-Fica calma! Senta - Acompanhei ela até o sofá na sala - Espera aí, vou te fazer um chá.
Voltei para a cozinha um pouco assustada com a notícia, mas eu já tinha feito 18 anos, quer dizer, podia responder por mim mesma. Peguei uma caneca de metal e xícaras no armário, escolhi chá de camomila no potinho de ficavam os saquinhos. Fui esquentando a água o mais calmamente que conseguia, ouvia minha mãe ainda abalada com a situação, fungava bastante.
Quando ficou pronto, enchi as duas xícaras com a água quente e açúcar, peguei colheres e levei para minha mãe já com os saquinhos dentro. Sentei ao seu lado lhe entregando uma das xícaras.
-Toma um pouco, respira e me conta.
Após um tempo de silêncio enquanto ela tomava o chá e respirava mais controladamente, bebeu mais alguns goles, deu um longo suspiro e começou:
-Seu pai, aquele corno! Chegou depois de você ir, ele nem avisou que viria - Fungou novamente - Disse que recebeu uma proposta de emprego lá no Canadá, ele vai e quer te levar junto.
-Mas eu? Por que eu?
-Segundo ele, ele quer tentar um novo recomeço com você, acha que vai ser legal ir lá para uma nova vida e quem sabe até uma faculdade.
Pela faculdade fazia sentido, mas um recomeço? Estava um pouco estranho. Não ia deixar minha mãe nas situações que ela estava, ela ainda precisava de suporte. Passar as férias com ele tudo bem, mas morar já era demais.
-Até que pela faculdade vale a pena - Minha mãe me lançou um olhar desesperado, mas normalizou de novo quando terminei a frase - Mas não quero ir.
-Sério? Pensei que você ia querer ir - Ela tornou a desabar em lágrimas.
Tomei todo chá da minha xícara e fui consolar.
-Sim, vou ficar para te ajudar, não seria justo te deixar aqui. Além disso, nem faculdade quero fazer agora. Daqui um tempo sim, mas não agora - Fiz questão de repetir que não queria só para ficar claro.
-Ah, filha - Ela cobriu o rosto com as mãos.
-Vou falar com meu pai, pode ficar tranquila, agora se acalma e vai dormir.
Depois de acalmar ela, mais duas xícaras de chá foram bebidas, e agora íamos deitar. Não foi tão difícil cair no sono, apenas estava um pouco agitada, mas cansada. Então mandei uma mensagem de agradecimento e boa noite para Yoongi, só então pude capotar sem culpa.
Quando acordei fui checar o celular para ver se tinha alguma mensagem, Suga tinha respondido os agradecimentos e perguntou se íamos nos encontrar novamente.
Lucy: Claro! Se der pra você.
Fiquei deitada esperando sua resposta, mas ela não vinha. Desci para ver televisão enquanto aguardava. Domingo, como sempre o pior dia para programas. Uma hora havia se passado, minha mãe ainda não tinha descido, então fui fazer o almoço.
Nada muito complicado, até porque as minhas habilidades na cozinha eram críticas, um macarrão já estaria de bom tamanho. Minha concentração estava toda nas panelas, até que ouvi meu celular vibrando. Era a resposta de Suga.
Suga: Vou estar livre, mas vou ter que ficar com os meninos. Você pode ficar aqui também, pode ligar a câmera agora?
Lucy: Posso.
Assim que o celular recebeu a chamada de vídeo atendi imediatamente. Ele estava bem arrumado, cabelo perfeitamente alinhado e uma camisa que parecia social.
-Por que você está tão arrumado? - Já achei que ia sair com alguma amiga de novo.
-Eu e os meninos vamos ter uma sessão de fotos hoje a tarde. Não precisa surtar - Ele já previa o futuro, incrível.
Posicionei o celular para que pudéssemos conversar enquanto eu fazia a comida.
-Que horas?
-Lá pelas seis horas, quando acabar eu te aviso, e então posso ir te buscar, ou peço para um táxi ir - Talvez eu estivesse completamente apaixonada, cada palavra fazia eu soltar um suspiro, só não queria admitir.
-Tá bom - Mal podia olhar para a tela, ele estava tão bonito que fiquei sem graça.
-Eu não sabia que você cozinhava - Ele fez gestos tentando olhar o que eu fazia nas panelas.
-Eu não cozinho, mas tento - Peguei o celular para mostrar as panelas.
-Parece bom, quero experimentar algum dia - Era um bom sinal, ele queria me ver futuramente.
