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História Tempestade - Único


Escrita por: RafaelaRuna

Notas do Autor


Oiii, pessoal *---*
Sei que vocês estão ansiosos pelo último capítulo da Wanted, porém não pude me conter para escrever/postar esta one-shot aqui :3
Adoro esse contexto viking, adoro Jaspis, então foi uma mistura deliciosa ♥
Espero que vocês gostem!
Beijões, se cuidem e até mais o/

Capítulo 1 - Único


Fanfic / Fanfiction Tempestade - Único

Todo viking, de uma aldeia próxima ou distante, já ouviu falar da majestosa ilha de Ygg. Seu nome é derivado da Árvore Mãe, Yggdrasil, pois acredita-se que esta é a porção de terra mais próxima da intersecção do oceano com o Bifrost.

Por esta característica geográfica da ilha, todos os habitantes de Ygg são agraciados com poderes, de acordo com o deus que escolhe proteger e reger o seu destino.

Como fonte desses poderes, possuímos uma pedra preciosa em uma parte aleatória do corpo. Cada deus concede a seus protegidos um tipo de pedra específica, do qual o nome da pessoa será derivado. Chamamos isso de "deus de apadrinhamento". 

Por isso somos tão especiais. Cada um de nós é uma joia rara, literalmente.

O fato da ilha ser cercada por um vasto mar me alegra, afinal oceanos são do domínio de Aegir, o deus do mar. E ele é o deus que me apadrinhou, concedendo-me poderes e habilidades peculiares. Respiro sob a água, posso construir qualquer coisa com ela, incluindo asas, que me permitiam voar, e a projeção de visões.

A minha pedra, e consequentemente o meu nome, confirma minha intrínseca relação com o oceano: Lápis Lazuli. A pedra que evoca o próprio mar.

Apesar de parecer que vivemos numa consagrada utopia, temos os mesmos problemas de qualquer tribo viking: os povos rivais. 

As constantes guerras entre nós e as tribos inimigas são advindas do temor de nossos oponentes. Conhecendo nossas habilidades, eles sabem que seria muito fácil para nós uma expansão do nosso território, haja vista que cada afilhado de um deus tem um poder diferente e possivelmente letal numa guerra. Eles sentem que suas terras estão constantemente ameaçadas por nós. 

Como cada tribo inimiga representa um perigo em potencial, e elas não são poucas, qualquer chance de acordo deve ser agarrada. E uma de nossas principais preocupações, a tribo Altayz, da Ilha Isvandel, propôs um tratado.

Eles exigiram que fosse assinado em suas terras e, por sua ligação às tradições dos antepassados, que fosse escrito em runas. 

Como Odin é o deus do conhecimento, da memória e o próprio descobridor das runas através de sua crucificação em Yggdrasil, seus afilhados eram os mais indicados para a tarefa.

Porém, Odin não é o deus mais popular, e sim Thor. O deus do trovão é uns dos detentores da maior força de Asgard. Como vikings possuem a sua famosa brutalidade nata e busca pela excelência como guerreiros, ter um afilhado de Thor junto se fazia necessário para passar firmeza.

Mas para equilibrar o clima de seriedade, afinal os bons vikings além de lutas também apreciam um bom hidromel com carneiro assado,  cantorias de vitória e histórias (normalmente inventadas) sobre criaturas fantásticas, eles solicitaram também a presença de um afilhado de Loki, o deus das trapaças.

Diante dos pedidos dos Altayz, as quatro anciãs da nossa aldeia se reuniram para designar três bons guerreiros para a tarefa. Eu sempre soube que não seria a escolhida, afinal toda Ygg sabe que não tenho essa agressividade viking pulsando dentro de mim. Ao invés disso, gosto de estudar as escrituras antigas, e considero-me mais intelectual.

Como minha pedra pertence ao mar, nasci com a pele naturalmente camuflada em azul, assim como os cabelos, que também são curtos para não atrapalharem a minha hidrodinâmica.

Minhas vestes sempre são simples, seguindo a mesma palheta de cores. Gosto de usar vestidos azuis, de algodão, com mangas curtas, junto a um cinto duplo de couro na cintura. Como posso voar, raramente me lembro de usar calçados, e a minha baixa temperatura corporal (cortesia das águas geladas do oceano nórdico), não deixa que eu sinta frio e dispense o uso de roupas mais pesadas.

