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História Surpresa Irresistível - 2


Escrita por: BearPS

Capítulo 2 - 2



Apoiei o celular entre meu ombro e a orelha para juntar uma pilha de papéis com as duas mãos na minha frente.
- Entendo. Um silêncio tomou o outro lado da linha.
- Entende? - Portia repetiu, numa voz que se tornou fina e apertada. -Você está me ouvindo?
Ela sempre soou tão impaciente comigo assim?
Infelizmente, acho que a reposta era sim.
- É claro que estou ouvindo. Você disse que está presa. Mas não vejo o que eu poderia fazer sobre isso, Porsh.
- Foi o que nós combinamos, Niall. Você concordou em me deixar ficar com o cachorro se eu concordasse em deixar você cuidar dele quando eu saísse de férias. Vou sair de férias e agora preciso que você cuide dele.
Mas se for um transtorno para você... - A voz dela sumiu, mas o eco reverberou através da linha, como ácido pingando em metal.
- Sob circunstâncias normais, cuidar do Davey não seria problema algum -respondi calmamente. Sempre calmo, sempre paciente, mesmo quando
discutíamos quem deveria cuidar do cachorro enquanto ela viajava para Mallorca por uma semana para se recuperar do estresse da finalização do nosso divórcio. - A questão é que eu estarei fora do país, meu amor.
Soltei um palavrão na minha mente, estremecendo. Amor. Depois de quase dezesseis anos juntos, alguns hábitos não morrem facilmente.
Seu silêncio em resposta foi pesado e denso. Dois anos atrás, essa mudez ao telefone teria me deixado em pânico. Um ano atrás, teria deixado meu estômago revirado.
Agora, nove meses após eu me mudar da casa onde morávamos juntos, seu silêncio irritadiço simplesmente me cansava.
Ergui os olhos para a quantidade de e-mails em minha caixa de entrada, depois olhei para os contratos em minha mesa, e então para o relógio, que me dizia que já passava em muito da hora de ir para casa. Lá fora o céu havia escurecido. Assim que voltasse para casa teria que começar a arrumar as malas para Nova York e mal conseguiria avançar com o trabalho.
- Portia. Desculpe. Eu realmente preciso ir. Sinto muito pelo cachorro, mas não posso cuidar dele na próxima semana.
- Certo - ela suspirou. - Vai se foder.
Fiquei olhando para minha mesa por vários segundos depois que ela desligou, sentindo um pouco de enjoo, antes de baixar meu celular. Tive apenas uns dois segundos para me recuperar antes da porta abrir de repente e Tony entrar.

- Más notícias, cara.
Olhei para ele, erguendo uma sobrancelha num questionamento silencioso.
- Minha esposa está no hospital e as contrações começaram.
Já acompanhei a gravidez de muitos irmãos para saber que ainda não era hora disso com a esposa do Tony.
- Ela está bem?
Ele encolheu os ombros.
- Vai ficar de cama até a chegada do bebê. Ou seja, vou ficar em Londres.
Um alívio se espalhou em meu sangue. Tony era um colega de trabalho decente, mas uma viagem de negócios com ele geralmente significava visitas
noturnas a boates de strip e, honestamente, isso era a última coisa que eu queria fazer durante um mês em Nova York.
- Então vou sozinho - eu disse, com uma voz mais suave do que antes.Tony sacudiu a cabeça.
- Vou enviar a Ruby.
Demorei alguns segundos para entender de quem ele estava falando. A Richardson-Corbett não era uma empresa muito grande, mas o Tony contratava o máximo de estagiárias bonitas que o orçamento permitia. Havia várias em sua equipe e eu nunca conseguia distingui-las direito.
- Aquela morena da região de Essex?
Sua expressão de inveja frustrada parecia tão óbvia que foi quase audível.
- Não. Aquela maravilha da Califórnia. Oh. Eu sabia quem era. Aquela que me socorreu hoje quando tive um raro caso de perplexidade.
Ironicamente, essa bobeira foi causada pela visão dela.
Aquela garota era adorável. Porém...
- Aquela que parecia preocupada por você ficar ausente por um mês?
Eu praticamente podia ver o ego de Tony crescendo, e ele então sorriu todo orgulhoso.
- Exatamente.
- Mas você acha mesmo necessário enviar alguém? - perguntei.
