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História Sold My Soul. - Frank (Parte II)


Escrita por: mryiero

Notas do Autor


Oizinho! Demorei um bocado, por motivos pessoais, mas cá estou de volta e esse capítulo é MUITO, mas MUITO OTP, não tem como. É um dos meus favoritos até agora, até o ponto que eu to escrevendo da história, por simplesmente a gente poder ver os dois juntos, fazendo algo aleatório, que não seja caçar demônios.

ATENÇÃO, nesse capítulo vou disponibilizar o trailer do Frank nessa história, ENTÃO É SÓ CHECAR NAS NOTAS FINAIS. E ah, ele só abre no computador, infelizmente, assim como os outros. :(

Bom, eu acho que a importância maior nesse capítulo está nas entrelinhas, como sempre. Além só dos dois juntos, das tiradas, etc. A gente percebe alguns motivos do Frank ter um olhar diferente sob o Gerard e vice e versa, e, um ambiente "comum" só reforça a ideia de que a atração que sentem um pelo outro é algo bem além, existe uma química inegável e que, nesse capítulo, os dois aparentemente não mais passam a negar. Claro, a gente ainda vai ver muito "cutucão", "implicância" sem fim, mas se não fosse isso, não seria os dois.

Esse é o capítulo que termina a introdução da história, e, a partir do próximo e de todas as coisas que estão pra acontecer, a gente vai iniciar a primeira parte de tudo. E, acreditem, ainda tem MUITA coisa pra acontecer e eu estou tentando me policiar entre o romance dos dois e a história em si, pra não focar só em uma coisa e esquecer a outra. Então, volta e meia, a gente vai ter esses capítulos inteiros, não só como filler, mas como caminhar da relação dos dois. Afinal, ela é MUITO mais importante do que um simples romance e eu vou mostrar, aos poucos, pra vocês.

Obrigadinha por todos os comentários, divulgações, surtinhos, teorias, etc. Eu fico lendo tudo e surtando em silêncio, pois não posso opinar muito, mas, é aquilo, tem tanta coisa pra acontecer, que eu sinto que vocês vão mudar de ideia várias vezes, até acertar algumas coisas.

Boa leitura, demoninhos. ♥

Capítulo 10 - Frank (Parte II)


Fanfic / Fanfiction Sold My Soul. - Frank (Parte II)

Capítulo Sete – Frank (Parte II)

 

“We know what we are, but know not what we may be”

– William Shakespeare.

 

- Indo com você? – A pergunta era quase uma afirmativa, assim que eu checava meu celular em um dos bolsos da calça e me encaminhava até a porta, o ultrapassando, a fim de abri-la. “Com que finalidade?!”, ainda havia incredulidade em Gerard, em seu olhar recaindo em minha mão sobre a maçaneta da porta, em como sua linguagem corporal o fazia inclinar-se em minha direção, quando eu abria a porta, como se estivesse prestes a me confrontar. Ele não o fez, longe disso... O olhar estava de volta, cada vez mais espontâneo e persistente, na expectativa de entender cada aspecto de uma esquisitice que eu sequer conseguia definir. – Olha, eu não tenho nada pra fazer até a nossa super equipe chegar, não consigo dormir direito e preciso ficar de olho em você. Afinal, você não é o único que pode sair por aí questionando a índole alheia. – Agradecia por ser mais esperto do que Way em criar desculpas esfarrapadas, principalmente quando giravam ao redor de uma proximidade que eu ainda buscava entender. O que crescia dentro de mim me ajudava a alertar-me sobre podridão e traição ao meu redor, porém, no caso de Way, eu só... Eu me sentia pacífico? Não fazia o menor sentido. – Você pode ser um cúmplice de um desses desgraçados e estar aqui como bode expiatório também. Como posso ter certeza de que não vai denunciar nosso plano para alguém ou fazer algo para atravancá-lo? – Perguntei, já fechando a porta, após Way passar por mim esbaforido, bagunçando os cabelos molhados e exalando meu perfume involuntariamente por aí.

 

 Não o perturbei por descer as escadas ruidosas com uma pressa desnecessária, quase como se quisesse fugir de mim. Não reclamei, pois eu estava vivendo em um dilema em que algum gancho parecia não querer que eu me afastasse mais do que alguns degraus dele, enquanto minha teimosia me dizia para fazer o oposto. De qualquer forma, a criança enxerida que vivia dentro de mim, o seguiu, após trancar o apartamento, tamborilando os dedos pelo corrimão danificado daquela escada velha.

