Meus olhos pesaram, e com um pouco de dificuldade consegui abri-los. Ergui meu tronco me sentando. Alonguei meus músculos, direita, esquerda.
Caminhei preguiçosamente até o banheiro, onde fiz minhas higienes. Voltei até o quarto. Olhei pela janela do sobrado observando a fria Northampton. Fechei as cortinas mantendo o clima agradável do quarto.
Vesti uma calça de moletom cinza por cima da calcinha box que vestia e caminhei até a sala a cozinha. Coloquei o jantar no micro-ondas e fui para a sala. O noticiário mostrava a mesma coisa de sempre. Crimes, mortes, políticos... Assim que cheguei do asilo por voltas das 16h PM eu fui dormir. A sessão com o coringa foi pacata, ele falando pouco, e eu me frustrando muito.
Observei o relógio na parede, o mesmo marcava 21h. O micro-ondas apitou e eu fui buscar meu prato, quando a campainha toca. Caminhei até a porta desconfiada e abri a mesma.
-Boa noite nervosinha! –Sorriu debochado e eu revirei os olhos. Era meu novo vizinho chato.
-Já viu que horas são? –Perguntei indignada.
-Na verdade não! –Pareceu pensar. –Eu preciso de açúcar. –Sorriu falso e eu o olhei com cara de tédio. Só agora tinha reparado na xícara azul em suas mãos.
-O velho truque do açúcar! Por acaso eu tenho cara de trouxa? –Perguntei cínica.
-Olha eu...
-Não ouse responder! –Cortei-o e ele gargalhou.
-Você que perguntou. –Ele deu com os ombros ainda rindo.
-O que quer? –Perguntei já sem paciência.
-Seu nome! –Disse firme e revirei os olhos novamente.
-Sua mulher já esta dormindo, não é? A coitada nem imagina que o marido fica torrando a paciência da vizinha! –Disse.
-O que te faz pensar que sou casado? Só por que sou velho não significa que já tenha construído uma família. –Observei-o atentamente vendo a sinceridade nítida em seu rosto.
-Super velho! Por Deus! -Bocejei e me apoiei na porta. –Eu não tenho açúcar, e não vou te contar meu nome. –Disse cansada e ele riu.
-Então me convide para entrar! –O encarei debochada e gargalhei.
-Por que diabos eu colocaria um estranho dentro da minha casa? –Cessei o riso aos poucos.
-Porque eu sou um velhinho solitário, sem mulher ou família. –Sorriu meigo. –Qual é! Eu não sou um psicopata! –Ele trocou a xícara de mãos e eu fiquei um pouco desconfortável.
-E se fosse você me contaria? –Rebati e ele me fitou confuso.
-Não... –Deu com os ombros e riu.
-Então pronto! –Disse frustrada. –Tenha uma boa noite, Jake! –Bati a porta em sua cara voltei para o sofá.
Um sorriso de felicidade não saia do meu rosto. Ele era um cara bonito, e simpático. Mas obviamente não seria tão fácil assim.
Após ter jantado eu voltei para o quarto, já de pijamas e deitada na cama eu assistia a season finale de Grey’s Anatomy.
Meu celular começou a tocar sobre o criado mudo. Estiquei me sobre a cama alcançando o aparelho, o nome Arkham brilhava no visor. Eu me desesperei.
Ligação on:
-Drª Quinzel? – A voz de Lindsay alcançou meus ouvidos. Eu já estava de pé.
-Fala Lindsay, o que houve? –O Arkham nunca ligava esse horário. Coisa boa não deve ser.
-É o palhaço! –Minhas pernas tremeram de medo. E se não tivesse apoiada na cômoda eu provavelmente cairia. - Ele surtou, Quinzel! Venha pra cá agora! –Ela disse visivelmente nervosa.
-E-eu to indo, chego ai em 5 minutos! –Apoiei o celular no ombro e orelha e comecei a vestir a calça. –Lindsay, como ele tá? –Perguntei hesitante, eu tinha medo da resposta.
-Incontrolavél! Chegue logo! –Ela disse e desligou.
Ligação off:
Joguei o aparelho sobre a cama e abotoei a calça, coloquei um coturno de qualquer jeito e peguei o jaleco junto com o celular.
Já na sala peguei as chaves e sai.
Dirigir rápido para mim era um costume. Mas hoje, quanto mais eu acelerava parecia que mais longe o Arkham ficava.
Minha cabeça martelava o possível estado do palhaço e um bolo se formava em minha garganta.
-Não bote tudo a perder, Justin! –Eu sussurrei para mim mesmo durante todo o caminho.
