O trajeto até a casa de Bad Angel foi relativamente tranquilo. Não foi de um silêncio desconfortável, mas sim um tanto amistoso, o qual deixou Scott descontraído e ligeiramente catártico, apesar da atmosfera sexualmente carregada. A presença de Bad Angel lhe deu conforto após o estresse do jantar com o pai e da notícia sobre o vazamento de dentro da Preservações. Ele queria se aninhar em Bad Angel e permitir que ele o abraçasse.
Eles chegariam a isso, Scott tinha certeza, depois do filme que ele havia prometido. E da torta. Olhando para baixo e encontrando a delicadeza coberta de creme em seu colo, o estômago dele roncou.
Bad Angel olhou para Scott e sorriu.
– Vou adivinhar e dizer que você está com fome.
Ele se virou para olhar pela janela do carona. O mundo passava por eles, casas adormecidas e cheias de desconhecidos que não poderiam se importar menos com o fato de a noite dele ter sido uma porcaria. Eles tinham suas vidas para resolver. E aí havia Bad Angel. O confuso, sedutor e desafiador Bad Angel. Ele havia lhe oferecido mais um pedaço do seu enigma esta noite e, em troca, desejava conhecê-lo melhor. Mas será que Scott poderia oferecer isto a ele?
Bad Angel apoiou a mão na coxa do moreno.
– Scott? Você comeu hoje?
Balançando a cabeça, Mccall olhou para ele.
– Não.
– Por que não? Pensei que você tivesse ido jantar com seu pai.
– Fui convidado para jantar. Isso não significa que fui convidado para comer.
Ele franziu a testa quando tirou a mão da dele para trocar de marcha, passando por uma série de curvas e retornos de uma área residencial.
– Não entendi. Jantar normalmente implica comer.
– Você que pensa. – Deixando a cabeça cair contra o encosto, Scott fechou os olhos. – O jantar com minha família nem sempre é tão simples. O aperitivo normalmente consiste em críticas mordazes acompanhadas de sarcasmo, o prato principal é sempre decepção parental livremente temperada com culpa, e a sobremesa nunca é completa sem uma generosa porção de escárnio.
– Eu provavelmente vou me odiar por perguntar isso, mas como você terminou virando esta pessoa tão incrivelmente equilibrado e, bem, normal?
– Porque seria o maior “vá se ferrar” que eu poderia dar aos meus pais.
– Ah, o equivalente ao licor depois do jantar.
Chocado, Scott se virou para ele e riu alto ao notar o olhar benigno em seu rosto.
– Eu vou ter que me lembrar disso.
Os lábios carnudos de Isaac deram um sorriso enquanto passavam por uma série de postes de luz, o efeito quase estroboscópico.
– Sim, bem, eu sou famoso por minhas tiradas espirituosas. – Ele passou a mão pelo cabelo, lançando um olhar breve a ele. – Mas alguém compareceu ao tal jantar?
– Havia um ex… Huum. – Mordendo o lábio, ele tentou decidir o quanto revelar… De novo. Não tinha certeza se queria contar sobre o confronto com Theo, porque ele o deixara com medo, e medo simplesmente era mais uma fraqueza. Mas Bad Angel não era alguém que ele estava enfrentando em uma sala de reuniões. Ele era alguém em quem ele aprendera a confiar rapidamente durante sua busca por conforto e compreensão. Uma das pouquíssimas pessoas. Scott se remexeu e encarou o homem que estava roubando seu coração rapidamente. – Sim, havia. Lembra-se das rosas? O sujeito que as enviou estava lá.
Nós saímos algumas vezes, mas foi só isso. Ele deixou claro que estava interessado em mais, muito mais. Eu não. Ele me encontrou lá fora e ficou um pouco agressivo em relação à gente. Refiro-me a eu e você.
Scott enrijeceu no assento enquanto Bad Angel virava o volante para a direita e parava o carro junto ao meio-fio.
– Agressivo quanto, Scott? – Ele olhou para frente, o nó de um músculo na mandíbula flexionando enquanto ele cerrava os dentes.
Descansando as mãos no colo, Scott lutou para controlar a voz.
– Isso não é importante. Eu já resolvi.
Mesmo naquela rua mal iluminada, Soctt percebia que ele estava pálido.
