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História Só talvez. - Contretemps.


Escrita por: Hamelia

Capítulo 3 - Contretemps.


/Contratempo/

◤Situação ou acontecimento cuja ocorrência é inesperada; aquilo que impede a realização normal de alguma coisa.◥

Meus olhos estavam postos no teto acima de mim quando escutei o delicioso som do despertador. Minhas noites são resumidas em dormir tarde e ficar acordado a noite inteira, até ouvir o som do meu amado amigo despertador. Não suporto dormir. Detesto ter que desperdiçar meu tempo com algo tão fútil e sem utilidade. Sendo assim, logo quando deito fico perdido em meus pensamentos, rezando com a maior força que tenho para que a noite passe logo.

Retiro o fino edredom cinza de cima de mim e me sento na cama, passando minha mão sobre meu cabelo, puxando-o para trás. No começo, quando eu insistia em ficar acordado, meus olhos ficavam vermelhos e ardiam, junto com grandes manchas roxeadas abaixo deles. Meus olhos já se acostumaram com a minha rotina, porém infelizmente as olheiras ainda continuam a me atormentar. É apenas a evolução, nossos corpos tem que se adequar com o que está acontecendo ao nosso redor. No meu caso, se adequar com que está acontecendo comigo mesmo. 
Caminhei sobre o chão frio até o banheiro do meu quarto, onde apenas lavei o rosto e escovei meus dentes. Depois de guardar minha escova de dentes, voltei ao quarto e retirei do meu armário uma camiseta cinza, uma calça preta e um casaco esverdeado com pequenas partes felpudas, junto com um sapato preto. Como estava apenas de boxers, apenas vesti as roupas e sai do quarto, terminando de colocar meu relógio de pulso.

Entrei na cozinha e liguei a cafeteira, coloquei minha xícara nela e esperei o café descer. O que infelizmente não aconteceu.
—Mas, que droga! — Exclamei dando uma forte batida na cafeteira, seguida por várias outras. Ela não estava pegando ontem? E também anteontem? E semana passada? Por que diabos ela haveria de parar de funcionar agora?! Me afastei, encostando meu corpo contra o balcão, quando minha xícara caiu no chão, quebrando-se em vários pedaços - Inferno!

Suspirei e passei minha mão fortemente pelo meu rosto. Olhei para o relógio no meu pulso e grunhi assim que notei que se limpasse isso iria acabar me atrasando. Desliguei a luz da cozinha e caminhei até a porta de entrada, fechando o zíper o meu casaco. Já era seis e quinze, daqui à quinze minutos ela estaria lá. Tenho que chegar a tempo, ou acabarei mudando minha rotina. Não posso fazer isso, afinal sigo-a há mais de dois anos, não irá ser agora que irei mudá-la.


Meus dedos batucavam fortemente o volante, minha cabeça estava apoiada sob minha mão enquanto eu suspirava irritado. Já se passavam das sete e dez, e eu ainda estava preso no trânsito. Ela provavelmente já estava arrumando suas coisas para ir embora. Já teria tomado seu café, lido alguns capítulos do seu livro e estaria agora pagando a conta do café e os pãezinhos de queijo para ir embora.
"Inferno!" praguejei mentalmente. Eu sempre conseguia um jeito de não ficar preso no trânsito, sempre achava um atalho, mas dessa vez não consegui nem sair do carro.

Após mais dez minutos eu finalmente consegui novamente voltar a dirigir, então acelerei o máximo que pude em direção à Coffee's Joe, onde geralmente tomava café. 

Estacionei meu carro na vaga no outro lado da rua, tranquei o carro e ativei o alarme. Caminhei a passos rápidos em direção ao café e então passei meu olhar pelo lugar pequeno e aconchegante, tentando achar algum sinal dela.

Com pouca esperança, fui até o balcão do caixa, talvez ela estivesse no banheiro ou algo do tipo.
–Com licença. - Falei apressado empurrando levemente uma senhora que estava sendo atendida.
–Harry! Que bom te ver novamente, rapaz. - Grant falou animado ao me ver. A senhora ao lado me olhava irritada, porém isso era o que menos me importava no momento. - Chegou mais tarde hoje, não?
–Sim, mas isso não importa. - Respondi ríspido. - Você viu ela? Sabe se ela ainda está aqui?

Grant me olha confuso, porém logo estala os dedos e sorri novamente.
–Fala daquela garota que você sempre olha? 
–Não fale tão alto! - Resmunguei.
–Certo, certo. - Respondeu revirando os olhos - Ela saiu há pouco tempo. Acredita que ela até perguntou por você?
"Ela perguntou por mim? Ela havia perguntado por mim? Havia sentido minha falta?"
–Oh, certo.. - Limpei minha garganta, sem jeito. - Obrigada.

Ela havia perguntado por mim! Céus, eu estava pulando de alegria por dentro. Meu corpo estava quente, mordi meus lábios tentando conter o sorriso porém era uma tentativa falha. Estava tão feliz que poderia explodir. Porém resolvi deixar para pensar nisso depois, eu ainda tinha que dar um jeito de encontra-la. Só a via uma vez por dia, não poderia deixar isso passar.

Já dentro do carro e com ele ligado, dei a partida e fiz a trajetória que ela fazia quando voltava para casa. Eu havia a companhando algumas vezes, com a desculpa de que "meu carro quebrou". Claro, em todas as vezes era mentira, mas ela parecia acreditar então eu não me preocupava com isso.

