- Mari, a Dia ainda não terminou de se trocar? – Kanan estava enrolada nas cobertas, esquecendo de arrumar a sala para as garotas dormirem.
- Que bagunça! – Dia apareceu atrás de mim, com os braços cruzados e olhando friamente para as meninas. – É assim que vão dormir?
- Desculpa, nós vamos arrumar tudo! – Disse Ruby, levantando do chão e se curvando para a irmã.
Como sempre, Dia não conseguia ficar brava quando Ruby estava no meio. Seu rosto mudou de expressão e ela abraçou a pequena irmã, a acalmando com uma voz suave. Assim que elas se separaram, Dia resolveu ajudar as meninas e só assim a sala ficou pronta.
- Obrigada, Dia! – Chika apoiou o braço sobre o ombro dela.
- Mari, sua vez de tomar banho. – Kanan saiu de cima dos colchões e ficou ao meu lado.
Eu balancei a cabeça, dizendo um ‘sim’, então Kanan foi me empurrando até a porta do banheiro.
Minha cabeça ficou um pouco bagunçada por causa da Dia, os sentimentos ficaram mais confusos do que antes. Tirei sem pressa o uniforme e soltei o cabelo. Achei que tomaria um banho rápido, mas a água estava tão quente e tranquila que fiquei mais tempo do que deveria. Não demorou para que eu escutasse fortes batidas na porta. Pedi para que a pessoa entrasse, mas não tive resposta. Mais uma vez ouvi as batidas.
- Pode entrar! – Falei mais alto, então a porta lentamente foi aberta.
- Mari, fale baixo. – Pude ver o olhar tímido de Dia me evitando. – As meninas estão dormindo, faça silêncio na hora de sair.
Eu fechei o chuveiro, caminhei depressa até Dia, que tentou fugir, mas a segurei e fechei a porta. Depois disso percebi que não estava com uma toalha, mas por sorte Dia segurava uma. Ela fechou os olhos e estendeu as mãos, peguei a toalha e me enrolei nela.
- Pode abrir.
- Não precisava fazer isso. – Ela suspirou, suas bochechas ficaram coradas.
Por impulso eu novamente a prendi, meus olhos ficaram presos a pinta perto de sua boca e, quando tomei conta do que estava fazendo, nossos rostos ficaram mais próximos do que eu costumava deixar. Dia fechou os olhos, apertou o punho e vi que suas pernas tremiam. Mesmo aparentando não sentir nada, meu coração queria sair pela boca de tão forte que batia. Eu não tinha coragem de fazer algo com ela.
Assim que me afastei, Dia abriu os olhos lentamente e me olhou como se não entendesse nada. Nenhuma de nós entendia. Logo vi seu rosto tomar uma expressão de raiva e, sem levantar o tom de voz, ela começou a discutir comigo.
- Até quando vai ficar querendo me provocar desse jeito?
- Eu sempre fiz isso desde que voltei, deveria ter se acostumado.
Minha tentativa de não a deixar com raiva estava falhando. Seu olhar ficou ainda mais frio e perdeu todo aquele brilho.
- Você não entende, isso não é brincadeira!
- Calma Dia, eu estava brincando!
- Você não me ouviu? – De repente ela ficou ofegante, não achei que estivesse tão irritada. – Pare com isso ou se afaste de mim.
Dia virou de costas e logo saiu do banheiro. Eu tentei segurar seu braço, mas ela se soltou. Seus olhos demonstravam claramente a raiva que sentia.
- Me desculpe, Dia.
- Eu vou dormir com a Kanan, você fica na sala. Cuidado para não acordar as meninas.
- Dia!
Ela foi direto para o corredor e apenas ouvi a porta do quarto ser aberta e fechada. Eu acabei falando alto e fiz com que Chika levantasse. Ela esticou os braços e me olhou, parecendo um pouco confusa, mas então deitou novamente e dormiu.
Eu segurei a toalha que quase caiu, não estava com as roupas e teria que ir até o quarto de Kanan pedir, mas... Como encarar Dia desse jeito?
- Mari. – A baixa voz de Yoshiko me chamou atenção. – Pode usar minhas roupas. – Ela me entregou
- Obrigada. – Senti uma estranha vontade de chorar.
- Talvez fique apertado, já que você... Bom, eu vou deitar, o colchão ao meu lado está vago!
Yoshiko saiu correndo de volta para onde estava. Acabou pisando sem querer na Hanamaru que acordou assustada, fazendo as outras levantarem. Riko quem deu a bronca na garota e, depois de rirem um pouco, voltaram a dormir. Entrei novamente no banheiro e coloquei a roupa de Yoshiko. Realmente, ficou um pouco apertado, mas era melhor do que nada.