- A maioria das reuniões será sobre logística, de qualquer maneira. Os engenheiros estarão lá apenas para aconselhar.
- Ah, seu cachorro. Tenho certeza que conseguirá convencê-la a ir com você nas baladas.
Eu gemi por dentro.
- Não foi isso que eu quis...
- E, além disso - ele interrompeu -, ela é gostosa demais. Você nem vai
precisar de um inferninho se der em cima da Ruby. Boas pernas, bons peitos, rosto fantástico.
- Tony - eu disse com uma calma extrema -, não vou "dar em cima" de uma estagiária.
- Mas talvez devesse. Se eu não fosse casado, com certeza experimentaria isso. - Ele deixou o silêncio reverberar pela sala, e eu tentei esconder minha aversão por ele parecer mais frustrado por não poder comer a Ruby do que preocupado por sua esposa ter entrado em trabalho de parto cedo demais.
- Desde quando você não dá uma?
Desviei os olhos de sua expressão desafiadora e olhei para minha mesa. Não saí com nenhuma garota desde o divórcio e, com exceção da mão-boba que recebi no pub algumas semanas atrás, fazia uma eternidade que eu não ficava com uma mulher.
- Certo, então você vai ficar - mudei de assunto - e a Ruby vai me acompanhar em Nova York. Você passou a agenda para ela?
- Eu disse que a agenda era levar você até lá, sair nos bares, beber bastante e transar um monte.
Passei a mão no rosto, gemendo.
- Maldição.
Ele riu, virando e se dirigindo para a porta.
- É claro que passei a agenda. Estou só brincando com você. Ela é uma boa estagiária, Niall. Ela pode até impressionar alguém como você.

Eu estava sozinho no elevador, indo embora para casa, quando Ruby entrou um pouco antes de as portas se fecharem. Nossos olhos se encontraram, eu tossi com força, ela quase engasgou... e na descida, o silêncio pesado se tornou imediatamente horrível.
O elevador descia devagar demais.
A quietude parecia enorme.
Nós viajaríamos juntos a negócios, e ao olhar para ela agora - jovem, cheia de energia e, admito, incrivelmente linda - lembrei que teríamos que conversar e nos conhecer, e havia poucas coisas em que eu era pior do que falar com
mulheres.
Ela abriu a boca para falar, e então parou, voltando a ficar em silêncio.
Quando olhava para mim e eu olhava de volta, ela desviava os olhos. Quando as portas para o saguão se abriram, fiz um gesto para ela ir em frente, e em vez de se mexer, ela quase gritou: Parece que vamos viajar juntos!
- É verdade - eu disse, mas meu sorriso deve ter parecido forçado.
Tente, Niall. Tente sair do modo robô por ao menos uma conversa. Nada. Meu cérebro deu um branco, completamente despido de habilidades
sociais. E ela ainda não havia saído do elevador.
Este momento precisava acabar. Sempre fui horrível em conversas casuais e,de perto, ela era ainda mais atraente do que eu esperava. Vários centímetros mais baixa do que eu, mas nem de longe baixinha, Ruby era esbelta e sarada, o cabelo curto e dourado, rosto bronzeado... e uma boca realmente perfeita.
Ruby era mesmo extraordinária. Por algum estranho instinto, segurei minha respiração.
Ela encolheu os ombros levemente, sorrindo.
- Sou americana, mas nunca estive em Nova York. Estou realmente animada.
- Ah. Bem... - Procurei uma boa resposta, olhando ao redor do pequeno espaço antes de acabar soltando um "Que legal".
Gemi de frustração em minha mente. Isso foi ruim, mesmo para mim.
Seus olhos eram enormes, verdes e tão claros que percebi com apenas uma olhada que ela provavelmente não era uma boa mentirosa: todo o seu mundo se revelava através dos olhos, e no momento ela estava extremamente ansiosa. Eu era o vice-presidente da empresa. É claro que ela ficaria nervosa perto de mim.
- Vamos nos encontrar no aeroporto na segunda-feira de manhã? - ela
perguntou, voltando a olhar para mim. Sua língua apareceu para molhar os lábios e fixei minha atenção no meio de sua testa.
- Sim, acho que sim - comecei a falar, mas depois parei. Será que eu deveria arranjar um carro para nós dois? Meu Deus, se passar três minutos num elevador já era esse desastre, eu nem podia imaginar o quanto seria claustrofóbica a viagem de 45 minutos até o aeroporto de Heathrow. - A não ser que...
