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História Surpresa Irresistível - 4


Escrita por: BearPS

Capítulo 4 - 4


Levantei do meu lugar, olhar vidrado no ponto de onde ela saía do elevador, completamente sem palavras. Ela se trocou em dez minutos, mas estava...
Deslumbrante. Imediatamente fiquei ao mesmo tempo animado por estar perto dela e um pouco ressentido por essa complicação - Ruby - invadir aquilo que seria uma viagem rotineira, chata e fácil.
Engolindo em seco, fiz um gesto para a entrada de um dos bares do hotel, o Knave.
- Vamos comer algo?
- Sim, por favor - ela disse, com seu enorme sorriso e a longa silhueta vibrando levemente com empolgação, atraindo todos os pensamentos que restavam em minha mente. - Eu poderia comer uma vaca inteira agora. Espero que eles tenham um filé do tamanho do seu tórax.
Ergui uma sobrancelha achando aquilo divertido.
Ela riu enquanto procurava algo na bolsa, murmurando para si mesma:
- Juro que normalmente sou mais inteligente que isso.
Eu queria dizer que ela era divertida e entusiasmada. Mas segurei a língua; dessa vez, parecia que sua observação não a afetara tanto assim.
- Meu irmão estará lá - lembrei-a. - E seus amigos. Espero que não se importe. Eles são legais, mas são...
- Caras? - ela completou.
- De certa maneira, sim - eu disse com um sorriso.
- Oh, eu sei lidar com caras - ela disse, começando a andar junto comigo.
Eu notei, talvez não pela primeira vez, que ela possuía a habilidade de dizer coisas que, se fosse outra pessoa, poderiam soar convencidas, mas quando ela dizia era apenas divertido.
- Imagino que sim.
Virando-se para olhar meu rosto quando chegamos na frente do bar, ela disse discretamente:
- Isso é um elogio?
Seus olhos cintilavam sob as luzes, e novamente ela parecia já saber que, fosse ou não um elogio, com certeza não era um insulto. A verdade é que foi sim um elogio. O que eu deveria ter dito é que ela parecia saber lidar com quase qualquer coisa.
- Eu nem sonharia em insultar suas qualidades.
- Viu? - Ela sacudiu a cabeça levemente. Com um sorriso provocador, disse: - Eu nunca sei se você está tirando com a minha cara. Você é tão sisudo. Acho que vou te dar uma placa pra sinalizar ironia.
Eu sorri em resposta e me virei para a anfitriã do bar.
- Viemos encontrar nossos amigos. - E enquanto eu falava, avistei meu irmão e seus amigos lá dentro. - Ah, ali estão eles.
Sem pensar, enlacei o cotovelo da Ruby e comecei a conduzi-la para uma mesa cercada por sofás de veludo e poltronas macias. Seu braço estava quente e firme, mas quando percebi o quanto isso parecia um flerte, soltei-a. Era assim que eu conduziria uma namorada para a mesa, não uma colega de trabalho.
Eles notaram nossa aproximação quando ainda estávamos longe, e os homens sentados - Max, Will, Bennett e George - pararam de falar para nos ver chegando. Ruby era alta e magra, quase desengonçada, mas não de um jeito ruim. Sua postura era perfeita, o queixo sempre erguido.
Ela tinha a graciosidade de uma mulher de longas pernas que mal havia entrado na idade adulta.
Quatro pares de olhos se moveram do rosto da Ruby para seu corpo esbelto, descendo para os pés e depois subindo, antes de se virarem para mim com um
brilho renovado.
Maldição.
Eu sabia, sem precisar ouvir palavra nenhuma, o que meu irmão idiota estava pensando. Sacudi a cabeça discretamente, mas seu sorriso sacana apenas aumentou.
Todos se levantaram, cumprimentando a mim e se apresentando, um a um,
para Ruby. Mãos foram apertadas, nomes foram ditos e amabilidades trocadas.
Fui tomado por um nervosismo. Isso já não parecia mais um jantar de negócios, ou mesmo um jantar social com meus amigos. Senti que a Ruby estava sendo mostrada, como se eu a estivesse exibindo para eles. Como se fosse sua apresentação.
- Isso parece uma entrevista de emprego - ela disse ao tomar seu lugar ao lado do George num sofá de veludo vermelho. - Todos esses ternos.
Eu engoli em seco, sentindo meu rosto se aquecer com constrangimento e alívio quando percebi que ela não sentia o mesmo que eu. Não havia flerte entre nós.

