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História Spectrum Legion - Esteja a um jogo inteiro na frente


Escrita por: Bipolarize-se e kcmiladream

Notas do Autor


HALO! Acho que temos uma escritora sumida por aqui heim?
Deem uma lida aqui rapidão:
Mês passado foi o aniversário da nossa ficzinha. Um ano! Meu Deus, parece que foi ontem!
O capítulo de hoje era pra ter saído no mês passado, mas como vocês já devem estar fartos de ouvir esses tempos foram difíceis. Para melhorar, todas as universidades da Bahia resolveram mudar a data, ou seja, me lasc...
Em compensação lhes entrego esse capítulo enormossauro, que parte da demora, tenho que confessar, que foi pela dificuldade em escreve-lo
Também, eu e Thay tivemos uma mãozinha de uma autora fuking boa, @ frodosefrodeu
Vale a pena dar uma olhada nas coisas dela. Todos os dias aprendo algo não só com sua escrita quanto com a pessoa.
Mas agora, chega de papo e vamos ao que interessa:

Capítulo 26 - Esteja a um jogo inteiro na frente


Fanfic / Fanfiction Spectrum Legion - Esteja a um jogo inteiro na frente

 

Naquela poltrona, eu suava frio e tremia dos pés à cabeça, apertando cada vez mais aquele madeiro pequeno em minha mão, a ponto de sentir doer. Ignorei a dor cortante na palma de minha mão, mentalizando a ideia – ilógica – de comparar meu sofrimento ao do crucificado, achando que assim, seria digno de uma piedade maior.

Inconscientemente, aquilo era um autoflagelo, entretanto, a julgar pelo meu medo latente de tudo e todos, esse estava sendo meu ato mais coerente, já que estava parecendo um psicótico com mania de perseguição, olhando para os lados a todo tempo, enquanto balbuciava orações.

Muitos julgariam meu ato como ridículo e supersticioso, e ainda diriam que um pedaço de madeira não mudaria o que o destino tracejou tão cuidadosamente no livro da vida. E, estando esse certo ou não, julgamentos e críticas não me eram suficientes para que abalassem a fé em que fui criada.

Sendo ou não um só pedaço de madeira, com um Cristo morto em arame na cor bronze, agarrada naquele crucifixo, eu usava de todas minhas forças e de toda minha fé em orações fervorosas, dignas da atenção de Deus, que me ouvindo, transbordaria piedade e atenderia minhas preces tão desesperadas.

Desligando-me brevemente do desespero, quis rir da observação feita por mim, ao perceber os olhares tortos de um viajante com o jornal na mão; ele certamente estava me achando uma lunática. E não era para menos.


 

Os últimos cinco meses não foram lá os melhores, mas também não foram tão ruins. Há exatos cinco meses eu estava longe dos meus meninos, e sinceramente não sabia como sentir menos saudade. Quando você se habitua à uma rotina, torna-se difícil de abandoná-la, assim, sem mais nem menos, mesmo que tivéssemos ao certo um roteiro a seguir no dia a dia. E quando falo “rotina”, me refiro a estar ao lado, dia após dia.

Não era preciso muito esforço para se perdoar Alice, afinal, Mike se sentia em partes culpado por tê-la deixado refém todas as dificuldades que passou sozinha, mesmo tendo em vista que ele não sabia de nada até ela reaparecer em sua vida há pouco tempo. Além disso, a mágoa de Mike não chegava aos pés de se perder um pai e uma mãe em um período de tempo tão curto e aguentar tudo isso de pé, firme, e sem ninguém. Somente com um irmão mais novo nas costas, que era a única razão para seus ossos continuarem firmes, a sustentando. Os dois se resolveram com o tempo por osmose, entre sessões de fisioterapia intensiva.

Mike não havia feito grandes avanços com a fisioterapia, no entanto, todo aquele tratamento funcionava como um amortecedor. Alice e eu conversamos bastante sobre a situação do ex ruivo e a única notícia boa que ela me trouxe foi a diminuição da dor que ele sentia desde o acidente no galpão. Para falar a verdade, não esperávamos que todas aquelas sessões trouxessem uma grande evolução no caso, a bala havia atingido uma região muito delicada da coluna. Já sabíamos que a sua paraplegia era irreversível, mas os tratamentos foram necessários para que seus músculos não atrofiassem. Por outro lado, a mesma paraplegia que havia lhe tirado o movimento das pernas, trouxe pra sua vida o amor que achou que havia perdido há anos atrás. Esses são os cabos de aço que a vida acaba nos cedendo para continuarmos firmes.

Em contrapartida, enquanto o primo se recuperava na medida que podia, Luke arquitetava um plano melindroso para a busca de sua irmã. Porém, estava sendo tudo muito difícil. Seu melhor amigo e confidente para toda hora se encontrava debilitado. Eu, um apoio emocional, estava a milhas de distância. Luke estava acabado. Sabia disso mesmo sem ele me dizer, porque eu o conheço. Seu rendimento era baixo no fim das contas, e toda informação que ele conseguia era limitada. Mike também não podia ficar ajudando toda hora, já que, esforço físico e psicológico era algo que ele deveria evitar ao máximo. Recomendações da própria fisioterapeuta.

Minha vida em Sidney havia saído do padrão. Em vez de um apartamento miúdo, eu e meu ratinho albino vivíamos na residência do doutor Collins agora. Um agrupamento de residências, Salmon Village, na parte norte de Sidney, próximo ao hospital e a universidade em que eu trabalhava. Frederick e sua esposa me acolheram perfeitamente bem, como segundos pai e mãe.  Todos nós resolvemos que seria uma questão de segurança até, no mínimo, quando Lauren fosse resgatada. Não era muito da minha vontade residir na mesma casa do meu professor e invadir seu espaço familiar, mas aquilo tudo era para um bem maior. Não poderia reclamar.

Uma nova pesquisa foi iniciada por mim, Frederick, três alunos da Sidney University e outros dois da Stanford Univerty. O projeto 9034 consiste no estudo de Broystatin, produto natural marinho que mostra a atividade comprometedora de diversas doenças. Seu principal alvo era a proteína quinase C (PKC), que se liga a alguma forma ainda não descoberta à membrana. Caso nossas pesquisas dessem certo, compreenderíamos o modo de ligação da bryostatin, e criaríamos funções necessárias para novos tipos de terapias clínicas para câncer, HIV, AIDS, e Alzheimer. Assim como a BTK, todo o processamento era doado de computadores voluntários do mundo inteiro, o que fazia a pesquisa prosseguir em velocidade aeronáutica.

Já no hospital eu estava tendo um baita retorno profissional. Assim que voltei da viagem, meu emprego foi mudado de clínica para neurologiao. Fora a pós graduação que eu concluí assim que pisei os pés novamente na Austrália, não saindo mais depois dali. A medicina é linda como um todo, mas já estava exausta de atender pacientes com mordida de tubarão. Já não precisava também realizar mais tantos plantões. Somente dois pela semana, e olhe lá.

 

Respirei fundo, checando mais uma vez o horário na tela do celular. O crucifixo em minha mão firmemente apertado, rezava para que tudo desse certo nesse vôo. Já havíamos passado por problemas demais, e a preocupação só aumenta a cada hora que passa. 16:57 da tarde, fim de vôo previsto para 16:00 e atrasado por causa de um foco de tempestades na região próxima da cidade. Mesmo estando ansiosa pra ver meu menino, depois de tanto tempo, estava receosa por saber que o Luke que encontraria hoje, provavelmente, não era o mesmo de alguns meses atrás.

Mais trinta e três minutos, me remexendo na cadeira desconfortável do aeroporto, até ver os primeiros passageiros do vôo dos Estados Unidos atravessando o portão de desembarque. Levantei, numa reação rápida, ficando na ponta dos pés para tentar enxergar um rapaz de cabelos loiros e altura de avatar perdido na multidão. Pra minha surpresa, não havia só um garoto de cabelos loiros e altura de avatar, mas também uma morena simulando estar numa corrida de kart, enquanto empurrava uma cadeira de rodas onde um loiro platinado descansava. Apesar de estar surpresa pela vinda de Mike e Alice, não pude deixar de escapar um sorriso com a cena. Luke, que empurrava um carrinho de bagagem, finalmente tirou sua atenção do casal que desviava de uma torre de malas que havia sido deixado no meio do seu caminho e ergueu o braço acenando freneticamente, me fazendo correr em sua direção.

Não falamos nada, ficamos, apenas abraçados por alguns minutos, como se aquele gesto, por si só, já dissesse muito. Senti falta da sensação de segurança que Luke me passava, só por estar em seus braços. Pela primeira vez, em cinco meses, voltei a ter certeza de que passaríamos por tudo isso e que estaríamos lembrando dessas histórias daqui a alguns anos tomando chá na varanda de casa, como se tudo estivesse dentro do plano, desde o início.