Mas a maioria de nós se parece mais com os tradicionais vikings, trajando peles de animais e adornos de couro. Somos um povo orgulhoso de nossas conquistas do passado e do presente.

Após a deliberação das anciãs, as quatro reuniram toda a aldeia no Grande Salão. Elas são magníficas e imponentes, parecem valquírias fugidas de Valhalla. 

A multidão, curiosa, cochichava seus palpites sobre quem seriam os eleitos. Porém, todos se calaram diante do pedido de silêncio das sábias. 

"Fizemos nossas escolhas. Tenho certeza que todos concordarão conosco.

Poderíamos pedir para quaisquer afilhados de Odin, Thor e Loki que cumprissem esta missão, mas por que fazer isso se os deuses nos presentearam com uma geração de excelentes guerreiras no mesmo clã?

Os deuses se decidiram por nós! Por isso, designamos as três irmãs Quartzo para impedirem a guerra entre nós e os Altayz".

Os aplausos foram instantâneos, afinal elas eram as favoritas para a tarefa. Além de seguirem as exigências dos Altayz, elas são famosas por sua competência e coragem em batalhas, e podem lutar, caso algo saia fora do planejado.

A mais velha é Rose Quartz, afilhada de Odin. Ela se dedica muito a aprender sobre o seu deus padrinho, tanto que não é raro vê-la nas mesmas aulas que eu. Rose entende muito das escrituras, histórias e lendas vikings, luta muito bem e traça estratégias perfeitas. E, como o próprio Odin, é alta e forte, carregando um semblante acolhedor em contraste. É a líder do seu clã, e nos treinamentos de combate sempre carrega consigo um escudo e uma espada.

A do meio é a Jasper, afilhada de Thor. O deus do trovão a concedeu tanto poder que ela desenvolveu algumas características de dragão: tinha placas de escama vermelhas em algumas partes do corpo, olhos amarelos e, pelo que dizem, uma pele constantemente aquecida. Pode parecer difícil de acreditar, mas ela é a mulher mais linda da ilha, pelo menos na minha opinião. 

Seus cabelos loiros muito claros e longos, em contraste com a pele laranja e as regiões vermelhas que já mencionei, formam um conjunto belo e harmonioso. É muito forte e intimidadora, e exibe seus músculos de guerreira orgulhosamente.

Gosta de vestir uma decotada blusa de linho rosada, sobreposta por um colete pele de urso, e às vezes, uma capa de linho cor vinho, que combinava com a calça justa feita do mesmo tecido. Ao redor das panturrilhas, usava uma grossa tira de pele de raposa amarrada com cordões de couro, que revelavam as botas de couro vinho sob ela.

Em outras palavras, Jasper é a minha paixão platônica. Mas uma guerreira como ela, do clã Quarzo, jamais prestaria atenção a alguém como eu, então acabei aceitando que nunca conseguiria nada com ela...mesmo assim nada me impede de vê-la machucar todo mundo no seu treinamento de batalha, geralmente com o seu elmo pesado ou, dependendo das regras, com um machado emprestado.

A irmã mais nova, e afilhada de Loki, é Ametista. Como é afilhada do deus das trapaças, ela é a adulta mais baixa da ilha, ao contrário das irmãs com mais de dois metros de altura. Ela gosta de batalhar usando um chicote de couro com a extremidade dividida em três partes, que abrigavam pequenas clavas nas pontas. Era pequena, porém não existia erro maior que subestima-la.

As anciãs esperaram a multidão parar de dedicar brindes e fazerem apostas quanto às três irmãs, e logo uma delas continuou.

"Sabemos o quanto os Altayz são devotos a Odin e Loki, porém o seu deus favorito é Thor.

Então, querida Jasper, a parte mais importante do tratado será sua. Espero que esteja pronta, criança".

Os vikings, com no mínimo quarenta centímetros de altura a mais que eu (de simples um metro e sessenta e cinco, em sua maioria, impediam que eu visse Jasper diante das anciãs. Mesmo assim, de alguma forma, eu sabia que algo estava errado com ela.

Conforme o tumulto de vikings, ávidos para comemorar com festanças, me arrastava com eles para fora do Grande Salão, procurei por Jasper nos arredores.

Suas irmãs estavam radiantes, ansiosas para concluírem sua tarefa e garantirem sua glória enquanto vivas e, futuramente, se tornarem uma lenda quando mortas.

