Aninha me falou que hoje ela iria fazer sopa de legumes e eu concordei. Enquanto eu ia picando os legumes, Aninha foi fazendo umas massas — se eu não me engano — que seriam pães. Na hora achei um prato bom para ser feito, aliás, fazia um bom tempo que não comíamos sopa de legumes. Aninha sai com as massas — estas que estavam em uma bandeja de ferro — e as levam até à lareira.
— Você sabe o porquê o sr. Bieber não quer que você converse com Eriki? – Aninha volta, ficando do meu lado e eu bufo intrigada, negando com a cabaça.
— Sinceramente, eu não sei. Ele nunca se preocupou com isso. Acho que ele não dá nem importância para quem fazemos amizade. – Respondo, voltando a picar os legumes.
— Sr. Bieber é estranho. – Concordei. Realmente ele era estranho.
— Ele não é totalmente estranho, o comportamento dele está sendo estranho. – Olho de canto para Aninha e ela estava mexendo na outra massa.
— Então o que pode ser? – Pego os legumes e os coloco na panela que estava na minha frente.
— Eu sinceramente não sei. – Olho novamente para a pia e vejo que estava faltando legumes. — Aninha, acho que vou ter que pegar mais legumes. – Olho para ela.
— Esses não deram? – Nego com a cabaça. — Se quiser eu posso ir lá buscar. – Nego novamente.
— Não precisa. Fica aqui e toma conta das coisas enquanto eu vou lá pegar. – Ela assente. Lavo minha mão na água e depois a seco no guardanapo. Saio da cozinha, indo na direção da horta que ficava no fundo do casarão; lá tinha de tudo, — ou quase de tudo — sempre que falta alguma coisa para completar a comida ou quando está faltando, viemos aqui e pegamos. Não sou muito de vir aqui, afinal, eu limpo mais dentro da casa do que fora; mas as vezes eu gosto de vir aqui no final do dia, ver o sol se pôr, relaxar e sentir os ventos gelados do final do dia colidirem em meu corpo. Olho para a grande extensão do campo, — este cheio de mato. Mato não, comida — tudo em fileira. Antes de entrar no enorme campo, pego um baldinho que as criadas usam para colocar os legumes e entro no mesmo. Fui na primeira fileira que era de cenoura e peguei a quantia que eu precisava, depois eu fui até à das batatas e comecei a pegar.
— O que faz aqui? – Ouço alguém perguntar próximo ao meu ouvido, me fazendo tomar um susto. Viro meu corpo para pessoa e vejo Eriki parado, me olhando com um sorriso no rosto. Acabo me lembrando sobre o que o Sr. Bieber falou.
— Oi Eriki. – Cumprimento séria, voltando a pegar as batatas. — Eu acho melhor você voltar a trabalhar, senão o Sr. Bieber não vai gostar. – Percebo que ele desfaz o sorriso e fica sério.
— Eu sei que ele não gosta quando ficamos parados, mas eu te vi aqui e resolvi vir conversar com você. – Sinto uma pontada em meu peito.
— Mas eu não quero conversar com você, Eriki. Então, por favor, me deixa em paz. – Falo rispidamente, fazendo ele me olhar sem acreditar no que eu havia dito.
— Por que você esta me tratando assim? – Ele pergunta seriamente. Eu sabia que ele estava ficando bravo. Parei o que eu estava fazendo e olhei para ele de maneira irritada e nervosa.
— Te tratando como?! Só acho que devemos fazer os nossos papéis de criados ao invés de ficar fazendo amizades. – Respondo, fazendo Eriki me olhar confuso.
— Eu sei, mas é sempre bom ter uma amizade, alguém com quem conversar.
— Mas eu não quero a sua amizade e nem a de ninguém, só a de Aninha. – Sinto novamente um aperto no meu peito ao dizer aquelas palavra. Eu não queria ter falado aquilo, mas as palavras do Sr. Bieber vieram na minha cabeça e eu sabia que ele tinha coragem de fazer, então, aquilo falou mais alto e eu tenho que falar isso para o bem de nós dois. Eu já tinha pego uma boa quantia de batata, então, saí deixando Eriki ali parado; mas ao virar as costas pra ele, ele segurou meu braço, me fazendo olhar pra ele.
— Aconteceu alguma coisa? – Ele pergunta olhando no fundo dos meus olhos. — Por que você mudou em relação a nossa amizade? – Ele faz outra pergunta.
