Olá. Eu sou a Unidade Sirius Murat Nº 109. Mas me chamam simplesmente de Sirius, e essa é a história de como eu conheci um anjo, e como me apaixonar por esse anjo foi a minha condenação.
Tudo começou quando eu acordei de meu longo sono. Eu já não era mais totalmente humano, mas sim parte humano e parte maquina. Um ciborgue. Fui construído pelo governo Alemão em uma base operacional secreta no que hoje seria a Turquia. A muito tempo atrás eu fui um humano normal. Vivia em um tempo conturbado, onde humanos eram forçados a lutar uns contra os outros. Era matar ou morrer. Vocês, atualmente, chamam essa guerra de Primeira Guerra Mundial. Nesta guerra, fui declarado morto. Eu deveria ter morrido lá. Atingido por uma bomba e com o corpo destroçado. Esse era meu destino. Morrer sangrando e em pedaços, sem dignidade alguma. Mas aí conheci meu salvador. Ele era meu inimigo, meu dever era mata-lo o mais rápido possível, mas você já deve ter imaginado que eu não poderia matar nem uma formiga no estado em que eu me encontrava. Pouco tempo depois descobri que meu “salvador” era também meu “destruidor”.
Desde que fui “adotado” por ele eu fui feito de rato de laboratório, o identifiquei como sendo alemão. No laboratório minha vida foi salva e meu corpo modificado. Coisas estranhas foram colocadas em mim. E mais da metade daquilo que antes da bomba era meu corpo foi substituído por metal. Por um tempo esqueci quem eu era. Não sentia mais o mundo, não via nada além daquele lugar cheio de maquinas. Só me lembro de alguns flashes de minha vida passada, como se fosse de outra pessoa. Nada mais importa para você quando se encontra no inferno. Nada é importante, nada é especial, não há ninguém para você se importar, para você fazer de especial. E nesse meu inferno, eu vi meu “salvador” se definhar, envelhecer e morrer, passando seu trabalho para outro. Três gerações depois eu fui deixado para dormir, a ultima cobaia, fadada ao fracasso, deixando este mundo como se nunca tivesse vivido depois daquela bomba.
Não sei quanto tempo ao certo eu dormi, apenas sei que acordei no mesmo laboratório. Minha odiada e distorcida casa. Apenas as maquinas que me mantinham vivo estavam ligadas e eu estava descongelando. Quebrei o vidro assim que pude me mover e finalmente voltei a respirar o ar, meus pulmões arderam como o de um recém-nascido, mas eu conseguiria me acostumar com aquilo. Um alarme tinha se ativado, provavelmente ninguém ouviria, mas eu não queria me arriscar então eu fugi. Fugi por três dias e três noites sem parar até chegar em uma cabana numa floresta, quando estava para entrar eu desmaiei. Acordei no outro dia, jogado na varanda da cabana, consegui me arrastar e entrar dentro dela, logo achei comida estocada, pela forma como estava a cabana devia ter sido usada há pouco tempo. A próxima coisa que eu fiz foi encontrar uma tomada e me recarregar nela. Senti logo minhas forças voltarem, usei delas para vasculhar a cabana e acabei encontrando um aparelho estranho. Era pequeno, cabia em minha mão, parecia um computador, mas era bem menor e mais fino. Estava ligado, e havia um buraco no fundo. Curiosamente moldei meu dedo do braço de aço para conectar ao buraco e me conectei. Assim que o fiz uma enxilhada de informações foram depositadas em meu cérebro. Descobri varias coisas interessantes. Descobri que eu estava preso a muito mais tempo do que eu imaginava, e descobri como o mundo mudou. Conheci novas palavras, novas culturas e novas formas de viver. Contudo, o pior disso tudo é que eu não me vi encaixando nesse novo e tecnológico mundo, mesmo eu sendo quase todo feito de tecnologia.