Virei a esquina faltando apenas três quarteirões para sua rua e então a avistei. Seu cabelo balançava fortemente, era curto mas isso não impedia deles atrapalharem sua visão. Em seu ombro estava uma pequena bolsa, e em sua outra mão ela segurava seu livro fortemente contra o peito. O verto estava forte, porém ela usava apenas um fino moletom azul que se encaixava por dentro de uma saia branca. Ela iria adoecer com toda a certeza.

Diminui a velocidade do carro o estacionando ao lado dela, seu olhar foi posto em mim quando eu abaixei a janela. Minha expressão com certeza não era a melhor, já que eu estava completamente furioso. Ela sorriu, porém seu sorriso se desvaneceu quando viu minha expressão.
–Olá, Harry. - Ela falou baixo sorrindo fraco. Provavelmente estaria com medo de mim. Sim, eu sei o quão assustadora é a minha expressão, já que constantemente estou assim. Ajuda a afastar pessoas indesejadas. - Não o vi no café hoje, imaginei que estivesse ocupado e...
–O que pensa que está fazendo? - Exclamei irritado. Como ela podia estar tão calma sabendo que iria adoecer andando desse jeito num frio como esse?
–Como assim? - Perguntou confusa.
–Por Deus, olhe suas roupas! - Respirei fundo e destravei a porta do banco ao lado do motorista. - Entre.
–Oh, não é preciso, já estou perto de casa e... - Respondeu certa e apontou para sua rua, porém a interrompi.
–Entre logo antes que você adoeça. - Falei irritado.
Ela parecia querer questionar minha ação, porém provavelmente notou que eu não iria desistir tão cedo, então abriu a porta e se sentou no banco ao meu lado. Fechou a porta do carro e passou suas mãos levemente sobre seus cabelos, arrumando-os.
–Não ande vestida desse jeito em dias frios como estes, vai acabar adoecendo. - Ralhei.
–Certo, papai. - Ela respondeu sorrindo. Para ela eram simples palavras, mas para mim foram palavras suficientes para que eu a imaginasse nua em uma cama implorando para que eu lhe fodesse.

Mordi meus lábios e me mexi sobre meu banco, tentando-me manter instável.

O silêncio se instalou no local, a atenção dela estava posta no lado de fora do carro, onde ela observava atentamente a paisagem repleta de prédios. A tensão logo se espalhou pelo local, por mais que eu estivesse dirigindo devagar para conseguir passar mais tempo com ela, o silêncio impedia isso. Claro, para mim apenas estar ao lado dela me bastava, mas ela não parecia estar a vontade.
Retirei o pendrive do meu bolso da calça e o encaixei no som, pulando algumas músicas e então deixando Aurora de Foo fighters soar.
–Me pegue agora, nós podemos girar em volta do sol, e todas as estrelas virão para cá. - Murmurei acompanhando a música. Vi de relance ela me acompanhar com seus olhos, sua atenção completamente depositada em mim - E então nos viramos e voltamos, viramos e voltamos...
Continuei cantarolando a música, evitando olhar para ela. Ela estava me observando sem a menor tentativa de dirfarsar, e ver ela fazer isso era como uma nova façanha ganha para mim. 
–Eu poderia morrer por você. Você provavelmente só ficaria me encarando. - Murmurei novamente, balançando levemente minha cabeça, ansioso para o refrão. - Nós sempre teremos a chance. Nós podemos fazer isso mais uma vez. Inferno, sim, eu lembro da aurora, todo o tempo. Inferno, sim, eu lembro da aurora.

Bufei mentalmente ao notar que já estava na rua onde ela morava, estacionando o carro em frente a sua casa. 
Finalmente a olhei e então engoli seco ao notar o quão concentrada ela estava. Seus olhos castanhos escuro estavam bem abertos me observando com atenção, suas sobrancelhas levemente levantadas demostrando o quão pensativa estava, e seus lábios entre abertos, se mexendo vagarosamente.
–Então? - Sussurrei, por mais difícil que fosse. Estávamos nos encarando por minutos.

Então ela piscou algumas vezes e se afastou de mim, voltando a se sentar normalmente no banco do carro. Passou sua mão sobre seu braço coberto pelo fino tecido azul de seu moletom, evitando me olhar. 
Quando seu olhar finalmente chegou até o meu, suas sobrancelhas estavam franzidas, demonstrando confusão.
–Já estamos na sua casa. - Falei rindo levemente. Seu rosto ganhou um tom levemente avermelhado, provavelmente envergonhada de estar tão distraída me olhando.
–O-oh, certo. - Respondeu, pegando sua pequena bolsa e a colocando novamente no ombro. 
Ela colocou sua mão sobre a trava da porta e a abriu, pronta para sair do carro. Levei minha mão até seu queixo, antes que ela saísse, trazendo seu rosto de encontro ao meu, me inclinando e deixando um leve beijo em sua bochecha avermelhada.
Ela novamente se afastou, saindo do carro. Então se virou para mim e abaixou-se na altura da janela, me dando um sorriso timido.
–Estará amanhã no café? - Ela perguntou comprimindo os lábios.
–Sem falta. - Respondi sorrindo levemente.
–Certo. - Respondeu, mordendo os lábios - Até amanhã, Harry.
–Até, Aurora. - Sussurrei baixo, apreciando o doce gosto que seu nome causava aos meus lábios.



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