Os recém casados viajaram para Petrópolis,onde passariam algumas semanas, Leopoldo ficou encarregado de tomar conta da fazenda durante a ausência do senhor Fernando, já o doutor Brás, se comprometeu de acompanhar as crianças na volta á Europa que ocorreu dois dias depois do casamento. A senhora Camélia havia ficado ligeiramente chateada por não passar sua lua de mel no velho mundo, mas o marido havia lhe dito que não era possível se ausentar por muito tempo da fazenda, por isso, por enquanto, só poderiam viajar para perto.
A viagem no vapor para a Inglaterra foi tranquila e logo Luísa se viu de volta á escola, Ellie e Bridget correram para recebê-la na entrada, elas gritavam e sorriam, se abraçaram e Luísa tirou de uma pequena mala que trazia nas mãos, um embrulho.
− Trouxe alguns doces do casamento, como prometi que faria. – as meninas abriram enormes sorrisos e pegaram o embrulho.
− Luísa, você lembrou de nós! – Ellie disse. Luísa sorriu e abraçou as amigas.
Mary, Anne e Claire juntaram-se a elas na entrada, se abraçaram e ficaram encantadas com os doces. Brás aproximou-se com as malas e Hugo o ajudava, as meninas os olharam e Luísa fez as apresentações.
− Senhoritas, estes são o doutor Brás Costa e meu irmão Hugo. – eles sorriram para as garotas que os cumprimentaram timidamente, elas se cutucavam e davam risinhos dirigidos a Hugo.
− Mary, vem cá. – Luísa puxou a amiga pelo braço.
− Hugo, essa é a Mary, de quem falei.
− Olá. – ele cumprimentou apertando a mão de Mary que sorriu tímida, as outras meninas começaram a cochichar e Anne falou.
− Luísa, nos apresente ao seu irmão também. – elas assentiram e Luísa sorriu, puxou Hugo pelo braço e fez as apresentações.
Depois disso, entraram na escola e Luísa mostrou rapidamente o local ao seu irmão, as garotas os seguiam de perto, Hugo sentia-se tímido com os olhares delas. As outras alunas começaram a cochichar quando o viram. Algumas se aproximaram e tocaram o braço dele e chegaram a perguntar se era ele quem morava na França, logo se formou um enxame de meninas ao redor de Hugo e Luísa anunciou.
− Este é meu irmão Hugo, ele fala francês, estuda em Paris e é esgrimista. – um coro de suspiros se fez ouvir. O menino estava assustado com toda aquela atenção e Brás o socorreu.
−É isso que dá ter esse rostinho de anjo. – ele comentou sorrindo e o garoto ficou vermelho.
Voltaram á sala e as malas de Luísa foram entregues e levadas para o quarto, a senhorita Smith aproximou-se quando soube que sua aluna estava de volta e foi falar com ela, abraçaram-se e Luísa apresentou seu irmão, ela o cumprimentou e olhou para o doutor Brás.
− Olá, doutor Costa.
− Olá, senhorita Smith. É um prazer imenso revê-la. – ele estendeu a mão, ela relutantemente ofereceu a sua e ele depositou um beijo. Ela corou e afastou-se.
− Professora, posso mostrar a sala de aula para o meu irmão?
− Sim, pode.
− Não, Luísa, aquelas meninas virão atrás de nós! – Hugo reclamou aflito.
− Oh, não querido. Elas já foram contidas, estão na aula de economia doméstica. – Rose o acalmou. Luísa sorriu e puxou o irmão pelo braço e saiu correndo pelo corredor.
Brás aproximou-se sorrindo.
− Acompanhamos eles?
− S-sim.- ele fez um gesto para que ela fosse na frente e foram caminhando até à ala das salas de aula. Luísa e Hugo acabavam de entrar na sala da quarta série, quando eles os alcançaram, Brás viu a biblioteca e perguntou se podia entrar, a senhorita Smith o acompanhou e eles entraram. O lugar estava vazio e o advogado ficou passeando pelas prateleiras, ela o olhava e sentia o coração bater em um ritmo mais acelerado, tinha que admitir que aquele homem era muito bonito e mexia com ela, no entanto, tinha muito medo e sabia que não podia se envolver. Decidiu se movimentar também a fim de esquecer os pensamentos que lhe ocorriam, acabou parando em frente á mesa onde tinha estado dias antes lendo alguns livros de romance quando sentiu a aproximação de Brás, virou-se e ele lhe sorriu.
− É uma ótima biblioteca, conta com um bom acervo, apesar de não muito variado, devo dizer.
− De fato.
− Luísa disse que a ajuda a arrumar alguns livros. Ela deve gostar muito dessa tarefa.
