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História Sold My Soul. - Gerard


Escrita por: mryiero

Notas do Autor


Olá, pessoinhas! Eu sei que demorei à beça, mas tô ainda tentando me recuperar emocionalmente das coisas, lidar com alguns problemas e andei bastante desmotivada até pra postar, por mais que eu já tenha esse capítulo há certo tempo. Eu estou tentando escrever mais, me empolgar mais, e está sendo um processo demorado. Sei que vocês estão sempre aqui esperando por essa história, acompanhando, assim como outras, mas eu queria deixá-las tranquilas a respeito de não desistir daqui. Eu posso demorar, mas não vou largar Sold My Soul, afinal, essa história é muito importante pra mim, desde a construção, até o projeto final que eu tenho pra ela, é só questão de lidar com algumas coisinhas pessoais. Ando me sentindo pra baixo e desmotivada pra tudo na minha vida (fazendo um desabafo rápido aqui) e ás vezes esqueço o quanto escrever e repartir essas histórias funciona como uma grande ferramenta para me deixar melhor comigo mesma e mais confiante nas coisinhas da minha vida. Enfim, estou trabalhando nisso e voltando a ficar realmente empolgada com o que eu produzo sobre Sold My Soul, então estarei aqui tentando, como sempre.

SOBRE O CAPÍTULO DE HOJE!
Decidi postar na íntegra, claro, depois de demorar tanto, então posso começa falando que ele é dividido em duas partes importantes e ao mesmo tempo que vão nos levar ao ponto maravilhoso do próximo capítulo. E, acreditem, o próximo é fodidamente absurdo de explicativo e com uma situação de causar pequenos desesperos, mas nada muito grave. A história é feita de nuances, antes de mais nada, alguns eu sei que vão ser arrastados, pois vão chegar explicações, textos, a mitologia de Sold My Soul e outros, como esse, vão chegar momentos de ação, de coisas realmente "gritando" através das palavras, o que vai dar toda essa inconstância a isso aqui. Como eu disse, vai ser uma história dividida em duas partes, não mais que isso e estou tentando não prolongar muita coisa, pois pode acabar indo pra três. UHASUHSAHU Mas, ACREDITEM, quando vocês começarem a sacar, vão entender a minha preocupação em chegar a precisar de uma terceira parte, porque não quero deixar NADA escapar, NADA em branco e explicar/relatar sem sair jogando informação DO NADA na cara de vocês.
Gerard e Bert estão fazendo uma duplinha infalível nesse capítulo e, claro, vamos ter bastante Frerard ocorrendo nas entrelinhas, como sempre.

Espero que gostem e agradeço aos comentários anteriores e os próximos também, cs fazem dessa história uma experiência incrível pra mim.

Tenham uma boa leitura, demoninhos. ♥

Capítulo 15 - Gerard


Capítulo Dez – Gerard

 

“Of course, you have to control them, but if you're made to feel guilty for being human, then you're going to be trapped in a never-ending sin-and-repent cycle that you can't escape from.”

– Marilyn Manson

 

 

- Eu sinto falta do meu carro... – O comentário escapou, logo que fui obrigado a deixar minha bagagem, quase intocada, sobre o chão sujo da entrada do prédio. Alicia e Frank haviam desaparecido no saguão, em uma conversa com o dono do local, algo no qual eu não buscava nenhum envolvimento, afinal, eu tinha minhas curiosidades sobre como Alicia conseguia manipular aquelas pessoas, mas o temor de acabar sendo um alvo de suas “habilidades” era muito maior.

 

 Matar uma pessoa havia sido a quebra de qualquer barreira que eu havia construído para amparar meu emocional e, principalmente, todas as minhas desconfianças. Há algum tempo (eu falava isso como se conhecesse Alicia há anos), eu havia decidido dar um voto de confiança e parar de deixar o “paranóico que duvidava de tudo e de todos” tomar conta de mim. Além de confiar em Mikey e em seu sexto sentido para fascinar-se tanto com ela, o trabalho em equipe falava mais alto. E aquela era a mesma desculpa que eu usava para mascarar Frank Iero e toda aquela proximidade.

 Em um resumo brando e rápido do que aconteceu desde o segundo em que aquela bala perfurou a cabeça do irmão de Alicia, posso anotar a quantidade de vezes em que eu me vi a ponto de gritar, jogar tudo para o alto e deixá-los naquele país, se não fosse por ter que tomar as rédeas da avalanche de problemas que se seguiram e, obviamente, colocar um pouco de juízo na cabeça do meu adorado irmão. Após orar pelo jovem que havia partido e quase expulsar um Frank que parecia aficionado em cadáveres frescos, precisei organizar todos e orientar que pegassem suas coisas, a fim de que saíssemos dali o mais depressa possível e estivéssemos seguros de qualquer ameaça real ou sobrenatural. E Alicia ser a responsável pelo desenrolar de tudo aquilo com o nosso “inquilino” fazia parte de mais uma das minhas estratégias.

 Novamente: eu não sabia seus métodos e sua capacidade, se eram “poderes” ou algo além do que minha mente, não tão cética assim, poderia suportar, mas não questionei. Ela o havia feito mais cedo, em alguma hipnose de palavras, e nos garantido que entrássemos com um refém dentro de um prédio sem sermos questionados. E eu não queria nem ao menos saber qual seria a desculpa da vez, ainda mais se o corpo fosse encontrado... Ou se a olhassem minuciosamente e percebessem que seus braços continham respingos de um sangue que não lhe pertencia.

 Se eu decidisse contar aquela história para qualquer pessoa, por Deus, eu seria internado em um manicômio o mais depressa possível. E, em minha opinião, se mais algum evento catastrófico daquela magnitude acontecesse, eu iria fazê-lo por vontade própria. Acreditar que estávamos nos safando tão facilmente era demais para mim... Eu era questionador, algumas vezes bastante racional para alguém que se ancorava em uma religião e já havia visto entidades espirituais demoníacas e até bondosas. Mas ilusões... Algum tipo de hipnose ou controle da mente. Isso eu demoraria a digerir.