— Eu só não quero mais a sua amizade. – Respondo sem conseguir olhar nos olhos dele. — Agora, me solta. – Peço ao sentir que ele estava começando a me machucar.
— Eu só quero saber o motivo, Aurora. – Ele aperta mais o meu braço, me fazendo gemer de dor.
— Entenda, Eriki, eu não quero sua amizade! Agora me solta! – Exijo, olhando pra ele, — que me solta — mas antes de voltar a andar, eu penso: tenho que machucar ele. Olho para os olhos dele e respiro fundo, tentando achar forças para falar aquilo pra ele. — Nunca pedi sua amizade. Sua amizade pouco me importa. Pra mim ela não vale nada e nunca mais ouse dirigir uma palavra à mim. – Tento passar convicção e percebo que funciona quando ele engole em seco, me fazendo abaixar o olhar e sair apressadamente. Eu não estava conseguindo sair como queria porque eu estava no mato e com um salto.
Quando entro na cozinha novamente, paro e solto todo o ar que estava em meus pulmões. Logo a consciência pesada — por ter falado aquilo para o Eriki — pesa em minha cabeça, fazendo-me levar uma outra pancada. Olho para Aninha e a mesma estava olhando para mim, esperando eu dizer uma única frase. Mas esta era a questão: eu não estava conseguindo dizer nada. Até eu estava tentando processar o que havia acabado de acontecer. Duas pancadas, dois baques em um só dia. Respiro fundo e tomo coragem, indo até à pia onde coloco os legumes enquanto Aninha observava cada passo meu. Apoio minhas duas mãos na pia e jogo de leve meu corpo, olhando para ela.
— Ele vai ficar chateado comigo? – Pergunto baixo e Aninha enruga a testa.
— Quem? – Ela estava confusa.
— Eriki. – Ela arregala de leve os olhos.
— Você falou sobre o sr. Bieber ter te ameaçado por causa da sua amizade com ele? – Ela pergunta chocada e eu nego com a cabeça.
— Não! Só falei que não queria a amizade dele e que pouco me importava com a amizade dele. – Aninha ergue uma sobrancelha.
— Vendo por um lado você foi muito boa com ele, assim ambos não vão morrer. Mas por outro, você pegou pesado. – Olho para a pia e em seguida para ela novamente.
— Se eu não dissesse aquilo, ele ia ficar insistindo do porquê eu ter me afastado dele. – Aninha concorda.
— Aurora, você fez o que achou ser melhor. Se isso foi o melhor, não há argumento que possa julgar. – Balancei a cabeça em concordância, me recompondo.
— E isso é o melhor. – Solto novamente o ar que estava em meus pulmões. — E pode apostar que isto está sendo mais triste para mim do que para ele. Eu considero ele como um irmão e agora vamos ter que acabar com tudo. – Soltei uma lufada de ar.
— A escolha foi do sr. Bieber. – Assenti.
— Por isso, Aninha. Se a escolha não fosse dele, era mais que óbvio que eu ia continuar com essa nossa amizade. – Pego a faca que estava na pia.
Aninha não tocou mais no assunto e eu resolvi não querer mais falar disso, então, resolvemos fazer nossa sopa em silêncio. Vez ou outra, Aninha falava alguma coisa em relação ao prato que estávamos fazendo. Pego a colher de pau e começo a mexer na sopa que ainda estava na lareira, vendo que já estava bom. Vou até à mesa, pego vários guardanapos e volto até à panela, pegando ela pela alça e a colocando na mesa.
—Pronto, Aninha. – Falo. — Acho que já está bom. – A mesma olha para mim e assente.
— O pão também está bom. Agora eu vou passar para os pratos e deixar esfriando aqui. – Ela fala enquanto caminha até o armário pegar os pratos, voltando com a concha de pegar sopa e os pratos. Nós não tínhamos feito apenas aquilo, fizemos várias coisas como sempre. Mas como Aninha disse, esse seria o prato principal que eles já estão acostumados a comer.
— Por enquanto você vai arrumar a mesa para eles e eu vou limpar essa bagunça. Depois eu vou passar a roupa do sr. Bieber. – Aninha assente, colocando a sopa no prato.
Vou até à pia — mas antes eu coloco um avental — e começo a lavar a louça que tinha, o que não era pouca. Apesar de que depois Aninha vai ter que limpar tudo de novo... mas eu já vou dar uma grande ajuda aqui. Hoje iria comer o sr. Bieber e o sr. Jeremy — pai do sr. Bieber —. Eram as mesmas pessoas, sempre eles dois. Quando sr. Bieber estava fora, sr. Jeremy almoçava e jantava sozinho.
