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História Sold My Soul. - Gerard (Parte I)


Escrita por: mryiero

Notas do Autor


Oizinho, pessoas! Demorei um pouco, por motivos de preguiça de fim e começo de ano, mas cá estou. ALIÁS, feliz ano novo pra todo mundo e que esse ano que acabou de começar seja incrível pra todos nós.

Antes de mais nada, obrigadinha pelos comentários no capítulo anterior e pelo feedback. Sei que era esperado, mas, como já disse, fiquem de olho, pois nem tudo é 100% o que parece por aqui. Então, vamos ao capítulo de hoje, que também foi dividido em duas partes, pois a parte final é mais densa e cheia de revelações, por isso eu precisei colocar tudo com calma, pra não saturar um capítulo só com várias coisas.

Eu sei, como sempre eu parei em uma parte muito importante e crucial, mas quem já me conhece de outras histórias sabe que eu sou louca mesmo, então não fiquem desesperadas. Semana que vem, eu já vou atualizar e não terá a mesma demora que esse capítulo teve. Até porque, eu devo postar o trailer do personagem do Gerard ao finalizar esses dois capítulos dele e estou animada pra mostrá-lo pra vocês!
O capítulo de hoje é simples, mas mostra um pouco mais das interações entre Gerard e Mikey, o que eu gosto muito. Principalmente quando o Mikey resolve fazer piadinhas e jogar as coisas na cara do Gerard. A versão dele, nessa fic, me diverte muito, pois ele é mais engraçado e menos preocupado do que eu já escrevi e, claro, um pouco mais pateta e atirado, sem qualquer limite, quando se trata da Alicia. MAS, CLARO, sem ser um machista de merda, vocês vão ver mais ao longo da história, principalmente quando as cantadas dele não são bem cantadas propriamente ditas.

Não vou me estender muito, mas fico agradecida às manas que comentam aqui ou no twitter, que tão sempre surtando comigo. Sold My Soul é meu amorzinho, mas é ainda mais por causa de vocês, das teorias, do apoio, etc.

Boa leitura, demoninhos! ♥

Capítulo 7 - Gerard (Parte I)


Fanfic / Fanfiction Sold My Soul. - Gerard (Parte I)

Capítulo Seis – Gerard (Parte I)

 

“He who has rejected his demons badgers us to death with his angels.”

– Henri Michaux.

 

 

 Eu já havia esgotado todas as minhas orações especiais para casos extremos. Pedidos, implorar para que meu irmão retornasse o mais depressa possível… Eu só não apelava para causas místicas, pois era descrente da maioria delas ou preferia não interferir em crenças que não envolvessem a minha. Bert era inquieto, ainda que silencioso, movendo-se pelo pequeno terreno nos fundos da delegacia, enquanto Alicia, a policial de mentalidade duvidosa, se encontrava em algum escritório daquele prédio, tentando limpar a ficha do meu irmão. E eu só conseguia pensar na quantidade de coisas erradas e ilícitas que havia praticado na última meia hora, sem falar em tudo o que havia fugido da minha índole, que basicamente havia evaporado nas últimas vinte e quatro horas.

 A falta de noção em deixar Michael sozinho com Frank Iero era uma delas. Não sabia em que ponto havia adquirido tamanha insanidade e confiança naquele rapaz, mas, quando dei por mim, já estava parado, do lado de fora daquele prédio, aguardando meu irmão. Cogitei retornar algumas vezes naqueles minutos, mas um fiapo, do que quer que fosse, me transmitia uma serenidade, mascarada por minha habitual inquietude, que simplesmente me fazia enxergar toda a capacidade de Frank. Se aquele demônio desgraçado queria tratar de assuntos apenas com ele, que tratasse... Mas Mikey sairia vivo, apesar de toda a insolência de Iero ao dirigir-se a mim, eu vi firmeza em seu olhar antes de lhes dar as costas.

 Frank salvaria meu irmão, o libertaria. E eu deveria ser internado no manicômio mais próximo, sem sombra de dúvidas.