-Queria lembrar, só pro caso de vocês não terem percebido, que a gente ainda tá aqui, sabe? Não que isso faça alguma diferença pra vocês dois -Mike falou, interrompendo os meus pensament… Espera, Mike?

-Espera aí, mocinhos. Achei que vocês iam ficar em Orlando. -Desaconcheguei do peito do meu namorado, e com as mãos na cintura, me virei para mirar os dois.

-Nós íamos, mas acontece que o cabeça de vento aí ainda precisa de um mago da tecnologia e você sabe o que dizem, não é? Não se acha um mago da tecnologia do dia pra noite -Mike respondeu, fazendo Luke revirar os olhos e Alice dar de ombros. Fui até ela, dando um abraço apertado, e deixando um beijo inocente no pescoço pálido de Mike.

-Primeiramente, ninguém diz isso, e segundamente, eu não tenho outra opção, então vai você mesmo -Luke respondeu.

-Tenho que admitir, senti muita falta de ver vocês dois na mesma conversa.  -Um sorriso involuntário surgiu em meu rosto. Mesmo com todos os perigos e dificuldades que provavelmente passaríamos, era incrível tê-los todos juntos mais uma vez.

Chamamos o táxi que parou o mais próximo possível do batente da calçada para que Luke, com a ajuda do taxista, que depois descobrimos se chamar Paul, pudesse transferir Mike da cadeira de rodas para o banco do carro com mais facilidade. Tudo aconteceu muito rápido, o que de certo modo, me surpreendeu. Mike ainda não tinha domínio completo em se movimentar e fazer tarefas mais complexas como entrar em um carro sem a ajuda de ninguém. Raramente as pessoas se importam com as outras hoje em dia. A atitude do taxista de se certificar de que Mike estava o mais confortável possível, me deixou muito feliz.

Chegamos a casa de Frederick trinta minutos depois. A senhora Collins recebeu a todos muito bem, como ela sempre fez comigo, explicando o motivo de seu marido não poder estar presente naquele momento. Mesmo Luke já sabendo sobre as pesquisas e aulas na universidade nas quais ele estava envolvido e do quanto as mesmas, exigiam dele. A casa de Collins não tinha escada, o que facilitava o deslocamento de Mike. Ele teve que desviar de alguns móveis e decorações, já que não estávamos preparados para recebê-lo, mas a Senhora Collins se certificou de que os empecilhos fossem realocados ainda no mesmo dia.

Luke decidiu me fazer companhia no quarto que estava chamando de meu (por enquanto) e é claro, não achei uma má ideia. Organizamos sua mala, que era estranhamente pequena, já que ele não sabia exatamente quanto tempo ficaria, o que me fez anexar uma nota mental: perguntar ao Luke se ele tinha esquecido alguma mala no aeroporto depois que ele sair do banho (que por sinal, já estava sendo bem demorado [Não que eu quisesse controlar a quantidade de água que ele gasta]).

Sentei na ponta da cama e liguei a televisão num canal onde passava Os Simpsons. Estava quase no final do episódio quando Luke abriu a porta do banheiro com uma toalha envolta na cintura.

-Achei que tinha desmaiado lá dentro.

-Não olhe pra mim desse jeito, temos uma ocasião especial hoje à noite. -Luke respondeu enquanto tentava arrumar os fios de cabelos na frente de um espelho preso na parede.

-Acho que alguém esqueceu de me avisar qual ocasião é essa -Desliguei a tv e caminhei em sua direção, pegando o pente de suas mãos e passando em volta dos fios loiros em sua cabeça..

-O nosso primeiro encontro depois de cinco meses. Vamos jantar num lugar legal.

-Jura? E quando você pretendia me dizer isso? Uma mulher, geralmente, não pega a primeira peça de roupa que vê no guarda-roupa como vocês homens costumam fazer. -Terminei de pentear os cabelos de Luke fazendo reverência, o que o fez rir.

-Então, eu suponho que você comece a se arrumar, senhorita Berluik.

-Abusado.... -Dei um beijo em sua bochecha rosada e fui em direção ao banheiro.

Diferente de Luke, demorei menos de dez minutos debaixo do chuveiro e pra minha surpresa, estava pronta antes do horário previsto. Não usava quilos de maquiagem, nem rios de jóias ou litros de laquê na cabeça. O simples era bom, e isso tanto eu quanto ele concordávamos. Fui até a varanda, onde ele disse que estaria me esperando e encontrei um Luke apoiado em uma moto com um sorrisinho travesso no rosto, meneei negativamente com a cabeça.


 

Como se não fosse menos imprevisível possível, Luke sentia falta da adrenalina correndo em suas veias. Sendo mais específica, Luke sentia falta de um bom ronco de motor de moto sob seu controle. Mas, sinceramente, não esperava que ele fosse matar sua saudade agora, indo jantar. Comigo.

-LUKE, NÃO TEM NINGUÉM PERSEGUINDO A GENTE!

O garoto somente soltou uma gargalhada mais alta. Em meio a aceleradas, me segurava firmemente em seu tronco, praticamente me unindo carne a carne a ele. Se Luke não me matasse, eu iria matá-lo. E como ia. Ganhamos as ruas de Sidney em sua Harley -sei lá qual modelo. Movimentos para direita e esquerda, deixando carros comerem poeira atrás de nós, só me faziam uma era glacial em meu estômago. Encolhia os joelhos ao máximo possível com medo de alguma parte do meu corpo ficasse de fora o suficiente para ser decepada. Meus olhos fechados, protegidos pela viseira do capacete, já soltavam lágrimas de sangue.

-SEU IDIOTA! -Rugi de raiva assim que a moto voou em uma curva fechada, inclinando totalmente a moto. Em alta velocidade. ELE QUER ME MATAR!

Sutilmente, a moto ia perdendo velocidade e ganhando uma nova rua. Luke preferiu ir pelo caminho mais longo, quase andando de norte a sul de Sidney somente para satisfazer sua sede insaciável por adrenalina.

-Chegamos, amor. -Vi anjos cantando glória assim que o loiro parou a moto em frente ao restaurante filial do Gordon Ramsay. Meus braços, petrificados, não queriam mais soltá-lo- Amor?

-Amor uma droga, Luke. -Me afastei para dar bons tapas em seu braço- Pelo amor de Deus, a que velocidade você chegou? PODERÍAMOS ESTAR MORTOS AGORA!

-Calma Lizie! -Tentava se defender- Só cheguei a 140 em algumas áreas. -Acertei um tapa em seu braço- Ai!! Não me bate!

-Só 140, seu idiota? Eu espero que o correio entregue muitas multas para você!

Luke com todo seu jeito gatuno e manso, saiu da moto devagar com seu capacete em mãos para me ajudar a descer. Seus dentes feios, branquinhos e alinhados refletiam em meus olhos. Ridículo…

-Eu conheço todos os sensores de velocidade dessa cidade, sua bobinha. -Tirou meu capacete delicadamente. Me segurei firme em suas mãos. Minha cabeça e corpo estavam completamente zonzos.

Ajeitei o vestido, e o short debaixo dele. Eu deveria estar parecendo que acabei de visitar um furacão.

-Tudo bem? -Perguntou esperançoso, com um resquício de riso.

-Eu te odeio. Vamos logo. -Segui bufando até a porta do estabelecimento. Luke me parou antes da entrada, num gesto cordial, abrindo a grande porta de vidro. Fuzilei ele com meus olhos e segui impaciente para dentro do ambiente.

-Você fica linda revoltadinha assim.

-Tomar no cú… -Sussurrei em português, colocando a bolsinha no encosto da cadeira e sentando no nosso lugar. Escolhemos algum canto afastado de tudo. O ambiente emd meia luz amarelada não dificultava a visão dos garçons transitando e das pessoas sentadas em seus respectivos lugares. Não era uma data comemorativa, e em meio de semana, não precisamos reservar o local, por mais que mesmo assim estivesse um pouco cheio.

-Eu escutei. Não fique pensando que eu não sei o que você fala. -Provocou.

-Então vê se entende isso, seu loiro abusado.

-Okay, dessa vez não entendi nada… -Ri vitoriosa, segurando as mãos dele sobre a mesa.

Nossos pedidos foram feitos, uma recomendação do dia de costelinhas de carne cozidas lentamente. Começamos antes mesmo da comida chegar com uma taça de vinho Cabernet. Conversando sobre tudo, sem dizer uma palavra. Sabia que meu menino estava pura tensão por trás daquele leve sorriso de canto.

Já com os talheres recheados em mãos, começamos algumas conversas intrínsecas.

-Tenho algo a te falar. É sobre o resgate.

