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História Tentativa de vida - Capítulo Único


Escrita por: RED_BOSS

Notas do Autor


E cá estamos para a segunda fase do concurso “They Never Know” com o tema filmes.
Peguei o filme "Como Eu Era Antes de Você" o que foi um grande desafio, já que eu desconhecia completamente a história haha mas desafios existem para serem vencidos, então bora lá!

Boa leitura (peguem os lenços... ou não) <3

Capítulo 1 - Capítulo Único


 

 

Quarto mês.

 

Vida. Tem algum sentido essa palavra? Sonhos. Uma grande perda de tempo. Amor. Tão ilusório quanto a própria vida.

Fazia sentido correr em direção a água gelada da praia? Pular de uma pedra enorme? Acordar de madrugada e jogar videogame? Ligar para o seu melhor amigo e chama-lo para beber, enquanto você se gabava que era o melhor em esportes? Fazia algum sentido andar pela casa esperando aquela encomenda, ou pegar o carro e dirigir sem ter hora para voltar? ... fazia. Tudo fazia sentido para mim, eu tinha a vida perfeita, um corpo perfeito, era admirado e cortejado, por homens e mulheres, todos olhavam para mim e viam a escultura de um deus grego, perfeito. Agora? Nada faz sentido para mim, absolutamente nada.  

As causas para a tetraplegia variam de trauma a tumores, mielite transversa e esclerose múltipla. O trauma que pode causar tetraplegia geralmente é decorrente de acidente com veículos motores, e provoca lesão aguda na medula espinhal, frequente por fragmentos de ossos de fraturas vertebrais.

Braços e pernas paralisados, um pequeno ferimento na coluna e tudo acaba.

Casamento, emprego, sonhos, tudo era jogado no lixo, enquanto você tinha que se acostumar com uma vida que não pertencia mais a você.

Kim MinSeok morreu há quatro meses, no dia vinte e três de maio, os médicos insistiam em me dizer que eu havia ganhado uma nova vida, uma nova chance. Eu só consigo ver tudo isso como um castigo, talvez tivesse jogado pedra em Jesus Cristo ou cuspido em Maria Madalena. De qualquer forma, este sentado em uma cadeira de rodas não é ninguém, é um ninguém sem amigos, pois todos fingiam se esquecer de me visitar, era um ninguém sem namorada, pois está havia se esquecido do “te amarei para sempre”. Kim MinSeok tinha uma vida perfeita, literalmente perfeita e eu a amava. Agora, o que restou dele, tem úlceras de pressão, trombose, pneumonia, osteoporose, fraturas, espasticidade, infecções e complicações respiratórias, disreflexia autonômica, trombose venosa profunda, e doença cardiovascular. Era ridículo que uma só pessoa conseguisse ter tantas doenças em um corpo que não era capaz de se recuperar de nenhuma delas. E os fisioterapeutas continuavam a insistir que eu estava ótimo.

As formigas que passavam pela janela ampla do quarto, seguiam enfileiradas, uma atrás da outra, tinham pedacinhos pequeninos de folhas verdes nas costas, andavam rápidas e continuamente.

— Ao menos vocês têm uma vida. — Murmurei, sem me preocupar se minha mãe escutaria.

Ela estava sentada na cama, segurando uma pasta transparente nos braços, tinha os olhos inchados e com mais rugas do que eu me lembrava.  Os quatro meses no hospital foram difíceis para todos.

— O fisioterapeuta deve chegar a qualquer momento. — Disse ela, tentando quebrar o silêncio. — Ele é especializado em lesões na medula espinhal.

Meu caso não era diferente de tantos outros ao redor do mundo, o que me favorecia era ter dinheiro, muito dinheiro, mas mesmo com os melhores médicos, enfermeiros dormindo no quarto ao lado, visitas frequentes de fisioterapeutas, psicólogos e tendo três cuidadores me vigiando constantemente, eu jamais iria ficar curado. Estava fadado a uma quase vida.

Eu olhava para a janela e suas cortinas brancas balançavam com o vento, via aquele belíssimo lago do outro lado do muro de pedra, era enorme, com a água muito gelada e pouquíssimos peixes; naquele momento eu só desejava duas coisas: conseguir me levantar e fechar aquelas cortinas e pular naquele lago escuro e gélido.

— Ele chegou. — Anunciou uma das empregadas.

