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História Sold My Soul. - Ato I - Bert.


Escrita por: mryiero

Notas do Autor


Oizinho, pessoas!

Demorei um pouco, mas cá estou eu. Decidi postar antes do Carnaval, pois sou uma pessoa que amo/sou esse feriado, então eu não ia deixar sem capítulo aqui por mais uma semana, então peço desculpas pela demora e vou compensar com esse capítulo grandinho e cheio de coisas interessantes acontecendo.

Como eu disse antes, AQUI começa tudo de vez, é quando deslancha e eles são uma equipe em definitivo. E eu decidi começar com o Bert, por algumas motivos que vocês vão ver daqui pra frente, então é algo que vai ser começado daqui pra frente, a construção é cheia de detalhes, de coisinhas escondidas e nas entrelinhas, então é sempre bom ter atenção. Eu geralmente coloco coisas óbvias, mas também engano em algumas coisas e também escondo as mais importantes e mind blowing. É o que eu posso adiantar aqui.

E ah, tem trailer do Bert também, está nas notas finais, como sempre e eu fiz alguns apontamentos sobre ele, então é bom dar uma olhada pra entender melhor o personagem. Só peço que não se precipitem nas teorias, pois, como sempre venho dizendo, eu engano algumas vezes. Esse capítulo também é uma prova enorme disso. Então, vamos lá, vou acrescentar algumas coisinhas antes de mais nada.

Aqui a gente acaba vendo algumas coisinhas da Alicia também e colocar o Bert vendo isso é essencial, pois ele é mais "tranquilo" que os outros a respeito dessas paranormalidades. E a gente acaba conhecendo também um pouco da família dele, o que vai desencadear explicações e momentos ainda mais interessantes, afinal, eu não peguei só a parte do cristianismo pra embasar essa história, vai um pouco além. A gente vai ver a parte de estudo de tudo também, alguns assuntos vão se desamarrar e outros vão se enrolar ainda mais, esperem por bastante coisa.

Aliás, os 4 próximos capítulos são os meus favoritos, adoro demais, surto demais, então indico que se preparem pra eles, tem muita ação ocorrendo e, claro, o OTP mais vivíssimo que tudo nessa vida. Novamente, parei em uma parte fodida, mas espero ter tempo semana que vem pra atualizar direitinho e com calma, pois preciso descansar, tenho que resolver umas coisinhas também, então... É isso. Obrigada por serem compreensivas, e, como sempre, por comentarem aqui. Isso me motiva a voltar sempre com coisinhas novas pra vocês.

Boa leitura, demoninhos. ♥

Capítulo 11 - Ato I - Bert.


Fanfic / Fanfiction Sold My Soul. - Ato I - Bert.

ATO I

 

“For if God did not spare angels when they sinned, but cast them into hell and committed them to chains of gloomy darkness to be kept until the judgment.”

Peter 2:4

 

 

Capítulo Sete – Robert

 

“Prudence, ma belle! Les monsters, ils ont les plus beaux masques.”

– Conny Cernik

 

 

 Desde a minha primeira viagem aterrorizante de avião, eu havia prometido a mim mesmo que jamais pisaria (ou melhor, voaria) em uma merda daquelas. Falhei, como sempre, inapto a concluir uma promessa, desde que a primeira delas havia falhado junto a omissão de meus pais e sua propícia viagem para nossa terra natal. Ou seja, vindo da Austrália, perdido em sotaques exóticos de um inglês que parecia ter saído do século passado, eu percebi que não havia necessidade para voltar a sair dali. Não quando encontrei Frank.

 Olha, antes que pense que nós dois somos amantes com ideais bastante deturpados de uma vida tranquila e pacífica, nós apenas nos encaixávamos na primeira opção. Frank era meu irmão, não de sangue, mas de alma e isso era muito mais valioso do que qualquer deslize no meio da madrugada, nós dois dormindo de conchinha e... Não é também como se nunca tivesse acontecido e...

 Okay... Frank.

 Ele possuía um secreto medo de avião e evitava, à todo custo, transitar por países que não pudesse pisar que não fosse de carro ou com ajuda de uma balsa ou navio. No caso, poderíamos arriscar uma road trip, mas não tínhamos tempo. Principalmente quando encontrei manuscritos dos meus pais, no fundo de caixas perdidas e amassadas em meu quarto, contendo mais informações de que precisávamos para prosseguir com toda uma loucura que aparentemente fazia muito sentido. Ao menos para mim, não poderia dizer a mesma coisa de Frank. Ele sempre havia sido mais cético e “pé atrás”. Aliás, todos os pés... O corpo inteiro, para falar a verdade nua e crua.

 Ainda que quebrássemos todos os padrões de sanidade diariamente com nosso “trabalho”.

 Quando coloquei meus pés em Londres e fui acolhido pelos Iero, achei que iria perder tudo, minha sanidade e toda a vontade que eu tinha de correr para o primeiro buraco que eu via, quando mencionavam “fantasmas” ou “demônios” perto de mim. No fim, a única coisa que eu perdi foi meu bronzeado e o medo de temer tudo... Eu havia ganhado um irmão, uma família meio frígida, mas um espírito de aventura que não era muito bem conciliado com minha falta de cuidado e coordenação com as coisas. Mas que era muito bem combinado com todo o conhecimento que absorvi com os McCracken e evolui com os Iero.

 Tal conhecimento havia me levado àquilo: buscar todas as anotações de meus pais, colocar em minha mochila e entrar em um avião ao lado de Frank e todo aquele grupo excêntrico demais a tiracolo. Eu as li minuciosamente, tomando um cuidado excepcional para não rasgar ou perder qualquer um daqueles documentos (acredite, isso é bem comum partindo de alguém com um mapa astral tão errado quanto o meu) e precisei de alguns bons minutos de silêncio, encarando a janela do avião ao meu lado e sendo encarado de volta. Dessa vez por Frank e seu olhar que captava qualquer coisa há quilômetros de distância. Claro que ele sabia que eu estava metido em uma pesquisa particular... E eu quis agradecer por não ter me perguntado e pelo avião preparar-se para o seu povo, no momento seguinte.

 Afinal, o que eu tinha descoberto não era muito animador.

 A família McCracken não possuía um histórico extenso e perigoso de caça a demônios como a família Iero ou a família Way, mas nós tínhamos nossas particularidades. Meus pais cresceram em um meio duvidoso, famílias que envolviam-se em artes misteriosas e obscuras demais para a cidade de Newcastle (sim, existe uma maldita Newcastle na Austrália também), que eram vistas com outros olhos, uma vez que os vizinhos perceberam que nossos ancestrais eram diretamente relacionados a uma casta de bruxos e bruxas diretamente vindos do Reino Unido. Refugiados, era muito provável que meus tataravós precisaram registrar suas crenças milenares, enquanto evitavam praticá-las. E, em um resumo simples, era ali que todos os diários de magia negra dos meus pais entravam. Também era ali que, anos depois de terem os recebido de meus avós, eu me introduzi na arte da Goetia.