 O que não deveria ser dito a respeito dos outros três “comparsas” daquela onda absurda de transgressões. Frank me evitava, então era “negócio” para ambas as partes, quando ele se tornou a sombra de Alicia e passou a auxiliá-la a juntar suas coisas, tentar forjar um possível suicídio do corpo e, naquele momento, acobertar nossa presença no local. Pelo o que me parecia e eu escutava, ao longe, parado diante do prédio antigo e bem cuidado, ambos justificavam alguns problemas e Alicia resmungava um encantamento para que o homem se esquecesse de nossas características, rostos, de tudo... E, pelo um terço de latim que resmungava, plantava a história de uma dívida de jogo que havia resultado no acidente em um dos apartamentos. Se era um “encantamento” propriamente dito, eu não sabia... Mas julgando pelo silêncio do velho senhor proprietário do local e a curiosa sorte que tínhamos em não haver nada mais do que transeuntes aleatórios pela rua como testemunhas de nossa presença ali, Alicia ainda possuía muito a ser revelado.

 Robert havia desaparecido. Não era brincadeira, suas coisas estavam amontoadas junto às minhas e as de Alicia, também no chão, e, desde que Mikey as havia trazido com sua ajuda, eu não deixei de reparar que era muito provável que havia evaporado no ar. Ás vezes, McCracken era exatamente o oposto do seu “eu” escandaloso e não se preocupava em realizar abordagens silenciosas e inesperadas. Então, eu já aguardava berros vindos do corredor do hall do prédio a qualquer momento... Ou que a mala diante dos meus pés se abrisse e dali surgisse um Robert amedrontado gritando com todos nós.

 Mikey estava ao meu lado, o olhar voltado para trás, permeando entre esperar por algum surto psicótico de minha parte e olhar para Simmons, também tentando compreendê-la. Por ser das ciências mais avançadas, justificar tudo ao máximo com tecnologia ou medicina, sabia muito bem que Michael arquitetava razões sensoriais ou evolucionistas a respeito do que Alicia fazia com seus grandes olhos cravados em seus “alvos” ao disseminar mentiras em outra língua. Enquanto eu tinha a resposta mais viável gritando em minha mente, ainda assustadora e difícil de digerir: ela possuía algo angelical dentro de si, Alicia não era humana... Não era humana e havia anjos por aí.

 Talvez a ficha estivesse finalmente caindo para mim, se moldando e deixando-me em dúvida do tipo de atitude que eu estava tomando. Fugindo com estranhos, acobertando crimes, invadindo lugares sagrados com uma espada e, principalmente, me envolvendo, muito mais do que deveria, com um dos seres humanos mais abomináveis que havia acontecido. Quem sabe eu havia sido possuído por alguma entidade brincalhona e que estava predestinada a arrastar-me para a perdição de todas as formas?! Era uma boa justificativa, mas havia a certeza de que eu soaria ridículo se pronunciasse aquilo em voz alta.

 Então eu aceitei, dando de ombros e reforçando a minha imagem de completo desequilíbrio mental, ao deparar-me com o inevitável: era realmente aquilo. Mortes, anjos, sangue inocente, paradigmas religiosos sendo quebrados, mais anjos, homossexualidade sendo incitada ao extremo, uma delinquência sem fim e, o pior de todos os fatos a serem constatados: A minha mascarada animação para com tudo aquilo.

 Afinal, para um rapaz sempre entediado com a vida em monastérios e missas extensas e entediantes, aquilo era muito mais emocionante do que apenas caçar demônios. Eu só esperava que o Pai me perdoasse por caçar todos os seus bastardos e tentar dar um fim a eles. Se não o fizesse... Bom, a cada segundo ao lado daqueles estranhos conhecidos a porcentagem de inevitabilidade da minha ilustre presença no inferno crescia.

 Quando eu menos esperava, olhares foram guiados diretamente para uma das interseções entre aquela rua e vielas escocesas, de onde um carro surgia em alta velocidade e avançava pela rua em completa falta de responsabilidade, quase atropelando um ou dois rapazes, que precisaram correr desesperadamente para o lado oposto da calçada onde estavam, até parar bem diante de onde eu me encontrava. Antes que eu sequer questionasse qualquer coisa, Mikey se adiantou com as minhas coisas e um estado de pânico súbito me tomou. Então era por isso que ele e Robert estavam cochichando, antes que McCracken sumissem... Eles estavam arquitetando o tipo de loucura com a qual eu jamais iria compactuar. Eu, sinceramente, estava cogitando que meu irmão estava libertando toda a sua insanidade diante daqueles dois malucos de uma só vez.

 Porém, eu não fazia muito diferente.

 

 - Não. – Pontuei, ao ver McCracken surgir do veículo escuro, um táxi escocês, daqueles semelhantes ao que possuíamos em solo londrino, apenas para acenar em nossa direção, aparentemente orgulhoso do seu feito. Afinal, eu não era burro para não perceber que Robert não havia pegado um maldito táxi emprestado de uma hora para outra... Ele havia o roubado e casualmente (detecte um pouco de ironia aqui) dirigido com ele pelas ruas, como se fosse muito comum. E, para ser sincero, eu estava começando a questionar a prudência e eficácia da polícia europeia nos últimos dias. – Não mesmo, nós não vamos cometer mais um crime. – Aquilo já estava mais do que feito, com Robert saltando do carro e escalando o capô para tentar retirar, com certa violência, a pequena placa amarela luminosa onde lia-se “táxi”, como se tamanha atitude fosse mascarar que aquele carro não nos pertencia. Encarei Michael ao meu lado, para perceber que ele não mais estava ali, que carregava nossas malas em direção ao automóvel roubado, como se recém tivessem o alugado e tudo estava correndo maravilhosamente bem. Nada de mortes, nada de amigos feridos, nada de polícia supostamente intrigada com o caos na Catedral da noite anterior, nada... Só um grupo de amigos saindo de férias. Será possível que só eu me importava em sair vivo daquela?!

