Duda estava almoçando com seus pais e avós em completo silêncio. Cansada de ouvir sempre a mesma coisa quando repetia os pratos decidiu tirar bem pouca comida na frente deles e quando eles não estivessem por perto comeria mais. Já vinha fazendo isso há uma semana e parece que tava dando certo. Quase não ouvia mais reclamações. Acabou de comer logo e se retirou, mas ainda sentia muita fome. Foi para seu quarto, abriu a porta do guarda roupas, tirou uma caixa de bombons e começou a comer. Olhou para o porta retratos em seu criado mudo e ao ver a foto de suas amigas sentiu saudades. Desde que Bia foi viajar, ela, Mel e Beka não se viram mais. Queria fazer outra coisa no fim de semana, que não fosse ficar em casa. Pegou então o celular e mandou uma mensagem para Mel:
"Estou com saudades, Mel. Pode vir aqui em casa hoje?"
Terminou de escrever e enviou a mensagem. Comeu o último bombom da caixa e continuava com fome. Olhou no guarda roupas e tirou um pacote de batata frita. Abriu a embalagem com desespero e colocou várias de uma só vez na boca. Ouviu o celular apitar e olhou para ele. Mel tinha respondido. Sorriu e abriu a mensagem engordurando todo o celular e leu:
"Hey, Duda, também estou com saudades, mas não posso ir ai hoje. Saí com meus pais, porque você não vem na minha em duas horas?"
Duda ficou olhando para o celular e colocou mais batatas na boca. Mel tinha razão, ir para a casa dela seria melhor que ficar em casa. Mandou uma mensagem para Mel de que iria lá e decidida se levantou e foi para o banheiro com o pacote de batatas. Iria se arrumar, Mel disse em duas horas, mas iria andando, fazia muito tempo que não fazia uma caminhada. Terminou de comer as batatas e se olhou no espelho, estava se sentindo mais gorda e odiava isso, mas comer era bom demais. Penteou os cabelos castanhos, colocou uma tiara, passou batom, blush e sombras. Gostando da imagem que viu no espelho, saiu do banheiro, pegou seu celular no quarto e desceu as escadas. Avisou sua mãe que estava saindo e foi para a rua. Gostou da sensação de liberdade que sentiu quando o vento tocou em seu rosto e sorriu. Hoje nada iria estragar seu dia.
Mel ouviu a campainha e correu abrir a porta, pois já sabia que era Duda. Fazia apenas duas semanas que não se viam e quando viu Duda, notou que ela havia engordado alguns quilos.
Sorrindo abraçou a amiga e a convidou para entrar.
― Como você está, Duda?
― Estou bem, e você Mel? ― Duda sorriu e se sentou no sofá.
― Eu estou ótima, finalmente ganhei um carro.
― Sério? Ain que tudo. Agora não precisamos mais do motorista da Bia.
― Que nada, não posso sair com o carro para ir em festas. Regras do papai! ― Mel fez uma careta.
― Poxa, esses pais. ― Duda revirou os olhos em desaprovação.
― Eles me deram o carro apenas pra eu ir pra faculdade.
― Qual é a graça então?
― É só pra eu não depender da mamãe. Nossos horários não vão dar certo mais. ― Mel se levantou e puxou Duda para que a acompanhasse. ― Vem, comprei um bolo de chocolate pra gente.
― Oba!!! Amo bolos. ― Duda se levantou rapidamente e correu pra cozinha.
Mel riu pela alegria de Duda e correu atrás dela. Quando chegou na cozinha Duda já estava se servindo com agilidade e para brincar Mel disse: ― Fique à vontade.
Duda riu lambendo a ponta do dedo que havia sujado no desespero de cortar o bolo.
― Desculpa, Mel, é que eu estou morrendo de fome. Estou comendo menos agora. Entrei num regime.
― Não tem problema, Duda, pode comer à vontade.
― Obrigada, Mel. Você é muito gentil.
Mel sorriu, pegou uma fatia de bolo e comeu um pedaço. Ficou olhando Duda comer e sentiu vontade de dizer a ela o que estava sentindo em relação à Beka. Mas e se ela contasse para alguém?
― O que foi Mel? Porquê ta me olhando? ― Duda ficou desconfiada.
― Eu só estava pensando Duda, mas não é nada com você.
― Então é sobre o que?
― Nada não. ― Mel riu envergonhada e abaixou a cabeça.
― Eu não acredito nisso, te conheço muito bem, Melissa. ― Duda colocou o ultimo pedaço de bolo na boca e pegou mais uma fatia.
