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História Something (About Us) - Intrusos


Escrita por: Nananeul

Capítulo 2 - Intrusos


— O que você quer dessa vez, Ryeowook? — Já era a terceira vez naquele dia que o menor entrava na sala para, segundo ele, conferir o andamento do trabalho, mas eu sabia muito bem que não era por isso que ele estava ali.

Eunhyuk havia comentado com Ryeowook o quão estranho eu havia agido no dia anterior e preocupado com a minha sanidade mental, ele decidira aparecer para me vigiar, já que Donghae estaria ocupado demais com os preparativos da festa.

— Não seja arrogante, Sungmin. Eu só queria saber como estava...

— Não se preocupe, Wook. Eu não vou fazer nada enquanto você estiver aqui. — O garoto arregalou os olhos, assustado com minha afirmação.

— Hyung! O que quer dizer com...!

— É apenas a verdade.

Eu realmente não tentaria nada com ele ali.

— Hyung... Você realmente está pensando novamente em... Se matar? — Os olhos marejados de Ryeowook me mostravam o quanto ele ficaria chateado se algo acontecesse comigo. E era exatamente por aquela reação e pela preocupação que Donghae demonstrava, que eu não conseguia ter coragem o suficiente para fazer o que queria, mesmo que na maioria das vezes eles fossem os maiores responsáveis das minhas angústias.

— Eu pareço uma pessoa com tendências suicidas, Ryeowook? — Ironizei em tom de brincadeira, a vergonha me corroendo por dentro, já que aquilo realmente se passava em minha mente.

— Promete pra mim que não vai fazer nada contra si mesmo? — Ignorou totalmente minha pergunta.

— Desculpe, mas eu não posso fazer isso. — Abaixei a cabeça, tentando controlar as lágrimas que ameaçavam sair de meus olhos. — Me perdoa por não ser forte o suficiente...

— Shh... Esquece isso, ok? Não precisa prometer nada se não quiser. Donghae e eu sempre estaremos aqui, então não precisa...

— Obrigado. — Cortei-o.

Ele me encarou por um tempo, antes de correr em minha direção e envolver os braços ao meu redor, num abraço caloroso.

— Eu amo você, Sungminnie hyung, nunca duvide ou se esqueça disso.

Retribuí seu abraço, segurando-me para não chorar. Ele não precisava passar por aquilo e aguentar meu sofrimento. Ryeowook era frágil demais para aquilo.

— Está tudo bem, pequeno. Vai ficar tudo bem. — Sussurrei em seu ouvido, acariciando seus cabelos avermelhados.

Ele assentiu de encontro ao meu ombro e afastou-se, respirando fundo.

— Bom. Isso é muito bom, mas... Vamos parar com essa coisa de sentimentalismo, estamos parecendo um casal pegajoso. — Fez uma careta e eu ri. — Já basta Hyuk e Donghae se agarrando em todos os lugares.

— Sim. — Concordei, recostando-me contra o sofá. — Wook ah... Eu estou com fome! — Murmurei. Um bico involuntário formando-se em meus lábios.

— E daí? — Retrucou, cruzando os braços em frente ao corpo.

— Cozinhe alguma coisa pra mim! — Pedi com os olhos brilhando em expectativa.

— E por que eu deveria? Você não está merecendo nenhum pouquinho da minha boa vontade. — Mostrou-me a língua, revirando os olhos ao reparar em minha cara de frustração.

— Ya... Por favor, Wookie...

— Me dê alguma coisa em troca. — Sorriu malicioso, sentando-se na mesinha de centro à minha frente e cruzando as pernas.

— O que têm em mente? — Inclinei a cabeça para o lado em confusão.

— Hyung... Você é tão bobinho... — Ryeowook sorriu, balançando a cabeça.

— O quê? — Perguntei atônito.

— Nada, deixa pra lá... — Respirou fundo, rindo soprado. — O que você quer comer?

— Por que está mudando de assunto? — Estreitei os olhos em sua direção. — Eu quero kimchi.