– Ele machucou você?
– Se ele me machucou?
– Ele machucou você? – Isaac olhou para ele então, seus olhos quase faiscantes.
– Não. Não, ele não me atacou, Bad Angel. – Scott pôs a mão no queixo rijo dele e analisou o rosto daquele homem que havia se intitulado seu cavaleiro andante. – Ele só… Ele me assustou, Bad Angel.
Segurando as mãos do moreno delicadamente, ele as envolveu nas suas.
– Ele não tinha o direito de tocar em você sem sua permissão. E nunca mais o enfrente sozinho outra vez.
– Quem disse que o cavalheirismo está morto? – sussurrou Mccall, as palavras altas no silêncio do carro.
– Pode me chamar de antiquado, mas eu não acho que deveria ser assim. – Ele pôs o carro em marcha novamente e se afastou do meio-fio.
Eles pararam em frente a uma casa de madeira pequena, porém elegante, sua cor indiscernível na penumbra. Cinza, talvez? Ou um azul claro com arremates mais escuros?
Independentemente disso, o quintal estava limpo, o paisagismo bem cuidado e o único carro na garagem estava em forma igualmente respeitável.
Bad Angel estacionou na entrada e puxou Scott para um beijo breve e brutal.
O mais novo arfou de encontro à boca dele, a respiração orgástica enquanto ambos pareciam lutar rumo ao que tanto almejavam: um ao outro. Totalmente. Completamente. Sem barreiras físicas ou armadilhas. Só os dois. Juntos. Esta noite.
Recuando, Scott vasculhou o rosto de Isaac em busca de garantias. Sim, todos os sinais que ele enviava diziam que ele queria mais dele do que apenas esta noite. Mas quanto mais? Scott já havia revelado mais do que uma fraqueza para ele, e arriscado sua carreira. O que ele estava disposto a arriscar?
Em sua experiência, homens nunca eram honestos sobre quem eram e o que desejavam de fato. Todos os homens com quem ele se envolvera de alguma forma, desde seu relacionamento controverso com o pai ao seu relacionamento romântico mais recente, esperavam que ele abrisse mão de cada pedacinho de seu verdadeiro eu, ao mesmo tempo que se mantinham a uma distância segura e protegiam seus respectivos interesses.
Enquanto ele cedia àquela exigência, tudo ia muito bem. No momento em que o interesse deles minguava, ele era deixada na mão de novo. Scott não queria que Bad Angel seguisse tal padrão. Algo lhe dizia que, se havia alguém diferente, este alguém era ele. Mas oferecer mais a ele? Será que ele… Poderia ao menos gostar das partes dele que Scott mantinha escondidas?
Ele parecia interpretar as necessidades do moreno, beijando-o com carinho, com uma paixão prestes a explodir a qualquer momento, mas que ele continha. Mas, agora, o beijo era diferente. Era um beijo repleto de promessas muito mais pessoais do que todas as outras juntas. Ele o estava venerando com a boca e as mãos, acariciando seu rosto, sugando seu lábio inferior, e acariciando o mamilo através da seda da camisa.
Ele interrompeu o beijo, mas não se afastou, os lábios roçando os dele enquanto falava:
– Eu quero você, Scott.
– O sentimento é mútuo.
Ele o avaliou por um instante.
– Mas?
Era perturbador para Scott o fato de Isaac ser capaz de saber tão facilmente quando algo o estava incomodando.
– Estou preocupado, porque isto está acontecendo muito rápido.
– Eu também estava. Até esta noite.
Ele franziu as sobrancelhas.
– O que mudou?
– Você se impôs na frente de seus colegas de trabalho e me chamou de amante. E eu percebi que ninguém mais importa. Eu quero você. E acho que você também me quer.
Nós não devemos nada a ninguém por seguir este caminho.
– Por favor, não me magoe. – As palavras saíram antes que Scott pudesse contê-las.
– Eu nunca vou te magoar, gato.
Um choque elétrico de consciência quase deixou Scott de pelinhos em pé.
– Não faça promessas que não pode cumprir.
– Não farei. – Ele se aproximou e lhe tomou a boca num beijo tão delicado que Scott derreteu em seu abraço.