 Não, não era como se eu saísse por aí praticando encantamentos, invocando quem eu estivesse disposto a invocar, destruindo famílias, utilizando de atos suspeitos e sujos para isso. Eu era um estudioso, nada mais, ciente de todos os perigos que eu poderia causar utilizando qualquer um dos feitiços naqueles diários, por mais que a tal “magia” corresse em minhas veias. Não era nada fácil, não era como livros fantásticos diziam por aí, você precisava ter vocação e eu havia decidido que não estava interessado em testar nada para verificar se eu era um legítimo herdeiro do poder “supremo da obscuridade”.

 A verdade era que eu morria de medo de me meter com essas coisas e minha coragem só conseguia lutar contra um mal causado ou despertado por terceiros, não invocá-las, muito menos me sentir diretamente vinculado a elas. Era diferente quando você projetava sua alma e sua essência para uma prática sombria como aquela, era pesado e não era qualquer ser humano que era apto a fazer aquilo com vida. E era ali que meus pais e suas anotações entravam. Eles haviam traçado aquilo primeiro, há mais de vinte anos... Antes mesmo que nascesse. Os McCracken sabiam e não avisaram a ninguém.

 E a bomba havia explodido obviamente em meu colo, só para variar um pouco.

 

- Você está se sentindo bem? – A pergunta serviu para quebrar o silêncio entre Frank e eu desde o momento em que entramos no avião e saímos dele. Todas as anotações dos meus pais estavam salvas em minha mochila, cuja eu quase abraçava, conforme nós dois assistíamos às esteiras repletas de malas do aeroporto de Edimburgo ao aguardo de nossas bagagens. Meu amigo parecia um tanto quanto mais pálido do que o normal, carregando uma careta dolorosa consigo que logo descobri não tratar-se apenas de seu patético medo de avião. Frank estava escondendo algo, afirmando com a cabeça veementemente em resposta à minha pergunta, e, novamente, minha análise levantava o óbvio: lá estava Frank Iero tentando me enganar de novo. – Tem certeza absoluta disso? Acho que a gente deveria comprar alguma coisa pra você comer.

 

- Então você achou alguma coisa, não foi? Eu vi você dando uma olhada nas suas anotações. – Frank era mestre em desviar lentamente de assunto, agora tão descarado, ao ajeitar os cabelos e preparar-se para pegar sua pequena mala da esteira, enquanto eu cruzava meus braços contra a mochila, tentando ignorar a conversa nada discreta entre Michael e Alicia, logo atrás de mim. Algo sobre ele querer saber se ela tinha poderes extraordinários (como voar e lançar raios pelas mãos), o que me fez conter as risadas e perceber que Frank não só havia alcançado sua mala, como também a minha, empurrando-a com displicência e total falta de paciência em minha direção. – Seus pais já sabiam de algo, não é? Por isso você está todo esquisito comigo e assustadoramente calado pra alguém que não para um só minuto.

 

 E eu odeio como Frank Iero sabe ler Bert McCracken como ninguém.

 

- Existe uma possibilidade. Encontrei uma entrada no diário da minha mãe que menciona Samyaza. Aliás, não só ele... Uma lista de demônios e alguns possíveis lugares. Pensei em ligar para ela, mas não acho que é uma boa ideia... Eles decidiram se afastar dessa vida de uma vez por todas e eu não quero precisar causar um novo caos nessa família. – Comecei, ajeitando a mochila sobre um dos meus ombros, enquanto puxava a mala de rodinhas com a mão livre, pouco me importando em seguir caminho com Frank, enquanto os Way e Alicia ainda aguardavam suas malas (a garota havia nos obrigado a parar em seu velho apartamento em Bordeaux, antes de partirmos, para buscar algumas roupas e objetos pessoais, inclusive). Iero e eu possuíamos essa necessidade de nos separarmos em nosso “mundo”, afinal, quando Frank não decidia ser um total recluso e esconder de mim o que quer que estivesse acontecendo com ele, nossas mentes se interligavam constantemente. – Minha mãe menciona que precisavam ajudar os Iero com outras informações e que aquilo era um pouco demais para eles... Então era uma verdade, nossos pais possivelmente... – “Sabiam dos anjos caídos também... Meus pais não contaram nada, não deixaram nenhum registro e...”, Frank me interrompeu e, naquele jogo no qual éramos mestres, o interceptei também, empurrando-o com um dos ombros, apenas para deixar que uma senhora apressada passasse por nós dois, ao que rumávamos para o desembarque. – Sim! Eu acredito que deve ter havido um confronto de verdade... E na época deles. Anjos caídos não devem ter feito um bungee jump na Terra algumas semanas atrás sem nenhum motivo aparente, não mesmo. – Frank assentiu com a cabeça, uma das mãos arregaçando a manga da camisa xadrez, enquanto eu encarava as portas automáticas diante de mim e já escutava exclamações irritadas dos Way em algum ponto não muito distante. – Nós dois somos dois fodidos que temos que lidar com as migalhas que nossos pais deixaram pra gente.

 

- E eu não sei? Mas... Isso quer dizer alguma coisa, quer dizer que talvez exista alguma forma de mandar esses desgraçados diretamente para o inferno. Sem volta. – A voz de Frank era pesada, carregada de um conhecimento que era certo, não era uma hipótese. Era como se ele soubesse e isso acontecia com uma frequência um pouco preocupante para mim, afinal, como único amigo e ser humano próximo de Frank nos últimos quase vinte anos, eu sabia perceber as mudanças. Mas não questionava. Nunca questionava.

 

 Culpei os Way, à princípio. Era a saída mais fácil, os conflitos entre ele e o mais velho dos irmãos eram constantes e até divertidos, até que as coisas ficaram um pouco mais sombrias. Até mesmo preocupantes. Frank desaparecia... Não por dias, semanas, mas por horas. Largava o que quer que estava fazendo em nosso apartamento e saía porta à fora, ás vezes voltando algumas horas depois ou quando o céu já estava tomado pela claridade da manhã. Eu nunca o via, ele se esgueirava pelo apartamento como um gatuno, mas eu o escutava... Os tropeços, os xingamentos e até mesmo os choros densos.

 E eu via a sua áurea. Aliás, não mais a via... Não sabia há quanto tempo, mas a arte de conseguir enxergar a essência das pessoas era um dom com o qual eu havia nascido e o principal motivo pelo qual havia me aproximado de Iero. A dele era brilhante, inflada com uma beleza quase celestial, até... Desaparecer. Enfraquecer com o tempo, fazendo-me julgar que havia sido possuído por uma daquelas coisas, até perceber que até mesmo aquelas coisas exalavam uma maldade sem fim, que era impossível não ver. Não havia escuridão ao seu redor, não havia nada... E eu era o primeiro a me acumular de trabalhos e leituras para ofuscar um mistério no qual eu deveria me aprofundar, mas temia por suas respostas.