 

- Se eu não gostasse tanto da minha vida, eu daria um jeito desse carro descer no primeiro penhasco que encontrássemos no caminho, apenas para me livrar dessa sua companhia irritante. – Way demorou todo o trajeto da escada até a saída do prédio, após deixar a porta principal escancarada para que eu passasse, para formular aquela resposta, que prontamente me arrancou uma risada mordaz. E que foi interrompida, quando assim parei ao lado do seu Dodge, as mãos escondidas no bolso da minha jeans, conforme o observava contornar o carro e apoiar um dos braços sobre o teto deste, diante do lado do motorista. O maldito carro nos dividindo, quando Gerard me encarou (eu juro solenemente não mais mencionar o quão desconfortável eu ficava com tal olhar – eu iria falhar nisso também). Então, era como se ele soubesse. – Você é como um demônio no meu ombro me azucrinando, garoto.

 

- Cale a boca e dirija. – A voz que escapou não era minha... Possuía melindres originários dele, altiva demais, mandante demais para alguém que só implicava com ele por diversão. Aproveitei a porta destrancada para interceptar aquele olhar, o do tipo que parecia ler o que ainda restava do Frank em mim, o que estava machucado e não mais imaculado. O que detinha um mal que não tinha hora para aparecer, que volta e meia escamoteava cada fragmento de minha alma, tornando-a negra... Pintando-a com o tom mais escuro que havia encontrado.

 

 Se ele via realmente ou não, se era implicância minha ou era ele querendo brincar com a única coisa boa que... Não, não era uma coisa boa, não havia de ser. Constantemente minha vida era massacrada com promessas falsas de melhoras que nunca chegavam... E eu não queria me enganar que Gerard me olhar reiteradamente durante os cinco minutos de silêncio, entre acionar o automóvel e dirigi-lo pelas ruas de pedregulho daquela cidade antiga, era uma coisa boa... Pois não era. Era um fardo que eu deveria carregar, um fardo que sempre culminava em um desastre funesto.

 Acreditei que fossemos transitar pela cidade em uma quietude quase sepulcral, se não fosse por perceber que Gerard precisaria de direções para o shopping mais próximo e carecia da minha ajuda para isso. Então, resmungando alguns “esquerda” e “siga em frente”, o direcionei para a galeria mais próxima, onde havia uma diversidade não só de lojas de roupas, mas de o que quer que ele estivesse disposto a comprar. Estava um belo dia para a cidade estar repleta de nativos e turistas transitando, o que acrescentava um novo fato de incômodo em minha crescente lista.

  Lidar com uma quantidade generosa de pessoas ao meu redor me trazia pânico, para ser honesto. E tudo começava quando o que me habitava fazia com que eu tornasse uma reles marionete sob suas mãos... Incapaz de controlar, incapaz de sequer respirar direito. Ainda que houvesse algo ali que me trouxesse constantemente à realidade. Aos poucos, eu estava entendendo o que estava fazendo sentado naquele Dodge, ao lado de Gerard Way.

 

- Frank. – O corte que Gerard exerceu em minha linha de pensamento foi bruto, do tipo que me fez olhá-lo assustado e descontar o susto com uma raiva indiscutível em minha voz, quando resmunguei um “O que eu disse sobre você ficar quieto e...”. E com uma calma que não era reconhecida por mim, ele me interrompeu, sem gritar, uma das mãos espalmando o volante do carro, ao que o estacionava lentamente diante de uma das galerias mais populares de Bordeaux. – Obrigado por salvar o meu irmão. – E lá estava. Tudo de novo, com o dobro de intensidade, com o dobro de impacto. E eu não tinha aonde sequer me segurar.

 

 Esverdeados... Brilhantes e sorrindo, ao contrário de seus lábios curvados em quase uma careta, ao que avaliava minha expressão. Eu deveria estar tão nebuloso por fora, quanto estava por dentro, franzindo e relaxando meu cenho, em busca de respostas que não chegariam. Não ali, não naquele carro... Não com o peso de tantas coisas prestes a acontecerem. Eu deveria me focar no trabalho, eu deveria me focar em colocar minha cabeça para funcionar e traçar qualquer espécie de plano quase infalível que nos guiasse pelo país “primo esquecido” da Inglaterra.

 Eu não deveria estar naquele carro. Eu deveria estar sozinho, como sempre. Apenas Frank, sua mente conturbada, a alma corrompida e a dor que eu, em meu maior ato egoísta, não compartilhava com ninguém.

 Mas você está. E você sabe a estrada colorida e desastrosa que vai tomar. Se eu soubesse rezar, eu até rezaria por você, mas rir da sua cara me parece muito mais astuto.