- Eu não...
- Você...
- Oh, desculpe - ela disse, com o rosto corado. - Eu te interrompi.Pode falar.
Suspirei.
- Não, por favor, continue.
Isso era horrível. Eu queria que ela se movesse para o lado para simplesmente me deixar passar. Ou que o chão se abrisse e me engolisse por inteiro.
- Posso encontrar você no aeroporto. - Ela ergueu sua bolsa sobre o ombro, fazendo um gesto inexplicável para trás. - Quer dizer, no portão. Vai ser muito cedo, você não precisa...
- Não vou. Quer dizer, eu não faria.
Ela piscou, compreensivelmente confusa. Eu já tinha perdido completamente o fio da meada de nossa conversa.
- Certo. Bom. É claro, você não... faria. Olhei sobre seu ombro para a gloriosa liberdade lá atrás, depois olhei de novo em seu rosto.
- Desse jeito está bom.
A porta do elevador começou a vibrar enquanto eu continuava segurando-a aberta, numa trilha sonora perfeita para aquilo que deveria ser um dos encontros mais constrangedores da história da humanidade.
- Então, vejo você na segunda. - Sua voz deixou transparecer nervosismo e eu senti um suor frio descendo por minha testa. - Estou muito animada para isso- ela acrescentou.
- Certo. Bom. Com um leve inclinar da cabeça e um último rubor que explodiu de um jeito muito gracioso em seu rosto, ela saiu do elevador.
Sem realmente ter a intenção, meus olhos pousaram em sua bunda enquanto ela andava. Era redonda, empinada,perfeitamente encorpada em sua saia macia e escura. Imaginei a curva em minha mão e ainda podia sentir o perfume de rosas que ela deixou como rastro.
Entrei no saguão e a segui em direção à saída. Sem esforço, minha mente viajou em pensamentos sobre como seria tocar os seios e sentir sua boca em mim enquanto eu agarrava sua bunda. Eu não era ruim na cama, era?

E apesar da Portia ter sempre tratado o sexo como se estivesse fazendo um favor para mim, ela nunca deixou de aproveitar...
Esse lampejo inconsciente de interesse foi interrompido quando Tony apareceu descendo as escadas, soltando uma piscadela para mim e levantando a sobrancelha enquanto murmurava "sexo total" depois da Ruby sair de vista. Em seu lugar ficou uma ponta de vergonha por ter permitido que sua sugestão invadisse minha cabeça.
Crescer numa casa com doze pessoas significava que viagens aéreas não eram muito frequentes e, quando acontecia - em rápidos pulos para a Irlanda e,uma vez, quando sobramos apenas eu e a Rebecca em casa, nossos pais nos levaram até Roma para ver o Papa -, a casa inteira se transformava numa grande confusão. Tínhamos roupas formais que não eram tão elegantes quanto as roupas de Natal, mas mesmo essas não chegavam perto das roupas para viajar de avião.

Era um hábito difícil de matar, mesmo precisando me vestir antes do sol nascer, mas essa história explica por que eu acabei no aeroporto de Heathrow vestindo terno às quatro e meia da manhã de segunda-feira.
Em contraste, Ruby apareceu correndo na hora em que eu entrava em pânico- quando o embarque havia começado - vestindo uma blusa de moletom rosa,calça de lycra preta e tênis azul. Vi as pessoas reagindo a ela numa onda discreta percorrendo a multidão. Não sei se ela percebeu, mas quase todos os olhares masculinos - e muitos femininos também - a seguiram enquanto ela passava pelo portão de embarque.
Ela estava casual, mas disposta, o rosto corado por causa da corrida. Seus lábios rosados se abriam enquanto ela recuperava o fôlego.
Ruby parou de repente e arregalou os olhos quando me encontrou na multidão.
- Merda. - Ela bateu com a mão na boca. - Quer dizer, droga - ela
murmurou. - Nós temos alguma reunião logo depois de desembarcar? - Ela começou a procurar algo no celular. - Eu decorei a agenda e podia jurar que...
Senti minhas sobrancelhas franzirem.
- Não...? - Ela decorou a agenda?
- Eu... você está realmente arrumado para o voo. Eu me sinto uma indigente em comparação.
Eu não sabia se deveria me sentir lisonjeado ou insultado.