Isaac guiou Scott pela mão para sua pequena casa e se perguntou pela primeira vez o que o garoto acharia de seu lar ao adentrá-lo. A casa precisava ser reformada. Muito. Mas era aconchegante, com seus cantos, recantos e armários embutidos. Os três quartos e dois banheiros eram pequenos, mas serviam bem aos seus propósitos.
– Adorei – sussurrou Scott, afastando-se dele para olhar a amada porcelana de sua mãe no guarda-louça embutido. Ele passou a pontinha do dedo na madeira e contornou a fibra antes de abrir a porta.
– Posso?
– Claro.
Scott pegou uma xícara de chá com cuidado. A delicadeza com que Scott manipulava a porcelana dizia que ele sabia se tratar de uma relíquia da família e que respeitava isso.
Examinar os pratos antigos pareceu deixá-lo feliz, e Isaac ficou contente por não ter se livrado da porcelana quando se desfez de alguns pertences de seus pais com uma dose de predisposição. Morando sozinho, ele não vira necessidade de manter boa parte das coisas deles, salvo por algumas recordações. Mas aquela porcelana fora o orgulho de sua mãe, herdada de sua bisavó, e a ideia de se livrar dela seria como cortar o último laço com a mãe. Ele simplesmente não conseguiu.
Blake fora muito legal ao ajudar a limpar as coisas no primeiro verão em que ele viera para casa, durante a faculdade.
Faculdade. A mente de Isaac aproveitou o lembrete de que ele precisava cobrir os custos do semestre anterior. Erguer os fundos iria arruiná-lo financeiramente caso o negócio do resort não fosse aprovado. Agora que os custos da empresa de engenharia iam entrar no orçamento, o financiamento seria ainda mais precário. A manhã de quarta-feira pesava enquanto ele distraidamente assistia à Scott admirando uma pintura feita por sua avó. Isso precisa dar certo. Ele teve um sobressalto, sem saber se estava se referindo ao trabalho ou àquela rapaz.
Ambos, sussurrou sua consciência.
Isaac deu um passo em direção a Scott, lutando para recuperar o controle de seus pensamentos fugidios. Mas era como tentar capturar sombras. Ele parou e admirou silenciosamente enquanto Scott ia dos pratos a uma peça antiga e depois outra, apreciando as mesmas coisas que sua mãe guardara com tanto carinho. Dedos longos e ágeis passavam por superfícies gastas com tanta ternura que ele desejou pegá-lo e simplesmente segurá-lo em seus braços.
E assim ele o fez.
O corpo de Scott se moldou ao dele como se ambos tivessem sido escalados para fazer um par cheio de química. Pare de pensar assim, idiota, censurou ele mentalmente. Só iria ser um problema se a coisa toda não… O quê? O que ele estava buscando nele?
Definitivamente, algo mais do que uma aventura de fim de semana ou um casinho de amor ardente.
Scott era exatamente o tipo de homem que poderia inspirá-lo a almejar a constância, o tipo de homem com quem ele conseguia enxergar-se sossegando um dia. Ele queria descobrir aonde aquela coisa entre eles levaria, e nunca ficara interessado da mesma forma por homem nenhum. Ele queria Scott em sua cama, em sua casa, em sua vida por muito mais tempo do que apenas um fim de semana. Scott merecia coisa melhor do que isso. O que significava que também merecia a verdade.
Scott tirou os sapatos e ergueu os dedinhos contra a parede.
– Posso perguntar exatamente o que aconteceu com seus pais? Eu sei que você os perdeu há muitos anos. – Aproximando-se da lareira, ele acariciou a borda de uma foto emoldurada na qual Isaac e o irmão pescavam em um lago, numa região onde iam acampar em todos os verões.
Isaac sentiu um nó no estômago, tão rápido que quase se dobrou de dor.
Normalmente, ele lidava com aquele assunto arrasador desviando-se dele. Ele mudava de assunto ou falava sobre a péssima temporada de seu time de beisebol ou discutia a previsão do tempo. Mas Scott o fitou com uma compaixão tão evidente que ele sentiu vontade de contar sobre a ferida imensa que a perda dos pais deixara em sua vida.