 Pensar demais era um dos meus maiores problemas e aprender com Michael a ser mais dinâmico, era uma atitude não muito viável para alguém que tropeçava nos mesmos caminhos e se recusava a desviá-los um centímetro que fosse. Então, não pensar no quanto eu cogitava invadir aquele prédio novamente, arrastar Michael de longe de Frank e arriscar salvá-lo por conta própria, era impossível. Não havia inquietude de Bert e o seu checar constante em seu celular, que me tirassem meus olhos de um único foco: a porta entreaberta dos fundos da delegacia e sua escuridão e quietude.

 Aguardando qualquer mínima movimentação ou ruído, eu pregava para mim mesmo que tudo ficaria bem e que Michael surgiria daquela porta, mais cedo ou mais tarde, todo questionador e cheio de piadinhas e comentários desagradáveis sobre como eu havia me unido a McCracken e Iero para resgatá-lo. E, o que aconteceu na pequena fração de segundos que se seguiu, era a resposta clara de que eu e Michael éramos quase espelhos um do outro. Que dividíamos uma conexão que quem quer, ou o quê quer fosse, não iria romper.

 Uma vez que a agonia em meu peito e o pesar por algo que realmente não estava confirmado desapareceram de mim, eu soube: Mikey estava bem, estava à salvo.

 Frank lhe dava apoio, ao que Michael se arrastava e empurrava, distraidamente, a porta de ferro, sem apresentar qualquer problema muito grave que não fosse sua lentidão nada comum. Ainda aparentava um ar exausto, como se tivéssemos corrido de Londres até Bordeaux e Michael estivesse prestes a se jogar em qualquer canto e dar-se por vencido, se não fosse por seus olhos esverdeados em alerta, rapidamente encontrando-me ali, parado bem diante da porta, preparado para enfrentar quantas entidades aparecessem em meu caminho apenas para tê-lo de volta. Era minha família e eu iria até o inferno, barganharia com o Diabo, mas teria Michael ao meu lado.

 

- Mikey, por Deus! Está tudo bem?! – Exclamei, perdendo toda a discrição típica minha, ao que avancei em direção aos dois. Notei, em um relance, que Frank estava igualmente esgotado e era amparado por Bert, sendo abraçado pelo amigo e me fazendo desviar os olhos daquela cena no mesmo segundo, logo que Michael veio até mim, segurando-se em meus braços e resmungando um “Pare de gritar, a minha cabeça está explodindo! Tenha compaixão!”, que quase me fez voltar a gritar, dessa vez com mais vivacidade. Era ele, realmente ele... Era claro em seus olhos tão gentis, mas, ao mesmo tempo, sempre elétricos e atentos. – Perdão... Você está inteiro, não é? Sua alma está intacta? O que essa criatura fez pra trazer você de voltar e tirar aquele demônio de dentro de você?! – A enxurrada de perguntas fazia parte de uma agitação que eu não conseguia controlar, minha diligência sempre falando mais alto e ultrapassando alguns limites que eu havia quebrado desde que sair do monastério, principalmente quando eu soava afetado demais para um ex-padre e exorcista de respeito.

 

- Não foi nada, eu acho... Não consigo lembrar de muita coisa, só escuridão... E uma voz cantarolando algo, como uma canção de ninar... Alucinações, coisas sombrias demais... Eu só... – Michael já conseguia ficar de pé com maior estabilidade, enquanto eu tentava me concentrar nele, no cochichar de Frank e Robert (os dois já caminhando em direção a fresta na grade que cercava aquela área), fazer uma série de coisas, que não me cabiam naquele momento em que Michael estava de volta. Era o meu instinto super protetor colidindo com a alma “detetive” que se remexia dentro de mim, buscando respostas... Frank havia conseguido fazer aquilo muito fácil... Tão fácil, que Alicia ainda estava resolvendo o que quer que fosse dentro daquela delegacia. E por falar naquela policial sem o menor discernimento de certo e errado... – O que... Nossa, quem é ela?!

 

- Vocês precisam sair daqui, o que foi que eu disse?! – Simmons estava do outro lado da grade, as mãos agitando-se conforme falava, ao que já havia soltado os cabelos escuros e se ocupava de tirar a camisa azulada de seu uniforme, expondo seus braços tatuados, em uma camisa de meia manga mais larga e escura. – Corram! Corram agora mesmo pro carro de vocês! Eu acabei de apagar todos os arquivos dele... Misturei aquela porra toda e ainda dei um jeito de queimar o HD e o backup das imagens das câmeras de segurança. – A observei utilizar a camisa para puxar um pouco mais a fresta da grade, para não se machucar, permitindo que Frank e Robert saíssem primeiro, ao que Michael parecia aturdido com a sua presença, ainda parado, ao que eu, sem muito sucesso, tentava puxá-lo. – Ele ficou lesado mentalmente?! Anda logo, cara!