 Nós nunca conversamos sobre aquilo. Era uma regra estipulada em um silêncio que atravancava minha garganta e era o que me afogava ao olhá-lo e lamentar que eu era um completo inútil em ajudá-lo. Não sabia se Frank queria que eu interferisse naquilo, desabafar, qualquer tipo de coisa que o fizesse sair daquele poço escuro de solidão, cujo qual não era sua morada. Frank poderia ser reservado, um pequeno monstro irritadiço e de um pessimismo que ás vezes preocupava, mas nunca... Nunca parecia estar doente, como se a vida o cansasse de todas as formas.

 E mesmo que a viagem houvesse sido rápida, ele agia daquela maneira. O olhar não muito focado, a respiração pesada e um mal estar que nitidamente não era causado pelo medo de avião. Perguntar era uma opção digna de alguém que se preocupava com ele, tanto quanto eu me preocupava comigo mesmo, mas era inútil. Berros poderiam ecoar, eu poderia sacudi-lo ou acertar-lhe tapas na cara, mas Frank não iria falar. A desculpa seria de que estava focado muito no trabalho e em seus afazeres, o que, julgando pelos problemas que havíamos adquirido nos últimos dias, era uma desculpa sólida.

 Só que não era uma desculpa que um McCracken comprava facilmente.

 

- Precisamos pensar no que vamos precisar pra chutar as bundas desses anjinhos... E sabe o que é a primeira coisa que vem na minha cabeça, criança? – Imitei o sotaque da minha mãe, quase fazendo Frank sorrir, ao erguer os olhos em minha direção, quando nós dois já havíamos diminuído os passos e permitido que Alicia e os Way nos alcançassem. – O fodido cristianismo que destrói a humanidade há anos! Era por isso que meus pais não quiseram dar continuidade ao estudo que encontraram... Eles sabiam, está tudo escrito... Sabiam que precisaríamos de uma força divina pra isso. E é por isso que precisamos deles. – Indiquei os dois irmãos, logo ao lado de Frank, ambos dispersos em uma conversa igualmente paralela, ao que já havíamos passado pelo portão de desembarque e nos misturávamos à pequena multidão de pessoas, naquele enorme e claro salão tumultuoso do aeroporto. – Eu também não gosto disso, trabalho muito melhor com você ao meu lado, mas... – As reticências ficaram no ar, ainda mais quando os irmãos decidiram abrir caminho, ainda um tanto quanto confuso me obrigar a segui-los, uma vez que não estavam usando aquele “uniforme” formal de sempre. O mais velho estava com uma típica camisa social, claro, mas as jeans e os tênis escuros o deixavam até um tanto quanto apresentável, ao contrário do mais novo, que realmente parecia ter uns cinco anos a menos com seu moletom listrado e enorme para aquele corpo magrelo, calça rasgada e parecia ter saído de algum grupo underground de punk londrino muito ruim.

 

- Eu venho pensando nisso nos últimos dois dias, Bert. E eu não gosto, tenho aversão, mas preciso reconhecer que nesse quesito, eles são melhores do que nós dois. Eles acreditam, nós dois... Nós acreditamos de outra forma, uma forma bem fodida e sombria, por sinal. – Frank deu de ombros, acelerando os passos, enquanto cuidava de Alicia com seu olhar, um tanto quanto indiscreto. Nós confiávamos nela, claro, eu era muito bom em ler pessoas e perceber suas áureas... A de Alicia era brilhantes, límpida, algo que eu nunca havia visto antes, que eu deveria ter apontado, assim que a conhecemos. Ela era naturalmente diferente, sem precisar forçar sua peculiaridade e solidariedade em intrometer-se naquilo tudo. Alicia era uma de nós, mas... Ao mesmo tempo não era. – Principalmente ela... É inevitável. Eu sei que Alicia vai ser compreensiva, quando contarmos o que você sabe, que talvez tenhamos mais respostas do que esperávamos... Mas... E aqueles dois?

 

 A pausa silenciosa que se seguiu era uma resposta àquela pergunta: nós não sabíamos. Os Way eram inconstantes demais, o mais velho era um acusador de primeira e eu, particularmente, já estava exausto de tantas discussões e dramas que não fossem feitos por mim, claro. Assim, seguimos os dois, com Alicia quase perdendo-se por algumas vezes, até a saída do aeroporto, a fim de que pegássemos um táxi e seguíssemos para o que quer que aquela cidade nos reservasse.

 Parados diante de uma fila quilométrica (okay, eram apenas meia dúzia de pessoas e eu era exagerado por natureza), aguardávamos dois veículos disponíveis para o nosso pequeno grupo, enquanto Alicia ajeitava sua mala roxa berrante entre nossos carrinhos discretos e precisava lidar com a conversa fiada de Michael com uma paciência sagrada. O que tornava a mim, Gerard e Frank, um dos trios mais estranhos que eu poderia imaginar. Eu, ainda preocupado demais com a minha mochila, de uma forma que era mais do que suspeita (alguns policiais até me encararam durante todo o trajeto até a saída e eu precisei que Frank me acalmasse, se eu não quisesse surtar e sair correndo para longe dali); Frank, vidrado em algum ponto fixo mais à frente, como uma estátua, fruto da proximidade de Gerard e em como eles quase milimetricamente se encostavam e, claro, o Way com a bunda voltada para o arco-íris, braços cruzados, pigarreando insistentemente, como se quisesse iniciar uma conversa.

 E, sinceramente, eu era muito bom com adivinhações.

 

- Eu escutei tudo o que vocês estavam falando, sobre a família do rapaz esquisito... – Gerard precisava ser mais específico do que aquilo, afinal, eu e Frank nos enquadrávamos naquilo, mas eu percebi que ele falava diretamente com Frank. Fitando-o de soslaio, por isso quase fazendo questão de encostar nele, se não fosse pelo ar “passivo agressivo” tão típico do meu melhor amigo. – Eu nunca estudei Goetia com profundidade, mas se ele sabe e tem certeza do que se trata, é um caminho pelo qual podemos percorrer... Talvez o único, eu não consigo raciocinar direito a respeito disso.

 

- Se escutou a nossa conversa, sabe que nós vamos ter que nos aturar por mais um tempo e, de alguma forma, criar uma mistura do seu santo Deus com o que o meu amigo sabe, não é? – Frank tagarelou, sussurrando com toda a sua carga irritada de sempre, voltada constantemente para Gerard, ao que já caminhávamos pela fila que diminuía com rapidez. Eu tinha meus momentos de quietude, o que era primordial quando Frank estava sem paciência com a figura ao seu lado em questão. – O que você pensa que está fazendo?! Dê meia volta e vá com seu irmão!

 

 A falta de atenção é uma das minhas “melhores” qualidades, diga-se de passagem. Perceber que Gerard e Frank já estavam mais à frente, quase entrando em um táxi, era o de menos... O fato dos dois estarem se aninhando no banco traseiro do automóvel moderno era o que me causou um desespero claro, não tão caricato quanto o de Frank. Desde quando Gerard Way se sentia no livre arbítrio de seguir viagem com a gente em um táxi minúsculo como aquele? Desde quando Michael havia abandonado o irmão e seguia, descaradamente, em um carro separado com uma Alicia que parecia prender a risada, ao que aquele Way abriu a porta do automóvel e fez uma reverência exagerada para que ela entrasse? Desde quando eu estava me sentindo acolhido por tudo aquilo tão inesperadamente?

