Talvez eu estivesse ficando louco, com algum problema ou então alucinando. Juro por tudo nesse mundo que eu vi uma garota deitada na minha cama. Ela estava numa posição nada agradável, parecia que tinha caído de algum lugar e aparentava estar nada bem. Sua pele estava muito branca, com profundas olheiras e cabelo bagunçado. Não sabia mais o que pensar.
Me aproximei dela e cutuquei seu ombro, só que para minha infelicidade, o meu dedo passou reto. Andei para trás e tropecei em meus pés, caindo no chão. Arregalei os olhos o máximo que pude e continuei me afastando. Ela deve ter percebido o barulho que eu fiz e acordou. Se pondo em pé e tombou a cabeça para o lado direito, me olhando com aqueles olhos mórbidos.
— Quem. É. Você? — Falou pausadamente e com a voz rouca, seu coreano é bom mais ainda tem um leve sotaque e isso não me impediu de entende-la.
— Eu que deveria fazer essa pergunta a você. — Falei com receio e depois engoli seco, realmente, eu estava ficando louco.
°•°•°
— Eu não sei como vim parar aqui. — Hana me explicou sentada na cadeira da mesa do meu pequeno apartamento.
Ela vestia um vestido preto que chegava no fim dos seus joelhos sem muitos enfeites. Ele estava rasgado e com terra nele. Sua pele é extremamente pálida, seus lábios estão roxos e tem grandes orelhas em volta deles. Tem uma pequena estatura, cabelos longos e pretos, lisos, como uma verdadeira oriental.
— A porta estava trancada, você deve ter atravessado ela. — Expliquei apontando para a porta. Estou sentado numa cadeira em frente a ela.
Foi um grande susto que eu senti. Fiquei apavorado com sua presença e aparência. Eu fiquei sentado no chão do meu quarto em uma extremidade enquanto ela estava na outra. Não parávamos de nós encarar, isso foi um tanto estranho.
— Eu não lembro de absolutamente nada, somente do meu nome. — Colocou a mão na cabeça, onde tinha um pequeno corte na testa.
— Mas quando eu te toquei... Meu dedo passou reto por você. — Gesticulei com as mãos e ela me encarou confusa.
— Será que... ? — Seus pequeninos olhos se arregalaram.
— Eu realmente não sei o que você é. — Fui sincero e segurei forte meu copo com água.
Eu estava com medo.
— Muito menos eu. — Suspirou e jogou sua cabeça para trás.
Senti que Hana está mais perdida do que eu. E que em algum momento, ela vai desabar.
— O que é que eu vou fazer? — Murmurei perdido e fechando os olhos brevemente.
Quando os abri, ela estava encarando suas mãos de olhos arregalados.
— Eu não consigo chorar. — Sua voz falhou e começou a ofegar. Seu peito subia e descia rapidamente.
Levantei muito rápido da cadeira e peguei em sua mão em cima da mesa.
— Se acalma, por favor, isso está te fazendo mal. — Sua pele fria me causava arrepios, mas continuei mesmo assim.
Hana se acalmava lentamente, dividindo o olhar entre a minha mão junto a dela com o meus olhos. De repente, passei a mão por seu pulso e fiz uma cara de assustado, não tinha pulso, completamente parado.
— Não tem pulso, né? — Olhou tristemente para o local e puxou o braço de volta, virando o rosto em seguida.
— Eu... — Me enrolei nas palavras. O medo aumentava gradativamente.
— Você está com medo de mim. — Murmurou segurando a mão perto ao peito.
— Não estou! — Não sei de onde tirei quanta convicção ao falar isso, mas parece ter funcionado.
Hana encarou-me assustada e sua feição estava triste. Tinha quase certeza que ela queria chorar mais não podia.
— Eu sou praticamente um espírito, que não lembra de nada de sua vida, provavelmente fui alguém ruim e que merecia esse castigo. Até eu estou com medo de mim, como você não pode?! — A voz dela era num tom choroso e a cada palavra, apertava ainda mais a mão no peito.
— Por que eu vejo aqui somente um ser humano que precisa da minha ajuda. — Me ajoelhei e tentei passar um pouco de segurança, que nem mesmo eu tenho.