Eu observara Jasper o suficiente para saber que ela não era muito próxima às irmãs, especialmente a Rose. Ela não aceitava que a mais velha tivesse a liderança do clã.

Após esperar discretamente que todos saíssem do Grande Salão, procurando por Jasper entre eles para ter certeza que meu pressentimento falhara, estranhei que ela não saiu.

Como não tinha mais motivos para permanecer ali, fui embora para a minha casa, mesmo preocupada com Jasper. Meus pais morreram há muitas luas, e como não tinha irmãos, eu possuía o privilégio de morar sozinha.

Como éramos todos pescadores, e eu ainda sou, nossa modesta cabana, de apenas um grande cômodo, fora erguida na porção rochosa da praia do Sul. Fora construída de madeira, relva seca e pedras, e certamente duraria muitos séculos. É bem reclusa e afastada de tudo, exatamente do jeito que eu gosto.

Ninguém na ilha morava para lá, então estranhei quando ouvi passos apressados cortarem a minha silenciosa caminhada para casa. Antes que pudesse ver de quem se tratava, fui rapidamente puxada pelo braço, e guiada para atrás de um imenso rochedo. Fui encostada a ele, sentindo o frio da recente geada que caíra sobre a rocha tocar a minha pedra (localizada entre as escápulas).

Eu teria sido preenchida por medo se não tivesse visto a pessoa que fizera isso comigo.

— Garota, você precisa me ajudar! - Era Jasper, prensando-me tentadoramente entre seu corpo e o rochedo. Sua pele era mesmo quente, e o broche de seiva de árvore alaranjada, que prendia sua capa, tocou a minha testa, graças à sua inclinação para poder me olhar nos olhos. 

— C-como? - Estranhei o seu pedido, além de todas as circunstâncias. Para alguém com o orgulho inabalável como o dela recorrer a uma estranha, era um caso de vida ou morte.

— Você vai nas mesmas aulas que a Rose, então entende das runas, não entende?

— Claro que sim. Por que?

— Eu preciso que me ensine, e que mantenha segredo sobre isso. Estou disposta a lhe dar qualquer coisa em troca!

— Por que quer que eu te ensine runas? Certamente as anciãs já a ensinaram.

— Sim, eu realmente tive ensinamentos profundos a respeito, mas...eu me recusei a aprender.

— O que?

Ela parecia contrariada a explicar. Pensei que fosse declinar da ideia, mas ao invés disso aproximou seu rosto de mim, tocando a minha testa com a sua pedra, na região do nariz.

— Sei que você vai assistir os meus treinos todos os dias, e fica escondida atrás do barril de armas. Sei que fica me olhando quando entro com os guerreiros no Grande Salão, enquanto você fica sozinha nos arredores da ilha. E sei que você...me acha a viking mais bonita de Ygg, e que me procurou desesperadamente na saída do anúncio das anciãs hoje. Mas desta vez era eu quem estava te esperando. - Jasper deslizou sua pedra até tocar na ponta do meu nariz, me permitindo sentir o ar quente que suas narinas exalavam se agitar contra o meu ar frio.

— O-o que? - Eu estava tremendo de vergonha. Como ela sabia de tudo aquilo? 

— Eu disse que posso te dar o que você quiser em troca da sua ajuda. Até um beijo.

— Não quero um beijo por causa de chantagens! Eu nem entendo o que está acontecendo!

— Lápis, por favor! Eu não posso pedir para as anciãs e nem para a Rose! Preciso que seja você!

— Por que? O que você tinha contra as runas? Por que sua irmã não pode saber? 

Seu semblante passou de sedutor a sério em um piscar de olhos. Ela se afastou de mim, e rangeu os dentes por ter de admitir coisas que a incomodavam.

— Quem trouxe as runas para nós foi Odin. - Cerrou os punhos com ódio, deixando vestígios da fúria em seu olhar resplandecerem.

— É claro que foi! E qual o problema? -  Ela parecia bem abalada sobre aquilo, então tentei motiva-la a se abrir comigo.

— Rose é afilhada dele. E todos sabem o quanto odeio minhas irmãs, especialmente a Rose. Eu não queria saber de nada vindo do deus que a acolheu!

— Jasper, Odin é pai de Thor, você precisa...

— Você vai me ajudar ou não vai? Vai me expor para toda a aldeia, que está depositando sua confiança em mim quanto a um tratado de runas, e eu não as conheço por causa de minhas rivalidades com a minha irmã? É só o que falta para o desastre piorar...tem ideia do que é ter a responsabilidade de impedir uma guerra nas mãos e não poder fazer isso por causa de um erro infantil do passado?

