Deslizou seus dedos entre seus fios de cabelo. Adorava o cheiro de seu novo shampoo, cheirava a chocolate.
Em sua outra mão, segurava uma xícara de café morno, enquanto uma longa matéria do jornal de sua escola estava aberta em seu notebook, sobre a escrivaninha. Suas íris seguiam o mesmo ritmo, da direita para a esquerda, parou ao notar que a próxima música a tocar em seu mp3 era a sua favorita.
Era assim que passava todos os seus fins de semana, trancada em seu quarto lendo matérias escolares. Afinal de contas, não se importava com uma vida social e provavelmente nunca iria se importar.
Terry, sua mãe, havia viajado para uma viagem de negócios em outro país. Não era a primeira vez que deixava Eleven sozinha e nem seria a última, no entanto dessa vez era diferente. Havia ele, o novo vizinho.
Nunca se importara com vizinhos, mas aquele lhe tirava a paciência (mesmo não tendo a mínima ideia de como ele era) Sua mãe lhe contou que era um jovem artista que gostava de pintar tanto paisagens quanto feições. O que a incomodava mesmo era o fato dele não conseguir passar um mísero dia, sem a assustar com estrondos e ruídos vindo de cômodo acima.
Inspirou. Era cansativo, a dias não pregava os olhos direito, por conta dos benditos ruídos noturnos daquele quarto, sua mãe a acalmava dizendo que era passageiro e que logo acabaria, mas no fundo, nem mesmo Terry acreditava nisso.
Tentou focar novamente na matéria recém aberta em seu eletrônico. Estava uma porcaria, na verdade, o assunto simplesmente parecia nunca chegar, além do que, os fatos eram pouco bem explicados. Como seu sonho era se tornar uma jornalista renomada, passava boas horas em frente ao seu notebook, lendo furos de reportagem, não esses de fofocas e sim coisas realmente interessantes, como um gato sendo salvo, uma escola recebendo uma reforma, entre outras coisas. Era exatamente por esse motivo, que estava no clube jornalístico de sua escola.
Levou a xícara de café novamente até a boca, porém sentiu-se frustada ao notar que já não havia mais líquido algum.
Um estrondo alto fez com que deixasse seu estojo cair.
Inspirou, observou os seus lápis e canetas rolarem pelo chão. Seus olhos começavam a pesar, estava realmente muito cansada daquilo tudo. Gostaria apenas que aquele vizinho levasse uma boa bronca e se mandasse para outro quarto ou até mesmo de apartamento.
Num impulso, levantou-se de sua cadeira contando até dez internamente. Ajeitou seu cabelo curto para trás de suas orelhas, tentou tirar o amassado de sua camiseta passando as mãos por cima dela, não deu muito resultado, mas já era algo. Forçou-se a ir até o elevador ter um acerto de contas com o novo inquilino. Se ele não parasse por bem, pararia por mal.
Uma música calma tocava como plano de fundo em sua mente, a que acabara de ouvir em seu aparelho mp3, não lembrava exatamente o nome, mas iria anota-lo em um papel para que lesse a tradução depois.
Encarou a grande porta a sua frente. Estava nervosa, nunca havia sentido necessidade de sair de sua casa para fazer reclamações com os vizinhos. "Eu evitei não chegar a este ponto" pensou, e realmente havia tentado, porém a cada dia que se passava, a situação continuava na mesma e ela simesmente não podia mais permanecer daquela forma.
Bateu várias vezes seguidas contra a porta, quase a esmurrando. Quando a porta enfim foi aberta, um cheiro insuportável de bala de menta, embalou seus sentidos. Uma música tocava baixo no fundo, e ela podia perfeitamente cantá-la, afinal de contas, para seu azar, era sua música favorita.
A figura em sua frente era surpreendentemente jovem, na verdade não aparentava ser mais do que uns 3 ou 4 anos mais velho do que ela. Sua bochecha tinha vestígios de tinta azul, porém o estrago maior estava em suas mãos e avental, ambos estavam completamente sujos, não apenas com uma única cor e sim com várias, era quase como se algum animal tivesse engolido latas de tinta e vomitado nele.
Um sorriso maroto brotou de forma peculiar em seus lábios, ela não tinha ideia do porque, mas teve uma imensa vontade de esmurra-lo.
- No que posso ajudar?
- Gostaria de pedir educadamente, para que dê um fim nesses barulhos. Não sei se sabe, mas isso acaba por atrapalhar meus estudos e até mesmo o meu sono. - O rapaz continuava sorrindo.
- Gostaria de lhe responder educadamente que isso, no momento, é impossível - A garota arqueou uma de suas sobrancelhas, descrente.
- Você quer que eu o denuncie para o síndico?
- Hey, vai com calma. Não é como se eu estivesse fazendo isso de propósito.
- Não é o que parece.
- É a mais pura verdade - Ela tentou pensar em algo mais autoritário para dizer, infelizmente, nada veio.
- Vê isso? - Ela puxou a pele a baixo dos olhos usando seu dedo indicador - São olheiras. Eu não tinha absolutamente nenhuma delas até você aparecer.
- Não vejo nada aí.
- Como não vê? É cego?
- Ser cego não tem nada a ver com uma neura de baixa autoestima.
- Baixa autoestima? - Eleven fechou seus olhos, inspirando e respirando numa contagem regressiva até 10 - Eu de verdade, não quero brigar nem nada parecido. Só quero que pare com esses barulhos. Posso chamar a polícia sabia?
O rapaz revirou os olhos. Estava bem claro que a situação era desconfortável para ele também, mesmo demonstrando aquela falsa indiferença.
