História The Clipes - Tons neutros

  A empresa acabou se tornando uma espécie estranha de lar para mim. Mesmo que não me sentisse muito querida lá, era infinitas vezes melhor do que estar sob julgos de burgueses na faculdade e no final das contas acabei me enturmando com o pessoal no serviço. Achei pessoas com interesses mais parecidos com os meus, passei a me divertir durante o expediente, sair nos intervalos para comer besteiras e gargalhar sobre bobeiras antes de voltar a atender. Tudo parecia estar bem, mas ainda faltava algo.
   A primeira vez que cheguei atrasada no serviço foi um dia de sorte. Não tive desconto por que o sistema havia caído e ninguém conseguira bater o ponto. Ficamos assim por um bom tempo e começamos a conversar para jogar conversa fora; o assunto da vez era a nova equipe que estava dividindo a operação conosco. O período deles era diferente do nosso e o produto que cobravam era o melhor que a empresa fornecia; em resumo eles eram muito sortudos! Tão sortudos que foram dispensados mais cedo pela falta do sistema enquanto nós ficamos lá esperando voltar. As pessoas da nova equipe pareciam interessantes: muitos com camisas de banda e animes, cabelos coloridos, segurando livros legais e muito próximos uns dos outros. Reparei num garoto de camisa do chapolim colorado, muito bonito, porém abraçando uma mocinha loira e também usava aliança. Não que eu tinha olhado com outros olhos - isso não é do meu feitio - mas já me corrigi antes mesmo de pensar em fazê-lo. Por um minuto desejei ser aquela menina.
   Uma aula cansativa, um professor chato, pessoas nojentas e nós três contra tudo isso. Três contra todos. Eu, Júlia e Beatriz continuavamos resistindo apenas por poder zoar todo o mundo entre nós três. Elas se tornaram as amigas mais presentes e confiáveis que um dia já tive, mas um dia ruim é sempre um dia ruim. Tudo que queria depois daquela aula era correr para casa, mas sabia da minha obrigação.
   Entrei no elevador sem ver um passo a minha frente. Minha cara de acabada estava tão crítica que algumas pessoas haviam me perguntado se estava doente. As portas se abriram e ali estava Juliana conversando com um garoto. Ao me ver abriu um largo sorriso e me cumprimentou.
  - Bom dia amiga! - acenou feliz.
  - Olá. - sorriu o rapaz.
  - Bom dia... Eu to exausta Ju! - joguei minha mochila de qualquer jeito num canto - Oi! - respondi o garoto - Acho que vou desistir daquele antro de captalistas!
- Nossa amiga! Ta tão ruim assim lá? - indagou ela - Mas aguenta! Você tem que esfregar na cara daqueles snobes que você é mais inteligente que eles!
- Mas pra eles ser bolsista é vergonha... - reclamei.
- Quer sentar aqui moça? - ofereceu o menino.
- Não, não, obrigada. - agradeci com a maior simpatia que consegui - Eu prefiro sentar no chão.
- Não, pode sentar! - insistiu, porém eu já estava no chão.
- Muito gentil da sua parte moço, mas eu realmente prefiro o fresquinho do chão. - ri.
- Tudo bem. - riu sem graça - Mas se mudar de ideia...
- Amiga eu acho que você devia ter orgulho independente do que eles pensem. - interrompeu.
- Mas eu tenho Ju! - ri nervosa - Mesmo assim me incomodo com aquele povo da faculdade.
- Você faz faculdade de que? - perguntou o terceiro.
- De arquitetura. - respondi orgulhosa - E você?
- Jornalismo. - disse com um ar sonhador.
- Wow! Sério?! - perguntei animada - Eu já quis fazer jornalismo! Parece um curso muito legal!
- Ah sim! Eu acho bem legal. - empolgou-se o garoto - É meu sonho. Tenho até um blog para isso.
- Nossa! Que maneiro! Qual o nome? - senti que estava mais interessada do que deveria.
- Power news. - volveu - Mas... Ele está fora do ar no momento. - Entendo... - disse digitando no celular - Vou salvar o nome aqui e procuro até voltar ao ar.
- Mesmo? - pareceu não acreditar - Bem... Estou fazendo uma pesquisa, se puder me ajudar.
- Posso sim! É sobre o que?
- Preconceito musical. Você conhece alguém que represente a comunidade do rap? Já tenho um cantor de sertanejo e um de funk...
- Muito bom seu tema! Mas infelizmente não conheço.
   Conversando com o garoto nem me dei conta de que a Juliana já tinha saído de perto de nós. Os minutos se passaram voando e quando me dei por conta já estava na hora de começar a atender.
- Já deu nossa hora. - avisei - Precisamos entrar! - disse já andando.
- Eu entro mais tarde que vocês. Não somos da mesma operação.
- É? Me desculpe por ir então...?
- Bruno! Meu nome é Bruno.
- Prazer em te conhecer Bruno! Meu nome é Lívia. - acenei e corri para minha p.a.
   Algo naquela conversa de meia hora melhorou consideravelmente meu dia.