 

- Quem é ela?! – Michael voltou a questionar, um pouco esganiçado, tentando ajeitar seus cabelos, enquanto eu o puxava bruscamente pelo braço, quase o arrastando como um cachorrinho mal educado, indignado por meu irmão estar tão de volta, mas tão de volta... Que tentava flertar com Alicia em um momento como aqueles. “Alicia é basicamente alguém que está salvando o seu pescoço gratuitamente.”, respondi, empurrando sua cabeça para baixo, enquanto tentava ainda olhar Alicia, para que passasse pela grade, imediatamente fazendo o mesmo. – Ela é bonita... Oi, tudo bem? Eu sou o Michael, acho que esbarramos num momento não muito propício, mas... – E, antes que estendesse sua mão para Alicia e começasse a piscar, sorrir galanteador e me fazer perder a paciência, Frank conseguiu lhe arrancar um caminhar mais rápido e imediato, ao falar, tão autoritário.

 

- Não temos tempo pra isso... Eu não sei vocês, mas não pretendo ser preso hoje. Ainda mais com a quantidade de crimes que já cometemos. – Frank já havia se afastado de Robert, que prontamente correu apressadamente em direção à rua, transpassando galhos e árvores com uma agilidade fora do comum. Iero era uma figura pequena, com mãos nos bolsos da jaqueta que usava e escondia o rosto com alguns fios de cabelo e a sombra da floresta ao nosso redor, me impedindo de tentar “lê-lo” de qualquer maneira.  

 

- Ele está mesmo com a gente? – E eu sabia que Michael se referia a figura pequena, que empurrava galhos e xingava baixo, ao ver-se tonto demais para prosseguir com rapidez por aquele caminho, diante de nós dois. Meu irmão agarrou-se ao meu braço, ora olhando para mim, ora olhando para Alicia, um pouco mais à frente, completando, de uma só vez, aquele “combo” de pura vergonha. – Você está dando pra ele, Gerard?!

 

- Michael! – Talvez eu tenha gritado, talvez Frank Iero tenha subitamente parado de andar e se voltado para trás, pronto para utilizar qualquer galho ou pedra em seu caminho para me matar... Talvez meu rosto estivesse, inclusive, extremamente rubro e transparecendo mais do que deveria. – O que você fez com o meu irmão? Ele claramente não está nada bem! – Balbuciei, dessa vez prosseguindo minha caminhada, lado a lado com Mikey, passando por um Frank que arqueava uma das sobrancelhas, analisando-me de cima à baixo.

 

- Absolutamente nada... – Ele era vago, arquitetando seu discurso seguinte, ao que eu deveria estar pegando fogo sob seu olhar, escutando-o me seguir, com uma Alicia que resmungava ainda mais sobre toda nossa lentidão e falta de trabalho em equipe, o que era irônico demais. – Então, você tem uma quedinha... – Frank iria começar. Eu sabia... Sabia as palavras, os discursos egocêntricos e bem feitos, como quando chamou meu irmão de “gracinha” e nitidamente deteriorou o restante do que quer que eu utilizava para fingir que Frank Iero não me transtornava com seus olhos brilhantes e ar enigmático.

 

- Não termine essa maldita frase! – Ergui uma das mãos para trás, sem qualquer sinal ameaçador, apenas agindo como o velho tempestuoso que eu era, já podendo avistar o carro de Robert e Frank, onde o primeiro se lançava em direção a uma das portas e a abria dramaticamente. Ajudando meu irmão, escutando uma movimentação mais abrangente e vinda do interior da delegacia, pulamos a pequena cerca que dividia aquele matagal daquela rua deserta. – Você está nos seguindo? – A pergunta escapou, sem que eu sequer reparasse ou me policiasse para não soar rude com Alicia, assim que a avistei correr até o carro e simplesmente abrir a porta vermelha deste e se jogar ali dentro, como se fosse uma atitude natural... Como se resgatássemos presos e infringíssemos leis por aí.

