Que frio...
Ágata tremia incontrolavelmente. Cada parte de seu corpo reclamava do vento que a gelava. Ela era apenas uma garota de oito anos, encolhida num canto escuro no meio da tarde, tentando passar despercebida e manter-se quente. Abraçava as próprias pernas com força enquanto usava a respiração quente e descompassada para aquecer os joelhos descobertos. Aquele era o dia mais frio que Ágata enfrentara em todo o inverno.
- Emílio, olhe.
A ruiva olhou para frente, procurando quem havia acabado de falar. Uma mulher de cabelos loiros, curtos e desbotados pelo tempo, esquelética e com olhos fundos apontava diretamente para ela. Ágata encolheu-se ainda mais, numa tentativa de fundir-se com a sombra do canto onde estava.
- O que foi, Hilde? – a outra voz pertencia a um homem calvo, aparentemente de meia idade. Seu estado físico não era muito diferente do da mulher.
Emílio parou ao lado de Hilde e dirigiu os olhos para o local que a mulher apontava. Ágata já estava apavorada, encolhendo-se o máximo que podia e tremendo ainda mais, tanto de frio quanto de medo. O casal continuava em pé diante dela, encarando a garota com os olhares vazios. Após um tempo, a mulher estendeu a mão:
- Venha – disse em um tom que, aos ouvidos de Ágata, soou carinhoso.
O quê? – a menina encolheu-se ainda mais, deixando que os cachos ruivos caíssem sobre seu rosto e o escondessem.
- Não precisa ter medo – dessa vez, fora o homem quem falara.
Ágata olhou para os dois por trás do cabelo que cobria seus olhos e surpreendeu-se: seus rostos mostravam compaixão. Antes que pudesse perceber, havia levantando e olhava agora fixamente para o casal.
A ruiva estava extremamente magra, não conseguia comida alguma há dias. Seus braços e pernas tremiam pelo frio e pela força que faziam para sustentar o peso da garota. Seus cachos emaranhavam-se em nós horríveis de um laranja gasto e desbotado. Suas roupas estavam rasgadas, cobertas de sangue seco e alguns hematomas e cortes no corpo da menina ainda eram visíveis. Aquela visão fez o casal arregalar os olhos.
Hilde foi quem voltou a falar:
- Venha com a gente – sua mão continuava estendida.
Ágata relutava. Se fosse com a mulher, podia cair em alguma armadilha, meter-se em problemas maiores. Mas, afinal, a ruiva não tinha nada a perder. Se ficasse ali, com certeza morreria de fome ou de frio. Segurou a mão da mulher e foi para casa com ela.
O casal morava numa construção pequena e simples de madeira, com um toldo há muito desbotado que poderia ser montado e desmontado em frente à casa. Ágata entrou receosa quando a mulher abriu a porta e lhe fez um sinal com a cabeça:
No que estou me metendo?
Assim que entraram, a mulher se dirigiu a cozinha e o homem foi para os fundos da casa, deixando Ágata sozinha na sala que escurecia junto com o dia. A menina olhou ao redor: havia poucos móveis no cômodo de pé direito baixo e paredes de tábuas de madeira que fediam a humidade; eram apenas uma mesa torta e um par de cadeiras.
- Fique a vontade... – Hilde dizia desde a cozinha – Qual é seu nome?
- Ágata – falou pela primeira vez, sua voz saindo num sussurro fino e inseguro.
A mulher pareceu surpresa por finalmente ouvir a voz da garota, mas logo se recuperou:
- Ágata, pode se sentar.
Foi o que a ruiva fez. Ficar de pé era torturante, suas pernas tremiam e seu corpo doía. Agradeceu mentalmente assim que deixou seu corpo fraco cair na cadeira.
Pouco tempo depois, Hilde voltou para a sala com uma tigela em mãos:
- Aqui, come.
Ágata olhou para o conteúdo antes de segurar o recipiente com as mãos tremulas: não passava de um líquido aguado e insosso, mas a menina estava morta de fome e qualquer coisa lhe parecia um banquete. Levou a tigela a boca e engoliu o caldo desesperadamente, lambendo, por fim, um fio do líquido que escorreu por seu lábio. Desperdiçar qualquer gota lhe soava como um pecado mortal.
- Você está mesmo com fome...
A garota olhou para ela como que confirmando silenciosamente o que Hilde acabara de dizer. Em seguida, devolveu a tigela para sua dona.
A mulher agarrou o recipiente com o os dois olhos vidrados em Ágata, analisando a garota com um ar perdido. A ruiva começava a sentir-se desconfortável nessa situação: não conhecia a mulher, não sabia se estava segura. Ainda assim, em meio a todas as possibilidades daquilo tudo dar errado, era fato incontestável que Hilde acabara de ajudá-la.
- Obrigada... – forçou-se a dizer. Ágata estava desesperada a ponto de aceitar ajuda de estranhos, mas ainda não conseguia livrar-se do medo da situação. Apenas tentou demonstrar gratidão por educação.
- O que aconteceu com você? – Ágata arregalou um pouco os olhos, surpresa diante da inusitada pergunta. A mulher continuou assim que percebeu que o silêncio dela não teria fim – Você está machucada.
Aquela pergunta era a única que não queria ouvir. Assim que as palavras chegaram a seus ouvidos, Ágata fechou os olhos com força. Não queria lembrar falar do que passara nos últimos dias tentando sobreviver, nem do que sofrera. Apenas os ferimentos, os cortes avermelhados e os roxos por seu corpo já eram o suficiente para fazê-la sofrer. Respirou fundo, tentando esquecer a pergunta da mulher, implorando para que ela percebesse que não queria falar sobre isso.
Sentiu algo ser colocado em cima dela e abriu os olhos, dando um pulo de sobressalto. Assim que ficou em pé, um cobertor caiu ao chão. Emílio estava a sua frente agora, ao lado de Hilde; os dois olhavam para ela um pouco surpresos.
- Não queria te assustar – disse o homem devagar.
Ágata olhou para baixo: uma manta velha estava jogada aos seus pés. Olhou novamente para o casal e viu Hilde sorrir. Pegou então o cobertor e enrolou-se nele, sentando-se novamente na cadeira em que estava.
Por que eles estão me ajudando?
- Ágata, ainda não me disse por que está machucada.
- Acho que a menina prefere não falar, Hilde.
O velho olhava para a mulher de forma carinhosa e parecia ter lido a mente da ruiva.
Hilde encarou Ágata por um tempo, seu olhar parecia preocupado. Em seguida, sorriu:
- Tudo bem, é melhor você descansar então. Se precisar de algo, estamos lá dentro.
Com essa frase, o casal sumiu dentro da pequena casa, deixando a ruiva sozinha na sala.
A menina estava surpresa, incrédula. Um casal a acolhera sem motivo algum e estava agora cuidando dela. Depois de conhecer tantas pessoas egoístas e passar por tantos problemas, finalmente parecia estar tendo um pouco de sorte. Era inacreditável. O sorriso que Hilde dera antes de sair fora carinhoso e sincero, algo que nunca antes fora dirigido a Ágata. A menina sentia um calor dentro dela, sentia que podia confiar no casal, sentia-se feliz. Foi com esse sentimento que a ruiva caiu no sono, e dormiu como nunca havia dormido.
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