‒ É a única solução.
‒ O quê quer que eu faça?
‒ Mate. ‒ sibilou simplista.
‒ Mas...
‒ Ele não pode sair por aí mostrando furinhos no pescoço em um hospital, Bobby.
As vozes eram baixas, porém não o suficiente. Hanbin conseguia ouvir aquilo, preso naquele quarto um tanto rústico que continha uma cama ‒ o que o fazia debochar para si mesmo. Por que ele precisa de uma cama?, pensava consigo, rindo de sua própria desgraça. Hanbin não sabia o que fazer, estava preso, o quarto mal tinha uma janela e tudo que havia de mais agressivo seria apenas seus coturnos ao pé da cama. Perguntava-se o que mais o moreno fizera consigo além de retirar seus sapatos, ele apenas podia desconfiar. Qual a probalidade de acordar no quarto de um desconhecido que pusera as presas em si e sair bem, ou melhor, vivo?!
Aquela altura Hanbin pensava em gritar, mas duvidava que mais alguém o ouvisse além de seu captor e do outro o qual não vira a face. As vozes do outro lado já haviam cessado há um tempo e isso fez o coração de Hanbin acelerar ainda mais. Encontrava-se de pé no canto daquele quarto, como se aquilo o protejesse, abraçava o próprio corpo soltando o ar que mal percebera que havia prendido.
O rapaz de fios desgrenhados e pele morena passava ambas as mãos em seus cabelos, frustrado. Não sabia o porquê de não conseguir machucar aquele rapaz que mal conhecia, mas as noites nas quais passara observando-o, armando seu bote, o fizeram decorar cada traço e ato do rapaz. Um garoto insolente, mas nada ingênuo pela forma como agia. Jiwon não sabia ao certo, mas a forma daquele rapaz havia o chamado atenção e isso fez com que o observasse tanto, apenas analisando cada passo seu, esperando o momento certo para enfim atacar.
‒ Se é tão difícil assim, eu faço.
O outro de pele extremamente clara e fios loiros tinha a expressão indiferente. Quem não o conhecesse podia até mesmo compará-lo com um anjo por tamanha beleza e doçura em seu olhar ‒ apenas quando queria. Yunhyeong fitava Jiwon com o cenho franzido, mantendo ambas as mãos nos bolsos do moletom escuro que usava, passando por vezes a língua sobre os lábios e até mesmo brincando com a mesma em seus dentes afiados, tendo uma das sobrancelhas erguidas aguardando a resposta do outro que parecia assimilar o que acabara de ouvir.
‒ O que vai fazer, afinal?
‒ Unir o útil ao agradável, meu caro Jiwon. ‒ falou o nome do outro com escárnio. ‒ Matar e me alimentar, já que você não é capaz. ‒ riu debochado, erguendo uma das sobrancelhas ao fitar o moreno.
‒ Vá se foder.
Dito isso o outro apenas deu de ombros, rumando para o quarto onde um Hanbin assustado e inerte se encontrava. Bobby apenas o seguiu, passando a sua frente, abriu a porta e viu o menor dentro do cômodo praticamente pular de tão assustado. Fitava os dois a sua frente enquanto mordia o lábio inferior por pura mania e tentativa de descontar seu temor.
‒ Você não disse o quão bonito ele era. ‒ falou Yunhyeong, voltando seu olhar a Bobby por um momento, que apenas revirou os olhos. Ele é realmente bonito, pensou consigo mesmo.
‒ O que vocês querem comigo? ‒ a voz um pouco aguda soou falha por um momento, atraindo a atenção dos dois, vendo o sorriso malicioso de Yunhyeong se abrir ‒ que fez questão de passar a língua pelos lábios, deixando que uma de suas presas ficasse visível o suficiente, fazendo com que Hanbin desse um passo para trás, podendo colar seu corpo na parede. Não era um sonho, não era coisa era coisa de sua cabeça, não era efeito de remédios.
