1995
Sarah observava sua avó levantar a taça, comemorando mais um ano de sucesso do empreendimento da família. A avó paterna era um exemplo de tudo que Sarah queria ser – não por quem a avó era, mas pelo que ela tinha.
– Muitos insistem em dizer que mulheres não conseguem nada sozinha. Muitos se enganam. Eu ergui meu império sozinha, e é com as mulheres da minha família que ele ficará! – e todos brindaram.
A jovem olhou para Linda; tão perfeitamente inocente e burra. A menina mal tinha empatia pela mãe, e a mãe de certa forma sentia o mesmo, depois de ter sido marcada pelo episódio em que descobriu que a própria filha tinha matado o animal de estimação. Linda vivia com uma sombra em casa, e Sarah estava feliz em ser temida.
“Dessa família podre, eu sou a mais digna”, Sarah pensou. ”E eu prometo que tudo isso vai ser meu.”
2016
O sol já entrava radiante pela casa dos meus pais enquanto eu me dirigia do meu quarto para a cozinha. Foi no corredor que os sussurros chamaram minha atenção.
– Acha que devemos mostrar isso pra ele? – minha mãe soava tensa, como tem feito nos últimos dois anos.
– Não sei. Ele já provou que consegue suportar bastante, mas... acho que ele está mais seguro aqui.
– O que é que eu não deveria ver? – interrompo com a voz alta.
Daniel tenta forçar as palavras pra fora, mas fica mudo. Minha mãe acena positivamente, e meu pai vira a tela do notebook.
– Essas são filmagens do último andar do prédio da universidade antes do corpo de Jamie Kora ter sido encontrado.
Observo o vídeo. Jamie, ainda viva, anda de um lado pro outro parecendo desesperada. Minutos depois, acena pra algo fora da câmera e vai até ele. Uma figura toda de preto surge do lado direito da imagem e vai lentamente atrás dela. Mas, antes de sumir, olha para a câmera.
Sinto o suor frio como já senti vezes antes, quando o assassino era outro. Sim, assassino. A figura usava uma máscara – não a mesma de James. Era uma máscara feminina, com o espaço vazio no lugar dos olhos e um grotesco sorriso que fazia as bochechas se saltarem. Finalmente, aquilo sai da imagem pelo lado esquerdo e nada mais aparece.
– Ela foi assassinada – minha voz treme, enquanto me dou conta de que aquilo realmente estava acontecendo outra vez. – Jamie foi assassinada. E por minha culpa. Mais uma vez.
– Jeremy, isso não tem nada a ver com nada do que aconteceu aqui – meus pais vêm pra cima de mim, mas me esquivo.
– Tem sim – Ally surge, com suas lágrimas, apoiada na porta. – Jeremy, você tem que contar.
– Quando... Bom, quando eu e ela estávamos na universidade, nós dois fomos... ameaçados, de certa forma. Eu encontrei papéis xingando minha mãe, a Elizabeth, nas minhas coisas, e Ally recebeu alguma coisa que envolvia a infância dela.
– É por isso que vocês foram procurar James? – Daniel perguntou, com o rosto ilegível.
Ally e eu trocamos olhares.
– Como foi que você descobriu?
– Esse não é o tipo de coisa que se esconde de mim. Por que fizeram isso?
– Queríamos saber se aquelas ameaças eram pra valer – a voz de Ally preenche o quarto. – Mas ele se matou antes que pudéssemos fazer qualquer pergunta. Agora eu sei que são.
– É uma coincidência absurda – Daniel falou por fim, e entendemos o que ele queria dizer.
– Acha que foi de propósito?
– Ele andou sendo procurado nos últimos tempos. Inclusive poucas horas antes de cometer suicídio. Talvez tenha sido induzido.
– Então ele sabia de alguma coisa – Ally completou. – Isso significa que não é uma brincadeira. Alguém realmente quer terminar o que ele começou.
– Vocês correm risco mesmo aqui – meu pai se levantou. – Eu sei de um lugar onde vocês podem ficar.
***
A casa tinha, em partes, sido tomada pela floresta. A rua inteira tinha sido excluída do mapa de Pettenscurt, mas as casas vazias continuavam lá, como uma cidade fantasma. A casa da minha verdadeira mãe era a mais bonita.
– Fizemos um esforço pra manter a casa bonita ao longo dos anos.
– Isso é... inacreditável – falo, emocionado. – Eu nunca soube da existência dessa rua. É realmente como se tudo relacionado à Elizabeth tivesse sido apagado.
– E foi. Menos meu amor pro ela.
– Tem certeza que me quer aqui? – Ally pergunta, parecendo envergonhada. – Essa é a casa da sua mãe. Eu não deveria invadir esse espaço. Posso ir pra qualquer lugar, não precisa ficar comigo.
– Ally, você tem que parar com isso. É parte da minha vida agora. E eu sei que você nunca teve uma mãe, então isso vai ser bom pra nós dois.
Ela acenou positivamente e me deu a mão. Entramos.
A casa tinha um estranho cheiro de passado. Os móveis tinham sido claramente substituídos, mas as pinturas e papéis de parede pareciam antigos. Andamos de corredor em corredor até achar o quarto da Elizabeth.
– Você teria adorado ver como era antes. – meu pai fala, na porta. – Elizabeth gostava de tocar piano, Nirvana e colecionar pelúcias. – ele ri com a lembrança e sai. Ouço o carro ir embora.
Respiro fundo.
– Vamos procurar um quarto que não seja o dela e arrumar nossas coisas.
***
– Esse lugar me deixa estranho. Queria poder ter conhecido minha mãe.
– Tenho certeza que Elizabeth era uma pessoa maravilhosa – Ally acariciou meu cabelo.
– Às vezes eu sempre penso como tudo seria diferente se James nunca tivesse entrado na vida dela.
– Jeremy, o que aconteceu já aconteceu e infelizmente não podemos fazer nada pra mudar isso. Temos que nos preocupar com o agora. Você acha que Liam e os outros estão bem?
– Com certeza – tento inspirar confiança. – Isso é com a gente. Se não estamos lá pra ver o teatrinho psicótico do assassino então ninguém corre perigo.
Porém nem eu tenho certeza. Esconder o medo é um esforço diário. Demoro um tempo preso em meus pensamentos até perceber que Ally está tentando tirar minha camiseta. Vou na onda e termino de deslizá-la. Nossas bocas se unem num beijo quente e desesperado.
E, durante o nosso momento de prazer dividido, penso que talvez o descanso da morte não seja uma opção tão ruim comparado a uma vida de medo infinito.
***
– Jeremy! – as mãos dela me balançam. – Jeremy!
– Ally? – seguro as costas dela, acordando aos poucos.
– Você tem que ver isso. Olha – ela estende o celular pra mim.
Na foto, reconheço Liam ensanguentado. Movimentos curtos indicam que ele ainda está vivo. As mãos estão amarradas em uma cadeira, e o lugar é todo escuro.
– Ally, não é seguro...
– Jeremy, eu não posso deixar isso acontecer com o meu amigo. Se você ficar, eu vou.
– Vou pegar minha mala. Precisamos voltar pra lá.
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