Fiquei estupefata com o seu desabafo. Ela estava disposta a qualquer coisa para não ser responsável por uma nova guerra, e manter sua honra e de seu clã.

Meu coração se apertou. Eu sempre quis o seu beijo, mas não queria me aproveitar da sua situação para consegui-lo. Queria que ela me desse um beijo por amor, admiração e carinho...e fora que estar com ela é mais do que uma recompensa para mim. 

— Me encontre a partir de amanhã, depois do almoço, no campo de batalha antigo. Ninguém costuma frequenta-lo desde que os morangos cresceram por toda a parte, então não nos verão ou desconfiarão de nada. E guardarei seu segredo. - Assenti solenemente, me surpreendendo pela imediata leveza que se estampou em suas feições, que revelaram um belo sorriso.

— Obrigada, Lápis. Estarei lá. - Ela acenou com a cabeça, reforçando seu agradecimento, me libertou do rochedo e partiu. Obviamente aproveitei a vista de Jasper indo embora. 

Mal podia esperar pelo dia seguinte, apesar de não ter muita certeza se era verdade ou se eu estava sonhando. Torcia para que fosse verdade.

Passei as horas seguintes muito ansiosa, e não consegui dormir. Os pensamentos sobre o que aconteceria me atormentavam demais para que eu relaxasse. Eu não via a hora de encontra-la.

Na manhã seguinte, após levantar da cama onde nem sequer dormi, fui pescar morrendo de sono. Contei os segundos para a hora do almoço. 

Quando finalmente chegou a hora, corri para o Grande Salão, onde o olhar de Jasper cruzou com o meu várias vezes durante a refeição. Eu ainda não conseguia acreditar que aquilo estava mesmo acontecido.

Ao término, corri para a região Oeste da ilha, onde muitas guerras aconteceram entre nossos antepassados e as tribos inimigas. As armas dos guerreiros abatidos de ambos os lados continuam lá, porém envolvidas por incontáveis arbustos de morangos selvagens. É um lugar lindo, que representa a cura que o tempo oferece para todos os males e feridas.

Encontrei um tronco rachado lançado ao chão, e me sentei sobre ele, aguardando Jasper. Quando vi a jovem de vestes vermelhas, envolvidas por um espartilho de couro avermelhado e contornado por dois cintos amarronzados, meu coração gelou. Por Aegir, ela está sempre tão linda!

Ao se aproximar de mim, e se sentar no tronco bem ao meu lado, senti minhas mãos tremerem incontrolavelmente. Apertei os pergaminhos que levei para a aula com força para tentar disfarçar, porém ao sentir os dedos de Jasper deslizarem sobre os meus, todo o meu esforço fora em vão.

— Não precisa ter medo. - Seu toque me passou confiança. Era surpreendente como as escamas de sua mão esquerda eram macias, como se fosse pele normal. 

— Não tenho medo. - Expliquei, direta. Era puro nervosismo, o que é bem diferente.

— Então, como foi o seu almoço?

— Foi bom. E o seu?

— Também. Eu fiquei pensando o tempo todo no que dizer para agradecer pelo que você está fazendo por mim, só que infelizmente descobri que nunca terei palavras suficientes.

— Oh, Jasper, não precisa agradecer. É um prazer ajuda-la. Então, vamos começar a falar sobre as runas?

— Vamos sim.

— Vou começar lhe dizendo o nome de cada uma e te mostrar o seu símbolo. Depois praticaremos o que aprendeu hoje. E não se esqueça de desenhar para não esquecer! 

— E quando aprenderei a escrever e ler?

— Em breve. Deve ser paciente. 

— Tudo bem.

Ensinei todo o alfabeto mágico para Jasper, que anotou os símbolos em seu pergaminho, com o auxílio de um pequeno graveto de madeira com carvão anexado à sua ponta.

Expliquei-lhe por volta de uma hora, e deixei para continuar no dia seguinte. Havia muito a ser comentado, então não nos faltaria assunto para a próxima aula.

Observei Jasper juntar os pergaminhos no qual havia escrito o que considerou relevante e se levantar do tronco. Fiz o mesmo em seguida, ciente que era hora da nossa despedida.