Minha mãe ergueu-se com mansidão e empurrou a cadeira para fora do quarto; aquela mulher se afastou do trabalho, dos amigos e da rotina agitada que levava em Seoul para cuidar de alguém que deveria ter morrido quando foi atropelado, ela desistiu de sua vida para passar férias permanentes em uma casa enorme, com um lago no quintal dos fundos e um filho tetraplégico.

— Senhora, devo trazer o chá? — Perguntou uma outra empregada, não fazia ideia de qual era seu nome, mas a mulher tinha um corpo legal e pateticamente jamais me acharia atraente, não mais. Agora ela me olhava com pena, todos me olhavam com pena. 

— Seria ótimo, obrigada!

Desviamos do tapete, viramos pelo corredor e após uma baliza abrimos as portas da sala principal, era enorme e tão clara que poderia facilmente ser confundida com a área de lazer. Próximo à janela, um homem alto com roupas informais observava a nossa deslumbrante paisagem.

— Desculpe-nos pela demora. — Apressou-se a dizer minha mãe, deixando-me estático, enquanto ela ia ao encontro do homem. Ele parecia ser muito novo e muito bobo. Tive a pior das impressões, ou talvez só estava com raiva e cansado de ter de me submeter aos cuidados de todos a minha volta. Ambos sussurram alguma coisa, que eu distraído não ouvi, e após os cumprimentos minha mãe, segurando o braço do novo fisioterapeuta, caminhou até mim. — Este é Kim MinSeok, meu filho.

— Olá, — disse ele, curvando-se para mim, — Sou Park Chanyeol. Espero que possamos ser amigos.

Quis correr, virar as costas e sair andando, como um bom filho rebelde faria. Mas eu não podia.

— Você teve uma recuperação incrível! — Disse ele, vendo que eu não o cumprimentaria. — A maioria dos meus pacientes ficam de sete a nove meses em observação até terem alta.

Apenas correr. Para bem longe.

Chanyeol deve ter lido meus pensamentos, parou de tentar puxar assunto e  decidiu fazer seu trabalho.  Eu veria ele sete dias na semana, por quatro horas ou sempre que fosse necessário. Todo meu corpo era alongado, todos os dias, para que os músculos não atrofiassem; eu não sentia as mãos de Chanyeol tocando minhas pernas, meus braços, não sentia um toque sequer; não sentia os remédios que eram injetados na minha pele; não sentia a massagem que era feita e logicamente não sentia aquelas pedras quentes que eram colocadas em minhas costas.

— Sente alguma coisa? — Perguntava Chanyeol todas as vezes. Minhas respostas variavam em um “não”, simples e tedioso, ou um silêncio tão tedioso quanto. O fisioterapeuta fazia com que eu apertasse uma bolinha azul com as mãos, ele pressionava minha mão por baixo, para que o movimento conseguisse se concretizar; eu nunca sentia o toque de sua mão, nunca sentia a textura da bolinha azul, tampouco.

As semanas passavam e aquela sensação de impotência insistia em permanecer comigo, ela nunca iria embora, afinal. Estávamos fadados a viver juntos para sempre.

Era ridículo ter um homem de quase um metro e noventa te dando banho, era frustrante, constrangedor e ridículo. Era ridículo ter esse mesmo homem colocando sua roupa, vestindo suas pernas mortas com uma meia que ajudaria com que o sangue circulasse, era ridículo ter alguém que limpasse suas fezes.  E era nojento.

Chanyeol não era o único que fazia aquelas coisas, ele ficava comigo apenas quatro horas, geralmente na parte da manhã, eu tinha outros cuidadores que fingiam ser meus amigos quando só estavam interessados no dinheiro que minha mãe lhes pagava.

— Olá, MinSeok! — Disse o fisioterapeuta com um sorriso espantosamente brilhante, ele depositou sua mochila na mesa da cozinha. Eu não respondi. Nunca respondia. E nos conhecíamos há duas semanas. Eu não falava com ninguém, nunca. — O dia está lindo, está sol, acredita? O lago está muito bonito também...

Revirei os olhos, a única coisa que eu podia fazer.

Chanyeol veio até mim e eu esperava que ele me levasse até a cama, onde faria todos aqueles exercícios, alongaria todo o corpo que eu não sentia e faria massagens só para que eu não esquecesse de que não conseguia sentir o toque de suas mãos. Mas Chanyeol tinha outros planos, pelo visto.