Mel olhou para Duda, estava com medo de contar e ela rir e depois contar pra todo mundo, mas sentia necessidade de contar para alguém. Iria correr o risco, Duda nunca foi fofoqueira, porque agora seria? Respirou fundo, contou até três e disse rápido:
― Promete que não conta para ninguém, Duda?
Duda a olhou com a boca cheia e balançou a cabeça que sim, fazendo Mel rir.
― Mesmo? Porque mais ninguém pode ficar sabendo disso.
― Ta bom, Mel, eu prometo. Sei guardar segredo, não sou fofoqueira. ― Duda chupou os dedos ao terminar de falar.
― Se lembra aquele dia que a Bia me fez beijar a Beka?
― É claro que eu lembro, depois ela veio me agarrar por culpa sua ― Duda fez uma careta de nojo.
― Me desculpa mais uma vez, Duda, eu só pensei em me vingar dela, nem pensei no seu lado.
― Está tudo bem, Mel, é passado, não vai acontecer de novo, eu espero.
― Não se depender de mim ― Mel riu e levantou a mão direita igual aos escoteiros.
― Bom mesmo, mas o que você estava me dizendo mesmo?
Mel riu e sentiu seu rosto queimar de vergonha, abaixou a cabeça então e ficou olhando para o bolo em seu prato que mal havia mexido. Encarar ela agora não iria dar coragem para contar. Respirou fundo novamente e quando se sentiu pronta começou.
― Então, eu não sei o que aconteceu comigo aquele dia, Duda, mas eu acabei gostando do beijo… ― fez uma careta de medo, esperando Duda começar a rir, mas isso não aconteceu, olhou para ela então e ela a olhava com ternura.
― Foi lindo o beijo de vocês, Mel, até gostei de ver, mesmo eu sendo hetera. ― Duda sorriu e cobriu a mão de Mel com a sua enquanto falava.
― Sério? ― Mel piscou algumas vezes, estava se sentindo embaraçada.
― Sim, vocês duas tem química juntas. Mas não era só isso o que queria me contar, não é? ― Duda soltou a mão da amiga para passar o dedo na cobertura do bolo, e chupá-lo em seguida.
― Não, tem mais coisas… desde então eu não parei mais de pensar naquele beijo, acredita, Duda?
― O que? Como assim? ― Duda ficou boquiaberta com a revelação.
― Eu sinto que meus sentimentos por ela mudaram, sabe? Eu não consigo mais vê-la como amiga. Tenho vontade de beijar ela toda vez que olho a boca dela. Eu sinto que estou ficando louca… ― Mel sabia que estava vermelha e piscando sem conseguir se controlar, mas contar esse sentimento para alguém estava te fazendo bem.
― Uau, tudo isso só com um beijo?
Mel balançou a cabeça que sim e comeu um pedaço do bolo pra criar coragem para terminar. Quando engoliu, encarou Duda que a olhava com curiosidade, querendo ouvir mais.
― Eu não consigo mais chegar perto dela, meu coração dispara quando a gente se encosta sem querer, mas eu não quero sentir essas coisas, Duda, o que eu faço? Eu estou ficando realmente louca.
― Pior que eu não sei como te ajudar, Mel. Eu nunca senti essas coisas por ninguém e ninguém deve ter sentido por mim também, mas porque você não tenta conversar com ela?
― Nunca, de jeito nenhum eu vou dizer isso pra ela. E se ela rir de mim ou sentir medo e não querer mais ser minha amiga?
― A Beka é um amor, Mel. Acho que ela não ia deixar de ser sua amiga por isso. ― Duda passou o dedo na cobertura do bolo novamente.
― Será? Eu nunca vi ela beijando meninas antes, e até já ficou com meninos na minha frente.
― Isso não quer dizer nada, Mel. ― Duda chupou o dedo e continuou ― Olha só pra você, já teve um namorado no ano passado, beijou vários garotos e agora está se sentindo atraída pela Beka.
― Sei lá, só sei que não vou contar para ela o que está acontecendo comigo e nem você, ok? ― Mel encarou a amiga tentando colocar medo nela.
― Relaxa, Mel. Sou sua amiga, se não quiser que mais ninguém saiba, mais ninguém saberá. ― Duda sorriu e Mel correspondeu com um sorriso.
― Tem mais uma coisa que eu preciso te falar, mas estou com vergonha…
― Pode falar sem vergonha, prometo ser adulta.