Sempre fui péssimo para entender os sinais das pessoas.
- Esse é o problema do centro da cidade - Bennett disse com um sorriso fácil, depois fez um gesto para a garçonete.
- Um gim e tônica com bastante limão - Ruby disse, depois olhou rapidamente para o limitado cardápio do bar. - E um sanduíche de presunto serrano, por favor.
Uma mulher que gosta de gim e tônica, meu drinque favorito? Deus do céu.
Até o Max percebeu, erguendo as sobrancelhas na minha direção.
- O mesmo para mim - eu disse, entregando o cardápio para a garçonete.
- Mas com pouco limão.
- Então, de onde vocês todos se conhecem? - Ruby perguntou ao Max.
- Bom - ele inclinou a cabeça na minha direção -, esse cara aqui é meu irmão mais novo, claro. Ruby sorriu.
- Ouvi dizer que não é o único.
- É verdade - Max disse com uma pequena risada. - Somos dez irmãos. - Ele apontou para os outros ao redor. - O Bennett aqui eu conheci na faculdade; o Will eu conheci quando me mudei para Nova York, e tivemos a péssima ideia de abrir um negócio juntos...
- Sim, péssima, sua carteira reclama até hoje - Will disse ironicamente.
- O George aqui trabalha com minha esposa, Sara - Max finalizou.
- Sou o Faz-tudo dela - George esclareceu. - Arrumo sua agenda, encho as garrafas no escritório e escondo as páginas sociais quando ela e o Max são flagrados fazendo alguma coisa que não deviam.
Passadas as apresentações, voltamos nossa atenção, obviamente, para a Ruby, embora no meu caso acho que isso aconteceria de qualquer maneira. Sob a fraca luz de velas e contra o cenário de paredes espelhadas, pesadas cortinas de veludo e o chão de madeira dramaticamente polido, ela parecia quase brilhar.
- Há quanto tempo você mora em Londres? - Bennett perguntou. - Você claramente não é britânica.
- Sou de San Diego - ela disse, enquanto passava uma mecha de cabelo para trás da orelha.
Bennett ergueu uma sobrancelha.
- Minha esposa e eu nos casamos no Hotel Del Coronado.
- Que lindo! - O sorriso da Ruby poderia iluminar o salão mesmo no breu da noite. - Já participei de alguns casamentos lá, e foram maravilhosos. - Ruby agradeceu à garçonete quando ela trouxe nossos pedidos e tomou um gole de seu drinque. - Eu me formei em junho passado e me mudei para Londres em setembro, então já faz uns seis meses. Entrei no programa de estágio de um
ano na Richardson-Corbett, mas vou cursar a pós em Oxford no outono.
- Ah, teremos mais uma urbanista? - Max perguntou, olhando para mim.
- Não - Ruby disse, sacudindo um pouco a cabeça.
- Engenheira de materiais.
Meu irmão suspirou, fingindo alívio.
- Então você vai concordar comigo que urbanismo é a profissão mais entediante que existe?
Rindo, Ruby sacudiu a cabeça outra vez.
- Odeio desapontar você, mas minha tese na faculdade foi sobre urbanismo e políticas públicas. - Max gemeu ironicamente. - Espero voltar algum dia para a Califórnia vestindo um uniforme de super-heroína e revolucionar completamente o sistema de transportes de lá, ou a falta de um.
Acabei me inclinando um pouco em sua direção para ouvi-la melhor.
- O sul da Califórnia está lotado de carros - ela disse, quando o silêncio continuou. - Todo mundo viaja entre as cidades usando carro ou trem, mas não existe um jeito fácil de andar dentro das cidades sem dirigir.
Los Angeles cresceu muito, e muito rápido, sem um sistema integrado de transporte, então o projeto seria redesenhar um cenário urbano que já é complicado.
Olhando para mim, ela acrescentou:
- É por isso que quero trabalhar com a Maggie. - Tomando um gole e depois voltando para os outros, Ruby explicou: - Margareth Sheffield, a mulher com quem quero estudar, ajudou a criar infraestruturas ao redor de velhas estações de metrô, em espaços urbanos apertados.
Ela é genial.