— Hyung! Você não pode ficar irritado comigo e pedir comida logo em seguida!

— E por que não? — Dei de ombros. — Você ainda não respondeu minha outra pergunta.

— Aish... Já disse que é pra deixar pra lá! — Levantou-se, caminhando em direção à cozinha e eu o segui.

— Do mesmo jeito que eu não posso pedir uma coisa depois de ficar irritado, você não pode simplesmente fazer um comentário estranho e me mandar esquecê-lo logo em seguida.

— E por que não? — Murmurou, imitando-me, enquanto arqueava a sobrancelha em desafio.

— Porque você nem ao menos diria alguma coisa se não fosse importante. — Concluí, cruzando os braços, com um sorriso maroto no rosto. Ele não tinha para onde fugir.

 — Ok, ok. Você venceu. — Levantou os braços, rendendo-se. — Mas por que não deixamos as respostas e futuras perguntas pra depois do jantar? Você está com fome, não é?

— Sim. Comida do Wookie! — Comemorei, sentando-me em sua frente.

Ele sorriu antes de começar a preparar a nossa refeição.

E mais uma vez eu havia sido contornado. Ryeowook nunca me diria sobre o que estava pensando naquela tarde e eu não me incomodaria de perguntar, ele sabia disso. E assim, como em todas as outras vezes, os assuntos importantes eram deixados de lados; empurrados para frente até que alguma outra coisa o fizesse vir à tona, num momento mais crítico. E eu odiava aquilo. As desconfianças, todas as coisas escondidas que a cada minuto só me faziam piorar. Eles podiam não perceber, mas sempre que ocultavam alguma coisa de mim, minha mente traiçoeira como era, transformava aquelas simples conversas — por mais bobas e sem sentido que fossem —, num motivo para me fazer sofrer. Será que eles não confiavam em mim do mesmo jeito que falavam? E se sim, por quê? Eu não era digno o bastante para merecer a amizade deles e por isso escondiam coisas de mim?

Talvez... Mas eu nunca saberia a verdade, não é mesmo? Se eles conviviam com a minha presença apenas por pena eu nunca descobriria, já que eles provavelmente nunca deixariam.

— Min hyung? Você está aí? — Wook acenou em frente aos meus olhos, chamando minha atenção.

— Desculpe. — Resmunguei envergonhado, baixando a cabeça. — Eu me distraí.

— Eu percebi, hyung. Pareceu até que você tinha viajado para outro mundo aí dentro. — Cutucou a lateral da minha cabeça com um dos dedos. — No que estava pensando? — Perguntou curioso, inclinando-se sobre o balcão.

— Em nada especial. — Dei de ombros, encarando um ponto qualquer em minha cozinha, evitando seus olhos.

— Hm. — Revirou os olhos e voltou ao que fazia.

Ele não podia fazer perguntas. Pelo menos não naquele momento, e sabia disso. Seus questionamentos apenas fariam com que uma brecha se abrisse para as perguntas que se passavam em minha mente e ele com certeza não gostaria de arriscar. E nem eu.

— Wook ah... Que horas é o almoço na casa do Hae amanhã? — Corri meus dedos sobre o tampo de mármore escuro, desenhando formas aleatórias.

— Está interessado nisso agora? Hyukjae disse que só faltou você gritar que isso pouco importava antes de desligar o telefone na cara dele.

— Ele me odeia.

— E não é pra menos, hyung. Hyukkie sabe o quão apaixonado você está pelo namorado dele. Achou mesmo que ele continuaria sendo seu melhor amigo depois de ter descoberto algo assim?

— Ele nem ao menos deixou com que eu explicasse... Nunca destruiria o que eles têm apenas por um capricho meu. Nunca. — Murmurei, fechando os olhos. — Donghae o ama e está feliz, então o melhor que eu tenho a fazer é observar e ter cuidado para não atrapalhá-los.

— Eu admiro isso, sabia? — Aproximou-se, bagunçando meus cabelos. — E eu nem posso bater em Donghae e chamá-lo de idiota por ter te recusado. Droga! — Resmungou, irritado. — Por que ele tinha que ter arrumado um namorado tão legal?