― É que… ― Mel fez uma careta, estava morrendo de vergonha de contar seus sonhos, mas acabou deixando escapar, agora iria ter que contar. ― Eu venho tendo sonhos com ela toda noite, mas não são sonhos normais, Duda.
― Não? ― Duda arregalou os olhos curiosa. ― São que tipo de sonhos?
― Eróticos ― Mel piscou, e olhou para o bolo que estava completamente sem cobertura.
― Eróticos? Fazem besteirinhas?
Mel riu do jeito inocente que Duda falou e balançou a cabeça que sim, deixando a vergonha de lado.
― Sim, mas eu preciso parar com isso, Duda e preciso da sua ajuda. Esses sentimentos malucos já estão passando dos limites.
― Mas como posso te ajudar, Mel?
― Sei lá… talvez eu estou precisando ficar com homens pra ver se coloco a cabeça no lugar.
― Ah!!! Já sei, tive uma ideia ― Duda disse empolgada ― Amanhã a gente pode ir na danceteria da Bia, e aí você beija um homem, eles sempre correm atrás de você mesmo.
― É… acho que você tem razão ― Mel ficou pensativa, mas talvez fosse isso mesmo o que precisava, abraçar um corpo masculino. ― Preciso disso mesmo, festa, espairecer um pouco, beijar homens e voltar ao normal.
Duda riu e disse animada: ― Então está combinado, amanhã iremos pra balada caçar homens.
― É isso aí! ― Mel riu, a ideia parecia boa, mas será que ia funcionar?
― Devemos convidar a Beka, se você conseguir ficar com homens perto dela, acho que vai dar certo.
― E se não funcionar, Duda?
― Se não funcionar, acho que é porque você está realmente afim dela.
Mel estava com medo de estar mesmo afim de Beka, e se fosse mesmo isso iria ter que contar aos seus pais e não sabia como eles iriam reagir, iria ter que enfrentar a sociedade e sabia como as pessoas são cruéis. Mas talvez nenhuma delas fosse tão difícil de enfrentar como o fato de Beka não gostar dela, talvez essa sim fosse a pior dor de todas.
― Ai... acho que comi demais… ― Duda falou pondo as mãos na barriga com cara de dor.
― O importante é que está feliz.
Duda sorriu, mas sabia que tinha exagerado. Se levantou rapidamente e saiu correndo, dizendo apressada: ― Preciso ir ao banheiro.
Mel começou a rir e se levantou para levar os pratos no lava louças. Essa Duda não tinha jeito!
― Meu Deus!!! Que foguete foi esse que quase me atropelou? ― Indagou Nicole, entrando na cozinha com ar de quem estava feliz.
― Foi a Duda, mãe. Ela comeu demais e agora tá passando mal. ― Mel olhou as sacolas na mão de sua mãe. ― O que tem aí?
― Um presente para meus bebês ― Nicole sorriu e olhou para o que sobrou do bolo.
― Pra sua filha nunca tem presentes ― Mel fez bico fingindo estar com ciúmes das plantas de sua mãe.
― Own, meu amor, como assim? ― Nicole disse com voz de mimo dando a volta na mesa, para abraçar Mel. Deu um beijo em sua testa e apertou-a com carinho contra si. ― Mamãe sempre te da presentes, não fale assim.
― Mas eu quero sempre mais ― Mel riu com cara de sapeca e abraçou sua mãe também.
― Mas que sem vergonha essa minha filha! ― Nicole se afastou um pouco e deu um tapa de brincadeira no bumbum de Mel que riu alto. ― Oque houve com o bolo?
― A Duda gostou da cobertura, mãe.
― Percebi, ela deve estar com algum problema emocional. Pede para ela ir no meu consultório qualquer hora.
― Ela não vai aceitar, é cabeça dura, mas eu vou tentar.
― Assim que se fala, Mel. ― Nicole sorriu e pegou as sacolas que tinha deixado sobre a mesa. ― Vou cuidar dos meus bebês, qualquer coisa me chama.
Mel sorriu e olhou sua mãe ir para o jardim de inverno, sabia que Nicole passaria o resto da tarde ali, seu hobby era cuidar do jardim. Dizia ela que cuidar de plantas trazia paz, o que a ajudava muito na hora de assistir seus clientes.
“Uma mãe psicologa com uma filha ficando louca. Que engraçada era a vida. Pelo menos o tratamento seria grátis. ” Pensou Mel e riu de seu próprio pensamento.
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