Assim que cheguei ao asilo parei o carro de qualquer jeito e desci do mesmo. Minha bota escorregava no barro formado pela chuva, na entrada, mas eu não ligava.
Corri até o Setor Vermelho encontrando Lindsay vermelha.
-Cadê ele? –Perguntei para o morena que me olhou receosa. –CADÊ O CORINGA, LINDSAY? –Gritei nervosa atraindo alguns olhares dos poucos funcionários presentes ali.
-Ele esta na intensiva. –Ela disse baixo e eu custei á acreditar. Mantive meu olhar sobre ela, esperando que ela dissesse que era brincadeira. Mas nada veio.
Comecei a correr pelos corredores do SV em direção a ala da intensiva.
A intensiva era o nome dado a área hospitalar do Arkham. Os setores não eram nada comparados á intensiva. Os outros setores cuidavam somente do “básico” psicologia, analise, tratamentos básicos.
A intensiva utilizava remédios, choques e tortura. Era como a “solitária” de um presidio. Os pacientes iam lá para serem punidos.
E o arkham era o campeão no quesito punição.
Liberei a porta da ala hospitalar com meu quartão e encontrei a diretora.
-Que bom que chegou! –Pareceu aliviada.
-O que houve? –Começamos a caminhar em direção a sala onde tudo acontecia.
-Ele surtou durante o banho. Agrediu os dois enfermeiros gravemente, eu não faço ideia de como, mas ele tinha um lápis! –Meu coração palpitou em desespero. – Ele ficou incontrolável. Agrediu mais 3 seguranças e só parou depois de um sedativo forte. –Ela disse. Minha boca se abriu em um perfeito “o”. Maldita hora em que deixei aquele lápis com ele. Aquilo era minha culpa.
-Eu posso vê-lo? –Perguntei receosa. Ela assentiu abrindo a porta.
Corri meus olhos pelo local, vendo alguns funcionários e dezenas de seguranças. Olhei para o centro da sala, separados por uma enorme janela de vidro eu encontrei ele.
Deitado sem camisa em uma maca de ferro, seus braços, pernas e cabeças estavam imobilizados. Seus olhos arregalados, mas ele estava quieto. Havia alguns hematomas e sangue pelo seu corpo. Observei o Dr. Freud se aproximar dele, eu sabia o que viria a seguir. Eu queria gritar, pedir para não fazerem aquilo.
Eu sabia muito bem da política de tratamento do arkham. Mas com ele, com ele era diferente. Obviamente aquilo não era nada perto da dor que ele causou aos outros. Ele era um monstro. Mas eu simplesmente não conseguia aceitar aquilo.
O velho sádico colocou alguns fios pelo peitoral e cabeça do palhaço e eu engoli seco. Assim que terminou, Freud se afastou da maquina indo até o outro lado da sala. Durante o percurso ele me viu e sorriu debochado. Aquele velho podre!
E então ele abaixo a chave do condutor. Uma corrente de eletricidade correu por toda sala alcançando a maca com força o suficiente para matar alguém. O grito de dor ecoou pela sala. Virei o rosto encarando outro canto.
Os gritos vindos dele eram ensurdecedores. Com as costas arqueadas ele se debatia, tentando inutilmente se soltar daquela tortura medieval.
Finalmente aquele velho filho da puta desligou a chave.
As costas de Bieber chocaram-se contra a maca. Completamente sem forças e de olhos fechados, seu peito subia e descia demonstrando o cansaço extremo. Eu queria chorar, por ele.
Quando ele abriu os olhos ele me viu. Um choque parecido com o qual havia corrido por aquela sala segundos antes atingiu meu corpo.
Ele me olhava com repulsa, ódio e dor. Mas ele era forte. Eu confiava nele.
-Sinto muito. –Silabei para que ele entendesse. Ele negou.
Encarei Freud do outro lado da sala, no momento exato em que ele religou a chave. Levei a mão até a boca assustada prendendo meu grito de horror. Aquilo já era demais, ele não aguentaria. Suas costas arquearam-se novamente, ele urrava de dor. Ele abriu os olhos em meio a tanta dor e me encarou. Neguei com a cabeça, pedindo a Deus para que ele me perdoasse. E então ele começou a gargalhar. Todos os presentes naquela sala se encaravam confusos. Menos eu. Ele era forte. Aquilo não seria capaz de derruba-lo.
Sua gargalhada horrenda ecoava por toda a sala misturando-se com o barulho da eletricidade detonando seu corpo.
Aquele era meu palhaço.
Eu sabia que aquilo era só o começo. A intensiva duraria provavelmente toda a madrugada.
Eu sabia que ele era mais forte do que aparentava. A única coisa que me preocupava era por quanto tempo ele conseguiria ser forte daquele jeito.
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