 

- Nós já cometemos inúmeros crimes ainda mais cruéis do que este nas últimas horas, maninho, entre na merda do táxi e vamos logo. – Michael falar palavrão era o de menos, para ser sincero. Assustado, o observei arremessar malas e mochilas dentro do porta-malas do táxi, para, logo em seguida, ajudar Robert a retirar a placa do topo do mesmo de uma só vez, arremessando-a no meio da rua. Okay, meu irmão estava se tornando um vândalo.

 

- Eu me recuso. – Afirmei, assistindo-o levar consigo as minhas coisas, sem sequer perguntar se eu concordava com tudo aquilo. No fundo, não era nada inadmissível e eu definitivamente iria segui-los, mas meus princípios estavam inflados, gritavam dentro de mim e eu precisava me recuperar de toda aquela poça de sangue e morte recente, antes de me meter em novas atribulações.

 

- Vamos ter que prender você ao teto do carro, Way? – Aquela voz tipicamente afiada, pronta para fazer qualquer tipo de estrago sem mover um dedo sequer, ecoou alguns centímetros atrás de mim e sequer precisei me virar para ver Frank com aquele sorriso insolente, caminhando ao meu lado, até alcançar o carro e tentar ajudar Michael a arrumar as coisas neste. Enquanto meu irmão o empurrava, impedindo-o de exercer qualquer esforço, Frank voltou-se em minha direção, uma vez que eu parcialmente havia me dado por vencido e caminhado em direção ao automóvel, braços cruzados e olhos atentos a cada mínimo movimento que eu fazia. – Ande logo, você não vai querer encontrar a polícia e ter que explicar o que diabos um corpo está fazendo amarrado a uma poltrona em um prédio familiar desses.

 

 Havia sido o suficiente para que eu passasse por ele e avançasse até a porta do táxi e o adentrasse, em meio a pseudo-xingamentos que não passavam mais dos resmungos do velho chato que eu sempre havia sido. Sentei-me e não demorou para que Frank e Robert se unissem a mim, enquanto Alicia ainda parecia ocupada demais com o pobre coitado do dono que muito teria que explicar/mentir em breve, me esmagando contra a janela esquerda, ao que Iero decidia que era uma boa ideia quase deitar-se sobre o amigo e atrapalhar todo o meu estimado conforto. Sem querer erguer minha voz e iniciar uma discussão que eu sabia muito bem onde resultaria (no que restava da minha integridade abalada por aqueles olhos cor de avelã), mantive meu rosto quase colado no vidro e aguardei Michael brotar, todo sorridente e falante, com uma Alicia que se prontificou a dirigir cautelosamente por um destino ainda desconhecido por mim.

 Contra a minha vontade, foquei-me em Alicia durante quase todo o trajeto que fizemos... Eu tinha dois bons motivos e o principal estava ao meu lado, em meio à gargalhadas com Robert e eu precisava fingir que não queria saber o motivo daquelas risadas e o porquê da mudança brusca de humor, afinal, Frank Iero parecia sempre irritado com tudo e com todos. Com toda a sinceridade do mundo, eu estava me coçando de curiosidade, então busquei minha segunda opção e que poderia ser lida como uma obsessão não bem vinda, se não fosse pelo meu grau de homossexualidade elevado e cujo me estimulou a duvidar da maior instituição manipuladora de todo mundo. Eu decidi compreender Alicia Simmons à todo custo.

 Havia algo dentro de mim que estava em alerta desde cedo, desde que tive a cara de pau de pegar Frank em meus braços e levá-lo são e salvo de volta ao “nosso apartamento”. E eu deveria definitivamente parar de falar dele e... Okay, foco. Aguçado por aquela sutileza com que lidava com problemas, eu coloquei em minha cabeça que fazia parte de sua singularidade, eu nunca havia visto nefilins na vida e meu instinto de “caçador” e pesquisador eram fortes demais para abafar aquilo. O que meu irmão prontamente fazia por estar tão desnorteado com sua beleza e, principalmente, com toda aquela força que Alicia possuía. Ela tinha todo o sangue frio e precisão que faltava à mim e ao meu irmão. Quanto aos dois caras do meu lado... Eu não queria fazer comparações, não desde que havia descoberto seu segredinho podre.

 E era por isso que estava cada vez mais difícil esquecer que Frank Iero merecia muito mais do que minha simples atenção. Eu queria pesquisá-lo até o último fio de cabelo... E “pesquisar”, no momento sensível e intrigante no qual eu me encontrava, poderia ser alusão a algo do qual eu fugia há muito tempo.

 

 - Você sabe precisamente para onde estamos indo? – Perguntei, o nariz quase espremido contra a janela do carro, enquanto Alicia acelerava um tanto mais, nos fazendo adentrar em uma estrada repleta de verde e construções antigas, quase caindo aos pedaços. O trajeto parecia ainda mais agradável sob a luz do sol, quase fazendo com que esquecesse dos caóticos episódios recentes, se não fosse por minha mente buscar algum foco ou resposta sobre o nosso destino. E eu não encontrava nada, absolutamente nada. “Estou tentando dar um jeito de nos enfiarmos no buraco mais fundo e perdido do mundo, antes que meu pai nos ache.”, Alicia resmungou, manobrando o carro cuidadosamente em direção a uma curva mais sinuosa, a estrada afilando-se e cercando-se mais e mais de árvores longilíneas e repletas de galhos... O tipo de coisa que me tirava a atenção por segundos, ao que eu tentava identificar qual delas estava mais próxima das nuvens robustas no céu. Até soar lento e quase frio demais para a minha chatice questionadora de sempre. – E você tem certeza de que ele não vai até o inferno atrás de todos nós depois de ter matado um dos seus irmãos? Não se sente culpada?!