 

- Não há de quê. – Balancei minha cabeça, anuviando-me como podia, percebendo meus dedos trêmulos se agarrarem à maçaneta da porta e abrirem em um solavanco tão intenso quanto a forma com que saltei do carro. Para conter aquele tremor exacerbado e sem fundamento, cruzei meus braços e fechei a porta do carro com um dos pés, prevendo algum grito histérico de Gerard, que não ocorreu. Ele havia percebido, eu tinha quase certeza... Era por isso que estava sendo prestativo, era por isso que não gritou comigo, nem mesmo me empurrou para o meio da rua e aguardou que o primeiro carro que passasse dilacerasse meu corpo. Porque ele viu a dor. Ele viu. – Eu sei que não faria o mesmo por mim, mas, você pode não acreditar, mas eu tenho um bom coração. – Forçar um sorriso era quase uma opção, se não fosse por Gerard solenemente me dar as costas em silêncio. Simples assim, sem perguntas, sem discussões... Como se não tivesse abaixado todo o armamento que constantemente apontava para mim e não tivesse me agradecido pelo que fiz.

 

 E, assim como ele, eu não fiz absolutamente nada. Apenas o segui, alguns poucos metros de distância nos separando, ao que eu me recuperava, encolhendo-me ao passar por pequenos grupos, tentando parecer o mais invisível possível. O tipo de comportamento deturpado vindo de um exorcista de primeira, que sabia se impor diante de entidades soberanas, que sentia-se vivo e capaz de acabar com o que quer que passasse por seu caminho, quando utilizava minhas palavras para salvar uma alma. Mas que havia perdido a própria, no meio do caminho, e que refletia em uma fraqueza que eu me obrigava a levantar como muro, a fim de me proteger.

Ele não poderia achar fácil, ele não poderia ter acesso. Eu sabia cada ato diabólico que exercia, quando eu abria uma brecha, a mais fina que fosse... Ele era capaz de destruir o céu e a Terra, se quisesse.

 Que bom que sabe, docinho. É uma pena que destruir o mundo não seja a minha única prioridade no momento.

 

- Você vai realmente me seguir para todos os cantos? Mikey iria adorar o trabalho que está fazendo como minha babá. – O comentário teria me arrancado risadas, se não fosse pelo estado acuado em que eu me encontrava, olhares pairando por mim e por Gerard, a dupla mais estranha que eu poderia imaginar em décadas. De toda forma, ele estava um pouco certo, eu já me sentia um pequeno ratinho correndo atrás daquele enorme queijo suculento há mais de meia hora o seguindo por corredores daquela infinita galeria.

 

 Eu não vou falar nada sobre essa analogia pavorosa.

 

- Você tem a língua bastante afiada pra alguém que se diz um santinho filho do “Criador”. – Caçoei, fazendo aspas com a mão e tudo, alguns passos de distância de Gerard, quando então ele se decidiu em entrar em uma loja de departamentos mediana, rumando diretamente para a ala masculina desta, mãos nos bolsos da calça e expressão concentrada. Enquanto Gerard não demorava muito a buscar camisas básicas e calças despojadas (para a minha surpresa), empilhando-as nos braços, me ocupei em olhar algumas peças, tentando me manter acordado e alerta, embora o cansaço parecesse me desgastar pouco a pouco.

 

- Você ainda não viu nada, Iero. – A resposta havia demorado em minha cabeça, mas estava lá... Em um Gerard que propositalmente havia esbarrado em mim, fazendo com que eu me agarrasse na primeira prateleira de camisas pólos ridículas na minha frente, antes que eu caísse no chão. Lançar meus olhares diabólicos para Way não surtiriam muito efeito, uma vez que suas risadas baixas ecoaram em algum ponto logo atrás de mim.

 

 Aquilo havia sido Way tentando soar provocador? Malicia pairando em seu quase sorriso, ao falar, postando-se ao meu lado, quando assim prossegui meu caminho, a fim de me distrair com uma arara repleta de camisas xadrezes e não pensar em cada pitoresca frase e situações que haviam sido vivenciadas desde que acordei, desde que vi Gerard e achei que era uma boa ideia passar ainda mais tempo junto a ele. Fingir também que não sentia seus olhos verdes sobre mim e que aquelas palavras não existiam, muito menos a aparente diversão de Gerard ao me ver esconder o rosto com uma das camisas. De uma hora para a outra, olhar as listras e analisar o tecido me pareceram muito mais interessantes do que precisar lidar com aquilo.

 Ainda que minha vontade inicial fosse enfiar o cabide que sustentava a camisa em Gerard.