— O que está fazendo?! — Indaguei, quando a cadeira de rodas começou a se movimentar para fora do quarto. Chanyeol não respondeu. — Onde está me levando?!

Impotente, fraco e sem escolhas. Que bela vida você tem agora, Kim MinSeok.

— Será demitido por isso! — Falei uma última vez, tentando ter alguma resposta, mas Chanyeol continuava a empurrar a cadeira de rodas.

Passamos pela sala grande e luminosa, pela sala de jantar com um lustre enorme e pela biblioteca, eu havia me esquecido o quão grande aquela casa era. E lá estávamos nós, do lado de fora, o sol realmente estava radiante e o jardineiro se afastou as pressas quando viu que alguém saiu da casa.

Eu ia sendo empurrado pelo caminho de pedra e pensando em como minha vida era detestável, não era boa em hipótese alguma, não havia sentido viver, contudo, apesar dos meus muitos planos de suicídio, era difícil realiza-los. Chanyeol parou próximo a uma pequena mureta de pedra, onde podíamos ver um campo aberto com gramas verdinhas e árvores espessas lá no fundo.

Chanyeol encostou-se ali, cruzou os braços e me encarou.

Ultimamente, devido ao meu pequeno problema, eu havia aprendido que existia muitas formas de se ficar constrangido, uma delas, a mais recente,      era ser encarado pelo fisioterapeuta de cabelos castanhos que a cada dia estavam posicionados de uma maneira diferente, aquela manhã estavam jogados para trás; ele tinha uma boa aparência, daquele tipo que você tinha certeza que era admirado na escola, na rua, ou até mesmo ao entrar no supermercado.

— Ficará me encarando sem dizer nada? — Perguntei, quebrando o silêncio. — É irritante!

— Você é um saco, — resmungou o grandalhão sem delongas, aqueles olhos enormes continuaram a me encarar— sabia disso?

— Anotado. Podemos voltar?

— Duas semanas, — disse ele, fingindo não ouvir meus resmungos, — estou há duas semanas tentando puxar assunto e você... você é um saco!

Era notável que seu estoque de insultos não era muito grande. Revirei os olhos novamente, era a única coisa possível.

— Já parou, — perguntei, imaginando se ele sabia o quanto era desesperador querer sentir seu próprio corpo e não conseguir, — para pensar que eu não queira conversar?

— Do que você gosta? — Perguntou ele, ignorando novamente o que eu disse.

Park Chanyeol era definitivamente irritante, o pior, ele não desistia.

— Gosto de praticar esportes... gostava ao menos — Falei, seguido de um suspiro. — Música, arte e bons filmes.

— Que tipo de música? — Quis saber ele.

— Instrumental.

— Eu toco violão. — Rebateu, feito uma criança afobada; aquilo me irritava. — E piano, mas sou melhor com o violão.

— Podemos voltar?

Chanyeol virou a cabeça em todas as direções possíveis, procurando apressadamente seu senso de humor talvez.

— Por que? O dia está lindo. — Afirmou ele, estendendo os braços por cima da cabeça. O dia, para mim, não estava ótimo. Estava sol, eu tinha uma casa enorme e não podia aproveitar nenhum dos dois. É provável que eu tenha feito algo realmente idiota, pois Chanyeol retornou com seus insultos. — Você é realmente um saco, sabia?

— Idiota, otário, filho da puta, vagabundo, até mesmo insuportável... sabe, existem outros tipos de insultos.

Chanyeol jogou os ombros para o alto e me retirou da cadeira. Sim, todos os exercícios, alongamentos e a massagem foram feitos ali, embaixo de um sol, que apesar de forte não esquentava, em cima da grama sintética e olhando para as nuvens negras que se acumulavam no céu.

— Sente alguma coisa? — Perguntou Chanyeol, novamente. Todos os dias ele me fazia a mesma pergunta e, sinceramente, eu estava cansado de responder a mesma coisa.

— Não, não sinto nada, Chanyeol.

Eu queria sentir. Via todos os dias aquele fisioterapeuta tocar todo meu corpo, via as enfermeiras retirando meu sangue, via meus cuidadores trocarem minhas roupas, tocar meu ombro amigavelmente e me ajudar a apertar a tal bolinha azul, que segundo Chanyeol faria com que a circulação daquela região ficasse acelerada, e sendo assim, mais rápida a recuperação dos movimentos; eu via tudo aquilo, mas não sentia absolutamente nada.