As presas do mais alto eram nítidas em meio ao seu sorriso cheio de segundas e terceiras intenções. O medo em Hanbin era quase palpável, o que fazia Yun sorrir. Dando um passo a frente, Yunhyeong voltou seu olhar a Bobby, que estava escorado no batente acenando com a cabeça para o outro como um "prossiga", não que precisasse disso.
Hanbin abria a boca pensando em gritar, mas logo fechava sabendo de que nada adiantaria. O homem mais alto e extremamente branco se aproximava com calma e um sorriso falsamente doce nos lábios, aquilo o agoniava. Yun colocou uma das mãos contra a parede bem ao lado de seu rosto, em uma aproximação perigosa, olhando em seus olhos como se pudesse ver sua alma. Àquela altura Yunhyeong tinha os olhos em um tom azul, não eram claros, nem escuros.
‒ Então, meu caro, como se chama? ‒ tinha um tom calmo, exibindo um sorriso para o rapaz. Não se brinca com comida, ria de seus próprios pensamentos ainda fitando o rapaz que não abrira a boca, fazendo Yun balançar a cabeça negativamente soltando um "tsc", levando agora a destra ao pescoço do rapaz, sem se importar. Riu com o arrepio do outro, suas mãos eram frias causando um pequeno choque ao entrar em contato com a pele quente de Hanbin. Os dedos de Yun traçavam a linha que sua veia percorria, observando a mesma como se fosse um bem precioso ‒ e era ‒ retirando sua mão dali, encurralado o mesmo com ambas as mãos ao lado de seu rosto.
‒ Estou tentando ser gentil. Vamos lá, eu...
‒ Song, acabe logo com isso. ‒ Bobby o interrompeu, realmente impaciente. Odiava a forma como Yunhyeong brincava de forma infantil antes de atacar, sempre fora assim.
‒ Você é tão sem graça. ‒ Yunhyeong mostrou a língua, de forma infantil.
Hanbin olhava aquilo, se perguntando internamente do por que aquilo estar acontecendo com ele de tantas pessoas inúteis e enfeites do mundo. Por que ele tinha que estar ali, a frente da causa de sua morte?! Sua respiração já era mais pesada, seus pensamentos se tornavam mais assustadores, ou melhor, realistas. Em pouco tempo estaria morto, estava prestes a perder tudo: família, faculdade, amigos ‒ não que tivesse muitos‒ e até mesmo suas paqueras. Definitivamente ali, era o seu fim, seria assim? Esperava morrer de qualquer forma, menos por criaturas as quais nunca acreditara na existência.
Hanbin foi tirado de seus devaneios ao sentir um arrepio percorrer sua espinha tendo o contato com a pele fria do vampiro a sua frente. Yunhyeong acariciava sua pele com a ponta do nariz, tinha os olhos fechados enquanto apreciava o cheiro do outro. Se visto de outro ponto de vista, a cena era até sensual: uma das mãos de Yunhyeong segurava a cintura de Hanbin com firmeza enquanto a outra puxava seus fios, ele passava seus lábios e nariz pelo pescoço alheio, Hanbin prendia sua respiração com aquela aproximação, fechando os olhos com firmeza.
Bobby sentia-se um tanto incomodado com aquilo, mas continuava a observar. Passava uma das mãos por seus fios escuros, desviando o olhar por momentos. Hanbin impulsionou as mãos contra os ombros de Yun na tentativa de empurrá-lo, mas de nada adiantou, apenas fez o vampiro se divertir com seu medo.