Depois que eu comi o suficiente para me deixar satisfeito, eu reuni algumas coisas que achei na cabana dentro de uma mochila. Não precisava comer ou beber água, poderia ficar semanas sem isso ou sem precisar recarregar as energias, mas fazer isso me tornava mais humano e menos monstro. Percebi que meu corpo estava mostrando minhas partes metálicas, então moldei uma pele artificial para cobrir elas e coloquei algumas roupas que achei na cabana. Eram grandes para mim, mas serviriam por enquanto. Em seguida, prossegui em direção à cidade mais próxima, já havia decorado o mapa das redondezas através do que chamavam de internet. Na cidade consegui informações que não se consegue na internet, descobri que os soldados da organização que me mantinha vivo estavam atrás de mim. Fui apontado como um terrorista que explodiu uma instituição do governo, o que não é totalmente mentira, mas também não é a mais pura verdade. Fugi dali o mais rápido possível. Me escondi nas ruas, passei semanas fugindo sem parar. Então, quando achei que estava tudo acabado, que eu preferia morrer a viver daquele jeito, eu a encontrei.
Ela era linda, tinha cabelos loiros e olhos azuis turquesa, me encantei imediatamente por ela. Ela me escondeu na casa dela, me ofereceu abrigo e me deu o que comer. Mesmo eu não precisando de comida ou bebida, achei aquele ato lindo por parte dela. Quando ela descobriu o que eu era, ela não me olhou com olhos diferentes, na verdade ela ficou admirada. Ela me contou ser engenheira robótica, por isso eu deixei que ela me examinasse. Depois da avaliação dela, ela disse que eu era décadas a frente da tecnologia atual, séculos a frente de quando eu fui feito. Eu era o sonho de todo engenheiro da robótica, e que ela aprendeu demais só me vendo. Eu fiquei feliz com isso, pude dar algo em troca de toda a bondade que ela me deu.
Meses depois fomos para os EUA. Ela tinha descoberto que meu corpo era feito de algo diferente dos metais normais, por isso não seria parado no detector de metais. E eu era bom o bastante para oficializar meus documentos, como se eu não tivesse nascido décadas atrás. Liz não parecia se preocupava com minha idade, ela era simplesmente perfeita ao meu ver, tinha suas imperfeições, mas para mim, até as imperfeições eram perfeitas. Cada dia que passava eu me apaixonava mais por ela, e por isso, a cada dia eu a queria mais ao meu lado. Já a havia pedido em namoro, mas agora eu cogitava em pedir a mão dela em casamento, não me via mais longe dela.
Estava tudo sendo arrumado, já havia planejado tudo, ela voltaria do laboratório tarde, eu a receberia com um buque de margaridas – suas flores favoritas – e a conduziria para a mesa, depois comeríamos uma comida preparada por mim acompanhada pelo melhor vinho que consegui, banharia a casa com a luz das velas, usaria a minha melhor roupa e, no final, a pediria em casamento. Não tenho certeza que ela aceitará, mas pelo menos preciso tentar, além de que não importa à resposta dela, mesmo com um não eu vou continuar ao seu lado. Agora só faltava comprar a comida e mais velas, o suficiente para dar uma iluminação agradável.
Enquanto eu voltava do supermercado, eu fui parado por dois homens em ternos pretos. Eles me disseram que a brincadeira tinha acabado e que era hora de enjaular o monstro. Assim que eles disseram aquilo, o que provavelmente era um sinal, várias vans lotadas de soldados me rodearam e atiraram dispositivos que desligaram alguns de meus sistemas. Demorei um pouco para desmaiar. Isso não poderia estar acontecendo, não seria pego de novo. Então enquanto eu desmaiava eu a vi. Linda como da primeira vez que a avistei. Um anjo em sua perfeição. Mas eu descobri sua principal falha. A piada que o destino destinou para mim. Ela era minha inimiga desde o começo. E eu, tolo, era apenas seu brinquedo, que agora tinha ficado entediante. E nesse momento eu percebi que ela não era minha, nunca foi. Não como eu era dela.