— Não se preocupe com isso, dongsaeng. — Ri, balançando a cabeça em negativa. — Eu estou bem. — Na medida do possível.

Às vezes eu meditava sobre o porquê de ter me tornado um adulto tão recluso com tendências nada normais. Talvez fosse culpa da minha infância conturbada? Sim, provavelmente fosse isso, já que, desde pequeno eu tive que aprender a me proteger da melhor forma que conseguia. Eu não era uma criança normal, não agia como as outras geralmente faziam: brincando e correndo por aí, gastando minha energia. Não, na maior parte do tempo eu ficava isolado do mundo, lendo, desenhando, escrevendo, ou imaginando histórias e situações com minha pequena mente fértil. Um excluído social se fosse para generalizar. Nunca tive amigos e as poucas pessoas com quem eu falava apenas estavam interessadas em passar de ano tirando proveito da minha aparente inteligência. Mas eu não ligava, gostava do silêncio e não me importava com a falta de atenção que recebia, já estava acostumado com isso em casa — minha mãe trabalhava em grande parte do tempo, o que me fazia ficar completamente sozinho levando em consideração o fato de que meu pai nunca esteve lá.

Até que em um belo dia ele apareceu em minha vida.

Lee Donghae.

Apesar de frequentarmos a mesma classe, ele era dois anos mais novo que eu, um aluno transferido, mil vezes mais inteligente e sociável. Confesso que naquela época senti inveja da vida que ele levava, afinal, ele tinha tudo que eu mais desejava: amigos; pessoas que se preocupavam com ele.

Além de tudo isso, ele era lindo. Seus olhos pequenos combinavam tanto com a boca fina e os traços infantis... E isso agradava a todos, sem exceção. Ele vivia rodeado de pessoas, inclusive os meus ‘amigos’ fajutos o bajulavam como se ele fosse um príncipe, e na verdade ele era; sempre foi.

Não saberia dizer o dia exato em que viramos amigos, apesar de lembrar com precisão da primeira vez em que ele direcionou sua atenção para mim.

Eu estava, assim como em todos os outros dias, sentado contra uma das pilastras que rodeavam o pátio da escola com meus fones de ouvido conectados ao celular que tocava uma música alta e com ritmo pesado — eu gostava daquele gênero musical — e com um pequeno bloco em mãos, onde eu anotava todas as minhas mais de um milhão de idéias. Donghae, como em mais uma semana lotada, permanecia sentado praticamente no centro do pátio, rodeado de alunos. Eu já havia notado os olhares furtivos que ele lançava em minha direção sem tomar coragem de levantar-se e vir até mim, puxar assunto, apesar de aparentar querer muito — fato que eu e ele compartilhávamos. Mas eu o entendia; do mesmo jeito que ele receava se aproximar, meu corpo negava-se a tomar uma atitude. Se eu sequer pensasse em me locomover até o aluno mais sociável da escola, perderia minha paz e liberdade, tinha certeza disso. Não cabia a mim tentar uma aproximação, muito menos à ele; eu gostava do jeito que as coisas estavam e abominava a ideia de por algum acaso ser o causador da decadência moral daquele belo rapaz de cabelos escuros. E ele também sabia que aquilo não seria uma boa coisa.

Contestando tudo que um dia eu havia cogitado, Donghae mais uma vez me surpreendera. Lembro de ter desviado minha atenção por alguns instantes de seu bonito rosto — um menino qualquer da minha classe me chamava para perguntar algo sobre a correção das questões que cairiam na próxima prova — e quando mais uma vez voltei-me para olhá-lo — aquele se tornara meu passatempo favorito depois de tê-lo visto pela primeira vez —, ele caminhava a passos pesados em minha direção, os olhos duros e frios denunciando uma irritação que até então eu não entendia. Só depois de nos tornarmos amigos eu passei a compreender que Donghae sentia muito ciúmes das pessoas que ele considerava, o que me deixou feliz: ele já havia se apegado a mim desde a primeira vez que me viu.

