Ruggero Pasquarelli
Terminei de arrumar a casa. Karol viria aqui hoje para ajudar Matteo com algumas coisas e claro, conversar comigo. Matteo estava na sala assistindo desenho e eu passei no meu quarto deixar algumas roupas que estavam espalhadas pela casa. Olhei a foto no criado mudo: eu e Bianca no dia em que ela contou que estava grávida.
Flashback on
- Para Rugge. – ela falou enquanto eu puxava a pele de seu pescoço com a boca – O que eu tenho pra falar é sério.
- Sério em que nível? – estranhei. Bi nunca era de falar as coisas assim, séria.
- Muito sério. – me afastei para olhá-la.
- O que foi?
- Rugge, primeiro eu quero que saiba que quero você do meu lado, mas que isso de maneira nenhuma te prende a mim, ok? Nós somos muito novos ainda e é assustador pensar em ter uma ligação pra vida inteira. – eu não estava entendendo – Esses dias eu fui fazer uma consulta de rotina, normal, e a médica estranhou o fato da minha menstruação atrasar e me mandou fazer uns exames de sangue. – meu coração acelerou – Os exames mostraram que realmente alguns remédios cortam o efeito do anticoncepcional... – colocou a minha mão na sua barriga – Resumindo tudo, tem um bebe aqui.
- É sério? – meus olhos marejaram.
- Muito. – lágrimas escorriam pelo rosto dela – Sei que vai ser difícil, mas...
- Vamos passar por isso juntos. – abracei-a – Vai dar tudo certo. – falei depositando um beijo em sua testa depois de secar as lágrimas que escorriam em seu rosto.
Flashback off
Voltei para a sala e me sentei ao lado de Matteo. Todos os dias ela fazia falta. Era sempre assim, eu e ele. Mesmo nos dias que Cami estava aqui, não era a mesma coisa. Eu sempre fico imaginando como seria se ela ainda estivesse aqui. Como seriam nossos jantares, como colocaríamos nosso filho pra dormir juntos, como dormiríamos abraçados assistindo um filme no sofá para não acordá-lo, como inventariamos uma desculpa caso ele nos visse fazendo algo inapropriado. Eu penso em tudo, mas nada vai se realizar, porque ela não está aqui.
A campainha tocou, mas nenhum movimento de Matteo, ele tinha dormido.
- Oi. – dei espaço para que ela passasse – Que bom que veio.
- Oi. Vejo que tinha alguém me esperando. – ela olhou a casa – Muito bonita e arrumada.
- Ei, não é porque sou um pai solteiro que minha casa vai ser uma desordem. – me fiz de ofendido.
- Não foi isso que eu disse. Não interprete mal. – ela riu e entrou – Onde está o pequeno?
- Serve aquele? – apontei para o sofá onde Matteo dormia profundamente.
- Eu demorei muito? Desculpa, sério, me atrasei com tudo e acabei não chegando no horário combinado.
- Imagina. Ele costuma tirar alguns cochilos em horários alternativos. Vou acordar ele.
- Não. Deixa ele dormir. Daqui a pouco ele acorda sozinho. – ela falou como se já conhecesse os hábitos do meu filho – É sempre assim, ele está acordado, dorme do nada e de repente está acordado de novo. Já me acostumei.
- Uau. Você sabe a rotina de sono de todos os seus alunos?
- Minha sala tem dez alunos, é muito tranquilo cuidar de todos. Especialmente quando estão dormindo. – ela foi até o sofá – Ele parece um anjinho dormindo né? – passou a mão nos pequenos cachos dele.
- Só dormindo. – rimos e ela concordou. Confesso que ver aquela cena mexeu comigo. Karol fazendo carinho no meu filho enquanto ele dormia e eu observando os dois feito um bobo. Essa menina tem um poder incomparável de me fazer bem – Você quer alguma coisa? Uma água? Um suco? Um chá?
- Aceito a água.
- Vamos lá na cozinha. – apontei para a pequena cozinha americana do meu apartamento e ela me seguiu.
- Desculpa a intromissão, mas, sua namorada mora com você?
- Não. Se você diz pelas vezes que ela estava junto quando levei Matteo é porque ela dormiu aqui, mas moramos só eu e ele. – dei uma pausa entendendo o porquê da pergunta – Relaxa, ela não vai aparecer e dar uma ceninha de ciúmes boba.