Abracei com força as folhas de pergaminho que me restavam, tentando ao máximo não olhar para o seu rosto. Ela estava bem na minha frente, então certamente percebeu.

— Você é a viking mais surpreendente que já conheci. – Ela comentou, em meio a um riso surpreso.

— Obrigada. – Me deixava lisonjeada saber que eu fugia ao comum. Odiaria ser só mais uma criatura previsível em meio à multidão.

— Eu que agradeço. Sua aula foi incrível.

— Amanhã no mesmo horário então?

— É adorável a forma que muda de assunto para fugir da vergonha causada pelos meus elogios.

— Você percebeu rápido.

— Isso pode surpreendê-la, mas eu sempre reparei em você.

— É mesmo? Jamais achei que alguém do clã Quartzo reparasse em pessoas não envolvidas com a defesa da ilha.

— Não reparamos, então se sinta especial.

Ela acenou e foi embora, como de praxe, enquanto eu ainda me derretia pelos efeitos de sua presença. Concluí que Jasper é totalmente diferente do que eu imaginei. Não é apenas uma guerreira bruta, grotesca e assustadora, como parecia, ela também tem um lado gentil e simpático. Seu jeito é muito envolvente, e eu me sentia cada vez mais enfeitiçada pelos seus encantos.

Voltei para casa, exausta, e me atirei em minha cama. Estava completamente esgotada por não ter dormido na noite anterior, e mais ainda pelas dúzias de emoções que tomaram o meu corpo durante o “encontro”. Enquanto estava prestes a adormecer, eu apenas conseguia sentir pontadas de ansiedade em meu peito pelo que estava por vir...mal podia esperar para vê-la novamente.

Na manhã seguinte, quando acordei, repeti a minha clássica rotina de trabalho. Entretanto, na hora do almoço, eu estava já sendo tomada por um bronco nervosismo novamente. Saber que Jasper estaria no Grande Salão, me dedicando olhares durante toda a refeição, me deixava desnorteada.

Decidida a encontra-la apenas na hora da aula, para preservar o meu emocional até lá, preferi almoçar em casa. Meus sentimentos em relação a ela eram intensos e incontroláveis, logo eu precisava ser cautelosa com minhas ações ou acabaria tendo um ataque.

Peguei um pouco da pesca e a levei para a minha humilde cabana, onde pretendia almoçar sozinha. Acendi a fogueira, espetei os peixes em uma haste de ferro, e a deixei disposta sobre o fogo.

O cheiro emanando da carne estava ótimo, e logo meu estômago se contorceu de fome. Eu estava bastante animada pela minha refeição, e concentrada em minha imaginação sobre o que aconteceria entre eu e a Jasper, quando alguém bateu na porta.

Era, no mínimo, incomum. Ninguém costumava vir para as praias rochosas, muito menos na minha casa. Mesmo achando as circunstâncias meio suspeitas, fui até a porta, e me surpreendi ao abri-la.

— Olá. Vim para o almoço. – Era Jasper, entrando na casa mesmo sem convite e já procurando um lugar para se sentar.

— O QUE? – Me espantei. Ela almoça no Grande Salão todos os dias, então o que estava fazendo na minha casa?

— É só para você se acostumar com a ideia que toda vez que tentar me evitar, vou te impedir.

— Po-por que acha que eu a estava evitando?

— É só um palpite. Fora o que cheiro do peixe está ótimo! Como afilhada de Aegir, seus frutos do mar devem ser uma iguaria!

— Ainda bem que eu trouxe peixe a mais. Da próxima vez, avise antes de vir!

— Devo uma a Freyr! Então, que tal começar a ser educada e dizer que sou bem-vinda para o almoço?

— Não force, Jasper.

— Está bem.

Jasper se sentou na velha cadeira de madeira do meu pai, a única grande o bastante para comportar seu corpo no assento, e que mesmo assim estralou quando a jovem depositou seu peso sobre ela.

Ela se aproximou da mesa de madeira maciça, com inscrições entalhadas nas laterais. Seus olhos se direcionaram para as marcas cuneiformes, que identificou como runas, e seus dedos logo constataram a textura das mesmas.

— Laguz. Representa a água, fluidez emocional e intuição. É a sua runa, não é? – Jasper concluiu, me olhando com expectativa.

— Vejo que a ensinei muito bem. – Sorri, contente pelo seu progresso. Ela estava absolutamente certa.

— Por que tem a sua runa entalhada na mesa?