 E eu prefiro não dizer aonde exatamente você pensou em enfiar esse cabide. E que esse cabide, na maioria das vezes, é, dessa vez muito interessante, uma analogia para o seu...

 

- Você me traumatiza ás vezes... Se não soubesse rezar o terço de trás para frente, eu teria certeza absoluta de que você é um lunático. – E eu mentia até para mim mesmo, respondendo-o com menos do que alguns minutos de atraso, já percebendo Way seguir seu caminho com camisas e calças amontoadas em seus braços. Desta vez, ele sabia muito bem para onde ia, trilhando uma linha reta até os provadores, vez ou outra quase atropelando pessoas. Pois é, talvez alguém estivesse tão nervoso quanto eu. – Quer ajuda com as roupas?! Essa calça parece ser bem difícil de tirar, Way. – Talvez eu tivesse falado alto demais, quase gritado, vendo suas costas largas tensionadas, quando, em uma corridinha ridícula (por sorte ele não havia visto e me poupado de anos de humilhação desnecessária), o segui. Ainda carregava comigo a camisa xadrez, quando Gerard parou subitamente, fazendo com que trombássemos e eu amaldiçoasse sua falsa santidade aos quatro ventos, encontrando-o com as sobrancelhas erguidas e os lábios comprimidos, contendo gargalhadas.

 

- Quem sabe mais tarde. – Foi tudo o que disse e, da mesma forma instantânea com que trombou em mim, me deu as costas, fazendo com que eu o fitasse com incredulidade, esperando por qualquer sinal de que aquilo havia sido uma piada. E uma piada de muito mau gosto. “Como é que é?!”, gritei em um reflexo, recebendo olhares franceses inquisidores e frios, ao que Gerard fingia não me conhecer e não ter praticamente jogado aquela bomba em meu colo.

 

 Claro que eu poderia ficar ali parado, estático, olhando-o e esperando que, por algum milagre, Way tomasse alguma atitude digna e se explicasse. Não o fiz, nunca seria previsível, então decidi que os bancos diante do provador, onde duas jovens aguardavam seus respectivos acompanhantes, me pareciam bastante aconchegantes para um cochilo. Enfadonho reforçar que eu estava exausto, mais ainda que eu havia me aproveitado da quietude dele para me encostar no primeiro canto que eu encontrasse, a fim de acumular alguns míseros segundos ou minutos de sono.

 Foi instantâneo, quase cômico demais. Assim que sentei, apoiei minha cabeça na parede de gesso atrás de mim, larguei a camisa que inutilmente carregava pela loja e cruzei meus braços, meu corpo cedeu. Era como mergulhar em um transe pacífico, cujo eu implorava para que nunca acabasse, segundo após segundo em que eu adentrei um completo nada. Sem nenhum grito de horror, gargalhadas sádicas, sangue ou corpos espalhados em meus pés... Só a escuridão, o silêncio e a forte luz da loja, volta e meia me incomodando, mas não o bastante para que eu despertasse por completo.

 Pensar em Samyaza, Azazel e saber que aquilo poderia ser apenas o começo de uma avalanche de desespero que iria se fincar em minha vida, era quase opressivo e exaustivo para mim (aquela era uma explicação quase absurda para o meu sono, meu cansaço e as dores, mas fazia sentido, uma vez que eu tentava fingir que minha auto-destruição tinha outros meios, que não fosse minha escolha desesperada). Intimidante pensar que a probabilidade de enfrentarmos algo maior era grande, quase uma certeza que soava como um fantasma pairando ao nosso redor... Um fantasma que eu era incapaz de exorcizar. Quantos trocadilhos eu fizesse, quantas vezes eu não admitiria que estava com medo. Que eu entrava em pânico em imaginar que eu enfrentaria o desconhecido sem saber se eu tinha as armas certas, as habilidades requeridas e o emocional. Esse último fragilizado por uma bomba relógio que era acionada quando bem entendesse... Uma bomba que poderia ser nossa arma secreta.

 Poderia. Se eu não a escondesse até de mim mesmo.

 Mas havia alguém ali que parecia disposto a assolar os meus planos.

 

- Você fala quando dorme... E em enoquiano ainda por cima. – Ele pontuou, me fazendo abrir os olhos em súbito, sentir meu corpo inteiro congelar e a mente preparar-se para uma enxurrada de desculpas.