-Já imaginava. -Usei o guardanapo para limpar um cantinho da minha boca- Tenho sentido tua tensão de longe. Sei que está nervoso, e você sabe que pode me falar tudo.

-Sim, sei.  -Soltou um suspiro de lamúria- É um pouco mais complicado do que você pensa.

Segurei suas duas mãos num gesto de conforto. Ele sabia que eu estaria aqui para tudo, e sim, eu estaria. De tantas coisas que já passamos, ficar ao lado dele era o mais certo e mais coerente para minha cabeça.

-Conversei com Pietro a um mês atrás. -Começou- Eu não lhe contei essa parte enquanto estávamos longe. -Negou num movimento singular com a cabeça- No dia eu estava furioso. Cansado de tudo isso. E ele também parecia estar um pouco alterado. -Mordeu seu lábio, parando um pouco para pensar e logo continuar- Mas ele seguia calculista como ele é. Ele sempre é. Depois eu falei com minha irmã de novo. E, até que eu fico aliviado, porque, por mais que isso seja um sequestro, Lauren é tratada muito bem lá. Ninguém machuca ela ou chega perto disso, nem mesmo quando ela tenta fugir, e isso são ordens dele. Parece que, no fim, ele tem um pouco de respeito com o próprio sangue. Voltamos a conversar em um outro momento e chegamos a uma conclusão juntos: Pietro me quer no lugar de Lauren. Eu estou indo para salvar minha irmã, mas só ela vai voltar.

As palavras que foram ditas em um tom manso, chegaram detonando toda minha caixa auricular. O som vinha, batia com força. Voltavam, vinha de novo, voltavam. Faziam eco. Tentava digerir mas nem da garganta passava.

-Você… -Neguei tentando compreender se era aquilo mesmo que eu estava ouvindo.

-Liz…

-Não, Luke. Não! Como você ousa tomar essa decisão sem mim? Isso não está certo.

-Lizie.

-Ele matou seu pai Luke. O. Seu. Pai. ELE matou o próprio IRMÃO!  -Duas lágrimas furiosas foram abandonando meus olhos- Tem que haver outra forma.

-Elisabeth… -Luke se levantou e driblou a mesa entre nós para chegar até mim. Sentado ao meu lado, nossos corpos se aconchegaram, e ele me consolava do meu choro baixinho.

-Ele vai te matar.

-Não vai. Mas eu sei o que vou passar por lá. É minha oportunidade de fazer o que meu avô queria e não deixar tudo isso cair nas mãos erradas.

-Isso não está certo.

-É o certo, Liz. -Suas mãos foram migrando para meu rosto, deixando carinho e aconchego marcados nele- É o certo e é o que eu vou fazer. Mike vai estar sempre de olho em mim, porque todos os nanorobôs estão em minha corrente sanguínea, lembra? Foi você mesma quem colocou ali. -Assenti- Quero que você tome conta de Lauren. Ela pode ficar um tempo por aqui com vocês. Quero que tome conta de Mike, mesmo com Alice por perto, é importante que ele tenha um apoio a mais de você, porque aquele cabeça oca é um teimoso. Collins ainda precisa de você, e vocês podem salvar o mundo, não é o que você quer? -Assenti de volta num tom fraco- Vai dar tudo certo, tá bom? Isso tudo já está acabando.

-Tem que ter outro jeito…

-Tudo bem, já é hora de irmos.

Luke se levantou. Eu usava ele como apoio humano, porque depois de uma dessas eu tinha que me segurar em algo, senão eu iria cair ali mesmo. Não percebi como a conta foi paga, só percebi que eu já estava sendo colocada na moto pelo garoto; e pelo caminho todo, eu só percebia como eu agarrava luke para mim.

Chegando no condomínio, seguimos em silêncio ao quarto. O corpo estava aqui, mas a cabeça estava em outra galáxia de tão longe. Temia por Luke, principalmente porque tinha uma perfeita ideia do que Pietro é capaz de fazer para alcançar os seus objetivos, não queria que ele cedesse aos caprichos de Pietro, mas acima de tudo, não queria que ele cedesse aos próprios instintos. Sabia que ele era capaz de tudo para salvar as pessoas que ama. Admirava isso nele, mas agora, não sei se essa é uma qualidade a favor.

-Luke.. -Meu menino parou, girou seus calcanhares para me olhar, terno, com um sorriso confortante. Eu negava com a cabeça iniciando outro choro em vão.

Nem cinco meses longe me fez perceber essa maneira em que eu era dependente dele.

Nosso espaço se encurtou em câmera lenta. Os braços encaixando na minha cintura assim como meus dedos se emaranhavam na camisa preta de botão, o puxando para mim.

-Como pode seu cabelo cheirar tão bem? -Um soluço sofrido escapou baixinho da minha garganta. O choro veio naturalmente. Preso na pele do pescoço alvo dele. Suas mãos deixaram minha cintura para desabotoar botão por botão da sua camisa negra. Os lábios percorriam preguiçosamente pelo meu rosto. Saía de sua boca palavras doces, as que ele sempre me dizia, mas sempre me davam um rebuliço peculiar.

A camisa já ao chão, voltou a cheirar o topo da minha cabeça. Desceu o zíper na parte de trás do meu vestido floral, deixando cair pelo chão mesmo. Limpou inutilmente algumas lágrimas escorridas pelo rosto. Inútil, porque assim que ele limpara, mais apareciam.

Seus beijos ternos se voltaram a pele arrepiada do meu pescoço. Me afundava em mais outro abraço forte e seguro nele. Nossas roupas já desintegradas dos corpos jogados pelo quarto, e meu choro de medo. Ele olhou em meus olhos e não precisou dizer nada para que eu entendesse que ele voltaria e que tudo ficaria bem. Me deixei levar por essa correnteza de incertezas, pelo menos por aqui, pelo menos por enquanto. Aqui, seríamos só Elisabeth Berluik e Luke Hemmings, um casal como qualquer outro, pelo menos por uma noite.

 

***

 

O cheiro de café preto e forte que se espalhava pelo ar. Chegava a minhas narinas como uma forma de bem-estar. Buscava o conforto no café, que, em sua composição, só servia de deixar as sinapses mais intensas. Já não sabia mais se seria melhor ficar mais calma ou agitada. Nervosa seria mais precisa se eu quisesse definir algo no momento, mas alguma simples palavra não poderia resumir o turbilhão que rondava meu cérebro.

Calculistas. Pensativos. Esses eram as expressões para os quatro pares de olhos na cozinha, em volta de uma mesa redonda de café. Para mim, só bastava uma boa xícara de café preto e amargo, e alguns pequenos croissants de padaria.

O café da manhã foi breve, ninguém ousou a conversar muito. Não tenho certeza se Luke deu a os detalhes do seu plano para mais alguém além de mim, mesmo assim, a tensão estava presente no ambiente. Talvez porque além de Luke, muita coisa estava em jogo, ou talvez porque estavam todos de mau humor, o que não deixa de ser uma possibilidade, mesmo eu apostando todas as fichas na primeira opção.

-Tudo bem, como vamos fazer isso? -Mike perguntou, arrastando a cadeira para trás, fora da mesa. Alice limpou os cantos da boca com um lenço para acompanhar o cadeirante.

-Simples. Eu vou lá, salvo Lauren, a mando de volta, e tudo certo. -Luke respondeu simples, ainda ponderando os pequenos croissants em seu prato.

-Como assim, “eu vou lá”? -Usou um tom meio risonho-debochado para a pergunta. Ficou claro que Luke não havia contado tudo mesmo.

-Mike, eu vou precisar de você aqui. -Os indicadores se fecharam a boca para apoiar de certa forma a cabeça- Você acompanhará a operação daqui.

-Eu não acredito que você está fazendo essa palhaçada.

-Mike… Não começa.

-Não começa como? -Começou a se exaltar- Eu estou nessa droga de cadeira de rodas, mas não sou um peso morto, ok? NÃO SOU O INVÁLIDO QUE VOCÊS PENSAM QUE EU SOU!

-Ninguém disse que você era, Mike. Nem tudo é sobre a sua condição física. Nós precisamos de você assim como antes. É só uma questão de conveniência, não é necessário colocar a vida de mais ninguém em risco, além disso, se você for, vai fazer a mesma coisa que fará aqui, então não faz sentido...

-Você é um otário. Eu vou sim, já tô indo para o carro, e você não vai me impedir. -O branquelo começou a empurrar de forma rápida as rodas de sua cadeira. Luke, de forma rápida, estendeu o braço em direção ao carrinho e ele parou na mesma hora. Mesmo Mike parecendo colocar uma força exorbitante, o carrinho mal se movia para os lados- Desgraçado!!!

-Ei, se você não quer fazer isso por si próprio, então faça por mim. Olha, eu sei que você é durão, não duvido disso, mas me sinto mais segura se você estiver aqui. Eu mesma não iria deixar você participar disso. -Alice interveio.