-Se você me ajudar sim - Ele acenou a cabeça positivamente.
Minha mãe apareceu na cozinha após alguns minutos, o primeiro a notar foi Suga, então ela também entrou na conversa. O macarrão ficou pronto, minha mãe arrumou a mesa e Yoongi pegou uma refeição oferecida no hotel para "almoçar com a gente". Foi quase como um almoço comum, a única coisa estranha é que estava sendo virtualmente, mas funcionava do mesmo jeito. Comemos enquanto conversávamos, foi uma experiência divertida.
Ele ficou ali o tempo todo, até quando fomos lavar a louça, e depois quando mostramos os programas na televisão, ele se assustou com as vestimentas das dançarinas e assistentes de palco, foram algumas horas com nós três jogando conversa fora, até que ele foi chamado a fim de terminar os preparativos para a sessão de fotos.
E assim que desliguei a tela e coloquei o celular para carregar, a primeira coisa que minha mãe disse foi:
-É, Lucy. Ele me parece ser um bom menino, quantos anos ele tem mesmo?
Notei que ainda não tinha falado, estava com medo da sua reação, então tentei enrolar um pouco, mas não adiantou, ela me fez falar.
-Bom... Vinte e quatro.
-Vinte e quatro?! - Ela quase gritou arregalando os olhos - Jurava que ele tinha uns vinte anos!
-É uns vinte mais quatro.
-Besta - Ela me deu um tapa de leve - Só não falo que ele está muito velho pra você porque não está. Uma vez namorei um menino que tinha dez anos a mais que eu...
E ela novamente se perdeu contando suas histórias de adolescência. Sua reação me surpreendeu de novo, achei que ela ia brigar comigo ou dar sermão, mas essa do namorado dez anos mais velho eu não sabia. Foi uma história um tanto quanto hilária.
Depois de mais três histórias sobre namorados, já ia dar seis horas, então achei melhor me arrumar. Banho, guarda-roupa, cabelo, maquiagem. Nada muito extravagante, só o suficiente para parecer saudável.
Era quase sete e meia quando terminei o último traço do lápis de olho, mas comecei a escutar vozes e uma movimentação estranha vindo da cozinha. Desci as escadas correndo para ver o que acontecia.
Meu pai... Ele estava na cozinha discutindo com a minha mãe.
-O que você está fazendo aqui? - Estava indignada pela presença dele. Justo naquela hora, a qualquer momento Suga podia me avisar que estava tudo pronto.
-Por que você está toda arrumada desse jeito? - Ele veio de braços abertos, abracei meio que por obrigação, minha mãe só ficou encostada no armário.
-Eu pretendo encontrar um amigo - Ele me soltou.
-Que amigo é esse?
-Você saberia se tivesse vindo no meu aniversário - Não queria conversa.
-Putz, achei que você não seria rancorosa.
-Pai, você nem ao menos me telefonou ou qualquer merda! - Eu não costumava falar palavrão na frente dos meus pais, mas as vezes escapava.
-Calma, Lucy! Não gosto que você fale palavrão.
-Merda não é palavrão! - Ele devia ter notado minha alteração.
-Lucy, se senta, eu quero conversar numa boa - Vi que também não estava tão calmo como queria transparecer.
-Tá bom, mas antes eu vou pegar meu celular.
Fui até a sala e peguei o celular do carregador, voltei para a cozinha e me sentei no lugar que estava vago, nas outras duas cadeiras meus pais já haviam se sentado. Minha mãe estava muito seria, assim como meu pai.
-Como sua mãe já deve ter falado, recebi uma proposta de trabalho no Canadá, vou ir e quero te levar comigo.
-Por que eu?
-Você não quer recomeçar a vida? É uma ótima oportunidade para fazer uma faculdade decente e uma vida boa.
-A única pessoa que precisa recomeçar de vida aqui é você!
-Lucy! - Ele bateu as mãos na mesa com força e aumentou o tom de voz - Eu só quero te ajudar!
-Não fala com ela desse jeito, ela não fez nada de errado! - Minha mãe me defendeu e ele a olhou com muita raiva.
-Estou vendo o quanto você se importa com a gente, as "duas mulheres da sua vida", vem aqui e começa a gritar e ainda quer me levar pra longe! - Não admitia que alguém desrespeitasse minha mãe.
-Olha... - Ele falou mais baixo, tentando apaziguar a situação - Estou tentando melhorar as coisas, agora por favor escute.