Depois de praticamente chutar o rapaz ao meu lado como se ele fosse apenas um mísero verme que não tinha o direito de roubar-me a atenção que pertencia a si, Donghae fixou seus olhos em mim e sorriu. O sorriso mais lindo que eu jamais iria encontrar em outro lugar que não naqueles lábios róseos.

Donghae e eu nos tornamos uma dupla inseparável, andávamos juntos o tempo todo; onde um ia, o outro acompanhava. Eu passei a frequentar sua casa com uma regularidade invejável, as pessoas até mesmo passaram a nos considerar como irmãos. Ele havia se tornado a válvula de escape que eu precisava de toda aquela vida de merda que levava. Mas nem mesmo Donghae e nossa amizade foram suficientes para me tirar do fundo do poço. Eu estava caindo cada vez mais fundo em minha própria insegurança e ele nem ao menos parecia notar que tinha algo de errado, e se reparava, não fazia a mínima questão de me salvar. A rivalidade que eu compartilhava com minha mãe crescia a cada dia — ela me odiava pelo simples fato de existirmos sobre o mesmo planeta, quem dirá sob o mesmo teto —, a mulher que me dera à luz tinha prazer de jogar em minha cara que eu não valia absolutamente nada. Que era um zero à esquerda, vagabundo, parasitando-a como um agente infeccioso, sugando toda a sua vitalidade. E eu acreditava em tudo o que ela dizia sem pestanejar. Mães sempre estavam certas, por mais que estivessem erradas, então quem seria eu para contestar? Ela me odiava e eu a entendia; não era fácil para nenhuma mãe solteira no auge de seus trinta e cinco anos de idade tomar conta de uma criança e ainda trabalhar para sustentá-la. Assim como ela, eu não via a hora de poder sair de casa, só para manter-me longe de seus desaforos e crueldades. Talvez esse tenha sido um dos maiores motivos para que eu praticamente me mudasse para a casa de Donghae durante as férias escolares. Os pais dele, em grande parte assim como a minha mãe, não se importavam com a minha permanência em sua casa.

E foi a partir daí que as coisas começaram a mudar.

Minha amizade com Donghae estava ficando tão forte que eu não conseguia mais controlar. Talvez por ser muito carente, comecei a vê-lo de uma maneira completamente diferente e especial que nem ao menos sabia como explicar. Todas as vezes que chegávamos perto um do outro — devido ao extenso tempo de convivência nos tornamos muito mais íntimos do que qualquer dupla de amigos normais que se observava por aí: comíamos na mesma mesa, dormíamos na mesma cama, compartilhávamos as mesmas roupas e até tomávamos banhos juntos às vezes —, meu coração palpitava de um jeito estranho e eu sentia um revirar em meu estômago, como se um punhado de borboletas estivessem batendo suas asinhas lá dentro, descontroladas. Eu sabia o que era; minhas experiências de leitura sobre o assunto apontavam que eu estava apaixonado por Donghae e era verdade.

Quando descobri que gostava dele mais do que como um amigo, fiquei radiante. Nunca em toda a minha vida tinha gostado de algum outro alguém daquela forma, e eu fora me apaixonar logo pelo meu melhor amigo! Não podia estar mais exultante. Em minha pequena mente aquela era a melhor coisa que podia ter acontecido — sabia que era errado, é claro, nós éramos do mesmo sexo, tecnicamente incapazes de ficar juntos, mas algo como aquilo nunca me impediria —, eu me declararia para Donghae, ele aceitaria meus sentimentos, começaríamos a namorar e decorrente daquele momento compartilharíamos os melhores dias de nossas vidas.

Mas eu estava enganado. Donghae não sentia por mim o que eu vivenciava por ele. Fui burro em achar que o fato de que éramos melhores amigos influenciaria no nosso romance. Ele me amava, sim, e estava apaixonado. Mas não por mim, como me explicara assim que eu me declarara para ele aos dezessete anos.