Eu lavava a louça meio que com pressa porque eu tinha praticamente um guarda-roupa inteiro do sr. Bieber para passar e se eu não terminar hoje, terei que terminar amanhã.
A louça estava enorme e parecia que não tinha mais fim, isso estava me irritando cada vez mais porque eu estava com um pouco de pressa para terminar logo isso. Tenho o guarda-roupa para limpar e provavelmente passarei o resto do dia lá, então, quão mais rápido eu terminar, melhor. Eu sei que daqui alguns minutos essa pia vai encher de louça e Aninha terá que limpar. Depois de um longo tempo e determinada hora, eu estou quase terminando de limpar a pia.
— Vejo que já está quase acabando de limpar. – Olho para porta e vejo Aninha entrar com um prato na mão, indo até à mesa onde estava a panela de sopa.
— Sim, falta bem pouco para terminar. – Limpo minha mão no avental e viro meu corpo para ela.
— O filho do sr. Jeremy perguntou onde estava a outra criada e na hora veio você na minha cabaça porque você é a única que não se encontrava ao redor deles já que você está limpando aqui. – Abro minha boca, minimamente surpresa pelo que ela tinha acabado de dizer enquanto olhava Aninha que colocava a sopa no prato. Ela olha para mim de canto. — Deve ser porque ele está acostumado com a gente ao redor dele, então ele viu que estava faltando uma criada e achou estranho. – Ergo uma sobrancelha de leve e Aninha dá de ombros.
— Sim, deve ser. – Tento dar de ombros mas simplesmente me viro e tento focar-me no que eu estava fazendo. Ouço os passos de Aninha se distanciando e logo não escuto mais nada.
Estranho... como ele pôde sentir minha falta naquele local? Balanço minha cabeça para os dois lados, tirando aquilo da minha mente, afinal, ele só perguntou. O que tem de mal nisso?
Depois que terminei de limpar a pia, resolvi comer antes de ir para o guarda-roupa do sr. Bieber. Depois que terminei de comer, fui para lá. Abro a porta, dando de cara com um guarda-roupa imenso: nada que possa me surpreender já que eu já vim aqui no guarda roupa do sr. Bieber fazer faxina. Olho para a enorme pilha de roupa que estava em minha frente e logo um desânimo passou pelo meu corpo. Só atingiu mesmo porque eu logo tive que me movimentar e começar a trabalhar. Peguei cada uma das pilhas, passando peça por peça; as horas foram passando, até que chegou uma hora que minhas mãos não aguentavam mais, meus braços imploravam para parar e meu corpo também. Solto o ferro e o alívio se apossa de meus braços, mas logo minha alegria se transforma em tristeza porque eu tinha que terminar de guardar as roupas e haviam muitas. Penso e acho melhor parar e deixar para amanhã; eu já estou sem energia para continuar e agora deve ser bem tarde, os criados já devem estar na cama e eu ainda estou aqui. Coloco o ferro de passar roupas no seu devido lugar e em seguida desligo as velas e saio do guarda-roupa. Quando saio do mesmo, saio em silêncio, pensando que o sr. Bieber poderia estar dormindo, mas não, ele não estava no quarto e isso foi um alívio muito grande para mim.
Quando saio do quarto, vou para a cozinha e pego água com pão para comer. Ultimamente não estou comendo muito bem, quase sempre estou sem fome e na maioria das vezes é na janta. Termino de comer e vou direto para o nosso quarto. Eu durmo junto com as criadas: é um quarto para dividir em cinco mulheres e tem outro quarto que é dos homens. Entro no quarto em silêncio, cogitando a possibilidade de elas estarem estar dormindo e minha cogitação estava certa: todas estavam dormindo. Entro e vou para minha cama, sentando e soltando um suspiro. Tiro minha sapatilha e meus pés dão graças a Deus; em seguida, levanto-me e vou para o pequeno guarda-roupa, pegando minha roupa de dormir e indo direto para o pequeno banheiro. Quando termino de tomar banho e me arrumar para dormir, vou direto para minha cama, mas paro no meio do caminho e lembro do vestido da minha mãe; vou até o guarda-roupa, pego o vestido e volto para cama. Deito-me e inalo o perfume que tinha no vestido, sentindo o cheiro dela. Fecho os olhos, adormecendo enquanto sinto o seu perfume.
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