Seus braços ficaram apoiados nos joelhos e colocou ambas as mãos no rosto. De sua boca saíram vários soluços. Puxei seu corpo para baixo e a fiz sentar no chão, a abracei de um modo protetor. Hana não tinha nenhum apoio ou pessoa próxima a si. Senti que eu deveria ser essa pessoa, talvez eu seja a única pessoa na terra que poderia vê-la.
Sua pele fria encostou na minha e um arrepio percorreu por todo o meu corpo, não a soltei, não podia.
— Por favor, me ajuda. — Suplicou quando os soluços diminuíram.
— Não vou te deixar na mão. Prometo. — Seria uma promessa difícil a se cumprir e não desistirei da minha promessa.
— Obrigada, Joshua. — Murmurou, suas pálpebras estavam quase se fechando.
— De nada.
[...]
A coloquei deitada na minha cama, por causa do apartamento pequeno, só havia um quarto com um banheiro, sala de estar, uma cozinha pequena e uma área de serviço também pequena. Peguei um colchão que fica na área de serviço e o coloquei na sala e forrando o mesmo. Peguei um travesseiro e um cobertor. Já eram onze horas da noite e amanhã eu tenho trabalho pela manhã e faculdade de tarde, chego somente de noite, tendo folga nos finais de semana.
É um pouco corrido, mas consigo conciliar meus horários.
Me cubro totalmente e coloco meu braço sobre meu rosto. Hoje foi um dia completamente cheio e agitado, chego em casa depois da faculdade e tem um espírito na minha cama. Por que coisas estranhas acontecem comigo?
— No que tanto pensa? — Uma voz soou no meu ouvido direito.
Soltei um grito baixo de susto e sai de perto.
— Quer me matar do coração? — Coloco a mão no peito, ofegante.
— Desculpa, não resisti. — Riu como uma criança, sem querer acabei soltando um sorriso.
— Não era pra você estar dormindo? — Arqueei uma sobrancelha.
— Eu acordei agora a pouco. — Sentou de pernas cruzadas no chão.
— Melhor você dormir. — Recomendei me sentando também.
— Ok, vou tentar. — Levantou-se. — Não me sinto bem te tirando da sua cama e fazendo você dormir na sala. — Apertou a barra do vestido nervosa.
Sorri compreensível para Hana.
— Não, não. Estou bem aqui. — Continuei sorrindo.
— Devo desistir de te fazer mudar de ideia, né? — Soltou um sorriso fraco.
— Exatamente. — Balancei a cabeça concordando.
— Ok, boa noite, Joshua. — Deu um leva aceno, que eu retribui.
— Até. — Voltei a me deitar e depois de um bom tempo, consegui dormir.
Acordei no outro dia um pouco cansado, por não ter dormido o suficiente na noite anterior. Segui para meu quarto e peguei uma roupa simples, calça jeans e uma blusa branca, roupa íntima e a toalha. Tomei meu banho rapidamente e sai já vestido.
Hana me olhava curiosa, sentada a beira da cama de solteiro.
— Está com fome? — Perguntei jogando a roupa suja no cesto de roupa suja.
— Não. — Olhou pensativa para o teto. — Sou uma espécie de espírito, lembra? Não sinto fome. — Colocou a mão na barriga. — É estranho não sentir fome.
— Imagino. — Balanço um pouco a cabeça, parando próximo a cama. — Eu sinto fome toda hora, amo comer.
— Quem não ama? — Gargalhou. — Bom, acho que posso olhar você comendo. — Pareceu pensar. — Não, isso seria tortura.
— Então por que não toma banho? — Perguntei inocente, me dando conta depois do que falei.
— Acho que eu não me molho. Vamos ver. — Levantou e caminhou até o banheiro, abrindo a torneira e colocando a mão debaixo da torneira. — Eu não sinto a água molhar minha pele. — Suspirou e fechou a torneira.
Sua mão estava completamente seca.
— Você realmente não sente nada? — Me aproximei dela que estava parada na porta do banheiro.
Hana negou com a cabeça.
— Lembra quando você me abraçou? — Fiz que sim com a cabeça. — Não senti absolutamente nada, parecia que eu estava abraçando o nada. — Se auto-abraçou e fechou os olhos.