Assim que fui para a sala andei bem lentamente e deitei ao lado de Yoshiko, que já dormia com uma expressão engraçada. Fique de costas para ela e fechei os olhos, logo o sono veio, mas foi difícil dormir enquanto pensava no olhar de raiva de Dia.
Tinha conseguido dormir, até senti uma dor imensa nas costas. Rapidamente tampei a boca antes que pudesse gritar e acordar toda a casa. Virei de costas, com os olhos lacrimejando e vi Yoshiko com as pernas para cima. Com certeza estava tendo um sonho agitado e não a culpei.
Levantei e fui até a cozinha beber água. Fiquei com uma mão nas costas, imaginei que ela estivesse vermelha. Quando coloquei o copo sobre a pia ouvi um choro bem baixinho. Voltei para a sala e olhei se todas as meninas estavam bem e, todas ainda dormiam como pedras, exceto Yoshiko. Pensei em ir até o quarto de Kanan, mas não queria ter acordar ela. Decidi ir até a varanda e, assim tive minha surpresa.
- Dia?
Assim que chamei seu nome, ela me olhou com os olhos caídos e as bochechas molhadas. Não tinha coragem, mas meu corpo novamente reagiu sozinho e fui até ela.
- O que faz acordada? – Dia escondeu o rosto, secando rapidamente as lágrimas.
- Tomei um chute da Yoshiko. – Coloquei a mão onde tinha sido machucada. – Ela é agitada.
Isso fez com que Dia soltasse uma risada contra sua vontade. Ela tentou ficar séria, mas acabei rindo também. Eu aproximei e sentei ao seu lado, aparentemente ela não gostou, então me afastei um pouco.
- Quer conversar?
Fiquei sem resposta, como esperado. Eu deveria dizer algo como “Desculpa por ficar a provocando.”, mas não conseguia. Queria apenas a dar um abraço de consolo, seja lá o que está a incomodando, mas provavelmente ela pensaria que seria mais uma provocação minha.
- Pode me deixar sozinha? Por favor.
Era impossível recusar algum pedido de quando ela mostrava os olhos tão cabisbaixos, mesmo que significasse que eu deveria ficar longe. Não a respondi, apenas levantei e caminhei até a porta de volta para a sala.
- Mari.
- Sim. - Virei o rosto e a respondi tão rapidamente que ela pareceu surpresa.
- Eh, não é nada.
Dia desviou o olhar. Não podia insistir, mesmo sentindo uma imensa vontade. Precisava dar privacidade a ela.
Entrei na sala, respirei fundo e me deitei novamente. Dessa vez, Yoshiko ficou do outro lado, mais perto de Hanamaru. “Acho que agora não serei chutada.”, soltei uma risada baixa e fechei os olhos, caindo no sono lentamente.
Mais uma vez acordei de repente, sentindo algo nas costas, no mesmo lugar que Yoshiko tinha atingido. Pensei que seria ela novamente, então me levantei e vi Dia com um pano em mãos, me olhando com os olhos arregalados. Ela ficou sem saber reagir e começou a querer se explicar, mas fiz o sinal para que Dia ficasse em silêncio, então apontei para as garotas e ela desistiu de falar.
Só depois reparei que ela tinha ficado preocupada com as minhas costas. Minha blusa estava até a metade de meu corpo, onde tinha sido chutada já não doía tanto, graças a Dia.
- Obrigada. – Sussurrei o mais baixo possível, sorrindo um pouco envergonhada.
Típico de Dia, ela apenas virou o rosto vermelho para outro lado e saiu de perto. Talvez ela ainda esteja irritada, mas não muito. De qualquer forma, me segurei para não a provoca-la mais um pouco.
°°°
Fiz de tudo para evitar Mari, por sorte eu consegui acordar mais cedo e vim para a escola primeiro com a Kanan. Ela é outra que gosta de me provocar, mas nossa relação ainda é mais calma.
- Dia, você vai se trancar nessa sala de novo?
- É meu trabalho, preciso ficar aqui.
Ela fez a mesma expressão que Mari costumava fazer quando eu insistia em passar o dia na sala. Kanan levantou os braços e me apertou, me arrastando para longe. Por sorte – ou azar -, as garotas do primeiro ano se aproximaram e chamaram nossa atenção.
- Bom dia! Nem vimos vocês saindo hoje. – Chika veio correndo até nós, logo as outras vieram atrás.