 

- Você acha que eu vou ficar aqui pra esperar graciosamente o meu chefe descobrir o que eu fiz e acabar sendo presa por obstrução da lei e ser acusada como cúmplice de um foragido? Não mesmo. – A jovem se arrastou pelo banco de couro escuro, dando espaço para que pudéssemos nos sentar, enquanto Robert já ligava a ignição do carro e eu era quase empurrado por meu irmão, aparentemente bem vivo e sadio, para que se sentasse ao lado da garota bonita e excêntrica. – Me levem para o mais longe daqui. – Ela pontuou, debruçando-se sobre o banco de motorista, dando alguns tapinhas nas costas de Robert, enquanto eu ajudava Michael a não bater com a cabeça na porta do carro e, logo, me sentava ao seu lado.

 

 A cena era caótica e quase apocalíptica para um Gerard Way descrente de que, em algum dia da minha vida, eu iria me sentir aliviado por entrar no carro daqueles dois, com meu irmão salvo por Frank, Michael dando em cima exaustivamente de uma policial corrupta e a sensação de que aquilo era familiar demais saltando dentro de mim, como uma pulga atrás da orelha.

 

- Eu odeio equipes... Porque acho que estamos nos tornando uma? – Lendo a minha mente, ou não, Frank resmungou aquilo, conforme parecia exausto e fraco demais para os atos seguintes, puxando o cinto de segurança e batendo a porta do automóvel propositalmente, segundos após Robert arrancar com aquele Mini-Cooper na velocidade da luz. Ou algo muito parecido.

 

 Que partiríamos em direção ao apartamento dos dois, não era uma novidade... Mas todas as minhas dúvidas, sim. Veja bem, eu sempre fui o cara com todas as respostas bem diante de mim, antes mesmo que eu me visse perguntando alguma coisa ou perdido, como naquela noite. O momento era conturbado, com Michael desgovernado ao meu lado, agindo como se nada tivesse ocorrido... Quer dizer, para ele, nada havia ocorrido. Ele não sabia... Michael não fazia a menor ideia de que havia matado alguém e eu percebi por seu bom humor, por não se abalar-se e agir ironicamente a respeito de termos Robert e Frank como companhia.

 E aquilo era só a ponta do iceberg.

 Enquanto meu olhar pairava pelas ruas desertas e mal iluminadas daquela pequena cidade, eu sentia os questionamentos à flor da pele, atormentando-me com a delicadeza de toda aquela situação. Não era uma brincadeira, um mal entendido fácil de resolver... Era real, envolvia mortes, envolvia a lei francesa... E a lei de Deus. E Michael havia infringido, ainda que indiretamente, todas elas. E mais... Tanta coisa, que minha cabeça era capaz de entrar em combustão, se eu me preocupasse.

 Eu me preocupei e sobrevivi. Pensei no quanto tudo aquilo poderia dar errado, ainda que tivéssemos sorte em lidar com autoridades de uma cidade tão pequena, com poucas pessoas e tendo a ajuda de um dos responsáveis daquela prisão. Sorte atrás de sorte... Um fator que eu havia aprendido com o tempo que nem sempre era bem vindo. Se a sorte bate tão constantemente em sua porta, é melhor desconfiar... E eu sempre era facilmente intrigado por tudo.

 Novamente, o silêncio era óbvio. Eu não tinha nada para falar, só checar Michael, de cinco em cinco segundos, para ter certeza de que demônio algum iria retornar... Meu irmão estava sonolento e exausto demais para continuar se atirando para cima de Alicia, que parecia não ligar e distrair-se ao tentar apagar todos os dados do seu celular... Frank e Robert eram duas incógnitas na minha frente. O primeiro, quase dormindo no banco da frente, enquanto o segundo parecia determinado em quebrar algum recorde implícito a respeito do quão rápido poderiam chegar até o velho prédio onde o apartamento que dividiam se encontrava. E ele o fez, estacionando bruscamente, pneus cantando na rua e ecoando pelas vielas de Bordeaux, ao que eu só conseguia me perguntar uma maldita coisa: o que iria acontecer com Michael?