 Perplexo, eu ainda fui otário o suficiente para ajudar o motorista a acomodar as malas dos dois no porta-malas, juntamente da minha, enquanto escutava uma discussão não muito amistosa entre Gerard e Frank, para variar um pouco. Eu não me metia, sequer me uni a eles no banco de trás e me acomodei no de passageiro, esperando o motorista ao que as vozes de Way e Iero se tornavam mais claras para mim. Certo, eu era o cara que não se importava muito, o menos preocupado e o que até entendia aqueles momentos de explosão, mas, cá entre nós, todo mundo sabia o que era aquilo e eu já estava cansado de constatar o óbvio.

 Mas, se eu o falasse em voz alta, era unânime que algum dos dois iria me jogar pela janela daquele carro em movimento, antes mesmo que assumissem que sempre estiveram apaixonados um pelo outro.

 

- Eu estou tentando deixar Mikey à sós com a garota... Aquele flerte barato e deprimente me dá alergia. – Gerard afastou-se drasticamente de Frank, os dois colados às janelas traseiras do carro, enquanto eu largava a mochila em meu colo, me acomodava em meu canto e escutava Way reclamar do irmão. Acho que alguém ali precisava fazer aquilo há certo tempo, afinal, enquanto Frank e eu desfrutamos de nossa viagem em paz, Gerard havia ficado no meio de Mikey e Alicia e presenciado o pior de um começo de relacionamento heterossexual. – Eles tem o endereço, a garota tem tudo anotado... Só espero que não parem em um motel no meio do caminho. Acredito que Alicia esteja mais para matar Michael do que sair com ele, ela é infinitas vezes mais esperta do que o meu irmão. 

 

- Ele está a tratando como uma mutante, não sei como isso pode dar certo. – Minha mania de intromissão era comum e Gerard parecia se habituar, resmungando qualquer coisa em concordância, enquanto Frank já havia se desligado do mundo e se isolado em algum clipe sentimental, distraindo-se ao olhar os primeiros vestígios de terra escocesa. Novamente, eu me dei total liberdade para ser o Robert abusado e sem qualquer freio, conforme fitava Gerard pelo retrovisor ao proferir as seguintes palavras. – Vocês Ways tem uma forma muito interessante de alimentar interesses amorosos. Realmente.

 

- O que quer dizer com...? – As reticências de Gerard não eram nada questionadoras. Ele sabia, eu vi, assim que me olhou pelo retrovisor e inclinou-se para resmungar, finalmente, o nosso destino ao motorista. – Nós vamos ficar em High Street, por favor. – O homem o respondeu com um breve gesto, reservado demais ou talvez prestando atenção naquele trio nada discreto que levava pelas estradas sinuosas que nos encaminhavam para o centro da cidade. – Então, Robert...

 

- Ele não quer dizer absolutamente nada. – Frank despertou, em um lapso, chutando-me discretamente com um dos pés, através do banco, enquanto eu apenas ria e movia minha cabeça em negação, sob o seu tom de voz tão ácido para alguém daquele tamanho e com olhos tão bondosos. O clima poderia ser tenso, por tudo o que teríamos que enfrentar, mas alguma coisa estava crescendo bem diante dos meus olhos e eu não estava me referindo apenas àqueles dois encubados.

 

 A viagem prosseguiu em um silêncio que, dessa vez, eu não atormentei. Gerard e Frank pareciam estar desconectados de tudo, mexendo em seu celular e dormindo respectivamente, ao que eu notava as semelhanças daquela cidade com a nossa velha Bordeaux. Os prédios pareciam pequenos e grandes castelos, agregando todo um valor histórico e especial, parecendo, a cada relance de ruas e pequenas estradas, um perfeito cenário para um filme medieval. As ruas de pedregulho faziam com que o táxi balançasse constantemente, mas ainda sim não era impedimento para que Frank se aninhasse no banco e continuasse a dormir pesadamente.

 Não era um trajeto demorado e, em questão de minutos, eu já podia ver o táxi em que Alicia e Mikey haviam seguido, lentamente parando em frente de um dos vários prédios antigos, no qual iríamos nos hospedar. Alicia havia agendado tudo, encontrado uma espécie de apartamento com três quartos que poderia nos amparar durante tempo suficiente para que finalizássemos nossos negócios ali. Ainda que não fizéssemos a menor ideia do que esses “negócios” em si iriam desencadear, muito menos quanto tempo duraria. De toda forma, ela tinha dinheiro, muito dinheiro, tanto dinheiro... Que ninguém decidiu perguntar sua procedência. Apenas aceitamos a estadia, as passagens e sua paciência com nossas perguntas constantes.

 Okay, era idiota e suspeito demais aceitar aquilo tudo, mas, como eu disse, sua áurea era boa, ela parecia ter o mesmo nível de afeição que tínhamos para com os Way e deveria ser canonizada por aguentar Michael por tanto tempo, ainda que aquele rapaz de óculos tão esquisito parecesse um gatinho adorável ao lado daquela mulher. A imagem que eu vi, assim que saltaram do carro e o nosso táxi estacionou bem atrás deste, foi exatamente oposta... E intrigante. Alicia gargalhava, enquanto Michael sorria, vitorioso com algo, a ajudando a tirar as malas do porta-malas e tudo. Era verdade e eu estava constatando, pela milésima vez, os Way eram realmente uma família estapafúrdia demais.

 Em questão de minutos, após Alicia pagar os dois táxis (e, novamente, ninguém se opôs aquilo), já havíamos subido com nossas coisas por aquele prédio antigo, porém, ao contrário do qual eu e Frank habitávamos, bem conservado e seguro. Fiquei surpreso com a presença de um porteiro, de ajudantes e da educação dos Way em não reclamarem mais de nada nos minutos que se seguiram entre colocarem nossas coisas no apartamento do segundo andar e ficarmos os cinco, sozinhos, em uma épica cena que parecia ter sido retirada de algum filme de super-heróis, onde os cinco escolhidos se encaravam firmemente, esperando por algum comando superior.

 Exploramos o local à nossa maneira, após segundos de encaradas e tensões sexuais à parte (eu não me incluía nisso, muito longe de mim). Frank examinou a sala impecavelmente arrumada, em uma decoração límpida e com alguns poucos objetos rústicos, como a mesa de centro e duas estantes próximas às janelas enormes e escondidas por cortinas de um bege meio antiquado. Duas das paredes eram de tijolos antigos, enquanto o par restante era de um tom claro, quase branco, puxado para o terroso, que combinava com o ar mais arcaico que a cidade exalava. Quadros de pintores desconhecidos, tapetes e algumas pequenas esculturas deixavam o lugar quase aconchegante, se não fosse por não haver a nossa bagunça, minhas músicas orientais estranhas e a sensação de que o prédio iria cair a todo instante.