 

- Nem um pouco. – Ela era firme, diminuindo delicadamente a velocidade do “táxi não mais táxi”, quando pareceu perceber que estávamos sozinhos naquela estrada... Nada além de um carro roubado amontoado com os piores espécimes da raça humana. E uma descendente celestial. Eu poderia julgar o quanto quisesse, mas fazíamos uma equipe e tanto. – Eu sou a bastarda da família, Gerard. – Uma risada sarcástica ecoou e eu deixei de fitar as árvores, o carro entrou em um silêncio sepulcral e pude ver, através do retrovisor, um sorriso amargo emoldurado em uma Alicia que parecia a versão mais sensível que eu já havia visto até então. Ela poderia ter derrotado o irmão, mas era ela quem estava completamente abatida, quiçá destruída por dentro. – Não estou aqui pra agradar nenhum deles ou controlar os meus impulsos. Se eu precisar matar o meu pai, eu vou honrar minha mãe e fazê-lo sem nem pestanejar. – Determinação ainda era o seu forte e eu assenti com a cabeça, em meio àquela minha análise não propriamente dita, quando nos encaramos pelo retrovisor do carro e ela me deu exatamente o que eu queria: a certeza de que minhas preocupações eram quase levianas, mas não completamente infundadas. “Eu quero casar com essa mulher.”, Mikey quase suspirou, enquanto Robert caçoava dele com um “Achei que isso já estava bem claro desde que você colocou os olhos nela.”, que me fez quase concordar em voz alta. Mas o comentário que veio em seguida, direto da “fonte” era muito mais engraçado e instigante do que qualquer piadinha que pudéssemos elaborar a respeito do quase desespero de Mikey. – Eu não gostaria de casar com uma mulher que não acredita que a instituição do casamento pode significar a felicidade de uma pessoa.

 

- Eu definitivamente me casaria com ela. – Comentei, voltando a encarar a estrada ao meu lado, o verde das árvores misturando-se a claridade que se alastrava entre os pequenos e inúmeros galhos destas, sentindo a pequena criatura ao meu lado movimentar-se bruscamente. Fingi não notar, uma vez que Michael me respondia, sua voz implicante, originária de uma versão de quinze anos de idade vinda de um passado não muito distante, ecoando pelo carro com um “Casaria, passado jamais existente. Você gosta demais de pau pra isso.”. E, por pouco, eu não gargalhei e me vi ainda mais desgraçado mentalmente em concordar com tamanha preocupante realidade. – Você tem um pouco de razão, embora eu acredite que sexualidade é algo mais fluído do que pré-determinado.

 

- Então, enquanto um anjo maligno está destinado a nos matar, nós vamos ficar rodando em círculos e conversar arduamente sobre o quanto Gerard é gay. – Eu sabia... Sabia que Frank estava segurando sua língua grande a certo tempo e esperando o momento perfeito para se pronunciar. Um falso drama em sua voz e, em seu rosto anguloso e bonito, quando assim o encarei de soslaio e voltei-me quase por completo em sua direção. Pela enésima vez, em menos de vinte e quatro horas, nos encarando... Ele com uma das pernas apoiadas sobre o colo de Robert e o corpo relaxado, amparado pelo banco atrás de nossos corpos, e eu, uma das mãos espalmando o assento de Alicia, arrastando-me um pouco mais para frente, apenas para ter uma boa visão daquele rosto provocador e quase sempre infantil, ao reclamar mais do que eu. – Vai ser assim de agora em diante, não é? Caçar esses filhos da puta e fugir... Fugir o tempo inteiro. – Fez um gesto exagerado com as mãos, as tatuagens ganhando minha atenção por uma fração demorada de segundos, até que eu despertasse e fingisse possuir alguma compostura. Aquilo já havia sumido do meu vocabulário e do meu dia-a-dia, principalmente quando aqueles olhos cor de âmbar quase faiscaram com o meu simples “Está reclamando, Iero?”. Eu tinha tudo para soar irritado, pronto para arremessar um terço naquele rosto bonito, na esperança de purificá-lo de todo o ar pecaminoso que fluía dele para mim, quando eu fiz o oposto. Eu havia soado como a criatura mais sedenta da face da Terra. Sedento dele... Do olhar que se intensificou, dos lábios sendo umedecidos pela língua, antes de me responder em quase um ronronar, fingindo uma preguiça que eu não conseguia enxergar... Pois eu só via luxúria. Luxúria e Frank Iero sorrindo descaradamente para mim. – Nop. Me parece bom... Muito bom.

 

 Acalmar-me... Era o que eu precisava fazer imediatamente.

 Dormir havia sido uma breve opção para lidar com o restante daquela “aventura”, ou melhor, fuga, em meio a uma estrada desértica e sinuosa. Podia contar nos dedos de uma mão o número de carros que passaram por nosso caminho ao longo de quase três horas... Três torturantes horas de Robert e Frank esfomeados, falando sobre aleatoriedades e rindo das mais irrisórias piadas que poderiam ponderar. Desde comentários sobre o corpo de Tyler e quanto tempo demorariam a encontrá-los, até o que poderíamos fazer com os poderes manipuladores de Alicia ao incitá-la a roubar bancos, materializar objetos raros e tudo de ilícito que os dois poderiam imaginar em suas mentes tão deturpadas.

 Olhando-os, algumas vezes precisando disfarçar minha atenção voltada para aqueles dois esquisitos, percebi do que sentia falta. Ou melhor, percebi o que nunca tive. Antes de qualquer coisa, Michael era meu irmão, eu não era tão cruel em ignorar sua importância em minha vida, muito menos diminuí-lo perante ao que pensei, mas o que Frank e Robert possuíam era diferente da cumplicidade entre dois irmãos. Ainda que eu possuísse Michael como meu “sidekick”, havia momentos e sentimentos que eu estagnava ao pensar em compartilhá-los com ele. Melancolicamente deixando claro, eu estava caindo em mim e percebendo o quão eu era realmente sozinho. Sem conhecidos, sem amigos de “escola”, apenas eu e Michael durante muito tempo.

 O único “vestígio” de melhor amigo que eu possuí na vida, para não ser um completo dramático e pagar de lobo solitário, havia sido um rapaz loiro e mal humorado que fugiu do celibato com três meses de experiência perante a igreja católica... E que havia sido induzido a tal por nada mais, nada menos, do que eu, sem me dar conta de que a solidão me guiaria nos anos restantes de estudos do evangelho. E, por ironia do destino ou não, ele também se chamava Robert.