Lee Hyukjae era o nome de seu objeto pessoal de adoração; um outro amigo nosso do ensino médio. Donghae estava obcecado por ele e não escondia. Cada vez que o nome de Hyukjae saía de seus lábios, os olhos de um negrume sem igual brilhavam de excitação.

Hyukjae, diferente de mim, era perfeito para ele. Tinha todas as características que Donghae admirava em uma pessoa: a autoconfiança, o carisma, a bondade, a inocência... Tudo o que eu aparentava ter, mas na verdade eram características que me serviam apenas de fachada para a obscuridade que tinha em meu interior e que Donghae passaria a descobrir com o tempo.

Naquele dia ele me recusou com um sorriso triste no rosto, me pedindo desculpas por ter de fazê-lo, e dizendo que continuaríamos amigos se eu quisesse, mesmo que nossa relação dali pra frente não fosse exatamente a mesma. Aceitei sua proposta simplesmente pelo fato de que não conseguiria ficar longe dele apenas por uma estupidez como aquela. Donghae era a coisa mais importante em minha vida — mais importante até do que eu mesmo —, não suportaria perdê-lo por ter cometido um deslize como aquele.

Continuamos daquele jeito por um tempo até que finalmente entrássemos na faculdade, quando eu conheci a segunda pessoa mais valiosa para mim.

Kim Ryeowook.

Minha primeira impressão de Ryeowook não foi nem um pouco gratificante. Aos meus olhos ele era a criatura mais frágil e desprotegida daquele lugar, um pequeno passarinho que havia caído do ninho direto para a cova de milhares de leões famintos. Exatamente como eu, antes de conhecer Donghae. A curiosidade que afanava meus olhos logo foi apaziguada quando ele se apresentou como sendo meu dongsaeng no curso de letras — eu adorava escrever, então porque não aplicar aquilo no meu cotidiano? —, rapidamente nos tornamos amigos, para a infelicidade de Donghae que, assim como me disse, sentia que estava perdendo seu melhor amigo aos poucos para o novato do grupo, apesar de eu sempre ter deixado claro para qualquer um que quisesse ouvir que meu coração pertencia apenas à ele.

Estávamos em nosso terceiro ano da faculdade quando os pesadelos que eu pensara terem se extinguido, voltaram a me atormentar.

Em uma festa qualquer da faculdade — comemorações aconteciam com uma frequência exacerbada no campus —, Donghae finalmente tomou coragem e se declarou para Hyukjae, acabando definitivamente com qualquer esperança que eu ainda tivesse em ficar com ele um dia. Foi uma das piores passagens em minha vida; lembro-me apenas de ter presenciado o momento em que Hyukjae aceitara o pedido com um grande sorriso no rosto fazendo-me caminhar ensandecido até a cozinha da casa onde acontecia a festa, apossando-me de duas garrafas fechadas de vodka e saindo furioso em direção aos dormitórios com Wook em meu encalço.

Eu bebi e chorei pelo resto da noite na companhia de Ryeowook, que acariciava meus cabelos incessantemente, dizendo que tudo ficaria bem.

Desde então passei a evitar Donghae como se ele fosse uma doença. Todas as vezes que o casal estava junto eu me afastava com medo de fazer ou dizer alguma coisa que estragasse a felicidade que eu sabia que eles estavam sentindo. Hyukjae também tornara-se cauteloso. Ele passara a cuidar de Donghae como nunca antes, estava com medo de perder o namorado — eu nunca escondera de ninguém em absoluto o jeito que me sentia em relação à Donghae e com ele não seria diferente, Hyuk sempre soube que eu amava Donghae com todas as minhas forças. Ele era meu amigo, afinal.

— Hyuuuung! Você está viajando de novo. — Ryeowook deu uma risadinha fraca, tirando-me de minhas divagações. — Isso está se tornando frequente, não acha? — Balançou a cabeça, preocupado. — Quando foi a última vez em que foi ao médico?

— Há três meses. — Murmurei, estirando meus braços sobre a bancada.