- Você não parece uma indigente.
Ela gemeu, cobrindo o rosto.
- Vai ser um longo voo. Achei que fôssemos dormir o tempo todo.
Eu sorri por educação, embora a ideia de dormir ao lado dela no voo tenha criado uma ansiedade esquisita em meu estômago.
- Tenho algumas coisas do trabalho para fazer antes de chegarmos. Me sinto melhor vestido para a ocasião, só isso.
Eu não tinha certeza sobre quem de nós tinha errado na roupa, mas olhando para a maioria dos outros passageiros, comecei a entender que o errado era eu.
Com uma última olhada para o meu terno, ela se virou e começou a andar pelo corredor do avião, depois colocou sua bolsa de mão no compartimento
acima. Fiz todo o esforço do mundo para não olhar sua bunda de novo... mas falhei.
Deus do céu. Era inacreditável.
Sem perceber nada, Ruby se virou e chamou minha atenção para o seu rosto enquanto gesticulava entre os assentos.
- Você quer o corredor ou a janela? - ela perguntou.
- Qualquer um está bom.
Tirei o casaco do terno e entreguei para a comissária, observando enquanto a Ruby se sentava na janela e guardava seu iPad e livro, mantendo o notebook no colo. Após sentar do lado dela, e mesmo com o resto dos passageiros ainda embarcando, um pesado silêncio recaiu sobre nós. Cristo. Não apenas tínhamos seis horas de voo pela frente, mas depois mais quatro semanas em Nova York, juntos, durante toda a conferência.
Quatro semanas. Senti-me levemente enjoado.
Acho que deveria perguntar se ela estava gostando da Richardson Corbett, ou quanto tempo fazia que morava em Londres. Ela não trabalhava no meu departamento, mas sim com o Tony, então eu tinha certeza de que o tempo que passou com ele deve ter sido... agitado. Eu poderia perguntar onde ela cresceu
- embora eu soubesse pelo Tony que foi na Califórnia. Ao menos podia quebrar um pouco o gelo.
Mas então teríamos que continuar conversando, e isso definitivamente não estava funcionando. Era melhor deixar do jeito que estava.
- Gostaria de alguma bebida antes da decolagem? - a comissária perguntou
antes de me entregar um guardanapo.
Fiz um gesto para Ruby, que se inclinou para falar com a mulher em meio ao barulho das pessoas embarcando. Um seio encostou em meu braço sobre a camisa, e senti meu corpo inteiro enrijecer, tomando cuidado para não parecer que era eu quem estava me encostando nela.
- Eu gostaria de um pouco de champanhe - Ruby disse.
A comissária sorriu desconfortavelmente ao assentir -com certeza não era algo que eles geralmente serviam antes das cinco da manhã - e depois se virou para mim.
- Eu... - comecei a falar, mas parei. Será que eu deveria pedir champanhe também para não parecer estranho para ela? Ou será que eu deveria dar o
exemplo de profissionalismo e pedir um suco? - Bom, acho que se não for muito trabalho eu também gostaria de... Ruby ergueu a mão.
- Estou totalmente brincando. Desculpe. Piadinha bombástica! Quer dizer, não! Nada de bomba, eu nunca brincaria sobre... isso. - Ela fechou os olhos e gemeu. - Quero só um suco de laranja.
Olhei para a comissária com a mesma expressão confusa que ela tinha.
- Eu gostaria de um suco de uva, por favor.
Depois de anotar nossos pedidos, a comissária se virou para a esquerda e a Ruby se virou para mim. Algo em seu rosto, com aquela honestidade indefesa em seus olhos... despertou um sentimento de proteção em mim ao qual eu estava totalmente desacostumado.
Ela desviou os olhos, olhando agora tão forte para sua bandeja que achei que fosse quebrar com a intensidade.
- Está tudo bem? - perguntei.
- É só que... desculpe por aquilo. E, sim. Eu... - Ela parou, depois tentou de novo. - Eu não iria pedir champanhe. Você achou mesmo que eu pediria? - Bem. - Ela tinha pedido, mesmo que fosse piada. - Não? - Eu esperava que isso fosse a resposta certa.
- E aquela coisa da bomba - ela sussurrou, balançando a mão na frente do rosto como se tentasse jogar o pensamento fora. - Eu fico tão idiota quando estou perto de você.
- Então é só comigo?
Ela se encolheu, percebi como aquilo tinha soado.