Até o Bennett se juntou ao resto de nós olhando para ela com uma mistura de curiosidade e deslumbramento.
- Jesus. Quantos anos você tem, Ruby? - George perguntou.
Fiquei grato por George estar ali. Ele estava disposto a fazer todas as perguntas que eu queria mas nunca teria coragem de fazer.
Ela arrumou a mecha de cabelo de novo, fazendo um gesto que agora eu reconhecia como sendo seu sinal de desconforto.
- Vinte e três.
- Você é praticamente um zigoto - George disse, suspirando. - Toda essa ambição e você não têm nem um quarto de século ainda.
- Bom, e quantos anos você tem? - ela perguntou, com seu sorriso brilhante tomando todo o seu rosto. - Você não parece muito mais velho do que eu.
- Não quero falar sobre isso - George reclamou. - É depressivo. Estou praticamente alcançando a idade do Viagra.
- Ele tem vinte e sete - Will respondeu, empurrando o George de brincadeira.
- Mas, falando sério. Vamos direto ao assunto - George disse. - Você tem namorado, adorável-garota-de-vinte-e-três-anos-Ruby? - Virei o rosto imediatamente para baixo e fiquei olhando para o meu drinque. - E ele possui um amigo gay igualmente adorável?
- Eu tenho um irmão - ela desconversou, e depois franziu as sobrancelhas como se pedisse desculpas. - Acho-o adorável, mas, infelizmente, ele é hétero.
Eu poderia ter feito uma fortuna cobrando das minhas amigas para dormir em casa durante o colégio.
Bennett assentiu e disse:
- Gosto do seu espírito empreendedor. George chegou mais perto, dizendo:
- Não pense que não percebi o jeito como você escapou da pergunta do namorado. Por acaso eu preciso bancar o cupido enquanto você estiver em Nova York?
- Honestamente, acho que você não quer fazer isso. - Ruby levantou seu drinque e colocou o canudo na boca enquanto olhava em meus olhos. - Esse cara aqui pode confirmar, apenas meia hora atrás eu parecia uma indigente.
- Pelo contrário - argumentei. - Ninguém veste um roupão de hotel com mais dignidade que você.
Ela riu e depois tossiu, tentando engolir.
- Você é meu mentiroso favorito.
- Estou sendo sincero - eu disse, baixando meu drinque sobre a mesa. - Também fiquei impressionado com o jeito como você conseguiu deixar o cabelo espetado para todos os lados. Poucas pessoas conseguem isso apenas cochilando na cama do hotel.
Ela encolheu os ombros, sorrindo ainda mais com nossa troca de piadinhas.
- Muitos tentaram me ensinar os caminhos do cabelo alisado. Muitos falharam.

Todos na mesa estavam nos olhando cheios de insinuação.
Eu definitivamente teria que aguentar as provocações do Max mais tarde.
- Então, sem namorado - George disse, sorrindo de um jeito mordaz.
- Exato - ela respondeu.
- E não está interessada em ninguém em particular?
Ruby abriu a boca e depois imediatamente fechou, enquanto seu rosto corava.
E depois olhou ao redor da mesa com olhos apertados.
- Não me diga que vocês se encontram para falar de relacionamentos? Qual é o próximo assunto? Sapatos?
Bennett inclinou a cabeça na direção do George.
- O culpado é esse cara aqui. É só levar ele junto nos bares e isso acontece.
- Eu já disse centenas de vezes, Ben-Ben - George respondeu. - Você é o chefão durante o dia, eu comando quando a noite cai.
Bennett o encarou friamente, e fiquei olhando para o George enquanto ele lutava para não desabar sob a pressão.
- George - ele disse, finalmente, tentando não rir -, você nunca me disse isso.
Explodindo numa risada de alívio, George respondeu:
- Eu sei, mas achei que seria divertido falar. Estou só tentando impressionar a Ruby.
- Ruby, você vai acabar roubando o George de mim - Will disse, sorrindo.
- Dificilmente. - George esticou a mão e tocou o nariz do Will com cada palavra: - Ela. Não. Tem. As. Partes. Certas.
- Certo, certo - Bennett disse, apanhando seu drinque e tomando um longo gole. - Voltamos a discutir anatomia. Tudo está normal.
- Um silêncio recaiu sobre a mesa quando todos se viraram para olhar a Ruby se retirar do bar e subir para o quarto.

