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História Something (About Us) - Realidade


Escrita por: Nananeul

Capítulo 3 - Realidade


Duas horas da tarde. A festa que Donghae levara praticamente todo o final de semana para planejar começava dali há uma hora e eu realmente me recusava a aparecer por lá. Não era bem-vindo, sabia disso, mas a culpa pelo que Ryeowook me dissera antes de sair do apartamento me corroía por dentro. “Donghae ficará decepcionado quando constatar que seu irmão mais velho não irá.” Aquela frase ecoava em minha cabeça como um aviso de que eu não estava agindo de maneira certa. Decepcionar Donghae era algo que eu evitava fazer com todas as minhas forças. Para que mais eu serviria se, além de atrapalhar sua vida pessoal com meus problemas inúteis, ainda acabasse fazendo com que aquele olhar de tristeza permanecesse em seu rosto simplesmente por não me importar com o fato de minhas escolhas fazerem ou não alguma diferença para ele?

Suspirei, revirando-me mais uma vez em meio aos lençóis da cama.

— Pare de fugir da pessoa em que você se tornou, Sungmin. — Sussurrei para mim mesmo, fechando os olhos logo em seguida. — Se você pensa e age desse jeito agora, a culpa é somente sua. Não tente envolver pessoas inocentes em seus problemas. — Engoli em seco, sentando-me de pernas cruzadas no meio da cama. — Você está sozinho nessa, e não há nada, nem ninguém, que vá fazer isso mudar. Não nessa altura do campeonato. — Levantei-me, caminhando até o espelho preso na parede do quarto. Analisei minuciosamente minha expressão. Eu parecia uma pessoa normal, se não fosse pela falta do brilho no olhar característico, que em mim apenas aparecia quando a dor já havia extrapolado todas as barreiras e eu não conseguia mais suportar. Os segundos que antecediam os meus momentos de loucura eram os únicos onde os meus olhos exerciam alguma emoção verdadeira. Levei uma das mãos com lentidão ao reflexo do espelho, encostando meus dedos sobre meu olho esquerdo, acariciando-o como se as pontas dos meus dedos pudessem recuperar o que se escondia abaixo daqueles orbes castanhos. — Sem salvação...

 

Respirei fundo uma última vez antes de dar o passo que faria com que eu me arrependesse pelo resto do dia. Eu não deveria estar ali, era o que não cansava de repetir para mim mesmo, e por mais que fosse verdade, não conseguia fazer com que meu corpo e meu coração escutassem minha mente. Toquei a campainha da casa em tons de amarelo que eu considerava como sendo o antro de meu martírio pessoal, desde que Donghae decidira que ali seria o local ideal no qual ele e Eunhyuk morariam pelo resto de suas vidas. Demorou um tempo para que a porta fosse aberta por Ryeowook que me olhou surpreso por alguns segundos, antes de puxar-me para dentro da casa, fechando a porta atrás de mim com um sorriso no rosto.

— Hyung! Eu sabia que viria. — Disse animado, pendurando seus braços em meu pescoço num abraço reconfortante.

— Você sabe o poder que suas palavras e as Donghae exercem sobre mim, Ryeowook. Não deveria usá-las desse modo ao seu favor. — Suspirei, escondendo o rosto em seu pescoço. Me sentia completamente exausto, mesmo que meu dia torturante ainda nem tivesse começado direito.

