História The Manual - Dupla identidade

O “toc toc” do meu calçado era a única coisa que se ouvia naquele longo corredor vazio. Meu sapato social impecavelmente engraxado batia com firmeza no chão de mármore branco daquele imponente prédio no centro da cidade. Diga-se de passagem, eu era a diretora empresa. Um escritório daquele porte só podia carregar o sobrenome Moon com ele: família tradicional de Bucheon e muito influente no extremo oriente asiático, detentora do posto de construtora mais poderosa da Coreia do Sul.

Depois de tanto caminhar, cheguei ao final do corredor, dando de frente com o elevador. Esperei a porta abrir e adentrei-o, aguardando que ele descesse os vinte andares que separava minha sala da garagem subterrânea e segui para o carro preto esportivo na vaga reservada para mim.

Deve estar monótono pra você eu descrevendo minha volta pra casa, mas o motivo irei explicar: hoje de manhã, recebi uma quantia em dinheiro enorme, para tirar qualquer endividado do sufoco. Sabe do mais interessante? Não foi tirado do meu precioso emprego.
Não, não. Não sou dona de um cartel de tráfico de drogas ou de pessoas . Mas digamos que eu sou especialista em conseguir o que quero...

Dessa vez, o cliente pediu algo bem complicado: Amber Liu queria Krystal Jung. Eu só "converti" a Jung fiz que Liu a conseguisse (de novo, não sou uma criminosa).

Os Jung são uma família bastante tradicional e conservadora, além de bastante respeitada por toda Coreia. Os Liu não são muito diferente: talvez seja a família taiuanesa mais influente da Ásia. Com duas bases tão firmes, o 100.000 dólares que Amber me ofereceu não foi nada além de justo.

Tenho que admitir que esse trabalho foi o mais divertido que já fiz: a Jung é realmente muito sexy, não resisti em me aproveitar.
O importante é que assim que eu chegar em casa, poderei ver meu bar cheio com os licores mais variados possível, os vinhos mais refinados e as cervejas mais saborosas, entre outras várias bebidas.

Estacionei em uma mercearia para comprar meu jantar e assim o fiz. Quando estava voltando para o carro, meu celular tocou. O tirei rapidamente do bolso e encarei um número desconhecido na tela. Franzi o cenho.

-Moon ByulYi.- disse assim que atendi. Em resposta, ouvi um arquejo brincalhão.

-Vejam só, a grande conquistadora é uma Moon?- a voz feminina debochou do outro lado da linha.

-Não sei do quê está falando, senhorita.- dissimulei.

-Mas Amber Liu sabe do quê estou falando.

Fiquei um tempo silêncio repassando o quê foi dito esperando que fosse só mais uma cliente. Esse trabalho meu era totalmente informal e segredo meu.

-O que quer?- indaguei firme como uma rocha.

-Então é você mesmo...- riu outra vez.- Quero um de seus trabalhos.

Suspirei cansada. Mal havia terminado o caso da Liu e já ia embarcar em outro, sem contar o fato de ter recém saído do trabalho.

-Seu nome?

-Jung Wheein.

Ah, que ótimo, a irmã mais nova das Jung, uma menina bastarda com fama de rebelde. Esse vai ser ainda mais difícil.

-Okay, Jung. Eu só trato dos detalhes pessoalmente.

-Não tem problema. Me encontre no endereço que eu mandar em meia hora. Tu, tu, tu, tu... - A chamada foi encerrada sem mais nem menos. Suspirei cansada.

35 minutos depois…

Com os ombros tão duros quanto pedras, abri a porta do bar calmo e bem ambientado que me foi indicado. No caminho, praguejei o salto que usava, praguejei meu terno, praguejei a minha contratante. O pior é que só posso tratar disso em horários como esse, afinal eu trabalho no resto do dia.

Procurei a garota com os olhos e logo a encontrei numa mesa no canto, sentada de costas para entrada. Parecia tão tensa quanto eu, mas diferente de mim, ela era uma universitária rebelde, não era o trabalho que lhe pesava.

Caminhei até a mesa eu parei ao lado dela, reparando no envelope grande sobre a mesa. Sua expressão parecia cansada e até triste: uma mão apoiava a cabeça, os olhos baixos e a perna balançando sem parar ansiosamente.