  Se eu estava tentando apaziguar meu próprio ânimo, os resultados eram basicamente o oposto... Eu estava me impulsionando para um poço de dúvida e vazio, sem nenhum motivo aparente, duvidando repentinamente da amizade do meu próprio irmão, dentre outros melodramas que surgiam sem nenhum convite. Avaliando meu psicológico, por algumas vezes arrisquei fechar meus olhos e relaxar, viajar para longe daquele carro, para outras saídas, anuviando minha mente... Sempre em vão. A cada pergunta da qual incessantemente fugia, mais vinte surgiam, como a Hidra de Lerna em um looping infinito.

 Enquanto isso, Alicia nos levava seguramente para a nossa primeira parada, ainda sem planos concretos para um destino final. Era preocupante? Seria redundante e estúpido responder tal questão, mas não tanto quanto a fome que tomava o nosso pequeno grupo. E meu irmão, tão adormecido e quase babando, largado no banco da frente, somente deu sinal de vida quando McCracken exclamou um “Comida!” alto o bastante para ser escutado na Inglaterra. Sendo assim, me mostrei um pouco mais atento ao meio em nosso redor, quando percebi aonde Alicia estacionava o carro lentamente.

 O posto de gasolina era acoplado a uma loja de interior e um pub que remetia nossa terra natal, o que era quase confortador, ainda que Robert e Michael começassem a gritar assim que saltaram do carro. Emocionalmente, eu precisava de uma pausa, de um foco que não me fizesse entrar em uma crise existencial, então, sob a luz do fim do dia e o anoitecer pairando no ar, deparei-me com aquele ar interiorano e deserto, agradável e quase tranquilizante demais. Os arredores eram tão desertos quanto aquele estabelecimento, este gerenciado por uma velha senhora e seu filho irritadiço, que parecia não muito satisfeito ao preencher o tanque do carro, nem mesmo com todo o dinheiro que Alicia ofereceu para uma “checagem rápida”.

 A mãe era a única sombra de simpatia desde que saímos de Edimburgo, nos oferecendo café e quase arrastando Mikey e Frank pelos cabelos, ao que meu irmão deu com a língua entre os dentes e mencionou o ferimento em cicatrização que Iero possuía em sua barriga. A partir daí, nos dispersamos.

 Eu havia me preocupado em tomar uma quantidade razoavelmente preocupante de café, ao que finalizava meu maço de cigarros, quando assim me encostei contra o táxi roubado, antes de comprar uma nova concentração de câncer em formato de tubinhos e isolar-me mais uma vez do grupo. Até permitir que a velha senhora, ainda com vestígios de ruivo em seus cabelos e vestida de xadrez e veludo da cabeça aos pés, em um clichê escocês completo, se oferecesse para abrir o pub para que eu e os outros comecemos alguma coisa. Questionava-me a respeito de sua animosidade e se girava em torno de ter um filho tão detestável e irritante, quando Robert foi o primeiro a me seguir, implorando por uma porção de batatas-fritas, enquanto eu estava interessado em comer em minha completa e santificada paz habitual.

 Ao que me preocupava em lidar com aquele esquisito, vi, em um relance, Alicia e Mikey discutirem com o filho tão simpático da senhora (que se chamava Moira) sobre algo que queriam comprar na loja. Não muito longe dali, estava Frank, ajeitando a camisa xadrez em seu corpo, após Michael lhe ter feito um novo curativo, me fazendo lembrar do quão impulsivo eu havia sido ao lhe comprar aquela peça e não fazer a menor ideia de como desfazê-la ou entregar-lhe. Por sorte, eu tinha o melhor irmão de mundo, e eu só tinha que me preocupar em ver cenas como aquelas... Frank tão adorável em xadrez, o olhar cravado em mim, assim que Robert e eu sumíamos pela porta amadeirada e gasta do velho pub de beira de estrada.

 Antes que eu cogitasse falar algo, percebi que o estabelecimento era pequeno e muito menos assustador do que seu exterior mal acabado. Não era tão entulhado de coisas quanto os bares tipicamente londrinos, com times de futebol enaltecidos em pôsteres e bandeiras, mas era tão semelhante quanto... As paredes e o chão eram de um tom de madeira escura, fazendo com que os móveis mais claros se sobressaíssem em meio a uma pequena confusão de cadeiras viradas, garrafas largadas sobre o enorme balcão localizado nos fundos daquele salão um tanto quanto pequeno. Para finalizar, o local cheirava a cerveja e alguma coisa guardada há muito tempo, completando todo esse “combo” com um tanto de poeira e teias de aranha espalhadas pelo chão.

 Eu não estava na melhor posição para reclamar ou ser possuído pelo espírito da vigilância sanitária... E estava com fome. Ou seja, o que me restou foi caminhar pelo local, vendo a velha senhora e seu vestido xadrez vermelho flutuarem por aquela quantidade excessiva de marrom e madeira, em direção ao balcão. Por segundos, havia esquecido de que possuía uma irritante companhia... Até Robert ruidosamente passar a caminhar atrás de mim.

 

- Frank mandou você me monitorar ou algo assim? – Puxei uma das cadeiras do pequeno concentrado de mesas localizado perto do bar, onde Moira havia sumido atrás do balcão, provavelmente se direcionando até a cozinha, após ordenamos o que queríamos (pedi as malditas batatas-fritas e um queijo quente, enquanto Robert parecia predestinado a experimentar todas as massas da casa de uma só vez). Já sentado, apoiei os cotovelos sobre a mesa amadeirada maciça, assistindo a Robert fazer exatamente o que eu imaginava: largar-se na cadeira da frente, espaçando-a em comparação à mesa, arrastando-a ruidosamente no chão, antes de simplesmente apoiar as pernas sobre a superfície amadeirada, cruzando-as. – Eu realmente estava pensando em passar um tempo sozinho. Longe de problemas, pra ser mais específico... Longe de vocês dois. – Moldei meu rosto em uma expressão de nojo, acompanhando-o espreguiçar-se, enquanto sua gargalhada esganiçada ecoava por todo o pub.