- Não. Eu... digo, eu não concordo com o que você falou: nunca vi você agindo como idiota perto de mim.
- E no elevador?
Sorrindo, eu tive que ceder.
- Bom...
- E agora mesmo?
Isso fez algo revirar dentro de mim.
- Posso fazer alguma coisa sobre isso?
Ela virou para meu rosto e me olhou com um tipo familiar de afeto.
Depois piscou, sacudiu a cabeça, e aquela expressão sumiu.
- Vou ficar bem. Estou só um pouco nervosa de viajar com o diretor de planejamento e blá, blá, blá... Querendo acalmá-la um pouco, perguntei:
- Onde você fez sua graduação?
Ela respirou fundo e depois se virou completamente para mim.
- UC San Diego.
- Engenharia?
- Sim. Com o Emil Santorini.
Eu reagi, erguendo levemente uma sobrancelha.
- Ele é difícil.
Ela sorriu abertamente.
- Ele é incrível.
Uma pontada de interesse reverberou por mim.
- Só as pessoas brilhantes acabam pensando assim.
- Ou vai ou racha - ela disse, encolhendo os ombros e sorrindo enquanto apanhava o suco de laranja da comissária. - Foi isso o que ele disse na primeira semana do laboratório. E ele não estava errado. Havia mais dois alunos quando
começamos. Fui a única que sobrou no final do primeiro ano.
- Por que você está em Londres?
- perguntei, embora suspeitasse já saber.
- Estou querendo entrar para o programa de engenharia civil na Oxford. Já entrei na engenharia geral, mas ainda não recebi a resposta da Margareth Sheffield se consegui entrar em seu grupo. - Ela só decide um pouco antes do começo do semestre. Se bem me lembro,isso deixa os alunos completamente malucos.
- Nós engenheiros gostamos de tudo planejado com antecedência. Acho que
não somos a categoria mais paciente do mundo.
Eu sorri.
- Como eu disse, completamente malucos.
Ela mordeu o canto do lábio e sorriu de volta.
- Você não estudou com ela.
- Não oficialmente, mas ela foi mais mentora minha do que meu mentor de
verdade.
- O Petersen se aposentou quanto tempo depois de você se formar?
Senti meus olhos se arregalarem. Quanto ela sabia sobre meu antigo departamento? E sobre mim?
- Suspeito que você já saiba a resposta.
Ela tomou um gole do suco e pediu desculpas discretamente depois de engolir.
- Eu sabia que você foi seu último aluno, mas acho que estava curiosa para saber o quanto foi difícil.
- Foi horrível - admiti. - Ele era um bêbado e, mais do que isso, uma pessoa realmente ruim. Mas isso foi há quase dez anos. Você era uma criança.
Como sabe disso tudo?
Ela apertou levemente os lábios e eu senti minha pele se aquecer. Cristo. Ela era tão linda.
- Uma das repostas é que - ela começou a dizer com um pequeno sorriso- fiquei sabendo do trabalho da Maggie Sheffield no meu segundo ano e fizemos um tour pelo edifício Stately. Fiquei um pouco obcecada em estudar com ela antes que se aposentasse. Quando perguntei para o Emil sobre ela, ele também
contou um pouco da história do seu antigo departamento. - Encolhendo os ombros, ela acrescentou: - Ouvi algumas histórias sobre o Petersen.
Inclinei minha cabeça, imaginando quais histórias ainda flutuavam por aí.
- É verdade que ele jogou uma garrafa num aluno? - ela perguntou.
Ah. O boato que nunca morria.
- Sim, mas não foi em mim. O pior que recebi dele foi um xingamento verbal... ou uns dez.
Ruby assentiu, parecendo aliviada.
Ela disse que uma das respostas era essa.
- E qual é a outra resposta? - perguntei.
Ela olhou para a janela por alguns segundos antes de continuar.
- Comecei a trabalhar na Richardson-Corbett e descobri que você estudou na Oxford, então fiquei pensando se você tinha estudado no programa da Maggie. Descobri que não, mas... pesquisei um pouco mais sobre você mesmo assim.
Parecia que havia uma camada oculta sob aquilo que estava dizendo, e pensei por um segundo que agora entendia o olhar de afeto familiar que ela exibiu alguns momentos atrás. Então ela virou para frente, com um sorrisinho docemente diabólico no rosto.
