Parecia um sonho como qualquer outro, ou, ao menos pra mim, um dos poucos sonhos que tive no ano, pois não costumo sonhar muito (ou não me lembro, de qualquer maneira).
Não lembro de onde nem como, mas estava em uma festa de uma amiga, em um buffet, o quê é, no mínimo, curioso, dado o fato de que essa mesma amiga havia feito aniversário um mês antes. Haviam pessoas da escola e outras que não conhecia.
Sei que, após conversar com alguns convidados, sentei-me em uma cadeira para descansar quando, de repente, minha cabeça começou a afundar, como se estivesse apoiado no braço de alguém. E de fato estava.
O que mais impressionou-me foi que, desde que recordo-me, meus raros sonhos são sempre em preto e branco, algo que até hoje não descobri o porquê, e, entretanto, pude enxergar claramente em quem eu estava apoiando-me.
Era um garoto, cerca de dezoito ou dezenove anos de idade, pois não aparentava ser muito mais velho, com uma pele surpreendentemente mais pálida do que a minha, um cavanhaque que partia de suas costeletas e terminava em cima de seu lábio superior. Não pude ver seu cabelo, mas presumo que seja castanho claro, tal como sua barba. E, além de tudo, ele estava vestindo um terno verde, mas não um verde comum, um verde parecido com aquele de quando as folhas de uma árvore preparam-se para cair, não um verde claro, não um verde comum, não um verde escuro, um tom único, como se tivesse sido concebido exclusivamente para sí, pois era o mesmo verde de seus olhos.
Fitei-o por alguns segundos, tentando raciocinar o motivo de estar apoiado em seu braço, quando, absolutamente do nada, ele aproxima sua face da minha e beija meu nariz. Na vida real, provavelmente teria repreendido-o, pois odeio beijos no nariz, mas, naquele momento, senti-me totalmente enfeitiçado pela profundidade de seus olhos, que não pararam de encarar-me.
Ele afastou-se e encarou-me com um misto de ódio e desejo e, em seguida, agarrou-me pelo colarinho de minha camisa e beijou-me pelo que pareceu uma eternidade. E não estava ruim.
Em seguida, levantou-se e estava indo embora quando agarrei-o pelo antebraço. Sabia de que estava em um sonho, mas senti a necessidade de perguntar seu nome.
Elias, respondeu-me com um sorriso galante, virou-se e desapareceu na multidão.
Tudo começou a desaparecer em uma névoa densa.
Acordo.
São três e quatorze da madrugada. Sempre acordo nesse mesmo horário quase todos os dias. Não acordo totalmente, apenas abro os olhos, vejo a hora no relógio e torno a dormir.
Já ouvi pessoas dizerem que é nessa hora onde o véu que separa o mundo dos mortos e o dos vivos fica fino, tão fino que pode ser atravessado, enquanto outras falaram que é a hora oposta à qual Jesus foi crucificado, portanto, uma hora “morta”, do mal e afins.
Sou muito cético nesse sentido. Já estudei sobre diversas religiões, crenças, seitas, rituais, mas foi o contexto histórico que me motivou.
Ainda tenho duas horas antes de meu alarme tocar, me despertando para um novo e cansativo dia na escola. Ainda não consigo tirar o garoto no terno verde de minha cabeça, mas estou cansado demais para concluir qualquer pensamento. Volto a dormir
Acordo ás cinco e quinze da manhã com o som estridente de meu despertador. Tomo um banho e, enquanto estou de olhos fechados, passando shampoo em meu cabelo cacheado, começo a tentar montar alguma ligação lógica entre o sonho e algo que eu possa ter visto nos últimos cinco ou sete dias.
Não obtenho sucesso, apenas uma ou outra coisa que eu ví ou fiz parece encaixar-se no contexto do sonho mas, ainda sim, de forma distante.
Termino de arrumar-me e vou caminhando para a escola. A primeira aula inicia-se ás sete da manhã, mas gosto de sair de casa cerca de quarenta minutos antes. Não que minha escola fique longe da minha casa, ao contrário, fica a duas quadras na direção sul, mas eu gosto muito de sentir o vento gelado e de ver o céu nublado das manhãs.
Chego no pátio central da escola, sento-me debaixo de um cipreste e abro um livro, da saga Crônicas Vampirescas, de Anne Rice. Ganhei-o no início do mês após uma visita inesperada de minha tia, e gostei do tema.
Leio cerca de trinta páginas antes de os outros alunos chegarem e acabarem com o silêncio tumular da pequena área com grama natural. Levanto-me e subo cinco andares em direção à minha sala.
O sinal toca e os demais estudantes iniciam suas lentas caminhadas em direção as respectivas classes. Alguns gritando pelos corredores, outros, com a aparência que claramente denota uma noite maldormida.
Pouco tempo antes de a professora de história entrar na sala, avisto Marina, uma das poucas pessoas da classe com quem possuo algum tipo de contato, e, inclusive, a amiga que deu a festa em meu sonho.
Enquanto sento-me ao fundo da sala, Marina retira seu fichário azul turquesa da mala e senta-se na carteira à frente.
Enquanto a professora procura um maçante vídeo sobre a descoberta do ouro no Brasil, pouso minha mão levemente no ombro direito de Marina, chamando sua atenção.
Cumprimento-a e explico sobre o sonho, todos os detalhes que lembro, e, inclusive, pergunto se ela conheçe alguém chamado Elias, ou que possua características físicas ao menos similares ao garoto de meu sonho.
Para meu infortúnio, recebo um uma negação de sua parte. Enquanto ela disserta teorias sobre quem ou o quê poderia ter desencadeado tal experiência, vejo Flávia, uma garota que sempre foi, de modo doentio, apaixonada por mim, na porta.
Ela adentra na sala, atrasada e com sua voz estridente, como de costume, e, para meu azar, nota que há uma carteira vazia logo atrás da minha, prontamente tomando o lugar e dirigindo-se a mim com um sonoro bom dia.
Limito-me a responde-lhe o cumprimento sem virar-me para trás. Já havia dito-lhe ao fim do ano passado que não tinha intenções para; com sua pessoa, mas não creio que ela tenha totalmente entendido minha colocação pois, alguns dias afrente, voltara a tentar forçar uma relação que, francamente, de minha parte, nunca existirá.
A aula começa e aproveito o silêncio da sala, proporcionado pelo vídeo, para continuar lendo meu livro quando, após cinco minutos de pacífica leitura, sou interrompido por Flávia cutucando minhas costas.
Lentamente fecho o livro e viro minha cabeça ligeiramente para trás, de modo a fazê-la notar que estava atrapalhando-me. Infelizmente, não funciona, e ela começa a falar sobre seu fim de semana, algo que não me interessa por dois motivos principais.
1- Detalhes de sua vida não são de meu interesse
2- Não perguntei como havia sido seu fim de semana
Enquanto ela fala sobre como teve de andar cinco quarteirões com seu cachorro, torno a abrir o livro e a continuar minha leitura. Surpreendentemente, ela continua falando, até que uma frase singular de seu seminário sobre os dois dias anteriores chama-me a atenção...
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