— Tudo isso? — Espantou-se. — Hyung! Não devia ser tão negligente em relação à sua saúde. Isso é perigoso para você, sabia? Está pelo menos tomando os remédios que o doutor receitou? — Franziu o cenho.

— Não. Eles acabaram segunda feira passada.

— Aish, seu idiota! — Bateu com o pano de prato que segurava em meu braço e eu o recolhi com uma careta. — É por isso que está desse jeito. Donghae não vai gostar nem um pouco se ficar sabendo disso.

— Mas ele não vai ficar sabendo.

— É o que você acha. — Desafiou-me cruzando os braços, raivoso.

— Eu já marquei uma consulta para semana que vem, de qualquer forma. — Ignorei-o. — E os antidepressivos que eu estou tomando não estão fazendo o mesmo efeito de antigamente. Eles me tiram o sono e isso me deixa irritado.

— Você precisa contar isso para o seu médico, pra ele ver o que está acontecendo. — Estreitou os olhos, desconfiado. — Se os remédios não estão funcionando, ele precisa receitar outros que ajudem.

— Eu sei. — Resmunguei, inclinando minha cabeça para o lado. Ryeowook estava certo. Ele sempre estava, mesmo que na maioria das vezes eu não gostasse de admitir. — Mas como eu disse: já marquei uma consulta.

— Sabe que eu não confio muito em você com relação a esse assunto, certo? — E em relação há muitos outros também. Completei mentalmente. — Quero que me diga o dia e a hora dessa consulta. Vou com você. Eu mesmo vou falar com seu médico sobre os remédios.

— Tudo bem. — Dei de ombros, não me importando muito. O fato de Ryeowook me acompanhar até o psiquiatra não me incomodava. Não era a primeira e nem seria a última vez que ele me pedia algo do tipo. Ele voltou sua atenção ao que fazia, deixando com que mais uma vez eu me perdesse em pensamentos.

Eu tinha exatamente catorze anos quando, por vontade própria, decidi que precisava de ajuda. Tomou-me duas semanas inteiras de reflexões até que eu tivesse coragem suficiente para relatar aquilo à minha mãe. De início ela não levou a sério, mas quando exatamente ela se importava com algo? Eu era tão novo... Depressão! Aquilo estava longe de virar uma possibilidade a ser considerada, mesmo com todo o histórico semelhante que rondava minha família — minha bisavó, avó, avô e tio tiveram casos parecidos, alguns mais graves que os outros, mas ainda assim, todos de importância clínica. Mas felizmente — ou talvez infelizmente se fosse considerado de um ponto de vista diferente — não demorou mais do que um mês para que eu conseguisse mudar a mente dela. Depois de minha primeira tentativa de suicídio as coisas mudaram drasticamente dentro de casa. A única coisa que recordava com clareza daquele dia, era o alívio momentâneo que senti assim que a lâmina fria da faca de cozinha entrou em contato com a minha pele. Vi o sangue vermelho vivo começar a escorrer do corte que ia do meu pulso até a dobra do antebraço. Lembro que ficara tão fascinado com aquilo que nem mesmo a ardência repentina ou os gritos que aos poucos começavam a preencher meu quarto, desviaram minha atenção do que acabara de fazer.