Faria mais sentido morrer, mais rápido, mais simples e fácil. Existia um lugar que me oferecia aquilo, mas eu precisaria de apoio e várias sessões com um bom psicólogo, alguns exames certificando minha sanidade mental e alguns papéis assinados pela minha família e com ajuda, por mim. Sim, era possível. 

— MinSeok? — Chamou-me o fisioterapeuta, ele segurava minha perna no ar, enquanto alongava o pé e apertava cada centímetro daquela pele pálida e morta. — Tem algum compromisso no final de semana? Talvez... no sábado? Ás sete horas?

— Você tem minha agenda médica. — Falei, rindo. Algo não muito comum. — Me diga você.

Minha perna foi abaixada, sendo cuidadosamente colocada na cama.

— Vai ter um concerto no teatro... e, bem... você não quer ir comigo?

— Você não gosta de música clássica. — Falei, observando aquele jovem fisioterapeuta massageando as próprias mãos freneticamente, os cabelos castanhos estavam tapando sua testa, deixando-o com uma aparência doce e inocente.

— Sim, não gosto. Mas você gosta, não é?

Seis meses e meus únicos passeios eram até os diversos médicos que eu precisava ir com frequência, era estranho sair e ter que encarar a sociedade, todos olhavam para a cadeira de rodas, quase não viam que havia alguém sentado em cima dela, alguns olhavam para Chanyeol, todo belo e majestoso com seu smoking preto.

Eu estava nervoso, um pouco mais que o habitual. Muita gente olhando, muita gente desviando para que eu e a cadeira de rodas passassem, muita gente se perguntando o que alguém tão bonito como Chanyeol estava fazendo do lado de alguém deficiente como eu.

— Estou nervoso. — Sussurrou Chanyeol sentando-se ao meu lado. — Nunca vi um concerto.

Foi um espetáculo, uma das coisas mais belas que já havia visto, os músicos estavam em perfeita sincronia, a plateia estava silenciosa e tudo ao redor parecia conspirar a favor dos instrumentos. Chanyeol chorou em determinado momento, estavam tocando Piano Trio in A minor Op50 de Tchaicovski, era belíssimo, Chanyeol estava belíssimo. A beleza do lugar, do homem ao meu lado e da música, fazia com que eu me sentisse ainda menor, era como se eu não existisse e mais uma vez aquilo estava claro para mim.

 

 

Sétimo mês.

 

Os melhores momentos, se é que eles realmente existiam, da minha vidinha medíocre aconteciam quando Park Chanyeol chegava com aquele sorriso largo, os cabelos com um penteado diferente do dia anterior e a maldita mala que ele carregava para todos os lados. E foi em um desses momentos que o inesperado aconteceu.

— Faça de novo! — Dizia o fisioterapeuta animado, talvez mais que o próprio tetraplégico.

Tínhamos uma pequena plateia que incluía uma das minhas cuidadoras, minha mãe e a empregada. A bolinha azul estava em minha mãe direita, Chanyeol segurava por baixo para que ela não caísse. Com um esforço absurdo e uma concentração terrível aqueles dedos imbecis e fracos conseguiram apertar a bolinha. Uma explosão de palmas e gritos era ouvida toda vez que eu fazia aquilo. Era ridículo, talvez, que eu estivesse sorrindo feito um bobo por conseguir apertar aquele pedaço de plástico com apenas dois dedos.

— Dois dedos é um ótimo começo, MinSeok. — Disse o Dr. Choi, quando meu primeiro checape foi feito.

Eu era parabenizado constantemente, alguns colegas antigos ligavam para minha casa desejando melhoras, mal sabiam eles que aquilo não iria melhorar. Não existia remédios, tratamentos ou orações que fizessem a medula espinhal se reconstruir. Eu nunca ficaria em pé novamente e aquilo era algo que eu tinha plena consciência, com um pouco de sorte eu conseguiria os movimentos das mãos e talvez alguma coisa dos braços, era só. 

Morrer continuava a ser minha melhor opção.

Foi em um desses momentos, aqueles que chegavam a ser alegres e pateticamente comuns que o esperado aconteceu. Chanyeol estava tão próximo que suspeitei que ele fosse deitar em cima de mim, eu ouvia apenas sua voz, pois meus olhos não tinham forças para ficarem abertos, o corpo parecia não ter mais força alguma.  