A barragem emocional que ele construía desabou e as palavras saíram num fluxo:
– Eles morreram há 14 anos, quando os freios de um caminhão de toras falhou, nas estradas montanhosas de Snoqualmie Pass. O motorista… Ele… – Isaac engoliu em seco e se afundou no sofá, as mãos pressionando os olhos. Ele não entrava em detalhes sobre este assunto. Nunca. No entanto, ali estava ele, respondendo a Scott sem se evadir.
A mão tépida de Scott se fechou sobre a nuca dele.
– Isso é mais do que suficiente.
Ele assentiu, incapaz de continuar. Naquele momento, teria dado qualquer coisa para ter seus pais vivos novamente, teria gostado de apresentá-los àquela homem que, mais uma vez, sabia exatamente o que dizer diante de um abalo emocional.
– Você realmente criou seu irmão caçula. Eu admiro isso.
Isaac tossiu e pigarreou, deixando cair as mãos e fitando o chão.
– Ele tinha 9 anos de idade.
– Você ajudou a moldar o homem que ele vai se tornar. Não despreze isso. Não deve
ter sido fácil. – Scott acariciou a mão dele.
Isaac o puxou e passou os braços ao redor da cintura dele. Apoiando a cabeça no peito de Scott, ele relaxou enquanto os dedos ágeis dele lhe massageavam o couro cabeludo. Isaac fechou os olhos, e sua respiração desacelerou, e, de repente, estava tudo bem. Não era bom que seus pais tivessem morrido, mas foi bom ele ter falado com ele, ter se mostrado menos forte diante do assunto. Estava simplesmente bem. Foi o maior presente que Scott poderia ter dado a ele, e Isaac não sabia como agradecer. Em vez disso, ele olhou para cima, encontrando os olhos castanhos retribuindo aquela admiração com uma compaixão sombria.
Ele passou a mão pelas costas dele.
– Que tal vermos aquele filme?
– Claro. – Abaixando-se, Scott o beijou com uma delicadeza incrível. – Mas eu realmente quero tirar esta roupa.
Lahey prendeu a respiração.
Scott riu.
– Se você tiver uma camisa e uma cueca boxer para me emprestar, serei muito grato.
– Elas vão te engolir, mas tudo bem. Vou pegar. – Ele se levantou, mas foi contido quando Scott o segurou pela cintura. – O que é isso?
– Dizem que se chama abraço – murmurou ele junto ao peito de Isaac.
– Engraçadinho – disse ele junto ao cabelo do moreno enquanto o abraçava pelos ombros com
firmeza. Mais uma vez ele foi atingido pela sensação de tê-lo ali, não só ali em seus braços,
mas em sua casa e, para ser sincero, em sua vida. Foi uma constatação um pouco assustadora, mas ele não estava surpreso. Não depois de vê-lo com Darcy, impressionado pela forma como Scott soubera o quê e quando dizer. Mais ainda, por ele ter sido sincera.
Tudo nele era quase bom demais para ser verdade. – Quando é que você vai se revelar?
Scott inclinou o rosto para encará-lo.
– Quando vou me revelar?
– Você sabe. Quando é que você vai me contar que é casado, ou que está sendo procurada pelo FBI porque invadiu uma lanchonete e roubou a receita secreta deles para dar aos russos, ou que faz parte do programa de proteção a testemunhas porque desarticulou a máfia italiana sozinho, ou que você na verdade é um lobisomem adolescente que estive procurando?
A esse ponto, Scott já estava rindo.
– Do que diabos você está falando?
Segurando o pescoço dele, Isaac roçou os polegares pelos pontos de pulsação.
– Você é bom demais para ser verdade, Scott. Eu continuo esperando que você estrague tudo, mas você cuida de tudo que lhe aparece com uma graça certeira e uma força infalível. Você é incrível.
A risada de Scott foi murchando até que ambos estavam olhando um para o outro num ambiente cujos únicos sons eram os de uma casa velha: o estalo da calefação, a lufada de ar do sistema de aquecimento central, o gotejamento de uma torneira em algum lugar próximo, o zunido baixinho da geladeira.
– Sou só eu, Bad Angel.
Ele lutou para não estremecer. Naquele momento, um momento que significava algo maior do que ele poderia abarcar com sua mente e coração, ele não quis mais que Scott o chamasse pelo nome do meio.
Ele queria ouvi-lo chamando-o de Isaac. Ele ia contar a ele – esta noite.
Todas as suas cartas estavam na mesa.
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