 A resposta não era imediata, mas era calculada, na medida em que eu via meu irmão cada vez mais livre para se movimentar, mais seguro, e menos tonto. Seguimos dessa forma até o andar superior... Até o cubículo que Frank e Robert dividiam, e que fez Michael se segurar para não reclamar da falta de organização do local e dar-se por agradecido quando McCracken decidiu que era uma boa ideia colocá-lo para descansar em seu quarto, após as últimas horas tão conturbadas. E se a sala já era bagunçada, o quarto de Robert parecia uma outra dimensão constituída por pilhas de papéis e lixos acumulados, meias sujas e livros de ficção científica ou de ocultismos, empilhados e largados por todos os cantos.

  Alicia e Frank estavam ocupados em uma conversa quase sussurrada na sala, quando adentrei a primeira porta localizada naquele corredor minúsculo, mas tinha quase certeza de que haviam se assustado quando Robert se lançou até a própria cama e derrubou todos os livros no chão para que Mikey pudesse se sentar ali, em uma total falta de cuidado. Nada fiz, a não ser erguer uma das sobrancelhas, apático, percebendo meu irmão entreabrir os lábios algumas vezes para tentar parar aquele ato tão natural da parte de McCracken, mas sem realmente fazê-lo... Uma vez que a cama estava livre e parecia limpa e apresentável com seu lençol azul escuro e travesseiros que pareciam nunca ter sido utilizados, Mikey se adiantou para largar-se ali, sem qualquer cerimônia.

 Robert pareceu não se incomodar, ao sair imediatamente do próprio quarto mal iluminado e de atmosfera mística e nerd demais para mim, resmungando algo consigo a respeito de comida, antes de fechar a porta atrás de si, em um estrondo que poderia ter sido escutado por todo o prédio, se eu não tivesse quase certeza de que só ele e Frank habitavam aquela construção que mais parecia uma torre de cartas prestes a cair com a mais tênue rajada de vento que o atingisse. Voltei-me em direção a cama, onde Michael parecia um defunto, os braços cruzados sobre o peito e um dos olhos entreabertos, olhando-me com uma diversão quase impagável, testando meu lado “irmão descontrolado”, sem muito sucesso. Afinal, eu me preocupava só com uma coisa naquele momento.

 

- O que foi que Frank fez com você? Será que consegue se lembrar? – Perguntei, sem rodeios, observando-o relaxar, revirando os olhos e tentando se acomodar na cama pequena demais para a sua altura. “Nadinha, irmão.”, Michael resmungou, um pouco sonolento, enquanto eu analisava o quarto de McCracken com minúcia. As paredes eram limpas, diferentes da sala repleta de balbúrdia, mas consegui identificar algumas caixas de DVDs de filmes nerds largadas, histórias em quadrinhos e brinquedos que denunciavam os gostos particulares de Robert. E que me faziam perceber que ele estava muito longe do monstro sem noção que eu havia criado em minha mente... Embora eu ainda não pudesse falar o mesmo do seu amigo. – Tem que haver alguma lembrança... As coisas não seriam tão rápidas assim em um exorcismo comum, muito menos do tipo que ele faz... Você viu que ele tentou e acabou deixando você fugir, no fim daquela coisa toda. – Resmunguei, me adiantando para sentar na beirada da cama, meu olhar repousando sobre a mesinha de cabeceira, onde Robert deixava um par de óculos de grau, cor-de-rosa, largado ao lado de uma garrafa de whiskey. A tentação de pegá-la foi forte, sob os efeitos confusos que pairavam minha mente, mas, sob todos os meus juramentos de não cair no caminho da perdição e decadência, me permiti continuar, um pouco mais eufórico do que me forçava a ser controlado sob o olhar dos outros. – Vocês demoraram uns dez minutos naquela cela, não mais do que isso... Por Deus, você não consegue lembrar de nada?!