Acordei novamente dentro de um imenso container de água, correntes me prendiam, uma mascara foi colocada em minha boca para que eu respirasse. Desnecessário, posso sobreviver onde eu quiser, meu “salvador” já me mostrou isso. Um jovem pesquisador se aproximou de mim assim que viu meus olhos abertos, e – pela sua postura de tomar a iniciativa e mostrar que tudo está no controle – ele provavelmente deveria ser o chefe. ‘Idiota’ pensei sorrindo internamente. Nem tudo está sobre controle, não enquanto eu estiver aqui. Ele começou a falar com sua equipe, explicou o que fariam comigo. Não ouvia nada. Mas provavelmente ele estava explicando os testes. Então ele falou em um microfone e eu pude ouvi-lo, ele estava me pedindo sua cooperação. Não respondi nada, não havia nada o que fazer, tinha que cooperar de um jeito ou de outro. Então ele me libertou. Tolo. Esse foi seu pior erro.
Eu o ataquei assim que me libertei das correntes. Vi guardas se aproximando, mas eu só queria ele, por hoje ele era o suficiente. Assim que fui contido pude sentir o medo no olhar dos outros pesquisadores, provavelmente não encostariam em mim por um tempo. E quando ao idiota do chefe, esse provavelmente precisaria de algumas plásticas por um tempo. Fui colocado para dormir de novo, agora sem a máscara, por isso pude dar um sorriso e os olhar nos olhos de todos, um de cada vez. E eles perceberam que eu não tinha nada a perder. Há muito tempo que eu não tinha mais nada.
Assim que acordei de novo vi alguns guardas, e no meio deles lá estava ela. Linda como sempre. Em sua pose autoritária quando eu fazia uma merda, ou não fazia o que ela queria. Mesmo irritada ela era extremamente bela. Ela começou a falar comigo. Desliguei meus sensores de dor e da audição. Não queria ouvi-la, não queria senti-la.
Enquanto estava imerso em meus pensamentos decidi que ainda não era o suficiente, precisava me libertar daquilo. Precisava de mais liberdade, mais amor, mais vida, não importava o preço. Utilizando de forças que não conhecia eu me soltei da minha prisão, assim como uma tesoura afiada corta um papel, eu cortei minhas correntes. Matei, matei e matei. Voltei aos meus tempos de guerra. Onde um humano matava para se tornar um monstro. Mas agora era um monstro matando para recuperar sua humanidade. Até que fiquei frente a frente com ela, minha mão já era uma espada banhada em sangue, poderia corta-la em mil pedaços, de uma forma que nem haveria um corpo para eu chorar em cima. E eu ia fazer faze-lo. Mas algo me impediu, algo mais primitivo que a humanidade. Algo que sempre existiu em nós, o que torna monstros em humanos e humanos em monstros. Eu senti meu amor por ela. E me vi de joelhos diante dela, olhando em sua face angelical. Coloquei minha alma em suas mãos e percebi que, a partir de hoje e para sempre, minha vida estava em suas mãos.
Eu era, sou e sempre serei perigoso. Eu sempre soube disso, as pessoas a minha volta sempre souberam disso. Por isso me alistei no exercito. Eu sabia que morreria logo. Na verdade, eu desejava isso. Sempre achei que seria o melhor para todos. Se isso acontece-se eu me encontraria com meu pai, não seria mais a decepção de minha mãe, meu irmão não teria o meu eu ruim como exemplo quando crescesse. Tudo seria incrivelmente melhor se eu apenas não existisse mais nesse mundo. Esse era meu pensamento até conhecê-la, até amá-la. Em pouco tempo ela se tornou meu mundo, minha razão de continuar vivo neste lugar de loucos. E, depois de me entregar de coração e alma para ela, ela não hesitou em destruir esse mundo. E a piada mais sem graça de todas é que mesmo depois de me destruir, eu ainda a amava. Eu a amava com todo o meu ser. E quando eu me coloquei de joelhos diante dela e ela não fez nada, a única coisa que eu sabia era que existia uma reciprocidade. Porque ela hesitou em destruir meu mundo uma segunda vez e, por isso, eu soube que ela começou a me amar mais do que ela própria.