Havia sido Donghae que me encontrara; encolhido ao lado de minha cama, escondido próximo a parede e em meio a grossos cobertores que, segundo minha percepção de momento, me escondiam do mundo lá fora. Donghae havia sido tão ágil em me socorrer que nem eu mesmo saberia dizer ao certo como ele descobrira de forma tão rápida. Pelos meus cálculos baseados em algumas pesquisas na internet sobre as melhores, menos dolorosas e mais rápidas formas de se acabar com uma vida, aquele método — mesmo que não fosse o mais eficaz — levava em torno de cinco minutos para fazer efeito. E a matéria realmente não mentia. Assim que finalizei o processo, senti um torpor repentino como se estivesse sob o efeito de alguma droga que não dava ao meu corpo nenhuma chance de reagir. Meus olhos fechavam-se vagarosamente e eu já conseguia enxergar alguns pontos negros manchando minha visão. Soltei um baixo suspiro de alívio: finalmente estava acabando. Nunca mais eu precisaria passar por toda aquela dor novamente. O sono nublava meus pensamentos e eu não tinha mais forças para resistir; não queria. Já estava praticamente entregue para o que quer que viesse depois daquilo, quando minha cabeça foi empurrada bruscamente para o lado e uma dor repentina tomou conta do lado esquerdo do meu rosto. Abri os olhos, assustado devida a súbita dose de adrenalina que foi jogada sobre o meu corpo, encontrando os olhos vermelhos e marejados de um Donghae raivoso, o braço levantado rente ao corpo e o punho fechado, erguido em minha direção. “Seu idiota!”. Foi a única frase que ele pronunciou antes de pressionar parte de uma das cobertas contra o meu braço — ele já havia retirado as outras de cima de mim sem que eu nem percebesse — e erguer-me em seus braços, me tirando do quarto. Depois disso, só do que me lembro é de ter acordado um dia depois no hospital mais próximo à minha casa, cercado por minha mãe e algumas pessoas vestindo jalecos brancos que me fizeram inúmeras perguntas, antes que uma delas me dissesse que eu precisava de cuidados especiais.

Depois daquele acontecimento Donghae ficou sem falar comigo por duas semanas. As piores da minha vida. Nunca me senti tão triste em toda a minha existência até aquele momento, quando percebi que Donghae nem sequer olhava mais em minha direção. Tantas coisas ainda mais absurdas se passaram pela minha mente naquele período de tempo... Se Donghae estava sentido-se arrependido por ter me salvado, por que o fizera? Eu não havia pedido por aquilo. Salvação nunca se passara pela minha mente quando decidi executar o que fiz. Pelo contrário. Naquele dia, eu havia me preparado da melhor forma possível. Contara a Donghae que não iria à escola — minhas faltas sem motivos aparentes eram algo rotineiro, então ele não se preocuparia —, prometendo que passaria em sua casa às oito em ponto como sempre fazia em dias como aquele — era uma terça feira e nesses dias ele se reunia com alguns conhecidos para jogar futebol, onde eu nunca participava por causa dos meus problemas de respiração e também não assistia; esperara minha mãe sair de casa para o trabalho — ela saía em torno de quatro horas da tarde, que era praticamente o mesmo horário que Donghae e eu geralmente saíamos da escola, ele ia para o campo e eu voltava para casa, esperando até que o horário de vê-lo novamente chegasse.

Era um plano perfeito, e eu me parabenizava por tê-lo maquinado. Nenhuma testemunha, nada que pudesse me impedir de realizar de uma vez por todas tudo o que vinha se passando em minha cabeça. Mas algo deu extremamente errado em meu plano, não só naquele como em todos os outros que se seguiram. Donghae parecia ter adquirido um grande sexto sentido que apitava em sua mente sempre que as coisas se tornavam muito confusas e dolorosas em minha cabeça e eu as tentava aliviar do meu próprio jeito.

— Comida, hyung! — Ryeowook sussurrou em meu ouvido, sobressaltando-me.

— Ya! Não deveria me assustar desse jeito, dongsaeng! Eu posso acabar morrendo do coração. — Quando meu humor se tornara tão negro àquele ponto?

— Também não deveria ficar se perdendo em meio a pensamentos quando tem o incrível Kim Ryeowook ao seu lado. — Bufou, cruzando os braços com um bico irritado nos lábios. — Me deixa adivinhar... Donghae? — Arqueou a sobrancelha de um jeito sarcástico.

— E existe algum momento em minha vida em que eu não esteja pensando nele? — Devolvi-lhe a pergunta, sorrindo.

Ryeowook revirou os olhos e me deu as costas, fuçando meu armário em busca de talheres para a refeição. Ele colocou tudo o que precisaríamos sobre a bancada e apoiou a panela de alumínio no apoio de madeira que tinha colocado sobre a mesma. Nos sentamos um de frente para o outro e logo começamos a comer em silêncio.

Não havia mais nada que precisássemos falar.



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