- Você se surpreenderia com o quanto consegue notar apenas prestando atenção.
- Me dê um exemplo.
Endireitando-se no assento, ela disse:
- Você veio depois de trabalhar no metrô de Londres para começar uma divisão de urbanismo. Estudou em Cambridge na graduação, Oxford na pós e foi o mais jovem executivo da história do metrô - Ruby sorriu timidamente. -Você quase se mudou para Nova York para trabalhar com o Gabinete de Transporte
Metropolitano, mas recusou a oferta em favor da RC.
Erguendo uma sobrancelha, murmurei:
- Impressionante. O que mais você sabe?
Ela desviou os olhos, corando ainda mais.
- Você cresceu um Leeds. E era uma das estrelas do time de futebol de Cambridge enquanto esteve por lá.
Será que ela tinha estudado tudo isso na noite passada? Ou sabia disso tudo antes da viagem? E qual resposta eu preferia? Acho que eu sabia qual delas aumentaria esse frio no estômago que senti.
- E o que mais?
Hesitando, ela disse:
- Você tem um Ford Fiesta, o que acho infinitamente engraçado, já que provavelmente ganha mais dinheiro do que a rainha. Você é conhecido por ser um ferrenho defensor do transporte público, então nunca usa o carro. E, além disso? Não tenho ideia de como você caberia num Fiesta. E, também, você se divorciou recentemente.
Meu queixo se apertou quando qualquer divertimento com sua pesquisa foi rapidamente extinguido.
- Eu achava que esse detalhe não seria discutido no trabalho, nem estaria disponível facilmente numa pesquisa da internet.
- Desculpe - Ruby disse, e percebi quando ela afundou mais um pouco no
assento. - Eu sempre esqueço que nem todo mundo cresceu com dois psicólogos. Nem todo mundo é um livro aberto.
- Estou sentindo uma tentação de perguntar como você sabe do meu divórcio, mas acho que a fofoca do trabalho...
- Acho que tudo estava sendo finalizado quando comecei a trabalhar lá, então as pessoas estavam comentando... - Ela se endireitou e olhou para mim com grandes olhos que pediam desculpas. - Não é um assunto frequente, eu juro.
Eu podia apenas imaginar meu humor sombrio na época em que ela entrou na empresa. Naquele ponto eu estava tão irritado com os dramas de Portia que facilmente teria me mudado para dentro de um barril de cerveja, se fosse possível. Decidi trocar o assunto.
- Você tem irmãos ou era só você com os terapeutas?
- Um irmão - ela disse, depois tomou outro gole de suco. - E você?
- O quê? Quer dizer que ainda não sabe?
Ela riu, mas ainda parecia um pouco constrangida.
- Se eu tivesse pesquisado ainda mais... poderia acabar num território esquisito.
Com uma piscadela, eu murmurei:
- Poderia.
Ela ficou me olhando com expectativa, e quando o avião começou a acelerar,notei suas mãos agarrando os braços do assento. Ela estava tremendo.
Continuar conversando para distraí-la parecia uma boa ideia.
- Na verdade, tenho nove irmãos- eu disse.
Seu queixo caiu.
- Nove?
Eu me acostumei tanto com essa reação que nem piscava mais.
- Sete irmãs e dois irmãos. Sou o segundo mais novo.
Ela franziu a testa enquanto pensava mais um pouco.
- Minha casa era tão silenciosa e calma. Eu... não conseguiria imaginar como foi a sua infância.
Rindo, eu disse:
- Acredite em mim, isso é verdade. Você não conseguiria.
- Oito irmãos mais velhos - ela disse para si mesma. - Aposto que às vezes você sentia que eram oito pais.
- Às vezes - admiti. - Meu irmão mais velho, o Daniel, era o pacificador.
Sério, ele mantinha todo mundo na linha. Acho que ajudou o fato de termos mais meninas do que meninos; de modo geral, nós até que éramos bem-comportados.
Meu irmão do meio, o Max, era geralmente quem aprontava mais, só que sempre escapava das broncas porque era tão charmoso. Pelo menos, é assim que ele descreve. Eu era quieto e estudioso. Um pouco chato, na verdade.
Ela ficou em silêncio por um momento enquanto me observava, depois disse:
- Conta mais?