Ela foi absolutamente charmosa durante o jantar, e o grupo suspirou ao mesmo tempo quando ela pediu licença para ir embora por causa de nosso trabalho logo cedo.
Também fiquei triste.
- Olha só, quem diria.
Olhei para a expressão convencida do meu irmão.
- Agora que estamos sozinhos - Will começou -, acho que não precisamos mais fingir que nossa conversa será civilizada, não é? - Cada um deles
concordou e, ao meu lado, com seu drinque na mão, Will tomou um pequeno gole de uísque. - Também acho que podemos concordar que o Bennett será um importante consultor neste caso. Max riu.
- A conferência? - perguntei, confuso.
- Isso acontece sempre - Bennett acrescentou ironicamente. -Estagiária gostosa. Chefe em negação. Vou escrever um passo a passo para você não se ferrar no caminho.
Pisquei incrédulo, engolindo em seco quando entendi o que eles queriam dizer.
- Ela não é minha estagiária. Não tenho nada a ver com a carreira dela. - Sacudi a cabeça, frustrado, porque isso era exatamente o que eu não deveria ter falado. - Não estou... quer dizer, ela não está interessada. E nem eu.
Os quatro riram ao mesmo tempo.
- Niall - Will disse, apoiando os cotovelos nos joelhos. - Ela quase derrubou o drinque em você quando o George perguntou se estava interessada em alguém.
- Eu ia dizer a mesma coisa - Bennett comentou.
- E algo me diz que ela seria a primeira a se voluntariar para limpar - Will acrescentou.
- Bom, talvez seja porque ela está interessada em alguém que trabalha com a gente na RC.
- Exatamente. Você. - Max levantou seu copo e terminou o resto do líquido âmbar.
- Sinceramente - eu disse, lutando contra um sorriso. - Ela é uma garota fantástica, mas certamente não é uma opção romântica para mim.
Inclinando a cabeça, Bennett perguntou:
- Qual é a cor dos olhos dela?
Verdes, mas não falei nada. Balancei a cabeça como se não soubesse.
- O que ela estava vestindo? - Will perguntou.
Um vestido azul que chegava só até o joelho, mas também não falei nada.
Uma delicada corrente de ouro ao redor do pescoço e um anel no dedo anelar direito - que tive que resistir para não mencionar até o George lançar a bomba sobre o namorado.
Revirei os olhos, e meu irmão riu novamente, desta vez apontando seu drinque para mim.
- Caras não notam essas coisas a menos que estejam interessados.
- Ou se for o George - Will acrescentou, e o George agarrou sua nuca e tentou puxá-lo para um beijo.
- Bom, está óbvio que não preciso pensar mais sobre isso - eu disse. - Vocês todos já decidiram por mim.
- Essa é a nossa função - Will disse, ajustando o colarinho da camisa e se ajeitando na cadeira. - É um vício, nós sabemos.
- Honestamente, eu até achava que tínhamos perdido o dom - George disse.
- É um alívio saber que ainda estamos na ativa. As garotas ficarão tão orgulhosas. - Max bateu os dedos na mesa quando se levantou. - Bom, é melhor eu ir embora. Tenho uma nova rotina: a Sara coloca a bebê para dormir e eu dou mamadeira depois da meia-noite.
- Então sua filha finalmente está aceitando quando você dá a mamadeira? Aposto que agora você também cheira igual a uma mulher - eu disse para o Max, lembrando da piadinha que ele fez na minha última visita.
Max riu e deu um tapinha nas minhas costas, e todos levantaram, num acordo silencioso que dizia que era hora de ir para casa. Fiquei olhando meu irmão juntar suas coisas e se despedir, sentindo uma mistura de orgulho e um pouco de inveja daquilo que ele encontraria em casa: uma esposa, uma filha. Um lar.
- Dê um beijo nas garotas por mim - pedi, enquanto ele saía do bar. Ele acenou, depois desapareceu de vista.

O bar do hotel pareceu completamente deserto, silencioso de um jeito opressor, agora que os quatro tinham ido embora.
Deixe-me descrever melhor a inveja que senti. Não era uma amargura ou nada ruim desse jeito. Acontece que eu havia percebido, quando visitei o Max e a Sara há algumas semanas, que eu sabia o que eu queria - estabilidade, uma esposa, uma família - mas agora estava muito longe disso. Nunca fui bom com mudanças, e parecia assustador encarar a ideia de alterar minhas expectativas sobre a vida e meu futuro pós divórcio.
Não tinha percebido até agora o quanto eu havia evitado até mesmo pensar sobre como a vida seria daqui em diante e como eu gostaria que ficasse.
Eu simplesmente apertei o botão PAUSE.
Por sete meses, segui em frente no automático: centrado no trabalho, no futebol e no remo nos fins de semana; saindo à noite ocasionalmente com meus amigos, Archie e Ian.
Porém, para conseguir o que eu queria, seria preciso me expor e conhecer alguém.
E agora, através do poder da sugestão - do Tony, Max, Will e do Bennett, até do George - ou talvez, simplesmente, por estar na presença de uma mulher
linda e doce, meu cérebro imediatamente começou a imaginar se a Ruby poderia ser o tipo de mulher com quem eu sairia. Mas eu não queria investir em Ruby simplesmente porque os outros pensavam que eu deveria, ou porque possuía esse espaço vago em minha vida. É claro que eu a achava atraente, e - em alguns lugares secretos da minha mente - podia
facilmente me imaginar tentando algo com ela.
Será que eu conseguiria ter uma relação com paixão e honestidade, com um grau de lealdade que nunca senti com Portia? Minha lealdade sempre fora primeiro para ela, mas a dela nunca deixou de ser primeiro para seus pais, deixando-me num distante segundo lugar. Nunca me ocorreu que isso era estranho, mas olhando agora eu sabia que isso significava que nunca seríamos capazes de uma verdadeira parceria em nosso casamento.
No último ano ou dois, entendi que estava resignado em ter a Portia como minha parceira simplesmente porque ela era grande parte da minha história.
Mas, apesar da minha hesitação e reserva, fui criado numa casa cheia de amor, crianças e as mais absurdas aventuras. Embora não fosse eu quem criasse a espontaneidade e a animação, precisava disso ao meu redor, daquela maneira passiva que as pessoas precisam de ar ou calor.