-Isso é golpe baixo. -Luke se levantou, deixando de exercer o campo que segurava a cadeira de Michael.

-Escuta todo mundo, não precisamos de mais nada acontecendo.

-Você não pode ir sozinho, Luke. -Os dois usavam olhares matadores e desafiadores entre si. Por um momento achei divertido. Aquela era a batalha entre Dr Charles Xavier e Magneto. Um gênio versus um de poder magnético. Eles, dentro de uma interrogativa nem perceberam isso afinal.

Mike empurrou a cadeira com força, chegando até os pés de Luke e passando as rodas por cima.

-Ora, seu... !! -Luke segurou o pé machucado no ar.

-Parem vocês dois. Eu vou. -Disse simples ao beber mais uma xícara do líquido amargo, já frio.

-Mas não vai mesmo. -Luke respondeu.

-Vou, e ninguém vai me impedir. Eu não estou numa cadeira de rodas para você me parar. Desculpe-me pela referência, Mikito.

-Tudo bem…

-Elisabeth, você fica. -O loiro praticamente ordenou.

-Escuta aqui, meu querido. Primeiro que eu não sou cachorra, então, abaixe esse tom comigo. Segundo: vou sim. A se vou.

-Ok Lizie. -Mike interviu- Quais os argumentos para você ir e eu não?

-Simples. Se não fosse por mim, Mike teria morrido. Ele atingiu a região T2, Luke. Se ele tivesse se mexido minimamente ali, poderia dar adeus aos movimentos dos braços e do resto do corpo também. Sem contar na hemorragia que ele poderia ter se eu não tivesse, pelo menos, controlado o fluxo sanguíneo. Sabe o que os médicos constataram? Mike teve uma hemorragia classe I, ele não perdeu nem 15% do total de sangue em seu corpo. Se ele, por acaso, demorasse de ser atendido, ele poderia ter tido uma esquemia. Estou errada, Alice?

-Não mesmo. -A morena negou em prontidão.

-Vocês precisam de mim. Você e Lauren. Eu sou a companhia médica do grupo.

-Eu não entendi nem metade do que você disse, mas não tenho certeza se quero te meter nisso, Lizie.

-Acontece que eu já estou 100% metida nisso, baby. -Luke pareceu ponderar por alguns segundos, sabia que não seria tão simples convencê-lo de que a minha presença era necessária, mas depois de monologar sobre o que teria acontecido com Mike se eu não estivesse lá, acho que eu havia aberto uma dúvida em sua mente. Sei que ele não se preocupava com o que aconteceria com si próprio, mas, com certeza se preocupava com o bem estar de Lauren, e eu poderia garantir isso.

-Saiba que não estou nada feliz com isso, mas parece que estou de mãos atadas. Pietro é louco... temos que esperar de tudo. - Luke se deu por vencido, por fim, me lançando um olhar preocupado. Tentei aparentar o mais confiante possível, para que nem um 1% dele tivesse dúvida de que eu estava certa das minhas escolhas- Me deem um minuto a sós com Mike, preciso repassar os detalhes do plano.

Troquei olhares com Alice, que tomou a frente em direção a sala de estar. Luke provavelmente abriria o jogo para Mike agora, deixaria que eles se resolvessem, já que a minha opinião sobre isso já havia ficado muito clara.


 

***

 

Não tinha certeza sobre quanto tempo durara a conversa entre Mike e Luke, a sensação foi de que passaram longos minutos, porém, segundo Albert Einstein, o tempo é relativo, não é? Poderiam ter sido 5, 8, 10 minutos. Um mês de férias não passam mais rápido do que meia hora na ala de espera da emergência hospitalar. O tempo aparenta ser maior quando você gostaria que fosse menor, ou vice versa. Assim como agora, gostaria que o tempo da viagem entre a casa de Collins e o ponto de encontro de Pietro e Luke, fosse o maior possível, mas parece que tudo aconteceu mais rápido do que deveria. O lugar escolhido foi a Ilha Rottnest, onde Frederick tinha uma casa.

No final da nossa jornada de avião, ainda na parte de terra firme da Austrália, já tinha nos custado 4 boas horas de avião. E o tempo passou no automático. Tinha uma mala na mão, e na outra o enlaço da mão de Luke. Os movimentos robóticos entre nós nos guiaram prontamente até o táxi que nos levou até o porto da cidade de Perth, onde encontraríamos com o amigo, do qual Luke mencionara durante uma das poucas conversas que tivemos durante a viagem. Estive muito aérea e, possivelmente, assim como Luke. Se antes, a tensão já era enorme, agora ela havia dominado o ambiente numa nuvem densa e sufocante. Luke sabia que eu não estava satisfeita com o que ele estava prestes a fazer. Apesar de todos os argumentos consistentes que eu apresentei para que ele desistisse desse plano, a ideia que ele tinha em mente estava muito bem enraizada. Não ousei a voltar no assunto, ou em qualquer outro, as palavras não cabiam ali. Sabia que precisava demonstrar que acreditava nele, sabia que ele precisava disso, então segurei sua mão o mais forte que consegui. A frase “Um gesto vale mais do que mil palavras’’ nunca fez tanto sentido. Todas as palavras que não foram ditas, se fizeram ali, naquele simples gesto que significava tanto e que dizia “eu estou apavorada, mas confio em você, sei que tem um motivo pra ficar lá, mas tem dezenas de outros pra voltar em segurança”. Ele apertou a minha mão de volta em resposta. Naquele momento uma fração do meu medo se dissipou e a confiança que tinha nele gritou dentro de mim, dizendo que ele voltaria e tudo isso se resolveria antes do que eu imaginava.

Poucos minutos de espera foram suficientes para que um rapaz surgisse no horizonte e prontamente se colocasse a nossa frente. Deduzi ser esse o amigo, do qual Luke comentara.

    -Lizie, este é Wolfgang. -Apertei solidariedavelmente a mão do rapaz loiro, de aparência Alemã, roupas pretas, queixo quadrado e porte atlético- Está é Elisabeth, ela participará do resgate conosco. Ela é o nosso trunfo, ajuda médica.

-Achei que iríamos só. -O sotaque forte confirmou minhas expectativas. Além do mais, um pingente prata com seu nome característico do exército me fez concluir que não tínhamos qualquer pessoa conosco. O olhar avaliativo me escaneou de baixo para cima, desconfiado da minha presença.

-Iriam. Passado. -Respondi firme, num tom pouco grosso assim que larguei a mão áspera do rapaz.

-Desculpe-me, madame. -Sorriu debochado.

-Então, lobo?

-Meu pai não batia muito bem da cabeça... Aqui o que você me pediu. -Entregou uma maleta de couro a Luke.

-Obrigado.

-Vamos entrando na lancha, repassaremos as informações lá. -Estendeu o braço cordialmente para que seguíssemos pelo portuário de Perth. O chão feito com talas de madeira nos guiaram até a borda máxima do porto, onde flutuava pelas águas límpidas e verdes, além de outras, uma bela lancha na cor gelo; em sua borda pintado em cor de ouro e a mão o nome “Lady Diana”. Não era de se admirar que a embarcação recebeu o nome da princesa aristocrata e filantropa, porque tudo nela transpirava tecnologia e conforto. Os traços femininos e elegantes se encontravam em borda por borda, nos detalhes amadeirados de canto, e nas peças de aço inoxidáveis. Encontraríamos Pietro a altura de seu estilo gótico e elegante que ele tanto esbanja. Luke e eu sentamos um ao lado a outro no confortável estofado de couro preto. Nossas mãos entrelaçadas e recheadas com meu fiel crucifixo, porque a partir daí, o tempo era um total mistério para nós.

-Bom, vamos lá -Wolfgang se acomodou de frente para nós, sustentando uma pose mais desleixada e confortável no banco. Outro rapaz, de roupas mais despojadas, muito bronzeado, ligou o motor da máquina e arrancou a lancha rumo a  Ilha Rottnest- O processo vai ser simples, ambos os lados estão de acordo, isso é: se Pietro concordar mesmo com o plano e não quiser dar uma de esperto no final. Já estou com três pessoas de confiança na ilha e Mike já está conectado pelo GPS e com todo mundo. Foi complicado fazer isso, já que a ilha não dispõe de satélites abertos para essas coisas. Agora, nós temos que discutir alguns planos paralelos ao comum, porque sinto que isso não vai ser do jeito mais simples. -A ventania nos acertava em cheio. Deixava os quatro cabelos esvoaçantes, mas a atenção não era tirada dali- Mike já está conectado?

-Consigo ouvir vocês. -A voz de Michael surgiu dos pontos eletrônicos em nossas orelhas.