 

- Você é mesmo a coisinha mais dramática do mundo e faz completo sentido Frank ter uma queda por você. Eu não sabia o quanto ele era louco até então, mas, com o tempo, eu passei a entender melhor toda essa merda... – Enquanto Robert falava, eu rezava para que minha expressão se mantivesse entre engulho e raiva, por mais que a curiosidade estivesse a milímetros de aflorar de dentro de mim. – E é gritante... Chega a ser engraçado ás vezes, principalmente quando começam com esse lance de “gato e rato”. – Com toda a sinceridade do mundo, eu não fazia ideia do que Robert queria dizer com aquilo... Não com a expressão, eu não era tão burro assim, mas com aquela conversa. – E você não parece surpreso... Você sabe, não é? Sempre soube! – Sequer preciso mencionar que não o respondi, fingindo desdém ao revirar os olhos e fingir preocupar-me com os barulhos que vinham da cozinha do local. Teimoso, McCracken ajeitou-se na cadeira, elétrico demais para seu modo “sempre relaxado”, ainda que fosse bastante falante. As mãos tomando o lugar dos pés e os olhos maníacos e azulados demais vidrados em mim e em toda a expressão teatralmente impassível que eu tentava forjar. – Não vai gritar comigo? Tem certeza de que você é mesmo normal?!

 

 Por todos os santos que o Senhor nos ensinou a enaltecer, eu não iria aguentar. Claro que não, Robert era mais irritante do que toda a Igreja reunida tentando controlar a vida alheia e não de uma forma negativa... Eu poderia ser um antro de teimosia a respeito de tudo ao meu redor, não somente aquele assunto, mas minha intuição era inexorável demais quando se tratava de algo benevolente. Era olhar para ele e seus olhos azuis clamando “diversão” que se equiparava a minha vontade de ter alguém para colocar tudo aquilo em prova.

 Não que Robert fosse a pessoa mais indicada à tal tarefa... Mas, no momento, era a única opção.

 

- Eu não sou burro, McCracken. – Comecei e a tentativa de aversão em minhas palavras era quase ridícula, comparada à rapidez com que o respondi e continuei o fazendo, o olhar permeando o salão deserto e atento à porta da cozinha. – Eu sei o que os meus olhos vêem, seu amigo não é nem um pouco discreto. – Dei de ombros, mentalmente me amaldiçoando por não ter pedido alguma coisa para beber antes da proprietária do local desaparecer para buscar nossas comidas, enquanto Bert resmungava um “Isso facilita as coisas... Então porquê vocês não estão se atracando no banheiro possivelmente imundo e cheio de doenças venéreas desse bar?”, que quase me fez engasgar com absolutamente nada, só o ar que compulsivamente empurrei para dentro de mim e me vi afogado no que quer que aquilo fosse. Então o respondi, esquecendo por completo de Moira ou dos outros do lado de fora nos esperando. – Porque, apesar de tudo, ele aparenta me odiar e existe uma grande probabilidade do mundo ser dominado por anjos malignos nesse meio tempo... Sem falar que o seu amigo representa tudo o que eu mais abomino no mundo. É o bastante para justificar a minha sanidade quanto a esse assunto? – Meu tagarelar surpreendeu McCracken, que prontamente se ajeitou, pernas no chão, cotovelos apoiados sobre a mesa, na mesma velocidade inigualável com a qual falava.

 

- Insanidade, só pode ser. Frank não te odeia, nunca odiou... Eu achei que fosse verdadeiro por um tempo, até... Sabe, é só encaixar as peças. – Então ele começou a gesticular, enquanto a minha mente parecia entrar em completo estado de liquefação, como se eu houvesse utilizado alguma maldita droga que surtia efeito instantâneo. Em movimentos atrapalhados, trêmulos e talvez tão rápidos quanto os de Robert, eu busquei meu cigarro, no bolso frontal da calça jeans que usava, o maço amassado sendo jogado sobre a mesa, uma vez que eu já acendia aquele tubinho branco entre meus lábios. Era necessário uma válvula de escape e, no momento, sem poder matar demônios e enviá-los para o inferno, era no cigarro que eu me agarrava. – Ele pode berrar na sua cara o quanto você é ridículo usando terno e gravata pra expulsar demônios das pessoas, mas quando você dá as costas pra ele, é pra sua bunda que Frank olha. – Eu não sabia que Robert era tão descarado até então, principalmente ao exclamar um “O que foi que você disse?!”, arrancando-lhe uma risada branda, enquanto eu me engasgava novamente, dessa vez com a fumaça do cigarro. Pleno, longe da rapidez de antes, ele continuou a ponderar, dedos tatuados tamborilando sobre a mesa, até alcançar meu maço e o isqueiro antigo e envelhecido de meu pai, que eu carregava para lá e para cá. – E você também! Tão descarados e ainda quer que acreditemos nessa mentira deslavada de “Ah, eu o abomino...”... Conta outra! – Arremessar o isqueiro, após acender o cigarro, foi o ponto dramático de sua fala e, ironicamente, o que me fez despertar para realmente respondê-lo, no tipo de conversa que não deveríamos ter. Afinal, o mundo estava prestes a se explodir. Assim como a cozinha e toda a barulheira estratosférica que era originária daquele ponto ao fundo do pub.

 

- Okay, o que você quer? – O meu sotaque entrou em conflito imediato com o dele, ao perguntar-me um “Como assim?!” sorridente, as fumaças de nossos cigarros se misturando, uma vez que eu também me debrucei pela mesa, algo que eu decidi chamar de “raiva” entoando em minha voz. Enquanto era muito oposto a tal sentimento, eu estava ardendo por dentro... Vivo com a gama de possibilidades que se acenderam bem diante de meus olhos. – Você vem puxando assunto sobre ele... Sobre... Ah, essa coisa esquisita, esse erro patente da maior burrice do século. Foi ele, não foi? – Assim como Robert, gesticulei, quase acertando o cigarro naquele narizinho maldito empinado, ao que o observava sorrir com o canto dos lábios. Se não o conhecesse bem, denunciaria aquela atitude como um flerte... Mas não era aquilo que o movia. – Frank mandou você vir aqui pra tirar uma com a minha cara, afinal... Eu sou o estranho desengonçado, um beato quase virgem e pseudo esnobe que vocês adoram atormentar quando estão entediados. – Pontuei, agora cheio de mim, deixando o corpo pender para trás, as costas batendo dramaticamente contra a cadeira atrás de mim, ao mesmo tempo em que nenhum ruído sequer poderia ser escutado. A não ser Robert e eu, nossa conversa disforme e sua áurea sempre muito barulhenta e atrapalhada. – Eu te disse, eu não sou burro.

