade e raiva de mim mesma me inundavam a alma.
- Ontari me dê sua mão!
A Rainha ordenou e a guerreira sem qualquer hesitação soltou meu braço e ofereceu a mão para Nia que sacando outra adaga de sua armadura rasgou a palma da mão de sua guardiã sem pestanejar.
- Vou deixa-la viver, por ora, para enviar uma mensagem a Lexa.
Meus olhos seguiram o sangue que escorria pela palma da mão de Ontari e meu coração pareceu ser esmagado no peito quando percebi que havia muito mais do que um ódio pelo filho quando Nia escolheu Ontari para o duelo. Tratava-se de uma estratégia. De um jogo que ela traçou perversamente e que justiçava toda soberba em seus olhos.
O sangue que escorria de sua guardiã era negro.
Ontari era uma nightblood.
- Eu tenho minha própria sanguinária – Nia proferiu cheia de ódio enquanto apertava a mão ferida de Ontari sobre o meu rosto fazendo com que o sangue da mulher caísse por toda minha face. Fechei os olhos e virei o rosto tentando me livrar das gotas de sangue quente que caíam incessantemente – E ela será a próxima comandante!
- Você não vai conseguir vencer essa guerra. Lexa irá derrotar Ontari!
Disse com raiva sentindo o sangue de Ontari escorrer por minha face.
- Ontari jamais será derrotada, nem mesmo pela Heda dos Doze Clãs. E quando Lexa cair, eu vou segurar a cabeça dela em minhas mãos e vou assumir o trono de Polis enquanto assisto você e cada membro dos Skaikru ser morto aos meus pés.
Me ergui em plena fúria, mas antes que eu pudesse tentar alcançar a adaga envenenada para matar as duas mulheres, senti um golpe forte em minha nuca e desfaleci.
***
- Clarke!
- Acorde Clarke!
- Clarke!
A voz de Lexa imperava no fundo do meu inconsciente trazendo-me de volta do lugar escuro em que permaneci enquanto estava desacordada. Meus olhos foram abrindo lentamente, vendo vultos de seus cabelos castanhos ao redor de seu rosto. O cheiro cítrico me acalmando os batimentos frenéticos enquanto sua mistura ao cheiro de sangue em minha face me lembrava de que havia sido tudo real.
Os olhos verdes que eu tanta amava fitavam-me angustiados. Suas mãos seguravam um pano branco embebido com um forte odor próximo ao meu nariz, mas ainda assim o cheiro dela prevalecia e parecia ser a única coisa capaz de me fazer acordar. Meus olhos piscaram por um momento, até que o rosto de Lexa foi tornando-se nítido. A preocupação no seu olhar fez meu coração cortar-se em mil pedaços porque eu sabia que era a causa daquela dor. Se eu estivesse morta Lexa sofreria tanto quanto sofreu ao perder Costia e aquilo seria minha única culpa. A mandíbula dela estava firme e sua expressão era de Heda, mas seu olhar era apenas meu. Era apenas o olhar da mulher que eu amava que estava ali sentindo medo.
Lexa estendeu sua mão para mim e ajudou-me a levantar devagar. A dor na nuca latejava aguda da pancada que Ontari havia me dado. Minha cabeça também doía, mas nada se comparava ao meu coração. Vi que Titus estava ao lado de Lexa, assim como Aden. Os olhos do menino me fitaram com certa culpa e tristeza. Ele parecia se culpar quando a única responsável era eu. Meus olhos percorreram os três até se concentrarem em Lexa. Engoli em seco sabendo que teria que dizer a ela que quebrei a promessa que fiz e com isso arriscar perder sua confiança. Lexa estendeu-me o pano úmido e comecei a limpar meu rosto para retirar o sangue seco cujo cheiro estava me enjoando.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Titus veio até mim e passou o dedo sobre o resquício de sangue seco que ainda estava em minha testa. O guardião olhou incrédulo para Lexa.
- Um comandante da Nação do Gelo? Agora tudo faz sentido Lexa! A obsessão de Nia por você, o duelo, o motim! Ela quer o trono porque ela tem uma nightblood. Nós fomos bem manipulados enquanto achamos que estávamos manipulando-a. Ela sabia que Wanheda poderia ficar em seu favor na votação de desonra e usou suas provocações para chegar ao desafio. Ela sabia que você o aceitaria e não escolheria ninguém para lutar no seu lugar. Mesmo não sabendo que você também o queria para ganhar tempo, ainda assim, ela tinha um plano do qual não fazíamos ideia. Eu te disse Lexa, Nia é ardilosa!
Titus deferiu firmemente. Lexa o encarou em silêncio parecendo pensar em suas palavras. Nia também havia entrado naquela sala com um objetivo e ela o havia conseguido. Quantos mais estariam escondidos nas sombras de Azgeda? Sua soberba escancarada nos olhos não era apenas orgulho. No fundo ela estava tão segura quanto nós.