Seu corpo se curvou, sentindo um forte arrepio percorrer seu corpo assim que as afiadas presas perfuraram sua pele exatamente sobre sua veia. Nada mais via. Aquilo era quase como LSD só que três vezes mais forte, levando Hanbin a delirar apenas com a dor, deixando um gemido esganiçado escapar, fincando as unhas curtas no ombro do vampiro que aquela altura já não sentia nada além do gosto doce e viciante do sangue de Hanbin. Aquele era o melhor sangue que Yunhyeong já provou em anos! Conforme sugava suas mãos apertavam a cintura do menor, este tão imerso e perdido em seu sabor que não notou. Jiwon, próximo aquela cena, se curvava sentindo seu corpo se arrepiar, um aperto em seus músculos, suas mãos tremiam fechadas em punhos. Apoiando uma das mãos sobre o chão, tinha a cabeça baixa, sua pele estava mais fria que o normal e, ao levantar seu olhar e ver Hanbin revirar os olhos ‒ já desmaiando ‒, conseguiu grunhir alto o suficiente para Yunhyeong parar.
Yun não acreditou no que seus olhos viam: um humano fraco, inerte, e um Jiwon agonizando. Riu internamente da desgraça alheia. Deu-se o trabalho de pegar o rapaz que já não fazia mais nada além de respirar minimamente, o colocando sobre a cama, pousando sua mão sobre o ombro do velho amigo.
‒ Espero lá fora.
Saiu do quarto deixando um Jiwon fraco e confuso. Jiwon não sabia o que havia acontecido, mas sentiu dor. Com seus músculos ainda rígidos, se levantou fitando o jovem fraco em sua cama, se aproximando ainda mais, tocou o pulso do outro que mal reagia. Seu coração estava fraco, mas ainda batia. Seus dedos percorreram a veia de seu braço até o pescoço, ver aqueles furos o fez fechar os olhos com força em um misto de raiva e agonia, precisava saber o que acontecia consigo. Saiu daquele cômodo cabisbaixo, perdido em seus pensamentos.
Yunhyeong sabia exatamente o que se passava ou ao menos tinha uma noção. Era mais antigo que Jiwon naquele mundo e sabia o quão raro era um dos seus encontrar o seu dominus. Perguntava-se se o mais novo tinha conhecimento disso ‒ o que duvidava muito. Teria de explicar aquilo da forma mais clara possível.
Ao se virar, Yun pôde ver um Jiwon claramente confuso. Seu olhar era sem foco algum, provavelmente tentando assimilar o que acabara de ocorrer. Pigarreou, chamando a atenção do mais alto entre os dois.
‒ Eu realmente achei que fosse mais esperto, Bobby. ‒ iniciou, calmo. ‒ Tem tantas pessoas no mundo, tantas com quem você pode esbarrar e você esbarra justo com seu dominus.
Jiwon ergueu uma das sobrancelhas, fitando o mais velho. Era óbvio que ele não sabia do que se tratava! O mais velho apenas deixou os ombros caírem e se sentou fitando o mais novo que fez o mesmo, deixando seu corpo cair ao lado do outro de forma um tanto tensa.
‒ Você não faz ideia do que é isso, né?!
‒ Não.
Yunhyeong bufou, passando as mãos pelo rosto como se recuperasse a paciência ou fosse em busca da mesma, se perguntando o que o rapaz fez durante suas várias décadas para não ter sequer o conhecimento sobre os dominus.
‒ Bobby, você não pode deixar em hipótese alguma qualquer coisa acontecer com esse garoto. ‒ falou num tom mais sério.
‒ Como é?
‒ Jiwon, você nunca ouviu falar de dominus? Ao menos sabe o que quer dizer isso?
‒ Não, eu não sei o que caralhos ‘tá acontecendo! Eu não sei o que é essa porra. Eu só quero entender o que ‘tá acontecendo. ‒ aumentou seu tom.
‒ Eu sinceramente não sei como você ainda ‘tá vivo sendo tão burro. ‒ bufou, fitando o rapaz. ‒ Bobby, existe um motivo pelo qual alguns vampiros, principalmente os mais antigos, não olham nos olhos de suas vítimas...
‒ Qual? ‒ interrompeu.
‒ Espera eu terminar! Bem, antigamente os vampiros tinham isso de olhar fixamente para suas vítimas, de brincar e ver a pessoa suplicando, mas passaram a ocorrer alguns... Casos. Alguns vampiros, logo após de acabar com sua presa, morriam...