 

- Nada mesmo! Aquele monstro me colocava pra dormir, ter pesadelos obscuros o tempo inteiro... Sonhei que você estava acorrentado no inferno, inclusive. – Senti um dos pés de Michael chutando minhas costas com delicadeza, a fim de ganhar minha atenção. Algo que fazia desde que tinha seus seis anos de idade e eu contava histórias de terror para que dormisse, sem fazer a menor ideia de que aquelas mesmas histórias iriam se tornar realidade e nos tirar o sono alguns anos depois. – Então... Frank. – O nome mágico, o feitiço, a maldição que Michael havia lançado em mim, havia sido dita com suavidade, no momento em que meu olhar pousou nele e não mais nos rastros de McCracken naquele ambiente minúsculo. “Cale a boca, eu não quero falar sobre isso.”, o nível de rudeza de minha parte estava além do que eu julgava socialmente aceito nos últimos dois dias, mas Michael compreendeu, sorriu e quase sentou-se na cama, arrastando-se para apoiar um pouco a cabeça na cabeceira amadeirada. – Você vai falar, sabe disso... Eu sumo por algumas horas e vocês dois estão trabalhando juntos, você parece frequentar o apartamento dele... Não pense que eu não vi o seu paletó na sala, inclusive. – Michael pontuou aquilo tudo muito rápido, sempre tão observador, me fazendo amaldiçoá-lo em silêncio, por não ter muita coisa a esconder. Era o tipo de proximidade com que meu irmão brincava desde que Frank e eu nos esbarramos e as faíscas naturalmente voaram para todos os lados. – Se eu sumisse e voltasse daqui a dois dias, vocês dois estariam na cama... Certeza. E não me olhe assim, irmãozinho. – E eu já me direcionava para ele com tamanha indignação, que Michael não teve espaço para se divertir às minhas custas, pelo contrário, tentou apaziguar a irritação visível em meu olhar, em como eu deveria estar vermelho, eufórico para iniciar uma discussão redundante sobre como eu não ficava afetado com aquilo. Enquanto eu queimava por dentro só com a menção do nome “Frank”, sem a presença da imagem viva e irritante, a algumas paredes de distância dali. – Você sempre tenta agir como um padre sério e sem desejos, alguém que você nunca foi... E nós dois sabemos que não é bem assim e foi por isso que você largou a batina. É completamente normal você achar um cara gostoso e querer passar uma noite tórrida de sexo animal com ele... Não vejo problema algum nisso, nós já passamos dessa fase há muito tempo.

 

 Em partes, Michael tinha um pouco de razão. Não integralmente, mas em uma pequena fração que me habitava e via algo em Frank Iero que eu me limitava a trancar dentro de mim. Algo como “Ele é um rapaz bonito” e pronto, somente isso. Nada de paixonite, nada do que Michael insinuava, era só... Okay, ele estava certo. Era completamente normal eu me sentir atraído por outros caras, era só que eu não pensava mais em qualquer tipo de relacionamento desde... Sempre. A questão era que eu tinha muito pouco tempo para lidar com aquele tipo de dinâmica em minha vida e não me importava, não me atentava a ocupar aquela lacuna, não tanto quanto meu irmão e nós dois já havíamos discutido muito a respeito.

 Desde que eu assumi quem eu era, desde que Michael havia pensado por algumas horas, antes de dizer que iria me apoiar até o quinto dos infernos... Porém, o apoio de Mikey era tentar me arrumar um namorado a cada dois segundos. De qualquer forma, não era diferente do que fazia consigo mesmo. Era só analisar a última meia hora desde que havia olhado Alicia e concluído erroneamente que era um bom partido para ela.  

 Michael sempre foi mais maleável com pessoas do que eu, mais solícito e até adorável, quando queria. Os anos sob a cruz da Igreja me limitaram em formas positivas e aquele era um gritante ponto negativo, segundo meu irmão, uma vez que não se conformava da minha indiferença. Algumas pessoas eram destinadas a não se lamentar ou sofrer por sentimentos, pelo amor, e eu acreditava ser uma delas desde o momento em que eu compreendi quem eu era, minhas escolhas e o que eu queria fazer com elas.

 Eu era homossexual, desejava homens desde que havia entendido o que era desejar alguém, mas não planejava me apaixonar por eles. Não queria me entregar, não queria dificultar uma vida que era dominada por uma pilha de obstáculos que eu muitas vezes receava em escalar. Quanto mais simples eu carregasse aquele “fardo” estipulado pela Igreja, melhor.