— Eu nunca faço nada sem um motivo importante, hyung. Posso não o entender totalmente, mas sei o bastante para compreender o quanto estar aqui te machuca. — Ele murmurou, acariciando meus cabelos. — Eu te amo, Sungmin e nunca vou cansar de dizer isso. Mesmo com todos os seus problemas, você foi o único que estendeu a mão para mim quando eu mais precisei. Eu já te disse uma vez, se lembra? Se não tivesse se aproximado de mim naquele dia na faculdade eu teria feito exatamente como você. — Afastou minimamente seu corpo do meu e segurou meu braço direito com as duas mãos, traçando com os dedos a fina cicatriz em meu antebraço. — Minha vida naquela época, assim como a sua, não tinha sentido. Minha existência não tinha um propósito. — Aproximou meu pulso de seu rosto, dando um selar singelo sobre o início da marca. — E então eu te conheci, e tudo passou a fazer sentido diante dos meus olhos. Eu precisava te proteger. Não só do mundo lá fora, como de você mesmo. Você me mostrou o caminho... — Lançou-me um sorriso triste antes de baixar os olhos novamente e continuar a afagar meu antebraço. — E dói tanto saber que eu não consigo fazer o mesmo por você. — Meus olhos ficaram instantaneamente marejados quando ouvi sua voz trêmula. Ele estava chorando e eu me odiava ainda mais por saber que era o motivo principal por detrás daquelas lágrimas. — Eu não quero nem por um mísero segundo pensar que estou falhando, porque isso significaria perder você. E eu não quero que isso aconteça. Nunca. Você é uma das pessoas mais importantes na minha vida e isso me destruiria. — Não consegui segurar o soluço que escapou pela minha boca ao final de suas palavras. — Mesmo que não sejamos irmãos de sangue, o laço que existe entre nós é tão ou até mais forte quanto. — Ele passou os dedos que tremiam levemente sobre meus olhos fechados, tentando afastar algumas das inúmeras lágrimas que escorriam pelo meu rosto. Eu não conseguia mais segurar a enxurrada de sentimentos que estavam transbordando dentro de mim naquele momento; era inútil. — Por favor, por favor, por favor... — Pronunciava sem parar, o medo transbordando em seus olhos. — Não deixe que isso tome conta de você... Não de novo.

Tentei assentir, apenas para confortá-lo naquele momento, mas era impossível. As lágrimas que nublavam minha visão não me deixavam pensar em mais nada. Soluços cada vez mais altos escapavam de meus lábios e a dor em meu peito fazia com que minha respiração falhasse ligeiramente.

— Ryeowook...? — Um sussurro angustiado se fez presente e Wook virou-se em reflexo.

— Ele precisa de você. — Murmurou de volta, saindo apressado do cômodo.

Donghae.

Foi apenas nisso que eu consegui pensar, antes que seus braços rodeassem minha cintura e ele me apertasse contra seu peito.

— Hae ah... — Agarrei-me em seu corpo como se ele fosse a única coisa que me prendesse naquele plano.

— Shh... Esta tudo bem. — Disse baixinho, próximo ao meu ouvido, acariciando minhas costas com ternura. — Eu vou cuidar de você. — Inclinou-se para trás, depositando um beijo em minha testa. — Do mesmo jeito que sempre cuidei. — E ali estava, novamente, o sentimento de culpa por estar fazendo-o passar por aquilo mais uma vez. Tentei balançar a cabeça a fim de me livrar daquele tipo de emoção, mas não dava. Uma vez que minha mente e meu coração começavam a trabalhar juntos era quase impossível voltar atrás. — Vem. — Deu um leve puxão em meu braço, arrastando-me pelo corredor que nos levaria em direção ao quarto de hóspedes. Em nenhum momento ele havia desgrudado seu braço de minha cintura, me reconfortando.

Adentramos o quarto e ele fechou a porta, levando-me até a cama de casal que havia ali. Deitou-me com cuidado na mesma e retirou seus sapatos e os meus, acomodando-se ao meu lado logo em seguida.

— Donghae... Você precisa voltar pra lá, é seu almoço de família afinal. Não quero atrapalhar ainda mais a sua vida do que já fiz em todos esses anos. — Murmurei com dificuldade, a voz rouca pelo choro.

— Para de dizer essas bobagens. — Resmungou de volta, retirando alguns fios de cabelo que estavam sobre meus olhos, observando-me melhor. — Acha mesmo que se fosse um incomodo eu perderia tempo com você? — Passou as costas da mão esquerda por minhas bochechas, tentando secá-las de algum modo. — Você é como se fosse meu bebê fofo, Sungmin, e nenhum appa que se preze trataria sua criança com tanto descaso.