-E o que podemos fazer? -Luke perguntou.

-Conseguimos alguns quadriciclos locais. Caso algo venha dar errado, Lauren será nossa prioridade, a levaremos em segurança até lá.

-Inclua Elisabeth na lista de prioridades.

-Certo… Irei repassar para meu esquadrão. -Ponderou um pouco- Temos também um heliporto a um quilômetro e meio a nordeste da casa do Collins, com dois helicópteros para turistas. O dono, que é um amigo meu, concordou deixar um disponível a partir das 19 horas... Tenho uma pessoa na minha equipe que possui habilitação para helicópteros, e ainda assim, caso algo dê errado, Mike pode tentar um pareamento remoto e acionar o modo de controle com ajuda do piloto automático.

-Consigo fazer isso.

-Se assegure de que elas duas estarão lá então.

-Certo, certo. Vocês já tem seus pontos eletrônicos, e só vamos nos comunicar via rádio, por causa dos poucos satélites disponíveis. A segunda parte do plano é reagir a seu sequestro. Vamos tentar ao máximo te tirar de lá assim que a prioridade estiver a salvo.

-Não o quero. Quero somente as duas a salvo.

-Não é só um asterisco, Luke. Não irei te deixar ir sem mais nem menos.

-Tenho tudo em mente, não se preocupe, vai dar certo.

-Precisamos de um plano em stand by, para o caso de não dar certo, Luke. Você não pode ter essa certeza toda.

-Preciso que confie em mim. -O alemão assentiu.

-Aqui eu tenho uma mochila com primeiros socorros, como Luke me pediu. -O loiro me passou uma bolsa preta e um pouco pesada- Tem um pouco mais do que algodões e esparadrapos aí. E por último dos nossos recursos…. -Wolfgang apontou diretamente a maleta que Luke mantinha na mão desocupada. Meu menino, sem muita pressa, desenganchou as duas travas ao mesmo instante, abrindo a maleta de couro. Dentro, quase todo local era ocupado por uma espuma cinzenta, e os locais não ocupados, duas armas de fogo reluziam amarelados com a luz do sol já fraco. E um dos lados, duas armas prateadas, e perfeitamente polidas. Do outro seis pentes de recarga de cada uma delas. Nunca fui especialista em armas, sendo sincera, a única vez em que cheguei perto de uma foi quando fui assaltada ainda enquanto estudante de universidade.

-Lizie, quero que fique com uma. -Luke tirou uma das armas da moldura. O objeto era simplesmente bonito se não fosse um porém.

-Luke, não posso usar isso. -Empurrei levemente a mão dele de volta.

-Liz, por favor! Preciso que você esteja a salva.

-Olha, há alguns anos atrás eu fiz um juramento ao conselho de medicina da USP. Eu iria lutar para salvar vidas. Não posso sair matando pessoas, Luke. -Neguei fielmente com a cabeça- Nós não fazemos isso. Em todos esses meses.

Luke precisou ponderar por alguns instantes minha resposta. Não era uma banalidade, e sim minha ética e moral em jogos. Na vida, fui criada como alguém designada a salvar e ajudar as pessoas sem ver a quem, e agora a ideia de precisar fazer o contrário do que eu sempre peguei vinha como um atentado. A pior coisa que eu poderia sujar era minha própria consciência.

-Não quero que você mate. Você é médica, sabe os pontos em que não vão matar. -Luke colocou o objeto metálico e frio em minhas mãos. Frio como as os corpos em que um objeto desses poderia arrancá-lhes as almas. Havia tantas questões em jogo que levaria mais tempo que a curta viagem para me decidir, então resolvi aceitar o presente de grego- Aqui tem mais três pentes de munição para você. Sempre mantenha o dedo fora do gatilho, e com a pistola empunhada caso você precise. Você usa a mão que escreve para empunhar, e mão não-dominante deve dar apoio à mão com o revólver. Ela não deve pegar na arma. O papel dela é dar apoio quando a arma tem que ficar na horizontal ou na vertical. Deixe seus polegares alinhados para ter mais apoio e precisão. -Luke me mostrou todos os passos que pronunciava com a arma em suas mãos- Você destrava a arma, alinha um dos seus olhos a mira que tem na ponta e atira. É simples. Imagino que sua mão não vá tremer tanto, já que você já realizou alguns processos cirúrgicos. E, por final, mantenha o pulmão vazio. Isso vai dar estabilidade ao tiro. -Olhou fixamente em meus olhos e eu apenas assenti timidamente, me rendendo- Estamos de acordo então?

Wolfgang assentiu, passando certa segurança. Teríamos mais alguns minutos de lancha até chegar a ilha, então me concentrei na paisagem pela qual estávamos passando.

 

E como não fosse esperado, o tempo passou. Mas o tempo pode ser bem filho da puta, porque os segundos decidiram apertar os passos e correrem livres nas voltas do relógio do tempo. O tempo estava passando rápido para tirar o que era meu. Correndo para não ser pego.

Mostrando que o verdadeiro dono de tudo é o tempo.

O horizonte da ilha mostrava um crepúsculo arroxeado, com nuvens bem definidas e coloridas pela luz natural do entardecer. Em volta, a ilha era toda circundada por silhuetas de montanhas. A bela ação da natureza transformava aquela ilha num paraíso sem igual. As águas rasas eram mais cristalinas e azuis que os olhos do meu namorado.

O pier da ilha era muito bem organizado. Um sinal que a ilha era muito requisitada por turistas. E por falar neles, não foi algo difícil de se encontrar.

Homens, mulheres, crianças e idosos transitavam livres pelas ruas da localidade. Algo frequente a ser visto era todos eles empurrando uma bicicleta pelo guidão. Os trajes e acessórios de ciclismo bem ajeitados na maioria deles.

-O que mais tem por aqui são trilhas. Trazer uma máquina de asfalto para cá não é algo tão fácil, mas a vez que fizeram, trataram de construir boas trilhas. E boas vias para os ônibus locais também. Só não é permitido o trânsito de carros por aqui. -Enquanto caminhávamos pelo pier, Wolfgang falou diretamente para mim, que não conhecia o local.

-Como se dá a base econômica da ilha?

-Hotelaria, turismo. A ilha não tem muito mais que isso. Tem alguns restaurantes fantásticos também. Aluguel de bicicleta pela Rottnest Island Pedal & Flipper. Ao se hospedar você ganha o direito a usar os ônibus sem pagar. Em cada ponto da ilhas tem algumas placas indicando o horário de passagem deles. O que mais tem por aqui são aventureiros e mergulhadores, e uma vez ao ano alguns grupos escolares, já que essa é uma ilha histórica -Apontou ao sul para um grande forte, que me parecia bem histórico. Lembrei-me bem das minhas viagens de escola ao visitar locais como esse- Eles visitam principalmente as embarcações naufragadas a mais de 100 anos.

-Deve ser realmente incrível.

Luke, que não tinha dado nenhum sinal de que estava integrado a conversa até agora, me abraçou pelos ombros e me deu um beijo delicado no couro cabeludo. Me agarrei a seu troco sem nenhuma dó.

-A vida marinha aqui também é bem interessante. Acho que você gostaria de ver.

-E o que você faz? -Interessei-me pelo fato de até agora, o homem que estava supostamente do nosso lado, não passar de uma incógnita para mim. Nesses últimos tempos o que mais aprendi foi desconfiar de tudo.

-Pergunta pessoal demais. -Andou mais devagar, apenas para me dar um sorriso sugestivo. Olhei rapidamente para Luke, e o meu menino se mantinha distraído pelo pôr do sol.

Chegamos a uma pequena tenda toda em madeira logo na praia. Era um quiosque no estilo havaiano, bem característico dessa localidade. Wolfgang nos guiou até dois quadriciclos estacionados na porta do estabelecimento.

-As chaves. -Luke agarrou o molho ainda no ar.

Meu menino, atencioso como sempre, me ajudou a montar no estofado macio, na parte da garupa da máquina. Antes dele avançar em colocar o capacete em mim, puxei ele contra meus lábio. Eu já sentia tanta falta dele de uma forma imensurável.

Nosso beijo era calmo, e as expectativas eram altas. Aproveitei para aspirar ao máximo o cheiro natural dele.

-Não se beijem enquanto eu estou escutando, por favor. -Luke e eu rimos, já que tínhamos esquecido completamente de Mike.

-Desculpe-me, Mike.

-Vou pensar no seu caso.

-Não sei se consigo confiar em Wolfgang, mas eu acredito no plano dele. Vamos sair nós quatro dessa. -Deixei um breve selinho, encostando nossas testas.

-Mike vai estar sempre comigo. Você também em consequência. No meu sangue, sabe? -Tentou fazer graça, porém o que recebeu de volta foi um tapa bem dado o braço- Outch.