− Sim, nos divertimos muito. Ela só reclama a falta de alguns títulos mas ainda não me disse quais são.
− Imagino quais sejam, mas não se preocupe com isso. – ele sorriu e ela sorriu timidamente de volta, ele aproximou-se e Rose sentiu suas bochechas corarem e o coração martelar.
− Senhorita Smith, eu gostaria de poder lhe falar abertamente sobre algumas coisas, por favor, me permite?
Rose engoliu em seco, não sabia o que responder, ele a olhava intensamente e ela se perdia em seus olhos tão escuros quanto a noite sem lua, depois do que pareceu uma eternidade, finalmente conseguiu balbuciar.
− Fa-fale. – Brás aproximou mais e tomou suas mãos entre as dele. Rose sobressaltou-se,mas permitiu-se ficar, mesmo sem saber ao certo porque.
− A senhorita é linda, é o ser mais lindo que meus olhos já vislumbraram. Estou encantado desde o nosso primeiro encontro, não há um só dia em que não tenha pensado na senhorita. Eu tenho um sonho de vir para cá para estudar e montar um escritório de advocacia, é claro que para sair do Brasil tenho que me organizar e algumas coisas também, tenho meu trabalho lá, enfim. Mas gostaria de lhe pedir para escrevê-la. Me permite? - Rose ficou sem fala
− Eu sei que pode ser muita audácia de minha parte lhe pedir para trocarmos cartas, mas a verdade, senhorita Smith, Rose, é que eu estou, eu,ah meu Deus, é difícil dizer, eu, eu a amo. – Rose deixou sua boca abrir um pouco. Brás parecia aliviado por ter finalmente falado, mas também tinha medo de ser rejeitado. Como ela continuou calada, ele falou de novo.
− Eu sinto que a senhorita é muito boa, é especial, eu juro que tenho bons sentimentos e boas intenções para com nós dois. Por isso peço para trocarmos cartas, para que possamos nos conhecer melhor até que eu possa me mudar para cá e posamos continuar nos falando pessoalmente, dessa vez. Por favor, fale alguma coisa. – a essa altura, o advogado já estava aflito com o silêncio da ruiva, mas ela finalmente se mexeu, tirando as mãos das dele e virando-se de costas.
− O senhor fala de amor. Não posso. – Brás sentiu como se levasse um soco no estômago, seu fôlego perdido todo de uma só vez.
− Por que? Não gostou de mim? – havia dor na voz dele e Rose sentiu isso.
− Não é isso.
− Então, qual o motivo? – ele segurou seus ombros a fazendo encará-lo. Rose tinha lágrimas nos olhos. – Já sei, é comprometida, é claro! Uma moça tão linda e boa como a senhorita, não poderia estar solteira, é isso?
− Não.
− Então não entendo. Eu sou um bom homem, me dê uma oportunidade para que nos conheçamos e eu lhe mostre que realmente lhe amo e que – ela o silenciou colocando um dedo em seus lábios, Brás arregalou os olhos sem entender.
– Eu sei que o senhor é um homem bom, é honrado, por isso mesmo eu não posso fazer isso com o senhor. Não podemos trocar cartas, nem posso encorajá-lo que continue me amando. – ele segurou seu dedo e o afastou.
– Não entendo Rose, por que não? – Rose respirou fundo, virou-se de novo e falou.
– Não tenho honra.
– Como assim? Não estou entendendo.
Ela fechou os olhos e algumas lágrimas escaparam, mas como estava de costas, ele não viu.
– Não sou mais uma moça honrada, sei que o senhor entende o que quero dizer. Por isso não posso deixar que algo se desenvolva entre nós, não sou digna do senhor. – virou o rosto para olhá-lo e disse – Me esqueça, Brás.
Ele ficou calado sem saber o que dizer, seu coração estava partido, era a primeira vez que amava uma mulher e havia sido rejeitado, era doloroso demais. Mesmo assim, ainda tentou tocá-la, aproximando-se, mas foi repelido.
– Vá embora, por favor, e me esqueça para sempre.
Depois de longos segundos, Brás saiu e Rose ficou sozinha onde pôde chorar.
*****
Os meses se passaram e ocorreu o torneio de queimada entre as turmas, o leão do oitavo ano estava na frente, seguido da serpente do sexto ano e a lontra do quarto ano vinha logo atrás. A partida entre o segundo e terceiro colocados e que decidiria quem iria para a final foi um evento que agitou a escola, e apesar de serem mais velhas e fortes, a turma da serpente não foi páreo para as estratégias adotadas pela lontra que venceu apertado, a bem da verdade, ficando com apenas duas jogadoras, contra uma do sexto ano. Houve muita algazarra na comemoração mas as meninas queriam se focar para a grande última partida. Foi num sábado e o pátio estava lotado, a maior parte da escola dava como certa a vitória do leão do oitavo ano, no entanto, a lontra surpreendeu vencendo de forma espetacular, todas as jogadoras do quarto ano haviam sido queimadas, exceto Luísa, restava apenas duas meninas do oitavo ano e numa estratégia de combinação com as companheiras que já estavam queimadas, ela conseguiu queimar as duas que faltavam e dar a vitória á sua equipe. Todas gritavam muito comemorando e Luísa conseguiu se tornar de vez popular na escola.