 Gerard já sacava seu maço de cigarros e sumia por um corredor, logo à esquerda da entrada do pequeno apartamento, por onde Michael havia desaparecido com as malas dos dois, ambos procurando seu respectivo quarto, como sempre já querendo marcar um maldito território. Enquanto isso, Alicia e eu nos unimos em nos jogarmos ao mesmo tempo em um dos sofás de couro amarronzado daquela sala, emitindo ruídos semelhantes a dois filhotinhos de cachorro, uma vez que nos espreguiçamos e nos aconchegamos naquele local. Na mesma sincronia quase assustadora, acompanhamos meu amigo circular pela sala, largando sua mochila no sofá livre e sendo barulhento, descuidado e impaciente, por algum motivo que nem eu, nem Alicia, nos atrevemos a perguntar. Mas que ficou tão claro quando Gerard retornou à sala, cigarro entre os lábios e expressão blasé, arrancando de Frank um resmungo exasperado, antes de empurrar a própria mochila para o lado e se sentar ali. Então, já podendo escutar o outro Way retornar, suas passadas apressadas ecoando de algum ponto atrás de mim, decidi abrir a mochila em meu colo, definitivamente quebrando aquele silêncio e mal estar quase sufocantes a mim.

 

- Estava falando com Frank e Gerard, como estava muito ocupado prestando atenção na conversa alheia, também acabou escutando... Enfim, eu encontrei escritos dos meus pais. Entradas do diário da minha mãe que falam sobre anjos caindo por Terra... Anjos invocados pelo princípio da Goetia em alguns lugares do mundo. – Comecei, puxando o principal pequeno caderno de couro antigo, suas folhas um tanto quanto gastas, mas ainda presas umas nas outras. Dessa forma, tomei atenção total daquele estranho grupo, permitindo que Alicia tomasse o caderno de minhas mãos. E, enquanto eu a auxiliava a encontrar a página correta, ambos sentados agora corretamente, ombro à ombro, continuei a falar. – Meus pais não foram muito fundo nisso, mas deixaram algumas coisas marcadas, orações em enoquiano e símbolos parecidos com as suas tatuagens, Alicia, e as marcas nos corpos daquelas jovens. Eu acredito que a gente possa se basear no trabalho deles... É a única coisa, além das informações que ela nos deu... – Indiquei a mulher ao meu lado, tão concentrada analisando os desenhos naquelas folhas amareladas, logo prosseguindo. – Eu sei que deveria ter me atentado a isso antes, mas eu precisava ter certeza direito, investigar... A entrada no diário da minha mãe é de vinte e três anos atrás e ela reconhecia os registros de atividades goéticas em pontos de todo planeta. Eu não sei como, não faço ideia dos artifícios que ela utilizou para isso, artes das trevas ou o que seja, mas ela sabia.

 

- São espécies de símbolos angelicais misturados com um dialeto ainda impreciso, alguma espécie de código... Eu consigo ler algumas coisas. – Alicia afirmou, enquanto Michael se sentava ao seu lado, em uma mistura de precaução e alarde pairando sobre seu rosto, enquanto Gerard apenas se mantinha em uma distância saudável do sofá onde Frank estava sentado, me encarando com sua expressão impassível. A que eu reconhecia como a que utilizava para esconder seus receios. – No início, ela transcreve o nome de alguns anjos, podemos listá-los e nos colocar em alerta, mas... Logo aqui... – Alicia apontou para o outro extremo do pequeno caderno, onde trechos de uma letra mais sinuosa chamavam atenção, uma letra que não pertencia à minha mãe, muito menos ao meu pai, eu tinha absoluta certeza disso. – É como uma invocação... Um pedido aos seres superiores para que escutem sua voz. Parece uma oração cristã, mas tem uma variante... Algo nas entrelinhas, que eu não consigo decifrar. – Alicia lia para si mesma, resmungando, logo após, em uma língua desconhecida, traduzindo consigo mesma. Claro que um dos Way estava preparado para tirar sua concentração e eu não me surpreendi quando foi Michael quem permitiu sua voz entoar pela sala.

 

- Um ajuda divina para um “bem maior”... Gerard? – Chamou o irmão, sem muito sucesso, ao que o mais velho continuou a tragar seu cigarro, demoradamente, encarando o tapete abaixo de seus pés. Eu tinha certeza de que era quase possível escutar o barulho das engrenagens de seu cérebro em um trabalho intenso, quando o irmão prosseguiu em ganhar sua atenção. – Você está muito quieto pra alguém que sempre reclama de tudo. – “Acho que tenho um Way favorito, definitivamente.”, e talvez a fala de um Frank sarcástico e que finalmente parecia um pouco mais relaxado, havia sido o fato primordial para colocar Gerard em alerta.

 

- Eu vi algo à respeito, mencionaram alguma coisa assim nas aulas no monastério... – Gerard encarava Alicia e eu o imitei, percebendo que ela havia fechado os olhos, as mãos repousando nas páginas gastas do diário McCracken, enquanto repetidamente resmungava aquele trecho ainda misterioso. Way não percebeu, ao continuar a falar, mas eu não deixei de notar que Simmons suava frio e tremia para alguém que estava bem aquecida por uma jaqueta de couro. – Uma invocação antiga que utilizavam para chamar o Espírito Santo, a Igreja a tirou de circulação há anos... Por estar ligada diretamente a esse tipo de arte obscura. – E Way disse a última frase em um tom retraído, os olhos vagando por Alicia, no momento exato em que a jovem abriu os olhos e exclamou “St. Giles!” sem qualquer razão aparente. No fim de tudo aquilo, a certeza de que eu teria que procurar um psicólogo era grande. – O que quer dizer com St. Giles? Existe alguma menção...

 

- Não! Não tem nada a ver com o que está escrito aqui! – Interrompendo-o, Alicia me entregou o caderno, porém, eu o empurrei delicadamente para as mãos de um Michael que parecia ansioso em examiná-lo. Precisei me conter em nome das memórias que ali estavam escritas, mas o Way mais novo pareceu não se preocupar com nada além daquelas páginas assinaladas. Alicia parecia ofegante, desligada e procurando enxergar o plano real onde estava, ao invés de alguma miragem diante de seus olhos... Parecia perdida, mas suas palavras encontravam seu rumo com facilidade. – Eu só... Como é que eu posso dizer isso sem que vocês não me considerem mais anormal do que eu já sou? – Os olhos de Alicia faiscavam com algum, um brilho amarelado que talvez apenas Michael e eu pudéssemos ver, devido a proximidade que tínhamos. “Olha, querida, anda sendo meio difícil não pensar nisso, então acho melhor jogar a informação... Não vamos julgá-la.”, levei uma das mãos a seu ombro direito, ali depositando tapinhas que deveriam ser reconfortantes, mas, ao sorrir desconcertada para mim, percebi que não iria adiantar muita coisa. Alicia estava prestes a jogar outra bomba mística e angelical sobre nós. – Eu tenho visões, enxergo coisas além do que deveria enxergar. – Eu não disse? Sempre estou certo.