-Me promete que vai tentar sair de lá?

-Prometo… -Nos olhamos por mais um tempinho até sermos chamados pelo inconveniente ao lado para partirmos.

A caminho da casa de Collins, sete quilômetros do pier, fui o tempo todo agarrada ao tronco do meu namorado. De instância me fez lembrar a primeira vez em que andei de moto com ele. Se eu soubesse antes, nunca andaria aquela primeira vez, e agora, tudo que eu queria era voltar e tentar vetar alguma brecha para que evitasse o que viemos fazer agora a noite.

O sol se pôs.

A noite chegou.

O tempo corria.

A noite ainda era um bebê aprendendo a engatinhar.

Em menos tempo que eu esperava, paramos na casa de gramado verde extenso. O sol já se pôs, deixando o ambiente em luz baixa por causa dos pequenos focos de iluminação espalhados no local. Estávamos perto de uma praia, então cheiro de maresia aqui ainda era forte.

     

-Vocês chegaram!! -O grande, e impiedoso vilão tinha um sorriso de uma ponta a outra. Trajava seu inseparável terno de grife, acompanhado por um belo relógio e sapatos bem encerados. Ele se aproximou de braços abertos, correu até nós e afundou nossas cabeças em seu agrupamento de músculos peitorais- Senti uma falta de vocês dois… Caramba, Elisabeth! Qual shampoo você usa?

-Boa noite pra você também, Pietro. -Respondi tentando ser seca o suficiente.

-Uhh, já entendi, vou ser grossa agora… -Usou uma voz fina ao tentar me imitar- Mas então… Luke! Luke, Luke, Luke, meu querido sobrinho Luke! -Suas grandes mãos começaram a estapear os dois ombros- Olha como você está tão adulto. -Fingiu limpar uma lágrima inexistente. O humor de Pietro conseguia ser tóxico- E essa barba toda? Elisabeth deixa você ficar com esse guaxinim na cara? -Riu da sua própria piada- Mas então, vocês notaram algo diferente em mim? Puxa, já tem bons meses que não nos vemos, certo??

-Acho que não viemos aqui pra tomar o chá da tarde juntos e contar as novidades. -Respondi, tentando ignorar a cara de decepcionado que ele esboçou.

-Pietro! -Wolfgang se materializou com mais três homens com seu mesmo estilo ao nosso lado. A cara fechada dos quatro mostrava o nível de seriedade que eles tomavam ao executar essa operação- Vamos logo com essa porra, e larga de gracinha, tá certo??

-Ui… -Modulou uma voz afeminada, olhando os quatro de cima abaixo… Espera… Pietro é gay??

-Aqui estou eu e queremos logo a Lauren, Pietro, sem enrolações. -Luke tomou um passo a frente tentando acabar com qualquer brecha que Pietro pudesse usar para mais piadinhas.

-Tudo bem, tudo bem, me perdoem. Que tipo de anfitrião eu sou, certo? Podem entrar! -Estendeu o braço- A casa é do Fred, mas usem como se fossem suas. Eu mesmo uso HAHA. Contratei uma equipe de limpeza para vir amanhã aqui.

Passamos pelo hall de entrada, nos deparando com uma sala de estar altamente decorada.

-Bom, alguns meses atrás eu também pedi para redecorar tudo. Foi por isso que esse jantar demorou mais tempo que devia. Queria receber vocês a altura. Sei que a casa é do Collins, mas eu não posso fazer nada se ele ainda guarda as chaves reservas no pratinho do vaso de planta. -Girou em torno de si mesmo, encarando o local. Luke ao meu lado mantinha os olhos esbugalhados, ponderando a ousadia do tio- Oh, você e o lobinho já conhecem o local. Eu não mudei nada demais, só joguei fora aquelas coisas bregas que o Fred usava. Elisabeth, você quer conhecer a casa?

-Obrigada, Pietro, mas acho melh-

-RÚBIA, NOSSOS CONVIDADOS CHEGARAM, MULHER! -Os seis deram um pulo repentino com o grito inesperado de Pietro. Ouvimos resmungos em espanhol em algum cômodo da casa- ANDÁ-TE, NO TENGO PACIÊNCIA!

-Susto da porra… -Um dos homens ao nosso lado murmurou em baixo tom.

-Perdoem-me. Elisabeth, você disse que queria ver a casa?

-Eu n-

-Oh, deixem pra lá. Rúbia já está servindo nosso jantar. Podem seguir por aqui, preciso ir ao banheiro. Beber três litros de água por dia as vezes não é benefício. -Pietro sumiu entre algum dos corredores. Luke segurou firme em minha mão, me puxando para o que seria a sala de jantar. Uma sala com mesa para 16 pessoas, rodeada por seguranças de paletó e óculos escuros. Em uma das cadeiras, sem mais nem menos, uma presença nada agradável me pegou desprevenida.

-Scarlett Breton. A quanto tempo, não? -A morena nos alcançou com os olhos e sorriu de canto. Esse era o outro sarcasmo que eu odiaria hoje e daqui a mil anos.

-Berluik... Luke, como vai, querido? -A mulher, em trajes um pouco mais relaxados, cumprimentou-nos como se realmente nada tivesse acontecido. Como se ela realmente não tivesse entregado Lauren de bandeja para Pietro.

-Estava melhor hoje mais cedo. Mas isso passa. -Nos sentamos próximo a cabeceira da grande mesa. A nossa frente, haviam três pratos, três garfos, facas e talheres, além de três taças, uma delas cheia de água gelada, tudo digno de um jantar a vigor.

Os olhares cruzados entre nós dois e Scarllet eram como uma verdadeira batalha na guerra fria. Os dois lados se mostravam imponentes, querendo vencer não por combate direto, e sim por superioridade ideológica.

-Voltei, família! -Pietro surgiu de volta a sala, arrumando milimetricamente as mangas de seu traje fino e elegante- E trouxe uma surpresa…

Na porta, trazida por dois seguranças com com cara de pit bulls, a irmã de Luke apareceu. Mesmo aparentando estar bem cuidada, sem ferimentos ou qualquer resquício de violência ou maus tratos, sua feição não negava o medo. Mal dava pra reconhecer a garota sorridente e brincalhona de antes e não era pra menos. Ficar presa em cárcere por cinco meses não era nenhum tipo de piada, como a mente psicopática de Pietro atuava.

Luke levantou quase que imediatamente para ir em direção da irmã, porém foi impedido por dois dos capangas de Pietro que o segurou pelos braços, o que fez Wolfgang surgir bem ao meu lado em um instante.

-Por que tão rápido? Você não nasceu de sete meses, loirinho. Tudo a seu tempo. -Pietro falou meneando negativamente com a cabeça.

-Luke, não faça nada que o contrarie.

-Não estou aqui pra brincadeira, você sabe muito bem disso. -Luke deu mais um passo a frente, não ouvindo a voz de Mike, tentando alcançar a irmã, e foi impedido não somente pelos brutamontes agora, e sim por mais dez armas bélicas super sofisticadas e tecnológicas. A maioria destas apontadas para mim e Lauren. Como reação, o lobo e sua equipe sacaram suas armas e apontaram na direção de Pietro.

-Credo. Você leva tudo tão a sério, herdou isso do seu pai. -Seu andar de tigresa a espreita da casa o direcionou até a cabeceira da mesa- Ele tinha esse mesmo temperamento...

-Chega! -Luke esbravejou ao se distanciar dois passos da irmã. O mutirão de armas ainda eram apontadas de um lado a outro, tanta tensão que nem lembrei da minha. Antes tarde que nunca, alcancei o revólver em minha bolsa e mirei exclusivamente para frente. Scarllet me olhou com pura indignação, mas era nessa vadia mesmo que eu queria mirar- Você prefere trabalhar com joguinhos? Então que tal esse? Você libera a Lauren e a Elisabeth. Esse assunto é entre nós dois. Eu fico pra esse jantar ridículo que você inventou, se estiver só eu e você e então nós resolvemos isso tudo de uma vez.

-Chatoo!!! -Pietro sacudiu as mãos no ar num pedido para que as armas fossem dispersas- Está bom, pode liberar um abraço. Adoro um afeto em família, posso fazer o que? -Todos na sala se entreolharam e abaixaram as armas vagamente, ficando atento a qualquer vacilo que um ou outro lado desse. Infelizmente, me sentindo decepcionada, tive que abaixar a minha também. Luke correu até sua irmã, num abraço forte, quente e seguro.

A mesa foi posta por um grupo de empregados latinos, colocando cada um, uma bandeja diferente em cima da mesa extensa. No total, haviam quatro pratos diferentes, ainda não sabia o que era, mas não estava com estômago para digerir o que quer que tenha sido preparado.

