1998
A brisa da noite causava uma sensação boa em Sarah. Ela bebia aos poucos a bebida espumante e cara na taça em que segurava. Um tilintar na mesa chamou a atenção de todos. Era Linda quem falava:
– Queremos agradecer a todos os amigos e familiares presentes nessa reunião e fazer um anúncio especial.
“É agora”, pensou Sarah. “Eles vão passar a empresa pra mim.”
– Minha Linda esta grávida – o pai dela disse. – Outra menina está chegando na família!
Em meio aos aplausos, o copo de vidro quebrou na mão de Sarah e os cacos penetraram na sua carne. Não podia ser. A herança ficava com a mais nova. Se Sarah tivesse uma irmã, perderia as conquistas da avó.
Naquele instante de raiva, Sarah soube que teria poucos meses para bolar um plano e tirar o empecilho ainda nem nascido do jogo.
2016
– O que está acontecendo? Se vocês vão, eu vou com vocês – Emily soa eufórica. Ela, meus pais, Ally e eu estávamos reunidos em caos na sala da casa de Elizabeth.
– Emily, não posso permitir isso – digo. – É muito perigoso.
– Perigoso quanto?
– Pai, mostra o vídeo pra ela.
Daniel voltou com o vídeo das câmeras e assistimos novamente. Emily parecia apavorada, mas concentrada.
– Essa foi a primeira vítima – continuo quando o vídeo acaba.
– Vocês viram o que eu vi? – Emily olha pra todos os lados. – Esse vídeo tem um corte. Um corte intencional.
– O que?
– Vejam de novo – e o vídeo é colocado em repeat. – A pessoa, seja o que for, não veio logo que ela saiu. Alguma coisa aconteceu entre o sumiço dela e a aparição do... assassino.
– É verdade – Daniel conclui. – Mas como vamos saber qual o conteúdo perdido?
– É o que vamos descobrir – respondo.
***
Já fora de Pettenscurt, o motel de beira de estrada parece hostil quando eu, Ally e Emily entramos. Ninguém além de nós e Daniel sabe onde estamos exatamente. A ideia de Ally e Emily dividirem um mesmo pequeno espaço parecia uma fagulha pronta pra explodir.
– Jeremy, e agora? Você pediu pro seu pai não mandar a polícia – Emily pergunta.
– Temos que descobrir onde prenderam o Liam – Ally parece decidida.
– Como?
– Como já fizemos. Jogando o jogo do assassino. – respondo enquanto as memórias voltam.
– E eu consegui uma dica – os dedos de Ally se moviam frenéticos no teclado do celular.
– Ele está falando com você? – pergunto, chocado.
– Eu te disse que isso é sobre mim. Tenho que voltar pro prédio da universidade. E não tente me convencer do contrário. Liam precisa de ajuda.
***
Sem alunos, o prédio de universitários está totalmente vazio e escuro, e o som das respirações tensas deixa tudo mais agoniante.
– Vamos de elevador?
– Alguém deveria ir, mas é mais fácil pra achar ele ou fugir pelas escadas.
– Eu vou pro elevador – Emily aperta o botão e entra antes que eu possa dizer qualquer coisa.
Silêncio novamente. Liam estava em algum lugar, mas não parecia ser lá.
– Precisamos ir pro apartamento – Ally diz enquanto subimos as escadas.
– E se for uma armadilha?
– Temos armas dessa vez. Eu enfio uma bala na testa dele.
Acabo cedendo. Subimos até achar o andar antigo e abrimos a porta para o corredor. A porta do nosso apartamento bate, semiaberta. Alguém esteve lá.
Respiro fundo com a arma e a lanterna em mãos e chuto a porta. Ally consegue acender a luz. Ouço o berro sair da boca dela ao ver Liam sem roupa e desacordado, amarrado na cama.
– Liam! – ela corre pra tirar a mordaça da boca dele enquanto eu faço esforço pra desamarrar as cordas. Depois de um tempo, a boca abre numa tosse desesperada.
– O que? – Ally pergunta, com lágrimas nos olhos, até entender que tem algo impedindo a passagem do ar. Os dedos dela descem pela garganta. – É um... pendrive – ela finalmente diz, a voz quase sussurada. E nós teríamos que verificar o conteúdo.
Encontro uma coberta e levo até ele. Liam permanece em silêncio. Guardo o pendrive no bolso e deixo Ally se recuperar. Percebo que Emily ainda não chegou.
O grito invade o andar assim que o elevador abre. Saindo dele, Emily geme com a faca apontada pra garganta. Atrás dela, a máscara da figura parece ainda mais horrível. Sinto que minha alma deixou meu o corpo. Levanto minha arma enquanto Ally nos encontra, e ela faz o mesmo.
– Nem pensem nisso! – a voz masculina estranhamente familiar sai da máscara. – Movam um dedo e eu mato ela.
Me preparo pra atirar mesmo assim, mas Emily acena duramente a cabeça pra não atirar, e aquilo me desabilita.
– O que você quer? – Ally se esforça pra ser ouvida.
– Não sou eu quem quer. Mas recebi ordens te de manter a salvo, por enquanto. Gostou da brincadeira com o seu amigo?
– Filho da puta. Chega! – ela grita, e percebo que ela vai atirar. Me jogo no braço pra não deixar isso acontecer. A arma cai. Emily também se mexe, mas não consigo ver o que aconteceu.
Quando nos levantamos do chão, é Emily quem segura a faca no pescoço do assassino. Um chute na cabeça. Dois. Corremos.
– Acabou – digo, mobilizando as pernas dele e levantando a máscara. O rosto leva uns milésimos pra fazer sentido, e então reconheço os cabelos enrolados. – Nicholas?
– Gostou da mensagem que eu deixei na sua mala?
– Foi você.
– É claro que foi. E não parou por aí.
– Jamie? Foi você?
Nicholas ri.
– Não. Poderia ter sido. Eu até ajudei a posicionar, mas... não.
– O que quer dizer com isso?
– Não vai ser tão fácil dessa vez, Ally. Não sou eu. Somos nós. E ela era uma de nós.
Ally parece quebrar.
– Isso não explica nada – continuo. – O que...
E, num segundo, a cabeça de Nicholas dá lugar a um esparramado vermelho no chão. Tento parar o tremor no meu corpo pra de onde o tiro veio. Liam segura a arma firmemente, sem dizer uma palavra.
***
Conecto o pendrive no computador e espero carregar. Ally cuida de Liam no quarto. Fico encarregado de ver o que foi cortado das câmeras. Um vídeo abre.
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