 

- Visões. Okay. Acho que podemos lidar com isso. – Afirmei, assistindo Alicia desfazer o sorriso e limita-se a acompanhar nossas reações, apreensiva e com uma nova incógnita pairando ao seu redor. Michael ainda a fitava como se fosse algum personagem recém-saído de uma história em quadrinhos, Frank havia sido consumado pelo o que quer que estivesse o deixando fora de órbita e Gerard ainda buscava o que falar... Então eu me levantei, transitando pela sala com o tipo de inquietação que sempre transparecia nos momentos em que eu mais deveria agir como uma pombinha branca calma e serena. – Depois de anjos caídos, eu consigo acreditar em tudo o que possa acontecer daqui pra frente.

 

- Não quero tentar acreditar ou não, minhas crenças já transcenderam todos os limites nos últimos dias. Conte o que viu. – Gerard apagou o cigarro, ainda pela metade, em um pequeno recipiente de vidro sobre a mesa amadeirada de centro, que definitivamente não era um cinzeiro, mas logo se tornaria um. Sentou-se no sofá, ao lado de Frank... A distância entre os dois sendo apenas quebrada pela mochila do meu amigo, enquanto o clima pesado naquela sala triplicava.

 

- Eu vi a Catedral Presbiteriana de St. Giles, ela é o centro da cidade e fica aqui perto... – Alicia começou, os olhos se fechando, enquanto eu parava na lateral do sofá, precavido. Ela estava mais pálida do que já era, respirava pausadamente e parecia voltar a imergir no que quer que tivesse a puxado anteriormente para longe daquela sala. Sua voz era mais pesada, cansada, como se tivéssemos vindo de Bordeaux até Edimburgo à pé... Mas havia dor em seu rosto, as feições bonitas contorcidas em algo beirando remorso e sofrimento. – Vi meu irmão, o que tentou me recrutar. Era um novo chamado, ele também sente que eu estou aqui... E eu vi sangue, vi muito sangue. – A aspereza anterior de suas palavras desapareceu, trazendo um tremor que pairou por seu corpo, suas mãos agarrando as laterais do próprio corpo, ao que, em um átimo, Michael se antecipou para abraçá-la, desajeitadamente. “Ei, está tudo bem.”, ele sussurrou repleto de cuidados, enquanto eu me inclinava para buscar o diário de minha mãe, antes que este caísse no chão. – Tyler está em St. Giles, ele e algumas pessoas estão infiltradas lá, em meio aos sacerdotes. Meu irmão está alastrando o seu mal por aquelas pessoas e aguarda a nossa chegada... Ele... – Alicia sufocava no próprio ar que respirava e aquela cena era ainda mais sufocante ao ser assistida de perto. Michael afastou os cabelos da jovem de seu rosto, assoprando gentilmente contra ela, na tentativa de trazê-la de volta. E, com um suspiro que me assustou e fez com que eu desse alguns passos para trás, em minha típica fraqueza de tomar sustos.

 

- Esse é o momento em que nos dividimos pra investigar o local. – Frank pontuou, arrumando algum motivo muito idiota para se levantar do sofá e afastar-se de Gerard. No caso, foi o de contornar a mesa de centro e aproximar-se de Alicia, fingir que se importava com o quanto ela tinha dificuldade em se levantar e ajudá-la a fazê-lo, juntamente de Michael. – St. Giles não é muito longe daqui, provavelmente algumas quadras de distância, podemos ir à pé... E vamos precisar de armas. – Frank olhou diretamente para mim, um olhar que não entendi, afinal, eu não possuía contato algum naquele país, estávamos ali sob a ajuda de Alicia e Quinn estava muito longe para que eu pudesse roubar seu arsenal sem que percebesse. – É completamente estúpido seguir com isso sem qualquer coisa para nos defender a não ser bíblias e crucifixos... Nós podemos morrer no primeiro confronto com um ser desses! – Mas ele tinha razão. Frank era extremista e grosseiro, drástico em querer obter resultados e salvar sua vida, mas tinha mais perspicácia do que qualquer um naquela sala.

 

- Você tem noção de que estamos lidando com pessoas, não sabe? – Mas era claro que Gerard Way não iria concordar, que iria quase gritar e agarrar-se à beirada do sofá, apoiando as mãos ali, tentando não colocar-se de pé. Por mais que se afastassem, se não fossem seus corpos atraídos por uma química nunca antes vista, suas vozes sempre davam um jeito de colidirem um contra o outro. – Pessoas possuídas por esses demônios e você quer matá-las?!

 

- Se for preciso, sim! – Frank segurava Alicia por um dos braços, ainda que ela já estivesse de olhos abertos, respiração normal e descontente em ter que aturar outra discussão, tanto quanto Michael. Mas eu... Eu não, eu adorava ver que Frank estava percebendo, pouco a pouco, o que havia ali para ele. – Você tem noção de que não temos defesa alguma, não é?! São anjos! – Naquele ponto, o Frank preocupado com Alicia havia evaporado, apenas Michael mantinha as mãos a firmando um tanto, enquanto meu amigo e Gerard eram apenas separados pela mesa de centro, que, se tivesse viva, já teria dado um jeito de ir para o outro extremo da sala. – Anjos que estão no meio termo entre o céu e o inferno! Criaturas que nunca confrontamos e que possuem poderes inestimáveis. Acha que com meia dúzia de orações vamos conseguir nos proteger?!

 

- Sequer sabe o que está falando! – O rosto pálido de Gerard já começava a adquirir um tom vermelho peculiar, que já havia notado surgir quando ele e Frank se alteravam um com o outro. As mãos haviam soltado o sofá e ele agora gesticulava com exagero, braços abrindo-se e os dedos longos flexionando-se sob a sua exasperação habitual. – É exatamente por isso! Eles só usam humanos como receptáculos! Não sabemos os poderes que tem, o que podem fazer... Se podem invadir um de nós, como fizeram com o meu irmão! – E apontou para Mikey, que ajeitou o óculos com a mão livre, um pouco sem jeito e sem coragem de interromper tal discussão tanto quanto eu. Mas não Alicia... A jovem nunca se sentiria acanhada quando se tratava de sobrepor-se diante daqueles quatro caras tão amotinados.

 

- Eu sei sobre o que temos que enfrentar vagamente, não muito, como gostaria de saber... Mas o bastante pra concordar com Frank. – Alicia projetou-se em um tom alto de voz e todos nós a encaramos, sob a luz clara que adentrava as cortinas da sala, parte de mim se aliviando, ainda que eu soubesse que Way não fosse ficar muito satisfeito com a sua afirmação seguinte. – Armas podem nos ajudar... E eu acho que conheço um lugar por aqui que talvez possa nos fornecer alguma coisa... Um velho amigo, eu ao menos espero que ele tenha mantido seu refúgio por aqui. Se não, estamos fodidos. – Ela parecia mais lúcida, ainda que cansada, ajeitando os cabelos e direcionando-se até sua mala extravagante, largada ao lado da porta de entrada, cuja decidiu abrir e começar a revirar ali mesmo, ajoelhando-se no chão e jogando peças de roupa pelo ar. E eu tinha certeza de que Michael a olhava em busca de alguma lingerie fugitiva.