-Acho que vocês irão adorar a refeição. -Pietro não disfarçou o sorriso em seu rosto- Acho que você vai começar a gostar um pouco mais de mim quando souber que me preocupei em preparar algo da sua terra natal, Elisabeth -A cada minuto a mais que eu passava tendo que suportar esse cara, um panda morre na China- Me corrija, se a pronúncia estiver errada. Mocueca de camarão?

-Não que faça diferença, mas o nome é moqueca. -Respondi evitando o rosto cínico de Pietro.

-Isso, claro, me perdoe. -Pigarreou- O Brasil é um país muito interessante, do que mais você sente falta?

-Não vamos fingir que temos alguma intimidade, por favor. -Respondi o mais seca possível.

-Mulher de atitude… Posso ver porque gosta dela agora, Lukinho. Não concorda, Scarlett? -Pietro respondeu tentando colocar Scarlett na conversa, a qual ele insistia em manter.

-Claro. -Não vou negar que o jeito calado e monossilábico de Scarlett me intrigou muito. Geralmente ela não perde a chance de ser notada e ser o centro das atenções. No fim, eu não me importo nem um pouco com Scarlett ou qualquer que seja o seu dilema interior.

-Tem alguma coisa de errado, querida? Você costuma ser mais falante. -Pietro falou como se pudesse ler meus pensamentos. Logo em seguida, as bandejas foram abertas, revelando não só a moqueca da qual Pietro comentara, mas uma tigela cheia de arroz, outra com uma salada cheia de cores diversas e uma última com, eu suponho, peixe ao molho.

-Estive pensando em algumas coisas... -Scarlett pareceu ponderar por alguns segundos- Do que você tem mais medo, Pietro?

-Por que a pergunta, querida? -Pietro, que havia sido o primeiro a começar a encher seu prato, parou no mesmo instante em que Scarlett lançou-lhe a pergunta, que na minha opinião, só serviu pra me fazer desconfiar ainda mais do seu comportamento.

-Como disse, estive pensando em algumas coisas... - Respondeu ainda enigmática.

-Essa é uma pergunta muito ampla, Scarlett, além disso, gostaria de entender aonde a senhorita quer chegar. Oh, por acaso, tenho medo de sapos. Você já viu que bichinhos asquerosos? -Fez uma careta, seguida de uma risadinha ao voltar a colocar comida em seu prato.

-Quer que eu seja mais específica? -Scarlett respondeu, levantando da cadeira e virando-se na direção de Pietro. Senti os músculos do meu corpo tensionando- Tudo bem, eu serei. Você, por acaso, tem medo dos seus planos darem errado por causa de um simples descuido? -Pietro não respondeu; garfou seu prato com uma bela fatia de peixe mergulhada em molho amarelo, levando-o a boca. Estávamos todos observando aquela cena e, pelo menos no meu caso, não entendendo absolutamente nada. Acho que perdi algum capítulo dessa novela- Pietro Markat, você está preso em nome da Interpol, pelos crimes de formação de quadrilha, sequestro, estelionato, desvio de verbas, assassinato, latrocínio e muitos outros que, acredite em mim, compõem uma lista enorme de crimes, dos quais você nem deve se lembrar. Vocês aí atrás, nem se movam ou eu vou estourar os miolos dele. -Scarlett sacou um revólver e direcionou para testa de Pietro, que não fez nada além de continuar garfando seu prato e levando a boca.- Vamos, Pietro. Facilita pra mim, vai! -Scarlett empurrou minimamente a arma contra a cabeça de Pietro. Calmamente, suas mãos deixaram o garfo em cima da mesa, seguido de um movimento rápido da francesa que retirou duas armas escondidas. Pietro riu de canto e apanhou o lenço em seu colo para limpar as extremidades da boca.

-Atirem nela. -Falou pacificamente ao terminar o trabalho de limpeza. Do nosso lado da mesa, ninguém se moveu, nem uma mosca ousou a zumbir, nem o vento fez barulho movendo a cortina, até os pássaros que cantavam antes, deixaram de cantar por alguns minutos. Foi como se o tempo tivesse parado naquele instante. E tudo que eu conseguia pensar era: Que diabos acabou de acontecer aqui?

De um a um, os caras de terno engomado passaram a direcionar a mira para o próprio filantropo, menos dois dos capangas, que eu lembrava bem que eram pessoas que nos acompanharam de limousine até o galpão abandonado em Boston. Os dois foram rapidamente desarmados e algemados antes que pudessem ter qualquer reação.

O sorriso do brutamontes foi se extinguindo. Deu lugar a um sorriso mais incrédulo e desacreditado.

-O que, exatamente, está acontecendo aqui? -Pietro falou pondo as mãos pro ar. Seu olhar rodeou todo os quatro cantos da sala.

-Acontece, querido, que você acabou esquecendo de alguns mínimos detalhes, e eu também consegui esconder bem minha identidade. -Ela girou com o calcanhar, alcançando os braços de Pietro, fechando uma par de algemas em volta dos seus pulsos- Pra ser sincera, acho que devo me apresentar mais uma vez. Olá, meu nome é Scarlett Breton, agente especial infiltrada contratada pela Interpol pra seguir você por aí e conseguir provas suficientes pra te colocar atrás das grades por um bom tempo… E quando digo ‘’bom tempo’’, quero dizer, quase o resto da sua vida inteira.

-Como isso é…

-Você tem o direito de permanecer calado. Tudo o que disser pode ser usado contra você no tribunal. -Scarlett o interrompeu com um sorrisinho heróico no rosto- Esperei a missão inteira pra poder dizer isso. -Falou com o sorriso largo, piscando em nossa direção- Levem ele até a viatura, que, provavelmente, já deve ter chegado aí.

Os capangas, que até então, trabalhavam para Pietro, o guiaram, junto com os outros dois que permaneceram fiéis a ele, para fora da casa, revelando que, na real, eles também eram infiltrados, ou ao menos achava que eram (definitivamente não estava entendendo, ou melhor, acreditando no que estava vendo. A vadia da Scalett, na verdade, é mocinha? Em que mundo eu to vivendo afinal?)

-Quando você ia me contar? -Fechei a cara e acertei um tapa no braço de Luke.

-Mulher, seus tapas doem! -Esfregou o local e fez uma careta- Eu estou tão surpreso quanto você.

-Eu também estou bem surpreso, Lizie.

-Vocês podem ir agora, Wolfgang vai levar vocês em segurança. -Scarlett parou a nossa frente, em uma pose autoritária que ela disfarçou bem no nosso pouco tempo de convívio- E eu levo aquele lá pra o lugar dele. Não se preocupem, vocês estão livres

-Espera, Wolfgang? -Luke questionou- Você também é da Interpol?

-É, eu dou esses bicos por aí... -Respondeu com naturalidade.

-Te falei que tinha alguma coisa com ele. -Sussurrei pra Luke.

-Vamos, me acompanhem, vou levar vocês de volta pra Perth.

-Espera um segundo aí. Pode ir, Luke. Eu estou bem atrás de vocês -Luke me olhou desconfiado.

-Não vou deixar você sozinha. Lauren, pode ir com Wolfgang. -O mais velho soltou um riso confortável a Lauren. Apertou a loira em seus braços e deixou ela seguir em segurança para o lado de fora da casa.

-Ok, então parece que a traidora na verdade é uma senhora certinha aqui. -Luke me segurou pela cintura, já sabendo a dimensão da raiva que eu estava sentindo pela francesa.

-Ok, Elisabeth, eu entendi. Você me odeia, eu te odeio, nenhuma novidade até agora. -Scarlett falou revirando os olhos e cruzando os braços na frente do corpo.

-Você meio que me surpreendeu hoje. Mas isso não tira o fato de que você entregou Lauren de bandeja, sem informar nada a ninguém. -Minha mandíbula trincou- Por causa dessa merda toda, Mike está numa droga de cadeira de rodas, se martirizando por não poder ter vindo e sabe Deus quando e ‘se’ ele vai voltar a mover as pernas de novo. Luke, me solta. -O loiro ponderou e afrouxou o aperto que dava em minha cintura. Cada vez mais que eu falava, mais a vontade de acertar na cara dela aparecia. Meus pés sentiam vontade própria e tentavam avançar.

-Eu sei. Vi nas gravações, em uma das conversas entre Luke e Lauren. Eu sinto muito.

-Eu sinto muito? -Mas aquele foi meu ápice. Foi somente aquele gás. Era só o que faltava para que meu sentimento de raiva transbordasse. Avancei com dificuldade por causa do aperto de Luke e acertei um bom tapa em seu rosto. O som alto ecoou por toda a sala de jantar. O rosto da morena se virou ao tapa. Seu rosto ficando vermelho pela pele sensível contra as marcas dos meus dedos- Mike e Lauren não são uma peça do seu quebra-cabeça, Luke não é o seu bonequinho que você pode manipular.