— MinSeok, fique comigo, ok?  — Ouvi ele dizendo. Estávamos no quarto e eu conseguia ouvir minha mãe chorando em algum lugar, talvez um dos meus cuidadores estivessem ali auxiliando o fisioterapeuta. — Temos que levar ele para o médico agora!

Morrer era tão fácil e tão difícil ao mesmo tempo. Sem dúvidas, eu preferia estar morto, mas meus olhos retornaram a abrir e uma claridade absurda tomou conta de mim, eu sabia que aquilo não era uma espécie de céu, porque ouvi minha mãe gritando meu nome.

Tudo ficou silencioso e escuro no instante seguinte, mas aquilo também não era a morte.

— O corpo dele é vulnerável a infecções, — ouvi alguém dizendo, provavelmente o Dr. Choi — qualquer resfriado pode se transformar em um problema muito grave. Sua pressão é instável, qualquer mudança, a menor que seja, pode se tornar agravante. MinSeok teve sorte pelo senhor Park estar presente. Ele podia ter morrido.

Sorte. Podia ter morrido. Corpo vulnerável. Aquilo sem dúvida nenhuma não era sorte. Era um pesadelo e eu queria me ver livre de tudo aquilo o mais rápido possível.   

— Sua mãe já saiu. — Sussurrou Chanyeol em algum momento do meu devaneio. Abri os olhos com cuidado, desejando que ela realmente não estivesse ali, a outra Kim teria desatado a falar e com certeza eu não me encontrava pronto para ouvir nada aborrecedor.

Chanyeol estava sentado em uma cadeira no pé da cama, tinha em mãos um livro de capa dura e um fone de ouvido pendurado no pescoço. Seu cabelo parecia encaracolado naquele momento, estava bonito como sempre estava.

Uma curiosidade repentina despertou dentro de mim, enquanto eu olhava fracamente para o homem sentado na cadeira.

— O que está fazendo aqui?

Chanyeol, que já possuía o livro fechado, endireitou-se na cadeira e fitou-me com aqueles grandes olhos.

— Sou seu fisioterapeuta. Preciso acompanhar seu caso de perto.

Talvez fossem os remédios ou eu realmente precisava de mais amigos. A verdade é que olhar para Park Chanyeol doía. Vê-lo com aquelas olheiras, a expressão cansada, mas forçando aquele sorriso de dentes tão brancos, doía.

— Não devia ter feito aquilo. — Falei, ainda com aqueles pensamentos tão estranhos percorrendo a minha mente.

— Feito o que?

— Devia ter me deixado morrer. — Disse sem poupar palavras. Aquilo que batia em minha mente era tão assustador quanto uma aranha para uma pessoa que possuía aracnofobia, eu estava com medo, muito medo. E senti medo ao ver a boca de Chanyeol se abrir e não sair nenhuma palavra, ele parecia abalado o suficiente para não conseguir mexer um músculo sequer. — Não quero mais essa vida. Nunca quis e não aguento mais fingir que quero. Estou cansado, Chanyeol... cansado de brincar de viver, isso não é vida.

— MinSeok! Você está ouvindo o que está dizendo? Isso, isso é

— Isso é a verdade. — Disse a ele com calma. Na minha mente aquele discurso já havia acontecido muitas vezes, as palavras vinham com tanta fluidez que era notável que haviam sido decoradas. — Isso não faz mais sentido para mim. Ficar sentado em uma cadeira de rodas não tem sentido para mim. Isso não é a minha vida! Kim MinSeok morreu há sete meses, eu apenas existo para fingir que estou vivo.

— Não fale assim. — Pediu ele, voando em minha direção. — Você só pode estar delirando

— Existe uma clínica, — continuei — na Suécia, em que é possível

— Não ouse falar em suicídio assistido!

— É o que eu quero, Chanyeol!

Eu nunca quis morrer, mas aquilo foi antes de ser atropelado, antes de descobrir o quão terrível era ficar imóvel, foi antes de tudo, lembro-me de que foi quando Kim MinSeok estava vivo. Atualmente, morrer parecia ser a melhor escolha.

 

 

 Décimo quinto mês.