Eu estava preso de novo, dessa vez, meu anjo deixou que eu fosse levado sem poder mover um dedo contra. Mas em vi em seus olhos que não era aquilo que ela queria. E, enquanto estava sofrendo após os cruéis testes que fui submetido, eu vi a luz entrar no laboratório, em minha triste e escura cela. E lá estava ela, brilhando tanto quanto a luz, como se fosse uma deusa. Perguntei em um sussurro rouco e cheio de amargor o que ela estava fazendo. E ela me respondeu algo que eu nunca imaginaria, ela me disse que estava cometendo o maior erro de sua vida e, através de suas lágrimas, eu pude ver que era verdade. Entre soluços ela me disse o que eu sempre quis ouvir. “Eu te amo”. Saiu tão embolado, tão apressado, porém, tão verdadeiro. Suas palavras vinham de seu coração, do lugar mais profundo de sua alma. Após ela me ajudar a sair, nós corremos pelos corredores. Dois amigos dela estavam nos ajudaram, mas muitos guardas vinham atrás de nós. Eles nos pegariam. E ela pagaria caro por me ajudar e eu nunca permitiria isso. Mandei que todos parassem, disse que eu ficaria, que eles seguissem em frente, que vivessem de forma livre. É claro que ela não quis, discutiu e voltou a usar sua pose de brava, mas essa discussão eu ganhei há muito temo, quando decide que nada aconteceria a ela. Eu a dei meu melhor sorri e a abracei o mais forte que pude. Depois eu a beijei mostrando o quanto a amava, disse que ela era linda, que não existiria outra como ela, pois para mim ela era perfeita.
Ela chorou.
Eu disse que a amava.
Ela bateu em meu braço.
Eu disse que sempre seria dela.
E ela gritou comigo.
Eu disse que era hora de seguir em frente.
E ela chorou mais ainda.
Pedi aos seus companheiros que a levassem, dei a eles um pendrive, mandei entregarem para ela quando ela estivesse melhor. Ali tinha todas as informações possíveis sobre mim, por mais que nunca tivesse eu, ela ainda poderia fazer o que mais amava: salvar vidas. Como salvou a minha. E aos gritos eles a levaram. E assim que tive o último vislumbre dela eu me virei.
O exército que nos perseguia se aproximou, armas prontas e apontadas pra mim, não demorariam em minha execução. E eu agradeci por isso. Não pertenço a esse mundo, nunca pertenci. E agora tinha libertado a única coisa que me prendia aqui. Porém, eu não iria nos termos deles, eu iria nos meus. Pedi para esperassem, e que me trouxessem o capitão e o cientista chefe deles. Disse que tinha um presente para eles, a chave para todos os segredos dentro de mim. Assim que os dois se aproximaram eu sorri. Os recebi de braços abertos e os abracei. Ali estava meu presente. Autodestruição. O ultimo presente de meu “salvador”. Para quando eu não quisesse mais viver nesse mundo. Ou quando eu fosse encurralado. Esse com certeza foi o melhor presente dele. E nos últimos segundos me lembrei do que ele disse antes de morrer, sua ultima lição, daquele que me destruiu e me recriou, que me deu uma oportunidade nova através da dor:
— Um dia, Sirius, você entenderá que, diferente do que você diz, você ainda é um humano! Porque não importa em que lugar eu mexa em seu corpo, não importa quantas modificações eu faça em você, existe um lugar misterioso onde ninguém pode tocar se não lhe for permitido. Este lugar é onde fica a sua alma! Lembre-se: o que lhe mantêm vivo não é seu corpo e sim sua alma. Se você se lembrar disso, talvez não se torne um monstro como eu! Talvez não parta sem amor, assim como eu!
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.