-Outch. -A morena apertou a pele da bochecha- Não é que seus tapas doem mesmo, brasileirinha? -Riu- Acho que eu merecia essa no final das contas.

-Uhg, idiota. -Luke me puxou de volta com força, me prendendo, com medo de que eu pudesse mesmo fazer algum estrago contra Scarlett.

-Muito obrigada, Scarlett. -Luke encarou a francesa de forma serena. Encarei o loiro de forma desentendida- Ela nos ajudou. De certa forma entregou Lauren para nos ajudar. Não foi a melhor decisão, mas agradeço. Principalmente por ter cuidado da minha irmã lá dentro.

Meu corpo foi relaxando à medida que seu tom de voz calmo chegava a meus ouvidos. Relaxei meu corpo em seus braços. A raiva e tensão não me deixaram ver o propósito final. Afinal, ela estava ajudando, certo? De uma forma não autorizada por nós.

-Pode até ser que ela tenha dado um close certo hoje, mas isso não elimina as merdas que ela fez antes. -Não daria meu braço a torcer na frente deles.

-Eu não faço o que eu quero, Elise. Se eles querem a cabeça de Pietro, eu dou a cabeça de Pietro. Mas, vocês dois, não achem que o governo estava tentando salvá-los. Se não fosse por mim, todos vocês estariam nas mãos de ratos iguais ao seu tio. -Deu uma risada teatral- Tem muita coisa por aí escondida debaixo do tapete. Gente querendo dinheiro. Tudo se resume a isso no final. Mas eu fiz tudo que pude, e seu segredo está guardado em nome da International Criminal Police Organization… Além disso, vocês não tem ideia do quanto eu tentei adiantar a missão quando soube do plano de Pietro para sequestrar a Lauren.

-Bom. Acho que Mike vai fica feliz em saber que você não está mais do lado deles. -Luke estendeu a mão em direção a Scarlett, e a francesa não hesitou em dar um belo e firme aperto.

-Fico mesmo. Mande meu obrigado.

-Ele mandou um agradecimento.

-Ah, olá, Mike!

-Mesmo você ter feito tanta coisa sem nosso consentimento, acho que no final você acertou em alguma coisa. -Scarlett abriu um sorriso de canto quando viu minha mão estendida. Apertou firme, sem largar o contato visual, que sempre seria nossa competição particular.

-Não pense que eu já desisti do Luke, brasileirinha. -Dei um tapinha em sua mão em resposta. Nossa rivalidade nunca terminaria- Antes de vocês irem… -A francesa se locomoveu até o extremo da saleta, retirando uma maleta enorme de um cômodo- Acho que isso aqui pertence a vocês.

-Isso são…

-Os documentos. Todos intactos. -A maleta foi posta e aberta após afastarmos a louça e afins de cima da mesa. Ao abrir, todos os cilindros estavam ordenados e moldados dentro de uma espuma.

-Meu Deus! -Exclamei.

-Só você consegue abri-los, Luke. Todos os conteúdos foram preservados, e pelo raio-x que Pietro fez em todos, o sistema de segurança conta com um sistema químico-mecânico de auto destruição se alguém forçasse. Foi por isso que Pietro queria você.

-Não. Nem todos conteúdos. -Olhamos de surpresa para Luke.- O último está destruído. -Retirou o cilindro maior da espuma- Ninguém nunca saberá como produzir o CPH4.

-Espera… -Scarlett ponderou- Como você… ???

-Meu avô deixou uma instrução particular de autodestruição em seu túmulo para esse em especial. Um pequeno papel que eu tive sorte em guardar no bolso da calça…



 

Luke abriu o compartimento. Dessa vez, achamos mais um diário e um tipo de ficha, que deveria conter grossas 20 páginas, só que, diferente do resto de todos os estilos de folhas que achamos até então, essa parecia mais nova.

Mike começou a ler o diário por cima. Luke achou um pequeno papel, do tamanho de um postick, e o guardou no bolso da calça.

-Vamos lá …


 

-Então, antes de entregar a Pietro, eu destruí manualmente o documento. Somente eu também poderia fazer aquilo.


 

Luke chegou a nossa frente. Mike se desvencilhou de mim e abriu a mochila do loiro. Luke foi direto no ultimo documento. Erguendo-o e fitando.

Será que Luke também não sabia uma solução?

Suas mãos foram em volta do canudo de metal. Fechou os olhos com força, parecia estar pensando. Se o material não fosse resistente, creio eu que o metal já havia de ser partido no meio. Os dedos de Luke estavam brancos pela falta de circulação. Vinco entre as sobrancelhas. Maxilar travado.

-Luke. Faça o que tenha que fazer. Acho que não tem mais jeito. -Mike olhou para Lauren para depois voltar o olhar para Luke. Meu menino me olhou de volta. Assenti. Não teria mais jeito. Era isso. Entregamos esse cilindro a ele, ou alguém morre. Pietro já nos surpreendeu de mais até agora.

Ele assentiu, e voltou a pegar os cilindros um por um. Seis no total. Cada um com anotações únicas de uma mente enorme jamais vista por aqui.

Luke entregou os cilindros ao cara da cicatriz, depois voltando para meu lado.


 

-Era o certo a ser feito afinal. Pietro poderia manipular Lauren com biorobôs até que ela conseguisse também abrir. -O loiro fechou de volta a maleta, lacrando as travas no final.

-E eu achando que tinha ficado com a surpresa final aqui. -Scarlett negou com a cabeça.- Boa jogada, Luke.

-Esteja a nove passos do seu adversário; mas, dessa vez eu tinha que estar o jogo todo a frente.

-Estou orgulhosa de você. -Abracei meu menino de lado.

-Ainda tenho algumas evidências para coletar aqui, então se vocês quiserem ir, já podem. -Scarlett mal esperou a nossa resposta e já virou em direção ao corredor.

-Tudo bem, acho que eu não quero passar nem mais um minuto neste lugar. -Luke depositou um beijo no topo da minha cabeça, me fazendo sorrir.

-Acho que não temos mais nada pra fazer aqui. -Sorri o mais sinceramente possível. Ele tinha razão.

-Já pra casa, pessoal. Agora vou tomar meu Nescau e jogar um Watch Dogs 2. Aguardo vocês.

Alcancei a porta e fomos na direção de Wolfgang. Luke aconchegou Lauren em um abraço que pareceu ser infinito em sua particularidade. Aquilo me deu uma paz imensa, não podia imaginar o tamanho do alívio de Luke, mas sabia, perfeitamente do meu. Lembrei dos momentos a algumas horas atrás e me vi tão estúpida por sentir tanto medo. Tudo o que preciso pensar a partir de agora, é no quanto as coisas se ajustariam e em como, finalmente, eu estaria com o Luke em um relacionamento comum, como todos os outros. Nunca pensei que almejaria tanto uma vida perfeitamente comum, como almejo agora, também nunca pensei que essa vida tão comum, me faria sentir tão perfeitamente completa.

Só me resta essa sensação ruim ir embora de uma vez.


 

***


 

Há um velho ditado que diz, nada melhor que estar em casa. Pois, digo e repito, pisar no solo concreto do condomínio de Frederick Collins nunca foi, nem nunca será tão reconfortante.

Contudo, meu corpo não agia conforme a felicidade que deveria agir. Estava tudo estranho em mim, e já não podia mais ignorar essa sensação. Minha cabeça latejava igual ao inferno. Meu corpo se tornou trêmulo assim que vi Luke se distanciando com a irmã em seu abraço, ansiando agora cuidar da mais nova.

O crucifixo ainda era firmemente apertado na palma da minha mão. Era meu sentimento de fé, talvez, que apitava algo errado para mim. Depois de um suspiro zonzo, abri a palma que teimava em tremer sem parar. Via as gotas de sangue pingando diretamente no Cristo salvador, deixando-o vermelho e também sangrento. Desciam seu corpo assim como foi na crucificação.

-Elisabeth?!

A primeira vez que vi Luke Hemmings ele corria e tentava não perder uma viagem de elevador, forçando o sensor a reagir com seu antebraço totalmente coberto com um jaleco branco. Cabelos desgrenhados, altura de um avatar, óculos fino -que mal sabia eu que era uma teima para usar- e luvas que cobriam somente a parte da palma da mão. Achei curioso por nunca tê-lo visto dentro da universidade, e o pré julguei como novato. Dizem que a primeira impressão é a que fica, mas acho que esse ditado não estava bem certo, porque nos primeiros instantes eu não dava um centavo de confiança ao garoto estranho por estar fazendo alguns malabarismos sem noção no telhado do meu prédio.

Agora, Luke também corria, mas corria em minha direção até tudo apagar.


 


Notas Finais


Como estamos?


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