O rosto divertido e sapeca da Ruby pairava em meus pensamentos quando
peguei o elevador para meu andar.
Era como se ela tivesse aparecido para mim no momento perfeito. Não
necessariamente para que eu pudesse me aproximar com intenções românticas, mas para eu adquirir uma perspectiva sobre quantos tipos diferentes de mulheres existem por aí - e de que nem todas são iguais à Portia.
Desfazer uma vida compartilhada com ela foi um processo gradual e
excruciante. Primeiro, o apartamento: quase sem discussão, decidimos que
ficaria com ela. Depois, o carro: também dela.
Portia ficou com o cachorro, a
mobília e uma grande parte da poupança. Deixei tudo para trás,
surpreendentemente aliviado.
Ela foi meu primeiro beijo, meu primeiro amor, meu primeiro tudo. Casamos com dezenove anos, e eu queria continuar casado, apesar do martírio, por mais que isso estivesse fora de moda.
Acontece que num certo dia nosso tormento alcançou o ponto onde eu não conseguia enxergar uma razão para continuar.
Não conseguia mais enxergar ela sendo ardente comigo de novo, e também para mim o sexo há muito havia se transformado em algo mecânico e indiferente. Há anos não falávamos sobre crianças e, para ser justo, eu não conseguia imaginar a Portia amando seus filhos da maneira como minha mãe nos amava: com beijos entusiasmados em nossa barriga e constantes lembretes físicos de adoração maternal.
Agora, meses após o divórcio, eu me pergunto como pude imaginar uma vida com ela: numa casa asséptica, fria, com tudo perfeitamente arrumado.
No fim, nosso divórcio foi desencadeado por algo tão inócuo quanto remarcar um almoço. Eu havia recebido um aviso de uma reunião que ultrapassaria a hora em que deveríamos nos encontrar no restaurante.
Portia geralmente trabalhava em casa, mas uma hora de flexibilidade foi pedir demais.
- Você alguma vez já considerou o meu dia? - ela perguntou. - Alguma
vez já considerou o que eu coloco de lado para passar tempo com você?
Pensei em todas as férias românticas que ela havia cancelado, e os jantares de comemoração que havia perdido porque ficou até tarde na casa das amigas, ou porque esqueceu; ou quando estendeu suas férias com as amigas porque estava se divertindo demais.
- Eu tento considerar.
- Mas não considera, Niall. E, honestamente, estou cansada disso.
Sendo a Portia, ela precisava ter a última palavra. E, naquele momento, com uma lucidez que eu não estava esperando, conformei-me com a ideia de aquela ser a última palavra. Eu simplesmente queria uma saída.
- Eu entendo, Portia. Todo mundo tem seu limite.
Ela se assustou um pouco quando usei seu nome; eu só a chamava de "amor".
- Já chega - ela disse, irritada. - Niall, estou me afogando. Eu
simplesmente não consigo viver minha vida e carregar o peso de tudo isso.
Tudo isso, ela disse, significando: nós. Significando: o peso de um casamento sem amor.
Ela me olhou, movendo os olhos por meu rosto, descendo pelo pescoço, chegando onde minhas mãos descansavam confortavelmente nos bolsos da calça.
Eu nunca conseguia evitar a suspeita de que, quando me olhava daquele jeito, ela estava me comparando a outra pessoa. Alguém mais elegante, menos alto, mais americano, menos paciente com ela.
Após minutos de intenso silêncio, ela voltou a falar.
- Nós não nos parecemos mais - começou a dizer, com a voz indiferente - naturais, como antes.
E foi assim.



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