 

- Tem um “toupeira” tatuado na sua testa e só você não consegue ver. – E quase caiu, ao me imitar, as mãos escorando-se na borda da pequena mesa que nos separava de nossas histerias. A minha, ao ter que encarar Iero como um possível interesse amoroso real e a dele, ao me ver encarar Iero como um possível interesse amoroso real e estar prestes a ter uma crise existencial. – Frank me mataria, antes que eu sequer cogitasse perguntar o porquê de vocês dois andarem sumindo por aí nos últimos dias... Não pense que eu não percebi... Não pense que eu notei como você saiu com uma espada, enlouquecido, correndo por uma igreja só para protegê-lo... – Lembrar daquilo era tão estranho quanto perceber que não havia nenhum barulho vindo do lado de fora, muito menos do outro extremo do salão... Nada. E eu queria escutar mais de Robert e sua esquisitice, ao mesmo tempo que o Sherlock Holmes que vivia dentro de mim queria investigar o porquê de toda aquela quietude. – Eu estou aqui pra ajudar vocês, Way. – O que era impossível com Robert McCracken querendo bancar o cupido com seus olhos misteriosamente empolgados e a expressão de uma criancinha que buscava a aprovação de um dos pais para uma missão enlouquecedora. “Claro, eu devo confiar logo em você... Eu me lembro muito bem da vez em que você trocou a minha Bíblia por um exemplar do kama-sutra... E hetero, ainda por cima!”, exclamei, vendo-o rir como nunca, no tipo de cumplicidade que não existia. Aquilo me atingiu em cheio, assim como percebi como Frank era diferente sob meus olhos... Eu via em Robert um pequeno vínculo que sempre mascarei, que ignorei, quando, tão simpático, ele sempre me respondia contrapondo-se a todo o meu mau humor diretamente vindo das trevas com as quais eu lidava quase diariamente. – Rancoroso é pouco pra você, não é? Um dia precisamos de um tempo para fazer o seu mapa astral, aprendi bastante com a minha mãe sobre o assunto e... – Uma pausa, finalmente uma pausa em Robert e sua língua ininterrupta. Mas não o tipo de interrupção que me faria aplaudir por calar McCracken finalmente... Era do tipo que me fez levantar em um salto e correr, correr como nunca em direção à porta, mas à tempo de escutar Robert gritar, alarmado, empurrando mesa e cadeira para trás, a fim de me seguir. – Ei... Que porra foi essa?!

 

 O estrondo era brutal e se repetiu, provocando ecos que pulsavam em meus tímpanos, tornando-se gradativamente agudo, morrendo juntamente da sensação de quase breve calmaria que aquela conversa estava passando a resultar. No momento em que me levantei daquela cadeira e a empurrei para trás, em um ruído semelhante ao que ecoou do lado de fora, compreendi que havia sido um erro fatal ter deixado aqueles três sozinhos... Os instintos que eu persistia em ignorar estavam desesperadamente me atacando. Sob controle, tentei alcançar a porta do pub com Robert já em meu encalço, até escutá-lo gritar e um chiado próximo ao meu ouvido morrer em um baque... E uma faca bem cravada à porta de madeira mostrar-se como causadora de todo aquele breve alarde.

 A lâmina havia passado à alguns poucos milímetros do meu nariz, ao que rapidamente voltei-me para trás para checar Robert estirado no chão, antes de colidir contra aquela superfície amadeirada. Eu poderia prosseguir, claro, mas havia muito em jogo, em tão pouco espaço de tempo, para que eu virasse as costas e verificasse o que acontecia do lado de fora. E Moira, seus olhos negros, sorriso escurecido por dentes podres que não existiam em sua boca há alguns minutos, e cabeça ligeiramente virada para o lado, entortada como se houvesse quebrado alguns ossos ou seu pescoço tivesse saído do lugar e porcamente havia tentado endireitá-lo. Moira e sua completa ausência de humanidade me fizeram parar.

 Seu corpo parecia flutuar alguns centímetros do chão, sob a escuridão do pub, que, volta e meia, era tomado por reflexos do que quer que estivesse ocorrendo do lado de fora... Luzes que iluminavam ora o rosto cadavérico daquela senhora, ora suas roupas sujas e rasgadas... Ensopadas de um sangue espesso, como uma geleia estragada que pingava se seus pulsos, tornozelos e queixo, deixando um rastro de resíduo de aparência pútrida no chão. A luz gradativamente cessou seu piscar, ao mesmo tempo em que Moira se aproximava, o corpo de Robert estirado no chão, com vida... Em uma extrema minúcia movendo-se sem eu sequer entender exatamente o porquê.

 Até me deparar com um problema atrás do outro: eu estava longe dos meus crucifixos e terços, longe da minha Bíblia Sagrada, longe de Michael, longe de qualquer coisa que pudesse me defender de verdade, a não ser todas aquelas mesas ao meu redor e meus próprios punhos. Enquanto eu cogitava travar uma luta corporal com um demônio possuindo uma senhora idosa, provavelmente morta há dias, ao que entoava alguma oração em latim, Robert foi mais rápido... E eu não tinha vergonha alguma de assumir que ele nos salvou nos segundos que se seguiram, por mais que eu não aprovasse por inteiro qualquer ato de violência mais drástico como aquele: empunhar uma automática com uma habilidade até então desconhecida por mim e atirar... Sem qualquer remorso ou ponderar por muito tempo.

 A quantidade de sangue negro que explodiu pelos ares era quase intensa o suficiente para respingar sobre mim, se não fosse por Robert ter se levantado e se postado no caminho, ao acertar uma maldita bala no crânio da antes tão amistosa senhora. Apenas tive tempo de assistir seu corpo cair sem vida no chão amadeirado, seguido do que quer que estava a habitando... Uma fumaça espessa pairando pelo ar, cuja eu não me atentei por muito tempo, assim como Bert, quando nós dois praticamente empurramos a porta atrás de mim ao mesmo tempo. E chegar ao lado de fora talvez não tenha sido uma opção promissora.