- Quer entrar? Podemos resolver isso tomando uma boa xícara de café - O sorriso descarado que ele exibia já havia se desfeito, sua expressão havia suavizado.
- Não posso, estou ocupada - Respondeu prontamente. Estava chegando a conclusão que o rapaz era maluco. Onde já se viu? Estava a pouco dizendo que ela possui uma autoestima ruim, e agora estava simplesmente chamando-a para um café.
- Está jogando a oportunidade de resolver seu problema fora.
- Faz isso de propósito, não faz? - Ela voltou a arquear suas sobrancelhas, em descrença.
- Muito longe disso, quero que você veja o porque de ser impossível dar um fim nos seus temidos ruídos - Vendo a expressão da garota, gargalhou - Hey, você pode começar a gritar caso eu faça algo com você.
- Não pensei nisso.
- É claro que pensou - Ele lhe deu espaço para que ela entrasse - Última chance.
Revirando os olhos num suspiro demorado, ela entrou. Sua primeira impressão com o interior da casa foi de horror. Tudo, absolutamente tudo, estava revirado. Haviam infinitas latas de tintas e cavaletes por todos os lados.
A parede tinha um fundo branco com o que pareciam rabiscos de suas artes. Não mentiria dizendo que a coisa toda era feia, sem todo aquele chiqueiro a sua volta, o espaço poderia ser até atraente talvez. Ela o encarou de soslaio, ainda atordoada.
- É, eu sei que parece uma versão real das obras de Picasso mas, só consigo trabalhar dessa forma. Essas latas, ela acabam entrando no meu caminho na maioria das vezes e, bem, você já deve imaginar o que acontece em seguida.
- Como só consegue trabalhar desse jeito? Isso é...
- Desorganizado, bagunçado, puro fuzuê. Claro que é, mas quando essas coisas estão 'arrumadas demais' acabo por me sentir perdido e me atrapalho.
Agora lá dentro, podia ouvir com mais clareza a música que ouvira do corredor a pouco. Quase tinha vontade de ignorá-lo por completo para que pudesse cantarolar aquela melodia livremente.
- Sinto muito por isso mas preciso dormir. Estudo durante o período matinal, é horrível pra mim.
- Hoje é sábado - Ela fingiu uma risada.
- Engraçadinho - Ele sorriu, o mesmo sorriso que dera anteriormente.
- Vai aceitar a xícara de café ainda? - Por um momento ela lembrou-se da sua situação a pouco, quando estava no aconchego de seu quarto, tomando uma boa dose de café, lendo.
- Eu não sei, sou bem fresca pra essas coisas.
- Ao jeito que o café é feito?
- Sim
- Se não gostar do meu café, eu paro de pintar e organizo essa bagunça, mas terá que ser sincera na hora de dizer o que achou.
- E se eu gostar?
- Terá que continuar convivendo comigo.
- Não gosto das opções.
- Oh, vamos, não vou colocar veneno em seu café.
- Não é isso que me assusta.
- Então?
- Você está sendo gentil demais com uma desconhecida.
- Eu não tenho amigos, é normal que eu tente conseguir alguns.
- Quer que eu seja sua amiga?
- Quero.
- Ótimo vamos ser amigos então, primeira coisa, amigos deixam os outros dormirem.
- Oh, você é uma amiga interesseira.
- Claro que não.
- Mal viramos amigos e já está fazendo exigências.
- Estava brincando - Ele arqueou uma de suas sobrancelhas.
- Sente-se, vou fazer seu café - Ela fez o que ele recomendara para ela, observando-o partir.
Se pôs a observar o ambiente a sua volta. Era uma bagunça sem fim. Latas e mais latas. No entanto, haviam os tais rascunhos de desenhos na parede branca que coloria toda a sala (Ou pelo menos do que deveria ser a sala).
No rádio numa mesa de canto, tocava um indie que ela bem conhecia, já que não estava em sua casa para poder cantá-lo de forma desordenada, se contentou apenas em cantarolar a melodia. A música chamava-se Frawless, o nome da banda ela já não lembrava.
Não demorou muito para que o rapaz voltasse trazendo as duas xícaras de café em mãos. Ele a encarou questionador.
- Conhece Flawless?
- A música? É, conheço. Sou uma grande fã de indie.
- Isso é bacana. Bom, aqui está - Ele estendeu a xícara em minha direção. O café cheirava bem ao menos - Espero que goste.
- O que são essas coisas? - Ela apontou para os rabiscos na parede, logo levou o líquido até os lábios, fechando os olhos para aproveitar tanto o sabor quanto seu aroma - Hmm, isso está realmente bom. Tem certeza que foi você que fez?
- Café é uma das minhas bebidas favoritas, eu tinha que aprender a fazer. Ah, e aquilo são ideais, sei lá vem na mente e coloco ali como um rascunho.
- Acho que perdi a aposta.
- Pois é, realmente uma pena - Ele dera o mesmo sorriso anterior, o sorriso assemelhado ao de uma criança travessa, arquitetando seu próximo feito.
- Vou para casa, não tem mais nada para eu fazer aqui, o que tinha pra fazer, foi feito - Eleven se levantou, dando um último gole em seu café.
- Mas já?
- Tenho coisas para fazer.
- Irei fazer barulho mais vezes, quem sabe você volta para reclamar novamente - Ele caminhou ao lado dela até a porta. Eleven olhou-o questionadora.
- Não é engraçado.
- Eu sei que não.
Ela virou-se caminhando pelo corredor, pronta para pegar o elevador de volta para o seu andar.
- Hey, eu sou o Mike! - Ele gritou alto suficiente para que ela pudesse o ouvir. Rindo, ela gritou de volta:
- Eleven!
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