— É como uma forma de me eternizar nas coisas, eu acho.

— Acha que uma mesa vai eterniza-la? Somente as pessoas podem eternizar outras pessoas, passando as histórias delas de geração em geração.

— Isso é para os guerreiros, Jasper. Quem vai se lembrar de mim daqui a um século? Ninguém.

— Precisa mesmo ser eterno? Não é melhor se for verdadeiro?

— O que quer dizer?

— Talvez seja melhor que as pessoas se lembrem de você pelo que realmente foi, e quando todas elas se forem, ser esquecida, do que ter suas histórias distorcidas para inspirar desconhecidos ao longo do tempo.

— Nossa...falando desse jeito...

— É, eu sei. Tenho razão.

— Então não quer ser uma lenda? Lembrada daqui a muitas eras?

— Claro que quero! Que se dane o que as próximas gerações falarão de mim, se está certo ou errado, desde que de falem!

— Que falsa moralista.

Não pude resistir à vontade de rir. Ela acabou fazendo o mesmo, enquanto observava eu verificar se os peixes estavam prontos. Ao constatar que estavam devidamente assados, pensei em colocar pratos para mim e para ela na mesa, no entanto me alegrei ao ver que ela já tinha o feito. Foi bom contar com a sua ajuda.

— Já que vim sem avisar, ajudar é o mínimo que eu poderia fazer. – Se explicou, afastando uma fina mecha de cabelo de sua pele laranja, para disfarçar seu sorriso.

— Não fale como se a sua visita tivesse sido uma coisa ruim. – Respondi timidamente, incapaz de olhar para ela.

Deixei alguns peixes no prato dela e outros no meu, e logo ela apanhou uma faca, que estava sobre a mesa, para arrancar as espinhas deles. Ela segurava a faca com a mesma propriedade que empunhava seu machado, o que me arrepiou dos pés à cabeça.

Assim que provou a carne branca, seus olhos se fecharam de prazer e um sorriso satisfeito se abriu. Ela deu uma generosa mordida no peixe em seguida, tendo a mesma reação.

— O engraçado é que eu nem gosto de peixe. – Comentou, desconcertada por estar provando algo tão delicioso.

— Obrigada. – Admirei sua apreciação pela minha comida, especialmente por ela estar acostumada a somente carnes de animais terrenos.

— A aula será no campo de batalha de novo? Ficar cheirando a morango é meio estranho.

— Eu prefiro. Estar lá me inspira sobre os deuses, suas lutas e ensinamentos.

— É claro. Já poderei escrever frases hoje?

— No máximo, palavras. Você ainda tem muito a aprender.

— E você também entende das lendas, não é?

— Quer que eu te ensine isso também?

— Seria ótimo entender o contexto das runas e tudo o mais.

— Tudo bem. E...você vem almoçar aqui de novo amanhã?

— Você quer que eu venha?

— Adoraria que viesse.

— Então conte comigo.

Sorrimos uma para a outra, e senti minhas bochechas corarem em azul escuro. Terminamos nossa refeição em silêncio, e depois fomos ao campo de batalha. Durante todo o trajeto ela contou sobre seu treinamento de batalha e algumas situações reais que enfrentou, enquanto eu falei sobre o meu treinamento de controle de água quando era criança.

Meus poderes a fascinavam, especialmente minha capacidade de voar. Ela conseguia se suspender no ar com a energia do raio que fluía em seu corpo, mas voar mesmo era uma coisa que ela sonhava em fazer.

Ao chegarmos no campo de batalha, nos sentamos no mesmo tronco do dia anterior. Lá lhe ensinei a formar palavras com as runas, e falei um pouco da história por trás delas, a crucificação de Odin em Yggdrasil e o seu sacrifício pelo conhecimento. Aparentemente, Jasper deixou sua raiva pelo deus de lado.

No fim da aula, eu pedi que ela escrevesse as palavras que desejasse, usando as runas. Usando seu graveto com carvão, ela consultou suas anotações e demorou um pouco, porém sendo extremamente precisa quanto ao resultado.

— Acabei. – Ela anunciou, confiante que escrevera certo.

— Deixe-me ver. – Pedi o seu pergaminho, o qual avaliei.

Laguz, Ansuz, Perdhro, Isa e Sowulo. Espaço. Laguz, Ansuz, Algiz, Uruz e, Laguz e Isa. Juntando tudo: Lápis Lazuli.