 

 Não havia sido eu, claro, havia sido ele e era por isso que eu evitava ao máximo ficar desacordado, para que ele não assumisse o controle. Enquanto eu estava imerso em preocupações e em meu sono quase pesado, aquela parte obscura havia rastejado ligeiramente para fora... Quase perceptível e incontrolável. E eu termia que Gerard houvesse presenciado mais do que deveria, quando constatei que não. Ele ainda me olhava como o pateta desajeitado de sempre, sem qualquer surpresa em seus olhos bonitos.

 Eu teria me levantado, se Gerard não estivesse parado bem diante de mim, os cabelos aparentemente mais secos, arrumados, alguns botões da camisa branca entreabertos, uma expressão que beirava o controle e o enigmático e uma das mãos repleta de sacolas de compras, enquanto a outra havia engatilhado seu celular. Este que estava voltado para mim e... Gerard estava gravando alguma porra de vídeo meu?!

 Quantos anos aquele cara tinha?! Quinze?!

 

- Ei... Você está tirando fotos de mim?! Que tipo de fetiche é esse?! – Rapidamente ajeitei minha postura, o corpo menos relaxado e mais ereto, ao que eu levava uma das mãos para boca, verificava meu hálito, e logo ajeitava meus cabelos bagunçados, em atos automáticos, sem sequer me preocupar com o nosso entorno. Se haviam pessoas rindo da minha cara, de um cara que deveria sofrer narcolepsia aguda, eu não liguei... Gerard Way estava munido de um telefone e aquilo era basicamente como estar na mira de um revolver.

 

 Seu nível de drama transborda quando está com sono. É até adorável.

 Adorável. Okay, isso já é demais para mim.

 

- Você dormiu por mais de meia hora, inclusive já até paguei as minhas compras... – Ergueu a mão com as sacolas, ao que se focava no celular, seu cenho franzido com nuances de curiosidade e distração, ao que eu me levantava, em uma tentativa falha de captar o que quer que ele estivesse vendo naquele aparelho. Então, continuou, escondendo o celular agilmente no bolso da calça, ao que, pela primeira vez, caminhamos lado a lado em direção à saída. – Precisei mandar fotos comprovando que você estava vivo pro meu irmão. Seu amigo estava surtando, achando que eu o tinha esquartejado e realizado um ritual satânico com o seu corpo... O que não me parece uma solução tão absurda, é uma pena que eu não tenha vocação para as trevas. – O comentário de Gerard me fez buscar o celular, percebendo-o desligado, uma provável falta de recarga de bateria me fazendo incomunicável, ao que eu xingava baixo, preocupado com Bert. Way fingia, casualmente, olhar o conteúdo de suas sacolas, ao que eu o perguntava, erguendo meu rosto em sua direção, um “Eles conseguiram resolver tudo por lá? Nunca me senti tão inútil ao ver que estamos fazendo compras, enquanto nossos amigos estão cometendo atos ilegais.”, que fez Gerard rir sarcasticamente antes de me responder. – Sim, estão voltando para o seu apartamento. E foi uma escolha sua me seguir nessa aventura emocionante em uma loja de departamentos, eu iria me manter longe de atos ilícitos de toda forma. Você é quem decidiu vir atrás de mim por causa dessa paixonite absurda, não consigo acreditar na sua cara de pau. – Empurrá-lo, a fim de desviar de um dos balcões do setor feminino, não tinha nada a ver com a sua resposta ridícula, principalmente quando pisei em um de seus pés, desviando de uma jovem alta e distraída que passava por nós dois. Muito menos quando tomei as rédeas de nosso caminho, erguendo meu dedo médio, ao que fingia bagunçar meus cabelos. E Gerard, resmungando de dor, acelerando os passos e voltando a caminhar ao meu lado, não iria deixar barato. – Então você sempre dorme quando caras te levam pra sair?

 

 Eu era a prova viva de que Deus realmente não estava nem aí e havia decidido me testar com todos aqueles demônios me perseguindo. Ou o Rei do Inferno estivesse assistindo tudo de camarote, afinal, eu havia decidido abraçar a escuridão com tanta força, que eu merecia aquele tipo de coisa. Eu merecia um ex-beato pseudo lançando-me cantadas com a mesma animosidade com que pregava suas orações ou tocava almas perdidas por aí. Obviamente, eu havia errado: era uma péssima manhã.

 Um pesadelo em formato de ser humano, que caminhava ao meu lado, testando todos os limites que um dia eu havia erguido ao meu redor. Ele queria rompê-los... E pelo tom de voz que utilizei, logo em seguida, eu parecia muito menos propenso a evitar que o fizesse a cada segundo que nos aventurávamos em trocar palavras um com o outro. Elas se tornavam menos ácidas, menos brutais, e cada vez mais ariscas, escorregadias e com destinos que nossos intelectos percorreriam e recuariam em respostas que parecíamos evitar.