Permaneci quieta, ele estava se explicando, não parou de falar pelos próximos vinte e cinco minutos, até que recebi a tão esperada mensagem e senti um frio na barriga.
Suga: Está pronta?
Respondi imediatamente.
Lucy: Quase, meu pai apareceu aqui, só espera mais um pouco.
Meu pai ficou visivelmente desconsertado com a situação.
-Você não deve mexer no celular enquanto falo com você.
-É meu amigo, já está tudo pronto para que eu encontre ele.
-Você não vai a lugar nenhum enquanto eu não terminar de falar.
-Eu não quero ir para o Canadá - Tentei parecer o mais calma possível.
-Mas Lucy, vai ser melhor pra você - Ele tornou a se alterar.
-Minha mãe! Não vou largar ela pra ir morar com você.
-Aah, então você já fez a cabeça dela - Ele apontou para minha mãe.
E lá se foram mais alguns minutos em que eles ficaram discutindo fervorosamente. Já ia dar oito e vinte, eu devia estar no hotel com Suga. Perdi um pouco a cabeça.
-PARA! - Eu gritei enquanto batia na mesa e me levantei da cadeira, os dois pararam de repente e me olharam assustados - Ninguém fez minha cabeça! Caso você não tenha percebido, eu fiz dezoito anos, posso responder pelos meus atos.
-E você podia passar mais tempo comigo.
-Eu passei, passei quase minha vida inteira grudada em você! Esperava que continuasse mesmo depois do que você fez? Você tem a noção do quanto eu te admirava?!
-Estou tentando consertar as coisas! - Ele também se levantou da cadeira.
-Esse não é o melhor jeito de se arrumar situações ruins! E por que você não veio mais cedo?!
-Eu estou indo atrás das papeladas para a mudança. Por que você está tão apressada?
-Eu devia estar com meu amigo agora, mas você chegou! - Apontei para a porta - Ele só vai ficar até amanhã no Brasil!
-Não gosto que você fale desse jeito comigo!
-Eu nunca falei! Estou falando agora, você acha mesmo que vou conseguir te tratar normalmente depois de tudo?
-Eu est... - Não deixei ele terminar a frase.
-"Eu estou tentando melhorar a situação" - Imitei ele falando - Se você não tivesse fodido tudo não precisaria consertar nada!
-Lucy! - Ele empurrou a cadeira e se aproximou. Meus olhos começaram a marejar.
-E está fodendo tudo de novo!
Senti sua mão quente dando um tapa em meus rosto, ardeu muito, então as lágrimas escorreram.
-Desculpa, Lucy!
-Você é realmente o babaca que minha mãe contou que era, eu nunca iria querer morar com uma pessoa como você!
Quando percebi já estava subindo as escadas e escutava os berros da minha mãe brigando com ele. Eu chorava descontroladamente, me tranquei no quarto. Era oito e meia, Suga ia embora e eu não pude o ver, agora já estava tarde para ir, eu teria que voltar logo por causa da escola, a única coisa que esperava era que ele não me odiasse. Levei um tapa do meu pai, coisa que nunca me aconteceu antes, talvez eu tivesse merecido. Mas no rosto? Eu teria exagerado? Estraguei tudo com todos?
Minhas mãos se movimentavam quase que automaticamente, estava fazendo uma chamada de vídeo para Yoongi. Ele não demorou a atender.
-Desculpa! - Eu soluçava aquela altura.
-Calma, Lucy! O que aconteceu? - Vi que ele estava sentado no chão, mas levantou e foi para outro quarto, olhando preocupado para a tela.
-Meu pai... Agora não vamos poder nos ver.
-Por que? Se acalma. E por que seu rosto está vermelho?
-São quase quarenta minutos para ir e voltar, se eu fosse agora, ficaria pouco tempo, não compensa. E meu pai me deu um tapa na cara - Tentei secar as lágrimas, porém, mais saíam dos meus olhos - Eu estraguei tudo!
-Não estragou, está tudo bem - Tentava me acalmar, era muito fofo.
Ele ficou alguns minutos se esforçando para que eu ficasse o mais calma possível, até que disse que já voltava. Fiquei mais tranquila aquele momento, ele me convenceu de que eu não tinha estragado tudo. Não demorou muito para que ele voltasse.
-Conversei com os staffs e managers aqui, eles disseram que você pode vir a tarde no hotel antes de irmos.
Eu dei um sorriso de doer as bochechas, as lágrimas que agora caíam não eram mais de tristeza. Acho que já amava aquele menino.
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