[Micaela]
– O que foi aquilo?- Nevra perguntou irrompendo pela porta do meu quarto, fazendo-me encara-lo por dois segundos antes de absorver o que estava acontecendo e gritar, amassando metade dos meus cadernos enquanto me sentava direito na cama, jogando o travesseiro em cima de meu colo, escondendo a calcinha que vestia.
Ele não sabia bater?
– Como entrou aqui?!- era para todas as portas estarem trancadas àquelas horas.
Ele se sentou na cadeira em frente ao meu computador, sem nem olhar para mim.
– Eu fiz a pergunta primeiro. O que você tem contra aquela menina?
–Nevra...- comecei a falar entredentes.
–Certo, certo. Eu tirei uma cópia das suas chaves. - respondeu dando de ombros.
– Você o quê?!- minha vontade era de levantar e arrancá-lo para fora dali, mas me lembrei que estava só de calcinha, então permaneci sentada.
Ele deve ter entendido meu silêncio como uma deixa para continuar.
– Onde e quando se conheceram? Por que brigaram?- lançou essa torrente de perguntas enquanto se levantava e vinha até mim; no impulso arrastei-me pelo colchão para longe dele até bater as costas na cabeceira da cama. Claro, sempre mantendo o travesseiro bem fixo no colo.
–Nevra, sai daqui, não pode ficar entrando no quarto de uma garota sem bater...
Seus olhos se estreitaram sobre mim e então deu a volta na cama, sua silhueta erguendo-se acima de mim, a expressão séria.
– Apenas diga onde se conheceram e qual a relação de vocês.
Engoli em seco juntando as pernas mais perto do corpo, tentando manter a expressão relaxada, o que não era fácil naquela situação.
– Éramos amigas no fundamental.- comecei a falar, sabendo que seria o único jeito de fazê-lo ir embora sem que eu precisasse levantar - Ela... Fez uma coisa não muito legal comigo e agora eu odeio ela. Fim.
Ele ergueu uma sobrancelha, provavelmente vendo o que eu não estava dizendo.
– Não foi só isso; o que foi que ela fez? Da onde ela veio? Quem eram os pais dela...?
Bufei e ele se calou.
–Por que não pergunta á ela já que está tão interessado?
Mordi o lábio inferior e virei o rosto. Amanda era uma memória que eu não queria lembrar.
Nevra foi de um lado para o outro do quarto, nervoso, e eu não conseguia acreditar que todo aquele estresse era porque eu não queria falar da minha vida pessoal á ele.
–Nevra, será que agora dá... - comecei, e então ele estava ajoelhado na cama a minha frente, as mãos na cabeceira atrás de mim, a respiração em meu rosto.
– Isso é importante, preciso que não esconda nada do que sabe sobre ela e... - interrompeu-se por alguns instantes e olhou fundo em meu olhos, de repente parecendo confuso - Ainda está desenhado ai... - murmurou estalando a língua.
Decidi deixar pra lá o que quer que fosse aquilo de que ele estava falando, desde que isso o fizesse sair dali logo, ao menos por tempo suficiente para me vestir.
Coloquei uma das mãos em seu ombro e tentei empurrá-lo devagar para trás, mas ele estava na beirada da cama, e muito distraído em pensamentos, assim, quando ameacei distancia-lo de mim, ele cai no chão, me levando junto dele.
– Ai...- resmunguei levantando a cabeça de seu peito, fitando seu rosto sorrindo de lado para mim.
– Agora entendi porque estava agarrada àquele travesseiro.- falou com uma das mãos em meu quadril; um toque leve, mas que fez fios de eletricidade correrem por todo o meu corpo.
Foi quando ele pigarreou á porta. Olhei imediatamente na direção do som e Ezarel estava lá, braços cruzados e uma sobrancelha erguida, fuzilando-me com o olhar de um jeito que me gelou o coração com o que poderia falar.
[ Ezarel]
Só tínhamos mais uma semana ali e Nevra estava brincando com a vizinha.
Engoli em seco a raiva ao vê-los no chão, ela em cima dele só de calcinha estampada com figuras infantis e Nevra com a mão em seu quadril.
Disfarçadamente respirei fundo e pigarrei, cruzando os braços, anunciando minha presença para que parassem com o que quer que estivessem fazendo.
Micaela olhou imediatamente para mim, o rosto passando do vermelho para o branco-osso em velocidade anormal; nem tentei disfarçar meu incômodo de vê-los assim.
–Ezarel...- ela começou a falar.
–Não me interessa. - cortei, o mais rude que pude, respirando devagar.
Não havia motivos para eu estar com aquele sentimento. Nevra dava em cima de todas, era óbvio que ela seria um alvo. E eu não tinha nada com o que ela fazia da vida; e nem queria ter.
– Estou há meia hora te esperando. - falei entredentes para Nevra, olhando para sua mão no quadril dela, desejando ir lá e arrancá-la fora á força - Temos que decidir qual delas levar, lembra?
Ele se levantou normalmente, estendendo a mão para Micaela que negou com a cabeça, voltando a ruborizar enquanto puxava o tapete sobre as pernas e as encolhia junto ao corpo.
Afastei da mente a ideia de ir até ela e tocar no vermelho de suas bochechas.
– Anda logo- resmunguei e sai do apartamento.
– Sua cara está péssima. - ele comentou assim que voltou a trancar porta, guardando as chaves em seu bolso. Resisti ao impulso irracional de arrancá-las de sua mão para que nunca mais entrasse ali.
– Espero que ao menos tenha se certificado de que a marca no olho era verdadeira ou não. - entrei no que até então tínhamos como "nossa casa".
Nevra se jogou ao sofá, a expressão corporal relaxada fora de sintonia com o semblante preocupado.
Encostei-me na quina da mesa.
– Pelo visto só foi lá para...
– Ela tem. - cortou-me tão de repente que levei um segundo a mais para entender do que estava falando.
– Bom, não se pode ter duas herdeiras, e ela não tem mais nenhuma característica...
– Você não pode descartar a ideia de que talvez ela também seja. Você mesmo deve ter visto o símbolo gravado quando estava bem perto dela, aquele dia quando os dois ficaram de "castigo" pintando o pátio... - ele lançou um sorriso malicioso e o fuzilei com o olhar, o amaldiçoando por ter trazido aquela lembrança a tona. Quase dois meses se passaram e eu ainda guardava aquela lembrança com mais zelo do que deveria. E irritava ficar gastando memória com algo assim.
– Não me lembro de ter visto nada. - murmurei, sem revelar que no momento em que aquilo aconteceu eu tinha outras preocupações em mente, a principal relacionada á proximidade do corpo dela do meu, a boca tão perto que... Uma palpitação mais forte do coração trouxe-me de volta a realidade.
Nevra bufou e se levantou.
– Ainda acho melhor esperar; os Círculos pararam de aparecer, podemos pensar um pouco agora e não correr o risco de levar uma humana para lá.
Revirei os olhos. Claro que para ele os Círculos pararam de aparecer; ele passava mais tempo brincando com o coração daquelas humanas do que se preocupando com nossa obrigação ali.
– Você tem duas semanas para se certificar de que ela tem a marca nos olhos, se tiver, levamos ela - apontei para o apartamento de Micaela -, se não tiver, nada de ponderar, vamos levar essa tal de Amanda conosco e pronto.
Não esperei por sua resposta, sai da sala e tranquei a porta do quarto, o emblema esquentando no bolso do casaco enquanto esperava eu atender á mensagem que me trazia.
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