  Estar ao lado de Gerard era como um labirinto atrativo, que despertava curiosidade, mas que eu sabia ser localizado em um terreno perigoso. Que, a cada passo, me levaria a corredores cada vez mais sinuosos, mais profundos e olhar para trás significava perceber o quanto eu estava perdido. O que eu não sabia, naquela manhã em que decidi sair de meu apartamento, era que aquele mesmo labirinto iria me encurralar, me sugar e não mais me trazer de volta para o seu ponto inicial.

 

- Sempre. É uma pena que você estivesse tão ocupado com essas coisas, poderíamos ter feito outras fotos mais interessantes na minha cama. – Havia seriedade em minha voz, como se eu estivesse recitando algum cântico de expulsão demoníaca, quando já avistava a saída da galeria comercial, Gerard me acompanhando em passadas tão rápidas, que a razão pela qual quase tropeçou nitidamente não foi a velocidade com que andava. Então, tão descarado quanto a minha suposta insinuação, eu o olhei diretamente, percebendo-o vermelho em suas bochechas e pescoço, praguejando algo em nome divino, ao que levava uma das mãos para o rosto, esfregando-a ali. Como se afastasse qualquer coisa de dentro de si, um pequeno fragmento de algo que eu captei e fiz questão de exclamar, insensível demais em comparação com um Gerard que parecia morrer por dentro. – Você tem mesmo uma queda por mim, eu não acredito nisso! – Foi a vez de Gerard quase me empurrar, ampliando suas passadas e seguindo bem mais à frente, já alcançando a rua, enquanto meu olhar questionador era cravado em suas costas. Afinal, não havia sido ele quem começou com tudo aquilo?! Eu só estava constatando uma verdade... E que me fazia entender parte da óbvia jogada de olhares e implicâncias dele para comigo, afinal, eu também... Oh, não. Não mesmo. Sem cogitação. – Qual é o seu problema, Way? Eu estou mentindo? 

 

- Você é a pessoa mais repugnante e sem qualquer limite que eu conheço! – Toda aquela hipocrisia era demais para mim. Gerard arremessava as compras no banco de trás de seu Dodge, assim que o alcançou, como se eu tivesse dito alguma atrocidade grandiosa, e eu franzia meu rosto pelo forte sol de início de manhã, a fim de enxergá-lo melhor e entender qual era o problema daquele louco. Way evitava me olhar e era até engraçado como escondia seu rosto com alguns fios de cabelo escuro recaindo por seus olhos, ao que se sentava no banco de motorista e eu me perguntava, pelo seu tom de voz irritado, se ele era mais problemático do que eu cogitava ser e, consequentemente, se me levaria de volta para o meu apartamento ou me largaria ali. – Só estou assustado com esse tipo de comportamento. Não vai entrar?! – Ele basicamente gritou a pergunta de dentro do Dodge e, assustado, eu destranquei a porta e me larguei no banco de carona, antes que Gerard mudasse de ideia. E eu tinha certeza de que ele era a pessoa mais contraditória que atualmente habitava o planeta, sem sombra de dúvidas. – Você faz isso com todo mundo ou você é um desses anjos caídos e sua única e admirável missão na Terra é fazer da minha vida um Inferno real?

 

- Talvez eu faça isso com quase todo mundo, mas você é o meu alvo preferido. – Dei de ombros, sem perceber que havia lançado outra frase duvidosa, do tipo que fez com que Gerard acionasse a ignição do carro sem aviso, arrancando com o automóvel em uma velocidade não muito aconselhável para o trânsito tranquilo de Bordeaux. Naquela rapidez, chegaríamos em poucos minutos em minha rua e eu não reclamei... Eu queria meu quarto, minha solidão e minha cama de volta. Sua cama com ou sem Gerard Way nu sobre ela? – É uma pena que não nos odiamos mais como antes. – Pontuei, me odiando por deslizar as palavras tão facilmente dentre meus lábios, embora fosse o óbvio. Aqueles poucos minutos, quase horas, próximo de Gerard e longe de demônios para caçar, de delegacias e fugas inesperadas, me fizeram reparar que não havia um ódio propriamente dito e sim... Você nem precisa completar essa frase, exorcista compacto, acho que todos nós já entendemos o que está acontecendo entre vocês dois, só estou no aguardo da noite tórrida de sexo pecaminoso e de imagens desagradáveis compartilhadas em nossa mente.

 Minha mente. Não se esqueça disso, você é só um visitante.

 E eu achei que você não fosse uma pobre alma iludida, parece que me enganei.   