Encostei minha cabeça no assento, respirei fundo, calmamente. Fazia anos que eu não conversava tão casualmente assim com uma mulher que não fosse a Portia, uma irmã, ou esposa de um amigo. Seu interesse era genuíno e me deu uma sensação de confiança que eu não sentia há muito tempo.
- Fazíamos a maioria das nossas aventuras juntos. Formamos uma banda de sopro. Escrevemos um livro de memórias. Uma vez pintamos a lateral da casa com os dedos.
- Eu honestamente não consigo imaginar você com tinta nas mãos.
Encolhi os ombros dramaticamente e sorri para sua risada. Havia algo ali, um alívio em seus olhos, algo lá no fundo que me fazia sentir um afeto em relação a ela.Continuei falando de um jeito totalmente não característico, mas ela ouvia com toda a atenção, fazendo perguntas sobre o Max, sobre minha irmã Rebecca, sobre nossos pais. Ela perguntou sobre minha vida fora do trabalho, e quando eu disse com um sorriso provocador que ela já sabia sobre o divórcio, Ruby perguntou como eu e minha esposa nos conhecemos. Curiosamente, não achei estranho contar que eu e a Portia nos conhecemos quando tínhamos dez anos de idade, nos apaixonamos aos catorze e nos beijamos aos dezesseis.
Mas não admiti a ela que a mágica começou a morrer apenas três anos mais tarde, no dia do nosso casamento.
- Deve ser estranho passar tanto tempo com uma pessoa e depois acabar
tudo - ela disse discretamente, virando para a janela. - Não posso nem imaginar. - Sua franja caiu sobre os olhos; um pequeno brinco de diamante decorava delicadamente a curva de sua orelha. Quando voltou a me olhar, ela disse: - Sinto muito as pessoas comentarem sobre isso no trabalho. Isso deve parecer uma invasão de privacidade tão grande.
Desviei os olhos e não respondi.

Todas as potenciais respostas que eu tinha pareciam honestas demais.
Não é tão estranho, e talvez isto seja o mais estranho.
Estou solitário há bastante tempo. Então por que só agora isso começou a me incomodar tanto? Nunca imaginei querer falar sobre isso com alguém, mas aqui estamos nós. Você pode perguntar o que quiser.
Mas quando fiquei em silêncio, o constrangimento voltou. Porém, com sua atenção voltada para a janela e seu corpo relaxado, eu percebi com alívio que era constrangedor apenas para mim. A tensão da decolagem havia dissipado, algo dentro dela se acalmara. Fiquei surpreso ao pensar no quanto eu gostava de ficar perto dela.
-Ruby acabou caindo no sono, lentamente se inclinando para o meu lado até sua cabeça pousar em meu ombro. Eu me virei, dizendo a mim mesmo que estava olhando para a janela, mas aproveitei para sentir o aroma floral de seus cabelos. De perto, sua pele era perfeita. Pálida, com uma leve porção de sardas sobre o nariz e uma linda aparência cheia de frescor. Seus lábios estavam molhados onde ela havia passado a língua, e os cílios negros contrastavam com o rosto corado.
Na mão, ela segurava um pequeno caderno de anotações da Richardson-Corbett e uma caneta. Eu o tirei delicadamente de suas mãos e -contrário a meu melhor julgamento - não resisti à curiosidade e abri na primeira página, onde havia anotações do trabalho. Nossa agenda, alguns recursos para empresas de engenharia e projetos na área, uma lista de pessoas que ela encontraria em Nova York e uma lista de pensamentos sobre como poderia usar a conferência para escrever sua proposta de tese para Margareth Sheffield. Percebi que ela anotou cuidadosamente tudo que Tony havia passado.
No final, escrito com sua bonita caligrafia, havia o seguinte:

Anotação da Agenda nº 1: Não seja idiota perto do Niall Stella. Não fique olhando vidrada, não gagueje, não fique muda. Você consegue. Ele é apenas humano.

Só agora me ocorreu que esse caderno poderia ser algum tipo de diário em vez de uma agenda profissional. Ela estava tão ansiosa em viajar com o vice-presidente da empresa que escreveu um encorajamento para si mesmo.
Depois de devolver o caderno em suas mãos, fechei os olhos, inclinando a cabeça em sua direção, enquanto silenciosamente pedia desculpas por desta vez ter sido eu quem invadiu sua privacidade.

Sonhei com uma pele macia descansando sobre meu peito nu e beijos com sabor de champanhe.



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