 

 Homens heteros.

 

- Eu disse, não disse? – Frank arqueou suas sobrancelhas bem desenhadas, cruzando os braços e fitando um Gerard Way em fúria eterna. “Vamos providenciá-las.”, para completar, seu irmão concordou com todo aquele plano, talvez um belo espécime de traidor para Gerard e uma teimosia que nunca parecia ter fim. E eu nunca havia conhecido alguém que parecia explodir, tanto quanto ele, quando era contrariado.

 

- Isso já deu pra mim. Eu vou esfriar a minha cabeça, antes que eu me torne um louco como vocês... – Como antes, tratou de levantar-se e voltar a sumir pelo corredor em direção aos quartos. Em um relance, vi Frank desfazer o sorriso vitorioso dos lábios, cravando seu olhar naquele homem que não só passaria a significar muito mais do que um ex-padre teimoso e calculista para ele, como para todos nós. Era só questão de tempo e eu podia sentir isso, assim como pressentia turbulência a diante.

 

- Perdoem o meu irmão, ele normalmente é agradável, é só... – Mikey se direcionou à Frank, enquanto eu voltava a segurar o caderno de minha mãe como se fosse minha própria vida e não segurava uma risada, ao meu melhor amigo responder-lhe com um “Eu sei que sou eu, é a arte de atormentar Frank Iero que o deixa assim... E eu não posso me conter, ele é bastante repugnante quando quer.”, muito verdadeiro por sinal. Frank era o maior exemplo vivo de falta de filtro que eu conhecia. – Um pouco... Ele só gosta de ter controle das coisas e você não facilita muito isso. – Michael era um bom Way, é sério. Com seus óculos grandes, cabelos despenteados, falta de jeito com mulheres e ar quase cômico ao defender o irmão, como se não o quisesse e concordasse veementemente com Frank, percebi que ele poderia ser muito mais do que “só um aliado”.

 

- Acho que podemos ir, nós... Nós podemos procurar armamento primeiro, se quiserem. Seria melhor investigar St. Giles no início da noite, o local é basicamente um ponto turístico e precisamos que não tenha muitas pessoas por perto... Se precisarmos de reforços, nós avisamos à vocês e... – Alicia levantou-se em súbito, arremessando um calça para dentro da mala e a fechando com total falta de cuidado, voltando-se em nossa direção. Tudo em movimentos rápidos demais para alguém que quase havia desmaiado... Mas, era bom lembrar: Alicia não era como nós, ela sequer era humana em sua real morfologia. – Ahn, Bert, você não se importa de ficar, não é? – Dirigiu-se à mim, que prontamente a respondi com um “Nem um pouco.” bastante sincero. Eu não conhecia nada na cidade, pretendia ocupar-me do diário que tinha em mãos e eu quase arrisquei perguntar se Alicia lia mentes, quando continuou a falar. – Não me leve à mal, eu só acho que seria uma boa ideia alguém manter um olhar em Gerard e nesses escritos que encontrou, ver se consegue desvendar mais alguma coisa, você é a melhor pessoa pra isso no momento. Eu tenho anotações, traduções de símbolos divinos... Vou deixá-las com você. – Então eu vi que segurava consigo uma pasta de couro vermelho, gasta, enrolada em fitas igualmente de couro, quase arrebentadas e que eu tinha quase certeza de que datavam não só de décadas, mas de séculos passados. Entregou-me, conforme eu me sentava mais uma vez no sofá, menos inquieto e mais curioso em saber o que havia ali dentro, ainda que eu repousasse a pasta sobre meu colo com um fingido desinteresse.  – Meu irmão não é muito confiável, mas acho que estamos em um bom número para confrontá-lo. Nós precisamos de respostas.

 

 Aquela era a maldita frase que ecoava em minha cabeça desde o dia em que Alicia havia entrado em nossas vidas. E, se Deus realmente existia, talvez ele fosse o único capaz de responder todos os nosso questionamentos de uma só vez e explicar o que diabos seus santificados filhos estavam fazendo ali.

 

- Você vai ficar bem, não vai? – Frank voltou-se para mim, cutucando-me com um dos joelhos, assim que se postava diante de mim, fazendo-me revirar os olhos. “Frank Iero, você me conhece... Os demônios tem medo de mim e da minha risada histérica.”, o respondi com meu exótico bom humor, beliscando-lhe a palma da mão, ao que passava por mim, não arrancando, por muito pouco, um gritinho histérico do meu quase irmão. – Eu também, mas isso não quer dizer que a sua risada histérica possa os impedir de...

 

- Vocês são mais estranhos do que eu imaginei... – Mikey pontuou, nos fitando de soslaio, enquanto vasculhava os bolsos de sua calça e se adiantava, rumando para o corredor dos quartos. Com a mesma velocidade com que o adentrou, ele voltou, segurando consigo uma das pastas típicas dos Way, provavelmente repleta de artefatos, enquanto eu julgava Frank com um simples olhar. Ele não iria levar nada mesmo? O que estava acontecendo e de onde havia surgido tanta autoconfiança assim?! – E ei, fique de olho no meu irmão teimoso. Eu não sei para onde vamos e ele pode tentar nos seguir. Ele não disse nada, fingiu que eu não estava no quarto, mas eu o conheço. – Assenti com a cabeça, percebendo que talvez eu estivesse em uma enrascada pior que a deles, pelo simples fato de possivelmente precisar conter Gerard Way. – Ele é bom com essas coisas, em decifrar outras linguagens... Pode te ajudar de alguma forma, se estiver de boa vontade.

 

- Se ele não me matar, pode ter certeza de que está em boas mãos e de que vou pedir ajudar à ele. – A segunda parte era uma mentira deslavada e Frank reconheceu, ao ser o primeiro a sair daquele apartamento, em meio a risadas sarcásticas e seu narizinho empinado, como se fosse o Rei da Escócia e estivesse levando seus mais fiéis cavaleiros para uma aventura, enquanto, na realidade, o mais fiel estaria sentado, durante boa parte daquela tarde e começo de noite, mergulhado em livros e anotações mais velhas do que a minha preguiça tão milenar.

 

 Eu sabia que era completa loucura saírem daquela forma, mal chegando de viagem, mal se instalando em uma cidade que apresentava perigo para todos nós, desde que Alicia se arrepiava só de mencionar a possível localização do pai. Confiar em Frank e reforçar isso seria redundante demais, mas perceber que Michael e Alicia eram capazes de levar aquilo para frente, junto ao meu amigo, em uma caça à armas e à anjos caídos, ainda era novo para mim. Ainda me deixava desconcertado e quieto, um pouco desorientado para alguém sempre enérgico, mas era positivo. Muito positivo.