 

- Então não nos odiamos mais? Achei que fosse me matar quando me viu com um simples celular na mão. – Gerard era um pouco desparafusado das ideias, conclui, ao vê-lo fugir por completo da irritação anterior, uma tamanha inconstância que parecia me assustar. Principalmente quando ele sorriu (sim, simplesmente exibiu aqueles dentinhos pequenos em um sorriso estonteante) e decidiu dirigir fitando-me de soslaio o tempo inteiro, em uma possível tentativa de nos matar em um acidente inopino. – Mas garanto que pode ser que esteja certo... Eu não me distraio assim há séculos. Nem mesmo durante as aulas de xadrez no monastério. – Aulas de xadrez. Se eu não estivesse tão conectado a aquele sorriso de parar o trânsito (Não, de novo não, outro trocadilho e eu o faço se atirar de um prédio e troco de corpo imediatamente.), havia uma grande probabilidade que eu acabasse dormindo ao imaginar um bando de padres desocupados, sem receber um devido trato há anos, se torturando mentalmente com xadrez e jogos de tabuleiro, para esquecerem o que tinham entre as pernas. E, por isso... Aliás, por realmente não possuir nada próximo de limite, o perguntei.

 

- Como você aguentou? Digo... Você é gay, fuma igual a uma chaminé, olha pra minha bunda sempre que pode... – Gesticulei, vendo-o finalmente focar-se no trânsito, após aquela última insinuação, a respiração ecoando pelo carro, conforme eu o imitava e encarava as calçadas movimentadas, as pessoas sorridentes e despreocupadas, sem nenhuma noção do que havia um submundo e de que ele era tão perturbador quanto os filmes retratavam por aí. Isso sempre me levaria às crenças, ao que cada mentalidade decidia levar para suas vidas... Isso me levaria a ele, aquele grande e deslumbrante enigma que Gerard Way era. Como ele havia parado ali? Como havia decidido que largar a batina e ganhar a vida com a morte seria uma boa ideia? Quando se enxergou como homossexual? Eu estava morrendo com perguntas por dentro e por tantas outras coisas, mas me contive. – Não consigo colocar em minha cabeça como conseguiu sustentar a farsa de se comportar como um perfeito servo de Deus, enquanto sabe tudo o que há de errado por trás de todas aquelas imagens extravagantes de santos e confessionários moldados com mais segredos do que conseguem suportar?! Vamos, Way... O que te desiludiu lá dentro?

 

- Eu sou gay, fumo igual a uma chaminé e não, não olho pra sua bunda sempre que posso. O que acha que deu errado? – Havia um “quê” de sabedoria em suas palavras, de alguém que havia passado por mais do que deveria ter passado com sua pouca idade... Alguém que carregava uma história com capítulos infelizes e os escondia. “Então você não concorda completamente com a palavra de Deus, eu suponho.”, teimei um pouco, a queimação que me habitava tentando estimulá-lo a seguir aquela linha de pensamento, em expressões tão sutis, que eu só notava após falar e me envergonhar. Eu estava falando com um cara que quase havia sido padre. Se ele havia largado a estola, definitivamente não havia sido por ter decidido odiar Deus do dia para noite, como eu. – Você ainda não entendeu, não é? Eu acredito nele, só não acredito na visão dos homens sobre religião. – Gerard estava quase adentrando uma rua errada e eu resmunguei rapidamente para que seguisse em frente, o interrompendo, quase fazendo com que freasse o carro. Estreitando os olhos, Way prosseguiu a falar, as mãos grandes e branquelas apertando o volante do seu velho Dodge, carregando naquele ato uma mensagem ainda mais nítida em sua fala. – Muito foi distorcido por um falso moralismo... Muito é disseminado da forma errada, muito é escondido. Eu não deixei de acreditar, só tenho o meu próprio cristianismo. E eu não preciso ferir ninguém pra isso. – Então ele parou diante de um sinal, dando de ombros e completando seu discurso, dessa vez olhando para mim e piscando (sinceramente, era demais para um dia só), ao soar como o velho Gerard que eu conhecia de noites e mais noites assombrosas entre criaturas das trevas e humanos. – A não ser demônios, você sabe.