Era evidente a tristeza estampada em sua face. Não posso imaginar como seria acordar e saber que estou em um estado de quase morte, ou até mesmo morto. Fico impressionado com Hana, ela parece lidar com isso tão bem.
— Vem, esqueça isso. — Puxei seu braço de leve, ela me olhou e me seguiu.
— Joshua... — Me chamou enquanto se sentava na cadeira. E eu ia em direção ao fogão.
— Sim. — Olhei-a.
— Como eu vou ficar, digo, você provavelmente tem faculdade ou algo parecido. E eu vou ficar aqui sozinha? — Pensei sobre isso.
— Seria melhor se você ficasse aqui, você poderia dormir mais um pouco ou assistir televisão. — Apontei para o aparelho na sala.
— É melhor mesmo. — Suspirou r ficamos um tempo em silêncio, nos encarando. — Que horas você sai?
— Às oito, porquê?
— Já são sete e cinquenta. — Apontou para o relógio na parede.
Me desesperei.
Fiz um café rápido e comi o mais rápido o possível. Peguei minha bolsa no quarto e corri em direção ao banheiro para escovar os dentes. Hana somente ria da minha situação.
Sai e tranquei a porta. Olhei em meu celular as horas, sete e cinquenta e nove. Corri pelas escadas, eu morava no terceiro andar então não ia demorar muito. O ponto do ônibus ficava em frente ao meu prédio, por pura sorte a minha.
O ônibus já ia sair, a última pessoa no ponto já estava entrando nele. Subi apressadamente o mesmo e sentei no último banco do lado da janela.
Suspirei cansado, quase que eu perco.
Trabalho por meio período numa cafeteria que tem perto da faculdade, assim que eu termino aqui, vou direto para o prédio ao lado. Agora de manhã não é tão movimentado, somente quando a hora do intervalo na faculdade começa que alguns estudantes vêem aqui para comer. Fora a isso, é tudo tranquilo.
Saio do ônibus quando ele para no ponto, anda mais alguns metros e chego no estabelecimento que trabalho. Em cima da hora eu chego no estabelecimento e Vernon me recebe com um sorriso de canto.
— Que milagre você chegar atrasado. — Ele me diz e joga o avental da cafeteria em mim.
— Aconteceu umas coisas estranhas comigo ontem. — Contei enquanto ia aos fundos da loja e colocava minhas coisas lá e meu amigo me seguia.
— Posso saber o quê? — Arqueou uma sobrancelha.
— Provavelmente você não acreditaria.
— Ah, vamos! Sabe que pode me contar tudo! — Insistiu, somente ri.
— Já disse, você não acreditaria em mim. Mas vou pensar no seu caso. — Passei por ele e coloquei minha mão em seu ombro, depois segui meu caminho.
Vernon é um dos meus melhores amigos, mas, ele acharia que eu estou ficando louco. Nem eu mesmo acreditaria. Estudamos na mesma faculdade e seus pais são donos dessa cafeteria. Eu faço medicina e ele advocacia. Apesar dos campus serem distantes, sempre encontramos algum jeito de nos falarmos.
Livro minha mente de todos os pensamentos envolvendo minha conturbada situação e começo a atender os clientes.
Hoje vai ser um dia longo.
[...]
Chego em casa de noite, tiro as chaves do meu bolso e abro a porta. O apartamento estava escuro e silencioso. Fecho a porta atrás de mim e tranco-a, acendendo a luz logo depois.
— Hana? — Chamei-a, mas não recebi resposta.
Andei mais um pouco, deixando a bolsa no sofá e andando em direção ao meu quarto. Encontrando um espírito com meu notebook, aparentemente desbloqueado, sentado na minha cama.
Mas ele tem senha, como ela conseguiu?
— Ah! Oi Joshua! — Diz ela animada, me notando.
— Oi... — Digo receoso me aproximando. — Como descobriu a senha?
— Bom... Eu não sei... Só digitei uma série de códigos e aí desbloqueou. — Deu ombros.
— Você hackeou o meu notebook. — Explico para ela. — Você deveria mexer com computadores enquanto estava viva. — Me sentei na cama também. — Se lembra de mais alguma coisa?