Mesmo sem olhar pra mim, percebi que ela havia percebido minha presença. Deu um suspiro cansado.

-Sente-se.- pediu e assim o fiz.- O quê vai querer beber?- indagou me encarando pela primeira vez e tomando uma postura confiante. Devolvi olhar.

-Por enquanto uma água.- Wheein assentiu e acenou para o garçom mais próximo. Ficamos nos encarando até meu pedido chegar, e ela enfim quebrar o silêncio.

-Okay, não aguento mais esperar.- assim que disse, a loira a minha frente puxou o envelope e me estendeu.

Encarei a mão esticada a minha frente e a dona dela por um tempo, mas logo peguei.

Abri-o com cuidado e comecei a tirar o que havia nele. Pelo canto do olho, pude vê-la tomar um gole da taça de vinho que nem havia reparado.

-Desde quando menor de idade bebe?- questionei sem nem olhar. Ouvi um arquejo debochado.

-Desde que se existe identidade falsa.

Comecei a analisar as primeiras folhas e vi que era informações das mais varidas sobre a mulher: nome, data de nascimento, hobbys, gostos em geral, onde morava e até mesmo o nome do animalzinho de estimação dela. Certamente, a Jung é obcecada por ela. As últimas folhas eram na verdade fotos tiradas sorrateiramente: na primeira delas, a mulher estava passeando com um cachorrinho; na segunda, estava caminhando na rua com uma roupa mais formal, provavelmente de trabalho, na terceira, era uma foto do rosto dela. Ela sorria, devo dizer que muito lindamente.

-Então é ela que você quer.- Perguntei e ela sorriu levemente.

-Querer é muito pouco. Eu necessito dela.

Subi meus olhos do papel e a encarei. Sou só eu que acho que isso ainda vai dar problema?

Guardei tudo de volta no lugar e beberiquei um pouco da minha água.

-Bem, tem alguns outros detalhes que tornam o caso bem difícil: primeiro, ela mora em Seoul.

Arqueei uma sobrancelha. Uma mudança. Que ótimo...

-Outra coisa: você tem que conseguir tudo em tempo recorde.

-Por quê?

Ela suspirou. Deve ser isso que a deixou daquela maneira quando cheguei.

-Porque ela vai se casar com um magnata americano em dois meses.

Deixei o ar escapar por minhas narinas com mais força. Sim, vai ser difícil.

-Por esses complicadores, estou disposta a lhe oferecer uma boa quantia em dinheiro.

-Quanto?

-500.000 dólares com 100.000 de adiantamento para facilitar seu deslocamento para Seoul?

Não pude impedir meu queixo de cair e meu olhos se arregalarem. Alguém deve ter economizado a mesada da vida inteira. Seu mão se estendeu sobre a mesa em minha direção.

-Fechado?

A encarei por um bom tempo. Apesar de parecer uma obcecada, dava pra ver que ela realmente estava apaixonada. Era um amor puro e intenso. Não podia deixar alguém sofrer desse jeito.
Estendi meu braço e apertei sua mão, firmando o acordo. Foi possível ver seus ombros relaxando e até um brilho no olhar dela.

Desfazendo o contato, a mais nova tirou um talão de cheque da bolsa juntamente com uma caneta. Preencheu todos os espaços necessários  e o assinou, empurrando-o sobre a mesa até mim. O assinei e o destaquei.
Wheein tirou uma quantia em dinheiro, colocou-o junto com a conta,  pôs-se em pé e acenou com a cabeça, dando um pequeno e esperançoso sorriso. Eu apenas acenei com a cabeça e a assisti ir embora.

Encarei o cheque por mais algum tempo e logo depois levantei, saindo pela porta do bar.

Parei um tempo na calçada para processar tudo que tinha que ser feito. No dia seguinte mesmo, já ia ver com meu appa a questão da mudança para Seoul com urgência. Depois, ver estratégias de como fazer que ela queira uma mulher, conquistá-la de maneira que desista do casamento e depois fazer com que se apaixone pela Wheein.

É. Talvez isso seja o maior desafio.

Que comece a missão “Kim Yongsun”.