 Quando Michael, o último a sair, fechou a porta, eu mergulhei em cada traço do que aquele caderno e as anotações de Alicia poderiam me fornecer como conhecimento. Encontrei similaridades com assuntos que eu já havia estudado, desde a bíblia satânica, ao Paraíso Perdido de John Milton... A própria Bíblia havia sido citada, distorcidamente, em tom de sátira e zombaria, em um dos cânticos registrado por Alicia, escutado em um de seus sonhos, como dizia suas anotações. Reforcei-me naquilo, um tanto quanto irritado por meu latim resumir-se à feitiços aprendido por meus pais, leituras que Frank havia me ensinado a fazer e minha simples curiosidade pagã... Eu era bom em muitas coisas, mas reconhecia minhas falhas. Eu precisava de alguém que fosse fluente por inteiro e esse alguém estava enfurnado em um quarto, no fim do corredor daquele apartamento pequeno, fazendo birra como uma criança de cinco anos de idade.

 O tempo que fiquei naquela sala foi impreciso. Percebi a claridade se ausentar somente quando meus olhos estavam sendo utilizados em sua força máxima para ler pequenas anotações no fim do diário de minha mãe e que eu precisava urgentemente dos meus óculos. Meu celular estava intacto sobre a mesa, nenhum sinal de Frank ou dos outros a respeito de algum alarde, embora minha vontade fosse de ligar e me certificar de que tudo estava realmente muito bem. Digamos que meu instinto absurdamente protetor não era muito bem vindo por Iero, então eu percebia aquela necessidade de me policiar e parar de acreditar que meu único amigo em todo universo iria ser trucidado por demônios. Frank era muito bom para morrer daquela forma.

 A fome me tomava, quando eu já estava resmungando em enoquiano comigo mesmo, tendo já me arrastado do sofá para a mesa de centro, ajoelhado no chão e com as costas doloridas por curvar-me tanto sobre aqueles textos. Meu celular estava em minhas mãos, não para uma ligação, mas para uma constatação importante... As imagens dos braços das jovens mortas estavam ali, algumas cedidas por Mikey, e havia um padrão similar à frases transcritas no diário de minha mãe e nas folhas dispersas encontradas na pasta que Alicia havia me entregado. Todas elas falavam sobre inferno... Sobre anjos e sobre uma escuridão infame, inabalável e que parecia ser apenas o começo... O começo de algo que tínhamos uma ligeira noção, mas que nunca conseguíamos chegar ao seu real núcleo.

 Sabíamos que eram anjos, que haviam neflins como Alicia, que queriam causar um mal à Terra, talvez dominá-la em nome de um ciúme doentio a respeito de Deus e dos humanos. Aquilo já havia influenciado Lúcifer uma vez, não seria diferente com seus irmãos tão problemáticos. Uma vez caídos, o paraíso não lhes era mais uma opção e, pelo que parecia, o inferno também não... Então, o que havia acontecido de verdade? Porque perambular em um território que não lhes era proveitoso ou vantajoso?

 Então eu escutei um ruído, algo que não me alarmou, assim que percebi Gerard surgir do maldito corredor, cabelos úmidos, a mesma camisa, mas sua maldita calça social de volta, como um fantasma que nunca o deixava de lado. Acendeu a luz da sala, com um breve soco na parede, quase me assustando, mas não desviando meu olhar daquele recente descoberta. E, veja só, eu não havia precisado de ajuda alguma para descobrir que talvez anjos caídos estivessem sitiados na Terra desde o século passado.

 Aquele encosto parou diante da mesa de centro, resmungando algo consigo, mesmo, as mãos no bolso da calça e um forte perfume enjoativo planando pelo cômodo, denunciando que era a milésima vez que havia tomado banho só naquele dia. E é sério, desde que acordamos, arrumamos nossas malas e partimos para o aeroporto, aquele era o terceiro banho de Gerard. Podemos notar que alguém tem um pequeno probleminha compulsivo.

 

- Mikey disse que preciso ser educado com meus novos amigos, então ele praticamente me obrigou a vir aqui para lhe oferecer um café, enquanto te ajudo com essas coisas... – Ele tomou coragem de dizer, ainda sem aproximar-se mais um centímetro sequer, retirando o celular do bolso da calça. “Não acredito que estou vivo pra ver você sendo educado comigo!”, exclamei, pasmo e falsamente alegre, ao erguer meu rosto, apoiando os cotovelos sobre a mesa e tateando-a, discretamente, em busca dos óculos obviamente não havia largado ali. Gerard estava um pouco embaçado para mim, mas eu não era surdo para entender seu tom de voz menos hostil. – Não se acostume, eu também já estava entediado naquele quarto. – Percebi que falava mais consigo do que comigo, então me ocupei em inclinar-me em direção ao sofá, logo atrás de mim, em busca de minha mochila e, consequentemente, meus óculos de grau. – Só preciso achar um aplicativo com alguma cafeteria que entregue qualquer coisa por aqui e...

 

- Você é bom em latim, certo? – Perguntei, sendo direto e afundando minha mão na mochila já aberta, encontrando o almejado objeto. Prossegui, encaixando-o em meu rosto, Gerard entrando em foco, assim como sua cara irritadiça moldada em uma careta, ao assentir com a cabeça à minha pergunta. – Consegui descobrir uma passagem bizarra em um dos braços da jovem Oswald, diz algo sobre ascender as chamas do inferno e alastrá-las pela Terra... Bem tocante. Existe também algo sobre os anjos estarem presos aqui, nessas mesmas passagens e no que minha mãe disse, e que os humanos estão sendo usados para alguma ascensão, só não sei se para o inferno vir para a Terra ou dominarem o paraíso. – Fiz uma pausa, percebendo que Way ocupou-se demais de seu celular. A cor, que já não era costumeira em suas feições, desapareceu de seu rosto, assim que leu e releu inúmeras vezes algo na tela de seu celular. Então, a sensação estava ali, um sufocar, um ofegar que só surgia de tempos em tempos... Aliás, que há dias não me atormentava, afinal eu sempre tinha Frank bem debaixo dos meus olhos. Mas não naquele instante. – O que foi que aconteceu?

 

- Nós dois precisamos ir, Michael acabou de mandar uma mensagem... – Gerard me deu as costas e, drasticamente, eu não pensei nem duas vezes em me colocar de pé e segui-lo até a porta. Ele estava sem seus objetos sagrados, sua bíblia, sem nada... Só o telefone, o pânico mascarado em sua voz por uma seriedade que me arrebatou e quase me impediu de prosseguir porta à fora junto a ele. – Parece que eles conseguiram entrar em um local secreto em St. Giles... E Frank foi tecnicamente capturado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Notas Finais


TRAILER LINDINHO DO BERT BEM AMORZINHO, ETC.

https://www.youtube.com/watch?v=L8y7eSbDMZo


Queria salientar coisas sobre o trailer:
- Existem muitas interpretações sobre as coisas e eu sei que muita gente vai cogitar o óbvio.
- O Bert nessa fic é bissexual, fica o alerta.


Playlist de Sold My Soul : https://open.spotify.com/user/12146824956/playlist/0JEieaGAAfRir5sQawkngv


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