"Uma resposta em breve vou lhes dar.
Depois que se desliga a alma feroz
do corpo que ela própria leva à morte,
à sétima foz rende-a Minós.
Na selva cai onde quiser a sorte,
onde o azar dá fortuna o arremesse
para o grão germinar e ficar forte
O broto só faz planta e enfim floresce,
Harpias que comem brotos que comemos
Causam-lhe dor que se transforma em prece
Para nossos despojos ver viremos
mas não temos a dirieto de querer
o de que já nós mesmos nos tolhemos.
Inferno — Dante Alighieri.
As pessoas que estavam indo para a capela temiam que uma tormenta voltasse a cair novamente, estavam abalados, fisicamente e mentalmente. O rei merecia um funeral digno e com essas chuvas rigorosas que provavelmente se aproximava ele não teria esse direito.
Os camponeses que ainda não tinham ido dar seu último adeus ao rei, apressaram-se ao sair de casa. E logo o espaço que cercava a capela fora pequeno para tantas pessoas, o reino de Gloriam estava todo ali, tinha pessoas por todo o lado. Impressionava-se com o número de nobres e reis que estavam ali. Marcus não era tão popular. Mas pelo visto, os reinos vizinhos foram solidários.
Carlota atravessou a multidão cercada por soldados, agora, ela e rainha precisavam de mais proteção do que nunca. Coisa que Carlota odiava; andar com soldados ao seu lado.
Seus brilhantes olhos negros, desta vez brilhavam de lágrimas salgadas, as poucas que ela deixará escapar. O vento gélido abraçou-a com cautela e ela fechou os olhos, imaginando um abraço caloroso que quisera agora. Ela tinha esperado por Felipe em seu quarto, mas ele não apareceu. E Lilian, tinha sumido do castelo. Sua mãe estava longe o bastante apenas para pensar em como o reino funcionaria daqui por diante. E não restava mais ninguém com que ela pudesse dividir esse momento, estava sozinha.
Sozinha no meio de milhares de pessoas. Por mais que as pessoas estivessem alí ninguém sentia o que ela sentia, ela era a única pessoa que o amava verdadeiramente. Ela gostaria de tocar-lhe mais uma vez e dizer a ele o quanto ele era maravilhoso, mas ao mesmo tempo tosco e covarde. Queria uma segunda chance. Chance essa que não teria. Não nessa vida.
Ela respirou fundo e os pelos do seu corpo se enrijeceram, ela estremeceu. Ouvia tudo, mas não escutava nada. As pessoas lhe aplaudiam enquanto ela caminhava para dentro da capeta, e a multidão ia se espremendo como podia. Quando chegou na primeira fileira onde estava horas antes, Edmundo estendeu sua mão quente para ela.
— Estou triste por vê-la assim. — sussurrou ele.
— A dor é uma imensidão, e se não sentir, ela não passa. Eu vou ficar bem. — respondeu Carlota.
Ele olhou com seus olhos azuis e a prendeu no olhar, Edmundo tinha um olhar mais penetrante do que o de Felipe e, sem dúvidas mais azuis, um azul tão incandescente, tão majestoso e profundo que a falta de ar se fazia presente.
— Meu pai está morto — Sussurrou, evasiva. — Pensei que ele ficaria para sempre comigo.
— Para sempre não é o correto, existe a plenitude. — Respondeu ele, de imediato.
— Você é enigmático.
Carlota tentava o máximo não olhar para o caixão que se prostrava a sua frente. Mas quando o viu novamento se sentiu tonta e questionou sua presença alí, já que não queria ver seu pai dentro de uma caixa, ele era mais que aquilo.
Safira olhou para ela passando um olhar de confiança, e levou seus olhos para Edmundo, olhando-o atentamente. E a desconfiança estava nítida em seu rosto durante o tempo que olhava para o rei. Carlota não percebeu isso, estava ocupada demais tentando controlar suas fortes emoções.
Sua pele arrepiou-se quando um estrondo foi ouvido e um forte vento adentrou na capela fazendo as roupas e chapéis voarem para todos os lugares. Trouxe uma poeira e folhas secas arrastadas do jardim. As velas foram apagadas e uma porta que ficava nos fundo da capela bateu com força sobre a parede.
Os olhares das pessoas foram divididos por todas as partes, e a segurança ao lado dos reis aumentou. A princípio temeram uma invasão, estavam tão assustados com o ocorrido que tudo era motivo de dúvida, logo depois perceberam que tinha sido apenas o vento bravo.
Carlota lançou um olhar para o rei, e talvez pudesse perceber que o sofrimento dele era mútuo e que de nenhuma forma gostaria de vê-la assim outra vez. A dor acaba com as pessoas.
Edmundo apenas a trouxe para mais perto e a envolveu com seus braços musculosos, ela sentiu conforto no abraço enquanto ele afagava seus cabelos. Não hesitou, e nem queria. Carlota colocou seu rosto delicado entre o peito dele, e isso só fazia com que ela se parecesse menor. Um mero detalhe em uma vastidão de coisas complexas e talvez incompreensíveis para ela naquele momento.
Perguntas lhes surgiam a todo instante, perguntas que, mais cedo ou mais tarde teria as respostas. E possivelmente, não seriam o que ela queria. Uma das primeiras perguntas que se fez foi: Por que papai está fora do seu quarto naquela hora? Onde será que ele estava? Onde o encontraram? Por que o matá-lo?
Felipe que antes se encontravam sem nenhuma reação, agora estava com uma postura ereta e o maxilar trancado. E então, um rosto perverso surgiu no príncipe encantado de Carlota.
***
— E como parte da tradição, a filha mais velha mulher tocara em homenagem a seu pai e rei uma música — Anunciou Tom, conselheiro do rei.
Carlota pegou sua lira com cuidado e se dirigiu para o meio da capela, estava atômica, o povo seu reino inteiro estava ali e olhavam para ela como se fosse a esperança. Lá fora parecia que o reino tinha sido coberto por um véu sombrio e carregado de ódio, o céu gritava sua dor em estrondos de fazer as coisas tremerem e os raios rasgavam as nuvens arrocheadas sem nenhuma hesitação.
Seus dedos finos alcançou as cordas da lira, e então ela começou uma melodia suave, lembrando de quem a ensinou tocar aquele instrumento. Ela não podia olhar para as pessoas, não queria ver suas expressões, tudo que queria era tocar sua melodia sozinha.
Quando fechou os olhos, a princesa se teletransportou para um mundo seu. Estava tudo branco, era um cenário incandescente, e tudo que podia-se ver era luz. Muita luz.
Um coral católico começou a entoar um cântico de despedida, acompanhando a muisac de fundo, que estava sendo produzida por uma princesa inerte e cheia de desilusões.
"Subites ao céu agora;
Mas por que não deu adeus?
Estás na casa do pai agora;
Então que ilumine onde viveu
Seu caminho está a ser escrito em outro lugar
Alma de luz
Oh, Deus pai, o perdoa
Oh, Deus pai, o perdoa"
Quando terminou foi aplaudida e referenciada, ela apenas os olhou e acenou. Então a chuva lá fora começou com pingos grossos e a ventania ficou mais forte. Safira aproximou-se de sua filha e abraçou, depois deu um beijo em sua testa.
— Precisamos seputa-lo antes que vire uma tempestade — Disse a rainha, e Carlota concordou.
Marcus seria enterrado no jardim do castelo, na parte que ele mais ficava, e tudo já estava pronto. Carlota só não queria acreditar.
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