O vento congelante toma conta de meu corpo assim que desligo o chuveiro e tremo com rapidez. Puxo a toalha, enrolo-me nela e caminho atrás das peças que já estão separadas sobre minha casa. Visto meu traje íntimo, duas blusas ― uma fina e uma grossa ―, calça legging e botas. Ajeito meus cabelos em um rabo-de-cavalo forte e para não perder um pouco de minha vaidade, passo um batom bem fraco em meus lábios.
Desço após pegar minha bolsa e na cozinha, alimento-me de torradas e um copo de leite com café. Saio de casa e caminho para meu emprego. É tão bom poder dizer essa frase e pensar que consegui logo de primeiro me traz um orgulho inexplicável. Pela cara de Payne, jurava que seria escorraçada e humilhada, mas até que ele foi um tanto brincalhão comigo. Tenho certeza de que é um homem bem-educado, ou apenas deve ter feito aquilo por não dar uma má impressão nessa primeira vez e iludir-me com a idéia de um ser humano justo. Pessoas que possuem dinheiro tendem a serem assim.
Avisto o edifício de Liam e adentro com um enorme sorriso. Além de já ter chegado um pouco antes do horário que deveria, o ambiente está quente e confortável, era o que meu espírito precisava para um primeiro dia.
Cumprimento o porteiro do dia e dou-lhe as devidas explicações para que ele não pense que sou uma doida que quer invadir os apartamentos alheios. Ele aponta para um outro canto do hall sem ânimo e volta seus olhos a revista. Apesar de minha felicidade matinal, parece que ele apenas se importa com modelos de carros.
Caminho para o elevador e rumo para a cobertura com aquele mesmo sorriso. Eu não consigo conter nenhum pouco da minha animação porque agora poderei quitar boa parte de minhas dividas e ter um empurrãozinho para a vida que sempre quis.
As portas abrem e ando para fora, passando os olhos por cada canto a procura de Payne. Não encontrando-o, sigo meu caminho para a cozinha. Liam não disse nada, mas acho uma boa idéia preparar um belo café-da-manhã para ele.
Deixo minha bolsa sobre a pequena mesa e vasculho os armários e a geladeira, atrás de algo que tenha a cara dele e agrade o seu paladar. Por fim, faço uma torta de limão, vitamina de abacate com mel e salada de frutas vermelhas. Ajeito tudo em uma bandeja e uma dúvida paira sobre minha mente: devo ir atrás de Liam ou espero-o descer?
Após passar certos minutos pensando, decido ir. Pego a bandeja e caminho em direção a escada que leva para o segundo andar. Assim que piso no primeiro degrau, escuto o barulho da maçaneta e viro para a porta. A mesma abre-se e posso ver Liam.
― O que faz aqui? ― questiona e franzo o cenho. Será que esqueceu-se de que agora trabalho para ele?
― Vim trabalhar. ― sorrio de forma aberta.
― Tão cedo?
― Combinamos esse horário, ou esqueceu? Até deixou a porta aberta para mim. ― Liam não responde-me. ― Fiz seu café-da-manhã. ― ergo a bandeja.
― Por quê? ― aproxima-se e desço o degrau.
― Porque achei que o Senhor estaria com fome. ― seu olhar repreende-me e praguejo-me em um murmúrio. ― Desculpe-me pelo Senhor.
― Será difícil lidar com você. ― balança a cabeça de forma negativa e anda sentido a cozinha. Sigo-o e vejo-o sentar sobre a mesa onde está minha bolsa. ― Mas daremos um jeito.
― Prometo que irei parar com isso. ― sirvo-o. ― Bom apetite.
― Espero que sim. Agora, vá e faça o que tiver que fazer.
Assinto e procuro por onde começar. Apesar de Liam ter contratado sua casa, ela não é tão suja quanto deveria ser. Com certeza é pelo fato de ser apenas ele que reside aqui.
Vou para a sala e lá inicio meu trabalho, tirando o pó dos móveis e em seguida, passando a vassoura e pano. Faço isso em todos os outros cômodos do andar inferior, como a cozinha, o depósito dos produtos de limpeza, um banheiro e uma sala de jogos e só paro para fazer o almoço.
Como não tenho idéia do que fazer, procuro por Payne e mesmo com receio de subir as escadas, pois é algo que soa-me um pouco invasivo, faço-o. Ando pelo enorme corredor cheio de quadros e observo as portas que já encontram-se abertas, na esperança de vê-lo rapidamente. Porém, em nenhuma delas é possível ver a figura de meu patrão.
Paro em frente de uma que está fechada e quando dirijo minha mão para bater na madeira, posso ouvir uma música vinda do outro lado. Seguro-me e passo a escutá-la. Não é algo que eu conheço, mas tenho quase certeza de que é um piano. Nada soa tão bonito e clássico quanto um piano. Encosto-me mais a porta e assusto-me quando a mesma abre-se, levando meu corpo ao chão.
Olho para cima e avisto Liam sentado sobre um banco a frente de um belo piano preto. Seu olhar contem tanta raiva que fico ruborizada de vergonha e medo.
― Desculpe-me. ― levanto, recompondo-me com pressa. ― Eu estava a sua procura.
― Por que não bateu na porta? ― sua voz eleva-se e minhas pernas bambeiam.
― Eu iria bater, mas escutei a musica e não quis interrompê-lo.
― E mesmo assim o fez! ― Liam ergue-se e vem até mim. ― Você não tem um pingo de educação.
― Perdoe-me. ― meu olhar baixa. ― Não tive a intenção de causar problemas para nós, apenas queria saber o que deseja para almoçar.
― Nada. ― silaba. ― Agora, saía daqui, antes que eu te demita. Enxerida.
Caminho para trás ainda com o olhar no chão e sinto a porta bater quando um vento é produzido em meu rosto. O barulho assusta-me um pouco e produz uma enorme tristeza que enche meus olhos de água. Liam não precisava ser tão grosso assim, eu só descuidei-me um pouco e não fora nada demais ouvir sua bela melodia. Aparentemente, ele não pensa da mesma forma que eu.
...
Olho para o relógio e avisto as horas. 17h:12m. Faltam apenas três minutos para eu voltar para casa e nesse tempo que permaneci sob o teto de Payne, sinto-me estranha por retornar ao trabalho como se nada tivesse acontecido. Talvez, o desespero por ser demitida tenha falado mais alto, ou eu estou conformando-me de que errei em escutá-lo tocar. Qualquer opção que seja, espero poder acordar com um trabalho na manhã seguinte.
Novamente, verifico o horário e já está em minha hora. Levanto-me da mesa da cozinha e caminho para a saída, porém, ao chegar à sala, enxergo Liam no sofá. Subitamente, paro e ele vira-se em minha direção. Agora, ele aparenta estar mais calmo, mas aquela mesma face de abatimento do primeiro dia ainda deixa-me extremamente intrigada. Por que será que ele vive dessa forma? Será que trabalha demais? Não, com certeza não. Se Payne trabalhasse tanto assim, não nos encontraríamos em casa e eu não levaria algumas broncas ― que tendem a aumentar.
― Deu o meu horário. ― aviso-o.
― Sim, eu sei. ― levanta-se enquanto esfrega suas mãos nos braços. Liam parece sentir frio, mesmo com o ar-condicionado no quente e as roupas contra a baixa temperatura que veste. Abro um pouco do braço como se pedisse por mais algumas palavras e ele encara-me.
― Liam? ― seu corpo não está estável, pois observo-o balançar um pouco para os lados.
― Oi?
― Você está bem? ― aproximo-me com certa pressa e ele desaba sobre meus braços. ― Liam!
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