Meus olhos brilharam. Imaginei que ela fosse escrever o próprio nome ou algo que gostasse, mas jamais o meu nome. Senti minhas bochechas corarem como nunca antes na vida. Oh, aquilo era demais para mim.

— Eu acertei? – Ela me encarou docemente, plena por ter conseguido me deixar como ela queria.

— Acertou. – Nem acredito que fui capaz de emitir alguma palavra.

— Então acho que por hoje é isso. Nos vemos amanhã no almoço. Obrigada, Lápis.

— Tchau, Jasper.

Pensei que depois daquele dia meus sentimentos por Jasper não poderiam ficar mais fortes. Eu estava mais apaixonada do que nunca.

Só percebi que ela já tinha ido embora e deixado a folha em que escrevera o meu nome em minhas mãos muito tempo depois, e mesmo assim meu coração ainda parecia prestes a explodir.

Sabe-se lá como, provavelmente de forma automática, consegui voltar para casa. Ao chegar lá, eu só poderia desejar revê-la no dia seguinte...e no próximo, e no próximo....

Dia após dia, semana após semana, eu ensinei Jasper da melhor forma que pude. Ela se tornou especialista em runas, nas lendas dos deuses e estava, definitivamente, pronta para a sua tarefa.

Porém, o dia em eu lhe daria sua última aula chegou, e eu estava com o coração partido. Na manhã seguinte, ela partiria para Isvandel, no navio de guerra mais imponente de Ygg. Contava com escudos nas laterais e espetos nos cascos, além de uma intimidadora estampa de crânio sangrento nas velas.

Eu acabara de voltar da pescaria, e estava aguardando-a para o almoço. Todos os dias, por semanas, almoçamos juntas e, ao poucos, fomos nos apegando cada vez mais e nos tornando mais íntimas. Eu estava tão próxima a ela...e tudo parecia prestes a se desmanchar.

Jasper cativou meus sentimentos cada dia mais. E, naquele ponto, eu sabia que a amava. E por isso, a ideia de tudo que nos uniu acabar me apavorava.

Distraindo-me de meus pensamentos, deixei peixes assando na fogueira. Do lado de fora, para a minha surpresa, o som de chuva me surpreendeu. Era muito raro chover em Ygg, e tinha que acontecer logo no dia de nossa despedida? Como Jasper atravessaria a ilha na chuva, que parecia estar apertando?

Batidas pesadas na porta me tranquilizaram. Ela já tinha chegado, o que tirou um enorme peso de meus ombros. Eu, honestamente, não tinha mais nada para ensina-la...mas eu queria ter uma última chance de estar com ela.

Abri a porta, vendo-a entrar apressadamente, ensopada. Seu semblante estava carregado de aflição.

— Você está bem? – Senti meu coração pesar. Vê-la naquele estado me preocupava muito.

— Estou. Tive medo de não conseguir vir quando a tempestade começou. – Explicou, torcendo os longos cabelos loiros com as mãos fortes.

— Também tive medo que não viesse.

— Parece que não poderemos ir ao campo de batalha hoje. Lamento, você gosta tanto de lá!

— Não tem problema. Eu não tinha a menor intenção de ir para lá hoje.

— Pensei que preferisse de dar sua aula ali.

— Eu gosto, é que hoje não a chamei para uma aula, Jasper. Não há mais nada que eu tenha para lhe ensinar.

— Então por que me chamou?

— Para uma despedida. Você não terá mais que ter aulas comigo depois da sua viagem. Temo não a ver mais.

— O que quer dizer?

— Quando voltar da sua viagem, será sufocada por toda a glória de guerreira que seus feitos para a ilha lhe trarão, e todos irão querer estar perto de você. Será mais popular que nunca...

— E acha que por isso eu não iria mais querer estar com você, Lápis?

— Tudo é tão incerto. Haverão tantas pessoas mais interessantes te cercando...

— Chega! Eu não aguento ouvir isso!

Um estrondoso trovão do lado de fora iluminou as frestas de madeira e de pedra de minha casa. Sua pedra começou a brilhar, e seus cabelos se arrepiaram pela eletricidade.

Peguei um prato de porcelana nas mãos, temendo que ela disparasse um raio acidentalmente ou coisa parecida.

— Jasper, o que está acontecendo? – Seu estado completamente alterado me assustou muito.