 

O mocinho, um monstro verde e assustadoramente sarcástico, escalava as paredes do castelo em busca da princesa amaldiçoada; Chanyeol estava deitado no chão com um pote de pipoca em mãos; Ana, uma das minhas cuidadoras, ao meu lado, compenetrada no desenho animado.

— Pipoca. — Eu murmurava em alguns momentos e as pipocas voavam para minha boca.

O monstro derrotou o dragão, e creio que ele preferia ter enfrentado outros dragões ao invés da princesa, que além de linda era muito falante e autoritária. O monstro se apaixonou e tal como os contos de fadas insistiam em dizer a princesa também se apaixonou pelo monstro verde. Sua maldição era ser tão horrenda como seu amado. Ana ria e chorava ao mesmo tempo, Chanyeol tinha os olhos vermelhos. A princesa, apesar de amar o monstro estava prometida a outro, um terrível homem anão resmungão.

— Pipoca. — Murmurei novamente. E elas vieram.

O mocinho do filme, aquele verde e sarcástico, impediu a cerimônia, declarou-se para a princesa e ambos chutaram o anão de lá. Foi feito uma grande festa e até o dragão apareceu para festejar, era fêmea e se apaixonou por um burro falante.  

— Pipoca. — Murmurei antes que as lágrimas dos dois afogassem as bacias. Sim, ambos os meus acompanhantes estavam chorando pelo final do filme. — Parem de chorar, o filme não é triste.

— Mas MinSeok, — disse Ana, prendendo novamente os cabelos cacheados em um coque, — o final foi lindo. Eles se amavam de verdade.

— Então por que a maldição da princesa não foi quebrada?

— Eles se amavam além da aparência. — Retrucou ela, parando diante de mim com os braços cruzados. Era uma mulher bonita, mas acabaria sozinha se continuasse acreditando naquelas coisas. — Para algumas pessoas a aparência física não importa.

Gargalhei ao ouvir aquilo. Era tão patético quanto a situação do meu corpo físico.

— Isso são contos de fadas. — Falei a ela. — Na vida real todos amam pela aparência.

— Estão estragando o filme. — Chiou Chanyeol, ainda deitado de bruços no chão. — É o melhor desenho que existe.

— Sabe, eu deveria te derrubar dessa cadeira. — Resmungou ela, enquanto nos encarávamos de debochadamente. — Mas preciso ir embora. Até amanhã.

— Acredita menos nisso? — Perguntou Chanyeol, após me colocar na cadeira de rodas motorizada que só existia por eu ter adquirido o movimento dos dois dedos, chegava a sete quilômetros por hora e precisei fazer um curso para aprender a dirigi-la. 

— Acredito no que?

— Que as pessoas só amam pela aparência.

Pensei brevemente na vida que eu tinha antes do acidente, nos amigos que me cercavam, e nas pessoas que me elogiavam, olhei para meu corpo atual, destruído, deficiente e paralisado.

—Sim, acho que as pessoas só amam pela aparência. — Falei a ele, ignorando seu olhar piedoso. — É só olhar para mim.

Chanyeol prendia-me na cadeira, ele tinha um perfume forte e ácido, os cabelos castanhos estavam divididos ao meio, estavam grandes, ultrapassando as orelhas. Ele olhou para mim, com a coluna envergada e as mãos segurando a cintura da cadeira, estavam próximas do meu quadril e talvez até estivessem encostando nele, mas eu não podia sentir.

— Você é lindo. — Disse ele com simplicidade, olhando tão fixamente para meus olhos que eu comecei a imaginar se ele conseguia escutar meus pensamentos. Certamente escutava meu coração batendo descompassadamente.

— Eu era lindo. — Falei, desejando virar as costas e chutar alguma coisa ou agarrá-lo ali mesmo.

Chanyeol balançou a cabeça lentamente, negando o que eu havia dito. Eu desviei daqueles olhos que tentavam ler minha alma, olhei para baixo onde podia ver seus pés que eram mais confiáveis que seus olhos.

— MinSeok, — chamou-me ele, erguendo meu rosto com sua mão, ele tocava meu queixo e eu conseguia sentir o toque, era tão macio e suave como uma pétala de rosa — você é lindo. Nada mudou.

Sorri ao invés de desmentir. Deixei que ele se aproximasse ao invés de impedi-lo. Fechei os olhos e deixei que a boca de Park Chanyeol encostasse na minha ao invés de ligar a maldita cadeira e me afastar daquele homem. Foi um beijo infantil e doce, como se fosse o primeiro de nós dois, os lábios se puxaram e mantiveram-se unidos por um momento intenso.