Fiz uma careta irritada com seu comentário, tirando de seus lábios um pequeno sorriso. Apenas Donghae podia me fazer esquecer parte dos problemas em um piscar de olhos.

— Eu não sou uma criança! — Inflei as bochechas, indignado e ele riu apertando-as com as pontas dos dedos.

— Sim, você é. Minha criança grande e travessa. — Afirmou. — Agora vem cá, minha criança. — Estendeu os braços, gesticulando para que eu fosse em sua direção, mas eu permaneci no mesmo lugar. — Pelo que eu percebo nessas manchas escuras sob seus olhos, você não tem dormido muito bem... Estou certo? — Inclinou a cabeça para o lado, examinando-me.

Desviei os olhos dos seus, corando quase que no mesmo instante. Por que ele sempre tinha que ser tão bom em adivinhar o que se passava comigo? Não pude deixar de encolher-me no lado oposto ao seu na cama, ignorando seus braços que permaneciam esticados, por temer sua reação assim que lhe contasse o motivo da minha insônia.

— Os remédios. — Comecei timidamente e ele arqueou a sobrancelha ainda na mesma posição. — Não estavam fazendo efeito como antes, por isso parei de tomá-los.

Tinha escondido aquilo de Ryeowook, mas na verdade os remédios não acabaram, como eu dissera. Infelizmente, mentir para Donghae era algo que eu não conseguia fazer. Pelo menos não desde o dia em que ele me fizera prometer que nunca mais omitiria ou modificaria qualquer um dos meus pensamentos antes de os informar a ele, caso solicitasse.

— Hm... E você conversou sobre isso com o doutor Park? — Perguntou-me depois de uma pequena pausa.

— Não... — Fechei os olhos virando-me de costas para ele. — Eu não o vejo há três meses...

— Sungmin. — Meu nome saiu de sua boca em um suspiro e eu me encolhi ainda mais contra os lençóis da cama.

— Desculpa. — Sussurrei num fio de voz, voltando a chorar com mais intensidade.

Senti o colchão da cama se movimentar antes que seus braços circulassem minha cintura.

— Não chora. — Pronunciou, dando um beijo estalado em minha nuca. — Odeio quando você chora. — Colocou suas mãos sobre as minhas, brincando distraidamente com meus dedos até que os soluços altos que saíam de minha boca se transformassem em fungares baixos.

— Está decepcionado comigo, Hae ah?

— Não. — Disse com firmeza na voz. — Só... Irritado.

— Pode descontar sua raiva em mim se quiser. — Eu poderia aceitar qualquer coisa que viesse de Donghae, só bastava que ele concordasse em me entregar.

— Ya, isso não é algo que se diga assim tão facilmente para qualquer pessoa, Min. Apenas n...

— Você não é qualquer pessoa, Donghae.

O pequeno diálogo que mantínhamos desde que entramos no quarto, findou-se após minha escolha de palavras. Donghae não responderia ao meu comentário e eu bem sabia disso.  Não que ele se recusasse, apenas não tinha como, ou um propósito para fazê-lo.

Permanecemos daquele jeito até que meus olhos não conseguissem ficar abertos por muito tempo, e eu começasse a ficar com sono sem a minha permissão.

— Donghae? — Batidas na porta seguidas de um leve sussurrar me despertaram momentaneamente; mesmo que eu não conseguisse mexer meu corpo devido ao leve torpor que se iniciara em minha mente, ainda pude sentir quando Donghae afastou seu corpo do meu.

— Hyukkie... — Hae disse no mesmo tom que o outro usara.

— Ryeowook me contou o que houve... Ele está bem? — O colchão da cama afundou-se num local próximo aos meus pés.

— Bem... Ele nunca está bem, Hyukkie. — Meus cabelos foram acariciados levemente, fazendo-me soltar um suspiro involuntário. — Mesmo que ele diga o contrário, eu o conheço melhor do que ninguém. Sei quando ele está mentindo.

— Hae...