"Os mais velhos ficaram assustados com isso, pois ninguém fazia ideia do porquê de tudo isso. Alguns acharam que foram descobertos e que os humanos estavam armando para acabar com toda a nossa espécie. Então, alguns de nós foram atrás de respostas mais claras e foi aí que encontraram uma solução. Alguns foram atrás de uma família antiga, dizem que eles são os primeiros de nós e foi aí que se teve conhecimento dos dominus. Naquela família todos os vampiros tinham uma companhia ao lado, alguns humanos e outros recém criados."
‒ Eu realmente quero entender aonde você quer chegar, hyung. ‒ ah, há quanto tempo não o chamava assim! Estava mesmo apreensivo.
‒ Dominus vem do latim que significa proprietário, dono. Essa é a função dos humanos, Jiwon. ‒ suspirou, olhando nos olhos do outro. ‒ Nós, vampiros, não possuímos sentimentos afetivos por ninguém, exceto por eles, todos nós temos um dono. Eu ainda não encontrei o meu e não pretendo.
Jiwon ficou estático por um momento, era muita informação. Seus músculos estavam tensos, sua mente rodava em tudo o que o mais velho havia acabado de falar, mas algo ainda martelava em sua mente: a fala inicial do mais velho.
‒ Por que não posso deixar nada acontecer a ele? Eu não posso virara babá desse garoto.
Yunhyeong não tinha más intenções, apenas não pretendia contá-lo o porquê tinha que cuidar daquele rapaz, mas sabia que Jiwon não o deixaria em paz.
‒ Jiwon... Você prestou atenção em tudo o que eu disse? No momento em que olhou nos olhos desse garoto a ligação de vocês se conectou. Você sente dor por ele, não está óbvio demais? Se esse garoto morrer você também morre.
Aquilo era definitivamente informação demais. Há apenas algumas horas Jiwon tinha uma vida infinita, nada o preocupava e agora era dependente de um reles mortal. Era propriedade dele! Sua vida agora tomou um caminho com o qual não sabia lidar. Como falaria tudo isso para o outro que nem conhecia direito?
‒ Pois bem, eu tenho negócios a tratar. Boa sorte com isso.
‒ Espera! E... O que eu faço agora? Eu ‘tô perdido, cara. ‒ disse, num tom mais aflito.
‒ Não há muito a se fazer, sua vida só vai mudar, tem que ser cauteloso. ‒ falou, caminhando em direção a porta. ‒ Ah, e... Não deixe que os outros saibam dele. ‒ alertou e Jiwon sabia exatamente de quem ele falava.
Deixou seu corpo cair mais uma vez no estofado. Bufando, tombou a cabeça pra trás, fechando os olhos. Por mais que tivesse entendido o que o mais velho havia explicado, tentava assimilar tudo aquilo, imaginar como seria de agora em diante, mas o que mais lhe preocupava era o fato mais inusitado daquilo tudo.
"Se esse garoto morrer, você também morre."
Definitivamente estava perdido. Pensava também em como contar aquilo para o outro em seu quarto, imaginando sua reação, falar que o mesmo era seu "dono" estava fora de cogitação. Tem de haver uma forma de acabar com isso. Seria dependente do outro pelo resto da vida? Estava perdido! Pois há poucas horas havia sentido na pele o que acontecia caso algo acontecesse ao outro e isso o perturbava.
Ainda o perturbava o fato de sentir o que o outro sentia. Seria aquilo apenas físico?
"Não possuímos sentimentos afetivos por ninguém, exceto por eles."
E o quê isso quer dizer? Estava fadado a criar sentimentos pelo outro... Não! Pouco se importava, a única coisa que o impedia de se livrar daquele rapaz era esse maldito fato.
Uma coisa era certa: ele não podia se afastar de si, não podia sair daquela casa. Terá de esquecer tudo o que tinha lá fora, afinal, Yunhyeong fora bem claro, ninguém podia saber dele.
Mas mal sabia Jiwon que lá fora, alguém o procurava.
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