 

- Podemos analisar o seu caso? Não estou disposto a ter esse tipo de conversa agora. – Fui honesto, encarando-o de soslaio, ao que Michael somente revirou os olhos, esticou-se na cama novamente e me deixou falar, ao menos por alguns segundos. Eu encarava meus dedos calejados, as unhas sujas e a aparência que deveria estar desgastada, necessitando de um bom banho, cujo eu sequer conseguia pensar. Havia algo muito mais relevante martelando a minha cabeça naquele momento. – Precisamos nos focar... Temos dois loucos naquela sala, uma garota igualmente desregulada e que parece saber demais... Ela tem tatuagens, os símbolos parecidos com os das jovens... – Deixei a questão no ar e Michael a capturou com sua típica rapidez, adiantando-se para tocar os braços, erguendo as mangas da camisa suja de sangue, exibindo prontamente seus braços sem marca alguma. Fez o mesmo abrindo os botões, procurando algo por seu peitoral, enquanto resmungava sobre a estranheza daquilo. Ele não estava marcado... Nem um traço de símbolos aleatórios, nada. Mas havia sangue... Um sangue que eu sabia bem que não era dele. – Não sente nem um fiapo daquele ser dentro de si? Nada? – “Nada. Eu... Me sinto um pouco perturbado, tonto... Por mais que eu esteja bem acomodado nessa cama de criança.”, Michael me respondeu, voltando a fechar a camisa, ao que eu levava as mãos para os cabelos, os cotovelos apoiados em minhas coxas, em um desespero que me tomava parcialmente. Ele não sabia... Não se lembrava do que havia feito. E eu deveria contar... Ainda que eu tivesse a impressão de que era a última pessoa do mundo aconselhável a fazê-lo. – Precisamos levar isso a sério, Michael. Dessa vez, de verdade... Sem piadinhas sobre Frank ou quem quer que seja.

 

- Certo, vamos falar sobre trevas e escuridão, como queira... Eu já disse que não existe mais nada em mim. Eu tenho absoluta certeza disso. – Michael afirmou, talvez um pouco nervoso demais... Então, gradativamente, percebi que ele clareava sua mente como podia, resmungando baixo demais para que eu escutasse, ou, por algumas vezes, alto o bastante para que eu entendesse que queria me incluir em seus pensamentos. – O pavor em Frank, quando eu despertei, era o de alguém que havia se destruído pra me tirar daquele fundo do poço... Ele estava apático, achei que fosse a vez dele ser possuído, mas parece que ele é realmente mais forte do que julgamos. Mas então, enquanto ele me levava até você... Eu vi um olhar de pena, dele pra mim... Um olhar que eu não conseguia entender, mas que foi complementado quando eu te vi. Você tinha a mesma aflição que ele... Eu percebi que você não iria se unir a eles à toa. – Mikey fez uma pausa e eu percebi que ele estava completamente de volta: seu pensamento rápido, suas teorias quase sempre muito certas, seus olhos tão esverdeados quanto os meus denunciando o que já era óbvio, principalmente ao inquirir a seguinte questão. – O que vocês não estão me contando sobre o que houve comigo?

 

- Eu vou ser direto, como sempre fui com você. – E era exatamente assim que eu seria: sem pausa, o corpo voltando-se em direção a um Michael que já se sentava na cama, tão inquieto. Não havia o que ponderar, eu e meu irmão possuíamos regras a respeito de segredos e a principal delas era não escondê-los, era colocar tudo em jogo, por mais difícil que fosse lidar com suas conseqüências. – Nós nos embrenhamos em tantas situações, que eu não consigo e nem vou listá-las no momento... Você só precisa digerir uma coisa primeiro e entender o que fazia naquela delegacia, afinal, acredito que não se lembro do motivo de ter sido preso. – Mikey quase me perguntou em um ímpeto natural de sua parte, mas que prendeu, ao fechar as mãos em punhos sobre seu colo, logo após puxar uma das almofadas coloridas de Robert para si. Eu encarei seus dedos longos, as mãos parecidas com as minhas e com resquícios de sangue e sujeira, remanescentes de um ato que havia sido manipulado a fazer. – Não sabemos como, nem quem, mas... Existe uma grande possibilidade de você ter assassinado uma pessoa enquanto estava sob o domínio daquela entidade.

 

[Continua...]

 

 

 

 


Notas Finais


TRAILER LINDINHO, ASSOMBROSO E MARAVILHOSO DE SOLD MY SOUL, GENTE.

https://www.youtube.com/watch?v=6g_G7Ioj7uU

Playlist de Sold My Soul : https://open.spotify.com/user/12146824956/playlist/0JEieaGAAfRir5sQawkngv


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