O tempo passava, os dias se transformavam em semanas, estas em meses, que por sua vez, se tornaram anos, cinco para ser exato. Luísa agora contava quinze anos e numa bela manhã de domingo, acordou com uma surpresa nem tão bela assim, sua cama estava suja de sangue, desesperou-se e procurou onde estava o ferimento, mas não achou, levantou-se e foi ao banheiro, constatou para seu desespero que o sangue escorria por suas pernas e parecia vir de dentro de si, vestiu-se e desceu as escadas correndo, procurando Mary, mas não a encontrou, então decidiu ir atrás da senhorita Smith que estava na biblioteca.
– Senhorita Smith, socorro!
– Meu Deus Luísa! O que houve?
– Eu estou sangrando, vou morrer!
– Sangrando? Onde? Não estou vendo.
– Eu vou morrer, eu vou morrer. – Luísa falava andando de um lado para o outro, Rose estava aflita, sem entender o que ela estava querendo dizer.
– Tente se acalmar, você não vai morrer.
– Vou sim, estou perdendo sangue. Oh, tão jovem, morrerei ainda mais jovem que Álvares de Azevedo, aquele meu compatriota poeta de quem lhe falei.
– Luísa, está me assustando, não vejo sangue em você.
– Mas estou sangrando, tem sangue em minhas pernas.
– Suas pernas? Você caiu?
– Não. Acordei com sangue na cama. – e então Rose entendeu, suspirou aliviada e começou a sorrir.
– Por que está sorrindo? Vou morrer e você rir de mim!
– Não seja dramática, Luísa. Você não está morrendo, pelo contrário, está desabrochando. – Luísa franziu o cenho.
– Esse sangue significa que agora você é uma mocinha.
– Não acredito. Por que sangue? – Rose sorriu.
– Venha comigo, vamos ao meu quarto, temos que limpar você e bem, acho que temos que conversar algumas coisas também.
– Que coisas?
– Coisas que as mulheres precisam saber.
Assim saíram e foram para o quarto da senhorita Smith, ficava numa outra ala da escola, era grande e bem arrumado, havia muitos livros e algumas fotografias dela com todas as suas turmas do quarto ano, Luísa ficou olhando enquanto esperava a professora que havia entrado no banheiro. Ela voltou com um pano branco que parecia uma toalhinha e a ensinou como usar, a menina ficou vermelha de vergonha, mas obedeceu e foi se trocar, ao voltar a professora pediu que sentasse na cama.
– Temos que conversar, já que seu pai não está aqui e creio que seria embaraçoso para ele fazer isso, bem, você pode escrever para a esposa dele.
– De jeito nenhum! Prefiro que você fale, seja lá o que houver para falar.
– Tudo bem então. O que acabou de acontecer com você marca o início de uma nova fase na sua vida, agora você não é mais uma menina, está se tornando uma mulher.
– E para isso tinha que sangrar? Que chato! Esse sangue vai ficar descendo para sempre, o tempo todo?
– Não. Acontecerá todos os meses, por alguns dias, depois acaba e só no próximo mês.
– Que chatice! – Rose sorriu.
– É um pouco incômodo mesmo, mas você se acostuma. – Luísa bufou.
– Mas por que isso acontece? Já estou crescendo, isso não é o suficiente para me tornar uma mulher?
– Não. O sangue quer dizer que você pode ter um bebê.
– O quê? – ela arregalou os olhos. Rose sorriu ainda mais.
– Como assim posso ter um bebê? Não, isso está errado. Como assim?
– Calma, vou explicar.
Então Rose contou para Luísa o que acontecia quando um homem e uma mulher se amavam e casavam, e então tinham filhos. A garota ficou pasma com o que ouviu.
– Nunca vou casar!
– Não diga isso. Você ainda nem se apaixonou.
– E você já? – Senhorita Smith ficou calada.
– Sabe, eu nunca entendi, porque você não trocou cartas com o tio Brás. Ele disse que queria escrever para você, mas nunca vi chegar uma carta dele.
– Eu não permiti que trocássemos correspondências.
– Por que não?
– É uma longa estória.
– Quero ouvir. – Rose suspirou e então decidiu contar sobre seu passado.
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