 Por alguma ironia do destino, meu olhar pousou em Frank, antes de qualquer um, e em como estava encolhido, bem próximo ao pub, largado no chão terroso, um personagem à parte diante da teatricalidade ao nosso redor. Uma de suas mãos tatuadas de símbolos exóticos estava sobre o ferimento, amparando o local, enquanto tinha um olhar assustado focado em tudo o que eu estava ignorando apenas para verificar se estava bem, à salvo. O que talvez não fosse acontecer, se eu e Robert não nos adiantássemos.

 Em um resumo simples, Alicia estava ocupada atacando o filho do que restava do corpo da senhora que havia nos atacado, enquanto Michael manobrava desesperadamente o táxi roubado em direção à estrada, em gritos desesperados para que entrássemos ali o quanto antes... De plano de fundo, o posto e a loja de conveniência eram puras e exorbitantes labaredas, cada vez mais altas e que expandiam-se em um calor que imediatamente senti, mas percebi ser amparado por algo. Percebi Alicia ocupada em não só tentar arremessar o rapaz, que emitia sons beirando o enoquiano e a raiva, contra as chamas e as pequenas explosões que ainda ocorriam, mas em manter o fogo o mais longe possível de onde estávamos. Não era visível, ela não agia como uma mutante dos quadrinhos que meu irmão tanto gostava, mas eu podia sentir.

 E foi o bastante para que eu caísse em mim e fizesse alguma coisa... Ao mesmo tempo em que Robert empunhava sua arma, corajoso como nunca, e corria em direção à Alicia, agora arremessada brutalmente ao chão, eu busquei Frank. No momento, não quis compreender nem como, nem se sairíamos daquela, se seríamos consumidos pelo fogo ou mortos pelo mal que habitava aquele homem, eu só me adiantei e, sem que Frank sequer tentasse reclamar, o tomei em meus braços. A euforia do momento e o fato de Frank ser pequeno e um tanto quanto leve, fizeram com que eu o sustentasse em meus braços e facilmente o erguesse do chão. Sem reclamações, sem provocações, só seu olhar assustado e a melhor visão de seu rosto, podendo notá-lo com alguns cortes na lateral direita e um pouco de terra misturada ao sangue quase seco.

 

- Então você decidiu bancar o valentão mesmo com toda essa merda acontecendo? Não me surpreendo. – Minha voz era arfante, um tanto quanto gritada por ser abafada por mais uma explosão, xingamentos de Bert e um grito de dor vindo de Alicia, um tanto quanto preocupante. Frank tinha suas pernas bem sustentadas por um dos meus braços, enquanto o outro o amparava pelas costas, ao que eu decidi caminhar apressadamente, até perceber que ele sentia algum tipo de dor forte o suficiente para não me responder. – Estamos próximos do carro, aguente mais um pouco.

 

 Eu não era um exemplo de pessoa que passava segurança, mas ao menos estava tentando... E pude ver (principalmente sentir) em Frank e em como fechou os olhos, escorando seu rosto na altura do meu ombro, que havia surtido algum tipo de efeito. Em passadas mais lentas, guiei-me pelo carro a poucos metros de distância, ignorando os gritos atrás de mim, McCracken atirando compulsivamente até que o pente de sua arma estivesse vazio e Alicia entoando um cântico bonito, até doce, uma espécie de canção que me parecia antiga o suficiente para ser milenar. Pude ver os óculos de meu irmão caindo de seu rosto, ao que derrapava com o carro e o posicionava na melhor rota de fuga que poderia encontrar, assim como sua voz desesperada e toda sua movimentação brusca entoando para que fossemos mais rápidos.

 Sequer precisei gritar para Mikey abrir as portas e liberar passagem para que entrássemos. Meu irmão basicamente arremessou-se em direção ao banco de trás, escancarando uma das portas do automóvel, em um timing perfeito, assim que consegui alcançar o veículo e cuidadosamente me ocupei em repousar o corpo de Iero sobre o branco traseiro, com todo o cuidado que poderia me caber em uma situação como aquelas. Quando me virei para dar qualquer tipo de suporte para a outra parte daquele estranho grupo (eu ainda sentia uma das mãos de Frank me segurando pelo pulso, por sinal, conforme ajeitava-se sobre o banco), a sucessão da mais questionáveis esquisitices aconteceu. E eu me vi obrigado a entrar naquele quarto, amparando Frank quase em meu colo, de forma tão perceptiva, quanto a sensação que se projetou em mim, no momento em que nossos ombros se encostaram e Iero se sentou naquele banco.

 Havia mais alguma coisa ali. Forte, não exatamente protetora como Alicia, mas notável... E brutal.

 Da mesma maneira súbita em que vi Alicia e Robert correrem em direção ao carro (ela, sendo sustentada por ele, enquanto Bert guardava o revólver ausente de balas em um dos bolsos), a figura atrás dos dois desapareceu... Se desintegrou em fumaça e chamas, quando aquelas labaredas o engoliram, dançando e correndo em direção ao ponto em que nos encontrávamos, mas sem nos atingir. Havia uma barreira, uma parede invisível, que colidiu contra aqueles nuances de amarelo, alaranjado e vermelho, lançando-os aos céus, como quase uma resposta aos seres superiores... Como se dissesse que sabia todas as artimanhas dos reinos soberano e inferior, como se dissesse, sem a menção de uma palavra sequer, que aquele era o começo. Que o rosto decomposto do rapaz, queimando e derretendo em pedaços de carne que ensopavam o chão terroso com seu sangue era apenas um aviso.

 E a resposta à aquele aviso não demoraria muito para encontrar seu remetente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Notas Finais


TRAILER LINDINHO, ASSOMBROSO E MARAVILHOSO DE SOLD MY SOUL, GENTE.

https://www.youtube.com/watch?v=6g_G7Ioj7uU

Playlist de Sold My Soul : https://open.spotify.com/user/12146824956/playlist/0JEieaGAAfRir5sQawkngv


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