Aquele pensamento perturbador era real. O fisioterapeuta realmente estava apaixonado por seu paciente, e o tetraplégico de fato sentia seu coração bater mais rápido na presença dele. Como a vida era injusta.

— Aleijado e gay? — Deixei escapar quando os lábios se soltaram. — A sociedade irá me odiar.

— Não precisamos da sociedade. E você não é aleijado... é tetraplégico.

Sua mão acariciou minha bochecha, tocou minha boca e grudou em minha nuca. Aquilo era tão errado, minha escolha já havia sido feita, eu não viveria muito mais.

— Chanyeol, eu nunca poderei te dar uma vida. — Falei, imaginando se aquilo o convenceria de que eu não era a melhor opção, eu deveria estar morto e em breve faria com que aquilo se concretizasse. — Eu cansei de tentar... os métodos na Suécia são legalizados, irei para lá e nenhum de vocês terá que se preocupar mais.

Os joelhos de Chanyeol caíram e sua cabeça foi encostada em minhas pernas. Ouvi um ruído abafado e aquilo indicava lágrimas, eu não poderia ver mais ninguém chorando por mim, era cruel e insuportável, eu nunca poderia secar suas lágrimas, só poderia vê-los chorando.

— Não vou deixar você fazer isso.

Quis tocá-lo, acariciar aqueles cabelos castanhos, beijá-lo como eu costuma beijar quando eu estava apaixonado, mas meu corpo não conseguia, ficava parado, estático. Eu também não sentia as lágrimas que deviam estar caindo em minhas pernas.

— É o melhor para todos. 

 

 

Décimo oitavo mês.

 

Foi difícil, levou quase dois meses para que minha mãe conseguisse entender que eu não desejava mais viver e que não conseguiria tirar minha própria vida sozinho. Eu precisava de ajuda, precisava de ajuda para tudo, até mesmo para morrer.

— Não irá mais falar comigo? — Perguntei a Chanyeol, vendo o grandalhão esticando minhas pernas e puxando-as e eu, como sempre, não sentindo seu toque.

— Sente alguma coisa?

Sorri, tentando guardar aquela voz em minha mente. Adoraria acordar ouvindo aquela voz eu outra vida. Mas nesta seria impossível.

— Chanyeol?

Minha perna foi solta bruscamente, batendo com força na cama. O fisioterapeuta olhava-me com raiva, não precisava ser um gênio para ver aquilo.

— Fale comigo. — Pedi, sabendo que nosso tempo era curto.

— Desista de ir a Suécia.

— Sabe que não posso.

Minha perna foi puxada novamente e as mãos grandes de Chanyeol voltaram a percorrê-la. Pensei em esquecer aquela voz rouca e suave, fingir que nunca havia a escutado, talvez fosse fácil.

— O que você quer de mim? — Perguntei.

A perna foi solta novamente.

— Quero que viva! — Rugiu ele, os olhos já iam ficando cheios d’água. Tinha tanto tamanho, mas no fundo parecia uma criança necessitada de carinho e amor. Eu nunca poderia dar nenhum dos dois para ele. — Mas que saco, MinSeok! Eu só quero que você viva.

— Eu não estou vivo. Eu apenas existo. 

Chanyeol tinha os olhos vermelhos, estava segurando cada lágrima e eu poderia ter rido se estivéssemos em outra vida, mas não naquela. Naquela eu sentia meu coração se despedaçar, o resto do meu coração já fraco parecia enfraquecer ainda mais ao ver aquele homem com quase um metro e noventa chorar. Não queria dizer adeus, mas era necessário.  

— Não. — Retrucou ele, guiando-se até a janela. O dia estava nublado e ameaçando chover, o lago no fundo da paisagem tinha aquela coloração esverdeada, o musgo já tomava conta de tudo. — Não, você não vai fazer isso comigo! 

Feito um gato com medo da chuva, Chanyeol pulou na cama, precisamente em cima de mim, não que fosse necessário me segurar, eu não iria para nenhum lugar, mas o grandalhão quis subir mesmo assim. Suas pernas se estabeleceram ao redor da minha cintura e as duas mãos enormes bateram com firmeza ao lado da minha cabeça.