De longe já pude ver Mari vindo também. Fiquei com as mãos geladas só de lembrar da noite passada, que me preocupei com suas costas e resolvi ajuda-la. Eu tinha contado para Kanan, o que talvez tenha sido um erro, já que ela gosta de me deixar irritada.
- Yohane! – Mari de repente gritou e se jogou sobre a Yoshiko. – Você me deixou uma bela marca nas costas.
- Ah! Desculpe-me, eu estava sonhando!
Aproveitei o momento que elas estavam distraídas e me soltei de Kanan, entrando na sala e me trancando nela. Bateram na porta várias vezes, mas não respondi. Queria ficar sozinha e, depois de serem ignoradas resolveram ir embora.
Passei a manhã toda sentada, pensando. Meu coração ficava agitado, mas eu não entendia o que acontecia. Mari nunca me causou tais reações, não sei exatamente o que deduzir sobre isso. Olhei para o relógio, contando já os segundos para finalmente ir pra casa. Tinha planejado em passar à tarde com Ruby, ela queria me mostrar alguns vídeos novos sobre school idols.
Tomei um susto quando ouvi fortes batidas na porta. Arrumei a mesa e rapidamente me levantei. Não esperava que fosse Mari, acabei recuando assim que ela entrou na sala. Ela segurava vários papéis e os deixou sobre minha mesa.
- Eu pensei em vir mais cedo, mas quis te prender aqui mais um pouco. – Ela mostrou um sorriso debochado.
Quando penso que vou voltar para casa tranquila, como sempre, Mari aparece para me deixar irritada. Sentei novamente na cadeira e peguei toda a papelada, apenas precisava assinar, mas eram muitas folhas.
Enquanto arrumava, tentei ignorar o fato de Mari ficar me encarando o tempo todo. Ela sentou na ponta da mesa, cruzando as pernas e apoiando os braços perto dos papéis. Fiquei uns dez minutos ali, até finalmente acabar. Respirei fundo e levantei da cadeira, mas então Mari me segurou e me fez sentar novamente.
- Temos que ir, a Ruby está me esperando.
- No, no! Eu tenho que conferir.
Mari pegou os papéis e começou a olhar um por um, mas numa velocidade lenta e pelo seu olhar, não estava levando nada a sério. Tomei os papéis de sua mão e peguei minha bolsa, saindo rápido da sala. Ela veio correndo atrás de mim e fechou a porta, ficando na minha frente, me impedindo de sair.
- O que você quer agora? – Automaticamente eu levantei o tom de voz, cruzei os braços e tentei a encarar com pior olhar possível. Porém, ela não tirava de jeito algum o sorriso do rosto.
- Eu queria te pedir desculpas. Acho que não deveria te provocar assim, né?
- Você acha? – Suspirei fundo. – Existem certas coisas que não se deve brincar. - Eu tentei aproximar da porta, mas ela novamente me impediu, segurando a maçaneta.
- O que quer dizer com ‘certas coisas’?
Senti como se algo apertasse minha garganta e fizesse com que nada saísse. Como se tivesse ficado muda, mesmo abrindo a boca e fazendo esforço pra falar, nada saia. Só piorou quando Mari me puxou para mais perto.
- Dia, tem algo que quer me falar?
Minha cabeça ficou bagunçada e provavelmente meu rosto ficou vermelho, isso é fácil de deduzir pelo sorriso de “missão completa” que a Mari sempre faz. Talvez seja uma boa hora dizer o que acho logo, até por que, vou sair daqui e ir direto para casa com Ruby, posso inventar alguma desculpa para não vir à aula depois.
- Certo. – Minha voz ficou trêmula, respirei fundo e falei bem rápido. – Eu gosto de você.
Eu esperava alguma reação exagerada de Mari, mas ela foi tombando a cabeça para um lado e parecia confusa.
- Gosta de que jeito? – Seu sotaque ficou mais forte, parecia um pouco nervosa.
- Não sei, só gosto! Agora vou embora.
Saí tão depressa que nem deu para Mari reagir. Eu corri para fora da escola e procurei desesperadamente por Ruby. Não demorou muito para avistar ela perto de Hanamaru e Yoshiko.
- Olá Dia! Onde está a Mari? – You perguntou, toda empolgada.
- Ainda está lá dentro! - Só depois de falar percebi que estava agitada e acabei gritando sem querer.
- Você está bem? – Ruby carinhosamente aproximou de mim e segurou minha mão. – Está gelada!
- Não é nada, apenas vamos embora. Tchau meninas, estudem! – Saí de perto delas, puxando Ruby comigo.
Tudo que queria era apenas ir pra casa e dormir por um bom tempo.
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