— Desculpe. Não posso me irritar que começo a atrair raios. – Ela se acalmou, deixando sua pedra parar de brilhar e seus cabelos se abaixarem.

— Isso acontece comigo em relação à água, de vez em quando.

— Sabe uma coisa engraçada na tempestade? É a união da água, pela chuva, com a eletricidade, pelos raios.

— É como nós duas juntas.

— Exatamente. Lápis...

— Sim?

— A viagem não me fará esquecê-la. A fama na aldeia tampouco. Eu jamais permitiria que nada nos afastasse. Não precisa se preocupar com isso.

— Como não? E se tudo acabar? O que impedirá que tudo entre nós chegue ao fim?

— Eu a amo.

Deixei o prato em minhas mãos cair ao chão. Só consegui processar o som de sua quebra vários segundos depois.

Eu não acreditava que ouvira aquelas palavras da boca de Jasper, muito menos com toda a sinceridade que vi em seus olhos. Era verdade.

A afilhada de Thor. A guerreira da clã Quartzo. A escolhida para impedir a guerra entre tribos. A mulher parte dragão. A Jasper. Ela disse que me ama!

— Eu também te amo, Jasper. – Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu estava muito emocionada com sua revelação.

Ela então levou suas mãos até meu rosto. Com uma delas, secou minhas lágrimas, e com a outra, aproximou meu rosto do seu. E me beijou.

Seus lábios massagearam os meus com delicadeza e intensidade, simultaneamente, e sua língua tomou espaço dentro de minha boca com firmeza. Retribuí cada gesto, puxando seu corpo para perto do meu, e envolvendo-o com meus braços.

Seus braços também invadiram o meu espaço, erguendo-me e me carregando para a minha espaçosa cama. Seus beijos se distribuíam por minha boca, pescoço e, conforme ela me privou de qualquer veste, por todo o corpo. Mais uma vez, retribuí tudo que ela fez, despindo-a totalmente e deixando o cheiro erótico de sua pele quente tomar conta de mim.

Nossas bocas logo tinham vontades próprias, assim como nossas mãos. E em meio à tempestade daquela tarde nublada, ninguém sequer desconfiava que consumamos nosso amor.

Quando acordei, na manhã seguinte, me surpreendi ao ver os cabelos de Jasper se espalharem por boa parte da minha cama. Seu corpo nu, repousando, revelava marcas de tudo que fizemos juntas.

Eu a beijei até seu despertar, vislumbrando-a começar seu dia com um sorriso preguiçoso e um olhar inocente. Ela também parecia não acreditar no que aconteceu entre nós. Antes que qualquer palavra fosse dita, nos beijamos apaixonadamente.

— Bom dia, Lápis. – Segurou minha mão e a levou até seus lábios.

— Dormiu bem? – Me perdi na imensidão amarela de seus olhos misteriosos e raros.

— Muito bem, como se tivesse dormido com uma valquíria.

— Quem sabe um dia...não, provavelmente não.

— Ah, já tem valquírias demais em Valhalla. E eu preciso de você só para mim.

— E eu de você...queria tanto que não tivesse que viajar hoje.

— Eu também. Mas quando eu voltar, a deixarei muito orgulhosa.

— Você sempre deixa.

Nos beijamos e conversamos mais um pouco, até que o dever obrigou que nos vestíssemos. Fomos juntas até o cais, de mãos dadas, onde as irmãs de Jasper já estavam preocupadas com o seu atraso.

Assim que a loira apareceu, a multidão a aplaudiu e parabenizou pela força, coragem, e todos os outros atributos relacionados Thor. Ela apertou a mão de muitos deles e aceitou presentes, enquanto eu ficava para trás dentre a multidão.

Porém, quando estava prestes a subir a bordo do navio, ela olhou para trás. E olhou para mim.

Jasper pediu às irmãs que esperassem um instante, enquanto meu coração se apertou pelo que ela faria em seguida. Ela voltou, abrindo espaço entre a multidão e indo até mim. Após me olhar por alguns instantes, ela me beijou ali, na frente de todos.

— Eu te amo, Lápis. – Sussurrou, ao fim do beijo.

Deixando as palavras no ar, e ignorando a reação dos demais, ela foi para o barco sentindo-se leve e realizada, com a postura de uma verdadeira deusa. Eu já estava com saudades, porém algo dentro de mim dizia que ela voltaria logo. E que seríamos muito felizes juntas.


Notas Finais


Obrigada por ler :***


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