— Você acha sua vida uma merda, não é? Sua vida é maravilhosa, MinSeok. — As lágrimas que estavam contidas em seus olhos enormes caíam em cima de mim, deviam estar geladas, eu não teria como saber. — Você tem pessoas que te amam. Tem uma casa. E os melhores médicos cuidando da sua lesão.

As mãos fecharam-se com um punho socando a cama.

Olhar para ele doía e eu não conseguia fazer nada para impedir que aquela dor parasse.

— Sabe o que me deixa com raiva? — Indagou ele, erguendo-se. Chanyeol manteve-se apoiado nos joelhos enquanto secava suas lágrimas. —   O que me deixa com raiva não é eu estar apaixonado por alguém que quer morrer... o que me deixa com raiva é que você tem tudo para viver e ainda assim quer morrer. Isso é horrível! — As lágrimas contidas no fisioterapeuta agora caiam dos meus olhos. Com a vida era injusta. — MinSeok, existe milhões de pessoas com doenças terminais, pessoas que não tem dinheiro para tratar de suas lesões, pessoas que não tem família e os únicos amigos são os enfermeiros, doenças que não existem cura. MinSeok, existe pessoas com doenças cerebrais que nunca poderão levar uma vida normal, nunca conseguirão realizar uma faculdade ou trabalhar. E ainda assim essas pessoas lutam por suas vidas todos os dias... e você quer desistir?

Eu era fraco. O que poderia fazer? Fraco, covarde e apaixonado por alguém que queria que eu fosse forte e corajoso. A vida era estranha, realmente estranha.

Chanyeol me encarava com os olhos vermelhos, era difícil encará-lo, difícil ter coragem para encarar e não conseguir fazer nada. 

— Casa comigo. — Falou repentinamente.

— Está louco?

— Você me ama? — Perguntou, deixando novamente que seu corpo caísse em cima de mim. Podia ouvir sua respiração, sentir seu cheiro e imaginar como seria tocá-lo.

— Sim. — Falei, negando com a cabeça.

Chanyeol sorriu, aquele sorriso radiante e enorme, ainda sorrindo ele aproximou-se e me beijou, o mesmo beijo simples de meses atrás, mas aquele tinha o gosto salgado das lágrimas, as minhas e as dele.

— Casa comigo, Kim MinSeok. — Disse, deixando que os lábios ficassem encostados enquanto ele pronunciava as palavras.

— Não posso. — Deixei escapar entre os lábios.

— Me deixa ser sua segunda chance. Vamos recomeçar, fazer uma nova faculdade, morar em outro país, saltar de asa-delta... MinSeok, — disse ele erguendo a cabeça e encarando-me novamente nos olhos, — vamos ter filhos... e cachorros... e uma barraca para acampar que nunca usaremos. Casa comigo.

Sentia sua mão, gelada e seus dedos compridos em meu rosto, Chanyeol apertava meu lábio inferior e arranhava minha bochecha e queixo.

— Você está louco. — Anunciei, negando ferozmente aquele pedido maluco.

— Se você me ama, — disse ele, colocando as duas mãos geladas em meu rosto, — não me deixe sozinho.

Será que era possível? Eu havia morrido em um acidente de carro e estava pronto para morrer novamente, mas daquela vez seria para recomeçar. Deixei que Chanyeol, sorrindo, me beijasse novamente. Um beijo digno, desta vez. Que aquilo selasse minha nova chance e que eu não a desperdiçasse com pessimismo e orgulho. Que eu mergulhasse naquela nova ilusão que insistíamos em chamar de vida, ao menos eu teria alguém ao meu lado. Aquele, então, seria o primeiro mês, novamente.

 


Notas Finais


E fim :')

Todos bem? Bom, eu espero que essa história, apesar de ser baseada em um filme e ser fictícia, tenha deixado algo bom em suas cabecinhas. Não desistam, pessoal! Como diz aquele escritor maravilhoso (Fernando Pessoa), jamais desista de ser feliz, pois a vida é um espetáculo imperdível, ainda que se apresentem dezenas de fatores a demonstrarem o contrário... <3

Por motivos pessoais eu não pude dar a fic o mesmo desfecho do filme e acho que ficou muito melhor assim :p
Espero que tenham gostado... é isso ^^ Não hesitem em me chamar, meu ascendente em gêmeos adoraa uma conversa haha


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