 

- Bom saber que você não é um completo instrumento de lavagem cerebral religiosa... Acho que o julguei um tanto quanto errado. Ainda que eu discorde de algumas coisas... – Moldei um ligeiro bico em meus lábios, pensativo e até um pouco imaturo, pensando no que realmente havia dito. E sem ter tempo para me responder, Gerard concluiu o que eu estava prestes a contestar: “Você discorda de tudo, Iero. É o seu prazer culposo, assuma...”. A risada leve que saiu dentre meus lábios não saía há um bom tempo, pegando-o não só de surpresa, mas como também à mim, enquanto Gerard já havia voltado a dirigir, dessa vez mais calmo e concentrado, adentrando uma rua, sob a orientação de uma das minhas mãos. – Não tão culposo assim... Ainda não concordo com muita coisa que diz ou provavelmente pensa, mas, como agora infelizmente vou ter que olhar pra sua cara durante tempo indeterminado, eu vou me esforçar um pouco pra entender você. – Dei de ombros, feliz em voltar a ser um pouco desaforado, o que espelhou em Gerard. Estávamos voltando ao de sempre, às discussões presunçosas e olhares forçadamente coléricos.

 

- Claro... E eu devo acreditar nisso? – Gerard já estava satisfatoriamente próximo de minha rua, o que me causou certo conforto, ressoando no que eu falei quase que imediatamente. Way lutava entre contemplar toda a minha beleza matinal assustadora e focar-se nas ruas vazias diante de si, com um quase sorriso burlesco brincando em sua face. Este que quase aumentou, quando o respondi.

 

- É óbvio que não. Religião é o tipo de coisa que não se discute, certo? – Na verdade, minha resposta veio como uma pergunta, algo subentendido sobre deixarmos aquele assunto de lado. Éramos opostos, iríamos gritar, brigar, tentar enfiar dogmas goela abaixo um do outro e jamais terminaríamos. Ser flexível não era a minha marca registrada, mas Gerard desencadeava todo e qualquer tipo de comportamento atípico vindo de mim. – Nós deveríamos conversar sobre como vamos para a Escócia sem rumo algum, sem noção de toda essa loucura, mas fizemos compras, falamos sobre Deus... Você até ficou admirando minha beleza e tirando algumas fotos minhas. Esse relacionamento está avançando demais. – A verdade era dita naquele tom jocoso, que o fez prender risadas, ao finalmente adentrar nosso endereço de destino, uma das mãos indo por seus cabelos e ajeitando-os em uma mania que eu já havia percebido ser quase constante. Então, dramático e muito longe do Frank intolerante que ele aconteceu... E aquilo colidia contra mim com significados além do que eu poderia compreender. – Tenho medo do que poderemos fazer amanhã, fique bem longe de mim. – Drástico, ergui uma das mãos em sua direção, quase empurrando-a contra seu rosto, no segundo em que Way estacionou o carro logo atrás do meu querido mini-cooper, denunciando que o restante daquele time já estava de volta.

 

- Você é mesmo algo a mais... – Sua voz era lenta, um tanto profunda e absorta, como se pensasse em algo além do que havia dito. E meu pensamento poderia se equiparar a ele, quando afastei minha mão e nos entreolhamos com uma representatividade ainda indescritível, mas que adquiria os moldes de um sentimento que eu poderia descrever muito bem e me assustar, querer gritar e me esconder, por ser arrebatado por aquilo. Cumplicidade. – Só não sei me decidir se isso é uma coisa boa.

 

- Nunca é uma coisa boa, Way... – Não sei por qual razão, mas o respondi em um sussurro, qualquer sinal de sorriso ou pacificidade sumindo de meu rosto, assim como o dele. Na atual situação, no caos, nas eternas dúvidas que caíam diante de nós dois, tanto Gerard, quanto eu, sabíamos que prosseguir com o que quer que estivesse florescendo ali, seria uma calamitosa ideia. Vi em seu rosto bem esculpido, parcialmente iluminado pela luz natural do dia... Vi em seus olhos milimetricamente fitando-me, como se gravasse cada detalhe de minha expressão determinada e que iria fracassar tanto quanto minhas palavras em futuro não muito distante. Vi Gerard ignorando crenças, receios, todos os avisos e sinais que poderíamos plantar um na vida do outro... Eu vi que seria inevitável. E, mesmo assim, eu voltei a mentir, pela milésima vez só naquele dia. – Nunca é algo bom, Gerard. Acredite.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Notas Finais


TRAILER DO PERSONAGEM DO FRANK EM SOLD MY SOUL:
https://www.youtube.com/watch?v=JEz_h2Ejrl8



TRAILER LINDINHO, ASSOMBROSO E MARAVILHOSO DE SOLD MY SOUL, GENTE.

https://www.youtube.com/watch?v=6g_G7Ioj7uU

Playlist de Sold My Soul : https://open.spotify.com/user/12146824956/playlist/0JEieaGAAfRir5sQawkngv


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