- Se Ontari é uma nightblood porque ela não está aqui como Aden e os outros? Perguntei atraindo a atenção de Titus e Lexa.
- Ela deveria ser treinada aqui, mas Nia é esperta demais para isso. Ela a treinou ao seu próprio modo. Fez de Ontari uma máquina fria e mortal. Preparou-a para este momento. O momento em que ela desafiaria Heda - Titus respondeu irritado – Seu legado está comprometido Lexa. Ainda há tempo para escolher outro campeão.
- Você sabe que não posso fazer isso! Lexa encarou-o com fúria e andou para longe do homem.
- Heda...
- Deixe-nos! Lexa estendeu a mão para o alto ordenando a Titus que saísse. O homem assentiu, calando-se imediatamente e levando Aden consigo. Olhei uma última vez para o menino num pedido singelo de desculpas e ele assentiu como se dissesse que depois conversaríamos.
Meu coração batia freneticamente, sabendo que havia chegado a hora de encarar Lexa. Não fazia ideia do que me esperava, mas a conhecia o bastante para saber que estava com raiva. De qualquer forma eu ainda precisava tentar salvá-la, mesmo que recebesse sua fúria em troca.
- Lexa, Titus tem razão. Se você lutar vai dar a Nia exatamente o que ela quer!
- Somente se eu perder! Lexa virou-se para mim, os olhos verdes furiosos – Ontari é uma nightblood Clarke. Você não entende? É meu dever derrotá-la porque sou a única que pode! É o meu dever para com o povo!
- Isso não é apenas sobre o povo! E se você não puder derrotá-la?
- Você não confia em mim não é? Eu pedi que ficasse longe de Nia e Ontari e você quebrou sua promessa! Você poderia ter morrido hoje Clarke!
Lexa rosnou contra mim em um tom alto, os olhos ainda furiosos, mas ao mesmo tempo angustiados diante da possibilidade da minha morte. Eu também estava com raiva. De mim mesma por não ter conseguido matar Nia e de Lexa por insistir em se arriscar. Uma parte de mim sabia que era o dever dela, mas a parte apaixonada, a parte mulher, se recusava a aceitar isso.
- Eu estava tentando acabar com isso! Eu estava tentando proteger você! Gritei de volta, nossos rostos próximos o bastante para que nossas respirações se tocassem – Eu não posso simplesmente ficar aqui vendo você morrer!
- Se isso acontecer então só posso confiar que Aden vai derrotar Ontari e dar continuidade ao meu legado. E você precisa aceitar isso Clarke!
- Uma ova que eu vou! Onde elas estão?
- Elas já saíram de Polis. Você ficou horas desacordada e só agora te encontramos!
- Eu vou agora mesmo atrás delas. Vou terminar o que comecei e matá-las eu mesmo!
Sai em disparada ardendo em fúria e Lexa segurou meu braço com firmeza fazendo-me virar abruptamente contra ela. Nossos corpos se chocaram no processo e o verde misturou ao azul em tons escuros de desafio.
- Não ouse se colocar em perigo novamente Clarke! Não vou deixar que você se arrisque de novo.
- E porque não Lexa? Se for o seu destino morrer pelo povo porque você é a líder, não se esqueça de que eu sou a Comandante da Morte! Eu sou Wanheda e também posso escolher meu destino e nada do que você disser vai me fazer desistir de...
E antes que eu concluísse meu pensamento a boca de Lexa fechou sobre a minha com força. A raiva misturada com a paixão. Os lábios carnudos prensando os meus com fome, como se dependesse disso para viver. Lexa segurou meus cabelos com força e agarrei seus ombros. Um gemido frustrava e raivoso escapou por meus lábios assim que sua língua invadiu minha boca sem piedade. Empurrei-a contra o trono fazendo-a sentar e sentando em seu colo. Cada célula do meu corpo parecia explodir ao mesmo tempo em que toda raiva se esvaia enquanto a língua quente dela inundava minha boca.
O beijo de Lexa parecia me curar de todo veneno. Me purificar enquanto me incendiava.
Mas eu estava disposta a envenená-la de amor essa noite. Era a minha vez.
Comecei a soltar a armadura em seus ombros com força, puxando a blusa cinza para cima enquanto Lexa apertava minha cintura e aprofundava o beijo arfando em minha boca. Pressionei meu quadril para baixo enquanto descia beijos molhados pelo seu pescoço. O cheiro cítrico me inundando e entorpecendo. Lexa gemeu baixo segurando meus cabelos, deixando que eu assumisse o controle.
- Comandante está aí? O rádio comunicador preso a cintura de Lexa ecoou com a voz de Indra fazendo-nos saltar com o susto.
Paramos o beijo imediatamente, ainda meio ofegantes enquanto Lexa pegava o rádio deixado por Kane para comunicação.
- Sim, Indra. Fale.
- Estamos voltando para Polis Heda e alguns dos Skaikru estão voltando comigo.
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