— Isso me irrita, sabia? O fato de que mesmo que eu queira com todas as minhas forças, não consigo ajudá-lo. E o pior é que eu sei qual seria o melhor modo de fazê-lo, mas simplesmente não... Posso. Eu realmente sou um inútil. Em todos esses anos de amizade, mesmo que eu exigisse inúmeras coisas dele, Sungmin só me pediu que cumprisse um único desejo seu, e eu neguei isso à ele com todas as minhas forças.

— Mas isso realmente não é algo que você possa fazer Hae, nós não podemos mandar no coração. Não se sinta culpado por algo que você não pode controlar.

— Eu sei que não deveria, mas...

— Esqueça isso, Hae. Vem, seus pais estão chamando por você. — Uma pausa silenciosa instalou-se por alguns segundos antes que ele voltasse a falar. — Ele vai ficar bem, não se preocupe.

—... Tudo bem, eu... Acho.

O colchão moveu-se novamente e então escutei o barulho da porta se fechando. Um frio repentino tomou conta de mim e eu não consegui ficar com os olhos fechados por muito mais tempo. Me sentei sobre a cama coçando os olhos, a fim de espantar os resquícios de sono que ainda permaneciam em meu corpo.

Respirei fundo antes de levantar da cama e calçar meus sapatos. Eu não queria ficar ali, não podia na verdade. Apenas o fato de ter Eunhyuk querendo me manter afastado de Donghae já mostrava o quão não bem-vindo eu era naquele lugar. Alcancei a maçaneta da porta e respirei fundo antes de virá-la. Donghae ficaria preocupado, mas eu não queria pensar naquilo no momento. Estava preocupado com qualquer uma das pessoas que poderiam possivelmente me ver saindo dali. Abri parcialmente a porta e coloquei meu rosto para fora do vão da mesma, olhando para ambos os lados do corredor; nenhum sinal de vida, além da minha própria.

Andei cautelosamente pelo extenso corredor de paredes em tons pastéis, eu precisava sair o mais rápido possível daquele lugar, estava começando a me sentir sufocado ali dentro. Os quadros, os móveis, as persianas e até mesmo a pequena caixa de porcelana na estante da sala me remetia a eles: o casal perfeito que naquele exato momento passava mais um fim de semana com suas famílias igualmente perfeitas. Eu não fazia parte daquilo, nunca faria, aliás. Mesmo que fosse considerado um membro da família, não havia nada que nos ligasse além de pena e compaixão. Vindos tanto de Donghae quanto do resto deles.

Peguei um pedaço de papel e uma caneta que estava sobre a mesa de centro e sentei-me no sofá. Precisava deixar pelo menos um bilhete para que Donghae não se sentisse culpado por eu ter partido. Havia tantas coisas a dizer, mas nem todas eram de fato relevantes. Suspirei antes de fechar os olhos e abaixar a cabeça, apoiando-a sobre as costas das minhas mãos que ainda sustentavam o pedaço de papel e a caneta. Eu não merecia aquilo. Ryeowook não merecia aquilo. E Donghae muito menos. Mas a culpa não era minha... Ou era? Minha garganta fechou-se e uma falta de ar repentina atacou meus pulmões; por que eu continuava tentando me livrar de minhas obrigações? A culpa era obviamente minha, mesmo que meu coração tentasse provar o contrário. Por que eles teimavam em dizer que sentiriam minha falta se eu fosse embora? A vida deles — e a minha — seria tão mais fácil se eu não existisse mais... Droga! Eram tantas perguntas, tantos pensamentos conflituosos que me faziam sentir como se minha cabeça fosse explodir a qualquer segundo... Eu precisava de ajuda novamente. Mas não seria um simples médico, com suas suposições frias e métodos categóricos, que aliviariam minhas preocupações.

Escrevi por fim uma desculpa qualquer no pedaço de papel e depositei-o na mesa junto da caneta, levantando-me decididamente e caminhando até a porta. Eu sabia exatamente quem poderia me ajudar.

Eu precisava de Kim Heechul.



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