— Bom, algumas memórias vêm e vão, é tudo muito confuso. — Deixa o note de lado e coloca a mão na cabeça.
— Tem alguma imagem ou lugar que você se lembre? Vai que isso ajuda. — Coloquei minha mão em seus ombros, para ajuda-la.
— Só de um parque de Sakuras. — Suspira.
— Bom, isso ajuda. Já é alguma coisa. — Sorrio sem mostrar os dentes. — Sábado vou te levar para um parque de Sakuras daqui de Seul, talvez você se lembre de mais alguma coisa.
— Muito obrigada, Joshua. — Retribui o sorriso.
°•°•°
No sábado de manhã, acordamos cedo e fomos para o local. É um ponto turístico da cidade. Várias árvores de Sakura distribuídas pelo espaço. Ainda não estava na época delas darem flores, só que isso não implica na simplicidade e beleza dele.
Hana olhava tudo com um olhar nostálgico. Senti que ela queria chorar, provavelmente, tinha se lembrado de algo. Discretamente aperto sua mão, para dar-lhe forças e mostrar que ela não está sozinha. Retribuiu o aperto e caminhamos para um lugar menos movimentado, quase deserto.
— Eu me lembrei. Eu nasci em Tóquio, tenho esse nome por causa das flores de cerejeira. — Seus olhos vermelhos entregavam seu sentimentalismo.
Ainda estávamos de mãos dadas. Somente fiz um leve carinho na mão dela com o polegar.
Talvez essa cena seria estranha a outros olhos, mas para a minha sorte, não havia ninguém passando por ali aquela hora.
Decidimos ir para casa, pegamos o ônibus e sentamos em uma das poltronas. A princípio, não tinha quase ninguém lá, mas então um gordo entrou e se sentou justamente ao meu lado, onde Hana está sentada.
Minha reação no início foi querer rir, segurei a risada o máximo que eu pude. O gordo me olhou estranhamente e Hana já estava fora da poltrona, de pé. Tinha uma leve carranca formada em seu rosto pálido. Segurei a risada mais uma vez e o homem olhou para o ponto em que eu estava olhando e não encontrou nada.
Ele me olhou estranhamente de novo e saiu do lugar, indo mais ao fundo. Tenho quase certeza que ele me acha louco.
A japonesa se senta ao meu lado e começa a rir.
— Ele realmente deve estar te achando louco. — E ria ainda mais.
Eu queria rir, mas só pioraria minha situação. Decidi ficar olhando a janela e esquecer do ser extrovertido ao meu lado.
Dou um leve sorriso e recosto minha cabeça no vidro.
Hana acabou dormindo no percurso, recostada no meu ombro. Assim que chegamos no ponto, dou uma leve sacudida no meu ombro e a acordo.
O espírito acorda sonolenta e me acompanha até o apartamento.
— Hana, você acha que conseguiremos te salvar? — Perguntei me jogando no sofá.
— Olha, eu já não sei de mais nada. Pra mim, tudo virou de cabeça para baixo. — Ela se joga ao meu lado, e afunda a almofada do sofá.
— Se você está assim, imagine a minha situação. — Rio, afinal, ver um espírito e conversar com ele não é uma coisa normal.
— Ah, Josh-kun, a minha situação é pior, então pare de reclamar! — Dá um leve soco no meu ombro, dando uma risada gostosa de se ouvir.
Sorrio com o apelido.
Acho que não é tão ruim assim, é até bom ter alguém do meu lado. Normalmente eu me sinto sozinho.
— Eu gosto da sua companhia. Normalmente eu me sinto sozinho, entretanto, você preencheu esse espaço. Obrigado. — Olho em seus olhos opacos e sorrio, Hana retribui o sorriso.
— Obrigada por sempre estar ao meu lado, mesmo com esse pouco tempo em que nos conhecemos. — Sorri ainda mais fechando os olhos.
Talvez eu não deveria ter me envolvido tanto. Algo brotou no fundo da minha consciência.
O medo.
Tenho medo dela ser somente uma ilusão da minha cabeça, tenho medo de eu acordar e isso ser mais um sonho.
Tenho medo de perde-la.
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