- Ciúmes é uma coisa tão estranha. Não deveríamos sentir isso se sabemos que a pessoa que amamos está feliz conosco. Bom, pelo menos eu penso assim. – olhei para o chão. Camila sabia que eu não estava feliz com ela, talvez por isso o medo da minha amizade com a Karol, mas não tem nada de mais. Se ela pode ter amigos, porque eu não posso. Ela mesma vive dizendo que eu preciso seguir em frente, acho que novas amizades são um bom começo.
- Falando assim até parece que nunca sentiu ciúmes.
- Só tive um namorado e éramos bem tranqüilos um com o outro. Mas acabou não dando certo. – ela falou perdendo o sorriso.
- Você não veio aqui pra ficar mal, então vamos mudar de assunto. – pensei rápido em como mudar de assunto – Como foi seu dia?
- Bom. – falou tranquilamente – Como hoje choveu, não sai com as crianças para a parte externa da escola, e consequentemente não precisei ficar me preocupando com elas e os brinquedos. Não tem muita coisa pra contar do meu dia, ele é bem básico sempre. Mas eu gosto. E o seu dia, como foi?
- Normal também. Fui pra faculdade e depois pro trabalho. E um pouquinho antes de você chegar eu arrumei a casa.
- Você faz faculdade de que?
- Administração. Meus pais têm uma pequena empresa e eu pretendo seguir o negócio da família.
- Legal. Dizem que quem faz administração sabe administrar bem a vida, mas pelo pouco que conheço de você, já sei que isso não é verídico. Sua vida é uma bagunça. – ela riu e olho a única parte da casa que eu não tinha arrumado, a pia.
- Droga! – exclamei – Esqueci da louça. – levei minhas mãos à cabeça expressando uma cara de desespero e ri logo em seguida – Você não se importa né?
- Não. Na verdade posso até te ajudar a lavar já que Matteo está dormindo e não temos nada pra fazer.
- Como assim não temos nada pra fazer? Estamos conversando.
- Dá pra conversar e lavar a louça ao mesmo tempo. Vamos Ruggero, não seja preguiçoso. – ela levantou da banqueta onde estava – Onde tem detergente?
- Você vai mesmo lavar a louça? Karol, não precisa.
- Estou querendo te ajudar. Duvido que você goste de lavar a louça. – ela me olhou e eu respondi a pergunta com um olhar – Sabia. Também não gosto, mas em equipe vamos superar isso. - riu e foi em direção a pia. Eu a segui.
- Acho que vou te chamar pra vir aqui mais vezes só pela louça. – achei que ela fosse me bater, me xingar ou fazer cara feia, mas não, ela apenas riu. Como sempre.
- Vou considerar isso como um “Gosto da sua companhia, Karol. Você é uma boa amiga”. – e realmente era isso.
Karol e eu levamos alguns minutos lavando a louça, enquanto a chuva lá fora só aumentava. Acho que nunca ri tanto nesses últimos tempos como nessa noite. Ela contou algumas coisas bem estranhas sobre ela e eu fiz o mesmo. Chegamos à conclusão de que não seriamos bons amigos se não soubéssemos algumas esquisitices um do outro.
Matteo continuava dormindo, e aparentemente seguiria ali pelo resto da noite. Acho que ele ficou tão animado com a visita da Karol que gastou todas as energias pulando e gritando enquanto ela não chegava. Resolvemos jantar, já que não tinha nada pra fazer. Descobri que ela tem uma única especialidade: fazer sanduíches de frango com sobras do almoço. Vou zoar ela eternamente por ser tão má cozinheira e saber fazer apenas um prato.
A chuva ficou ainda mais forte, com uma sequência de raios e trovões, e algumas pedras de gelo batendo na janela.
- Pelo visto ele não vai acordar. – Karol foi até Matteo – Melhor deixar ele dormir.
- Sim. Dá muita dó acordar essa coisinha pequena no meio dessa chuva.
- Agora só quero saber como vou embora. Combinei com uma amiga para que ela passasse me buscar, mas desse jeito ela não ai nem conseguir sair de casa.
- Quando a chuva der uma trégua eu te levo. – falei e no mesmo instante vimos um clarão e um barulho alto vindo lá de fora, segundos depois as luzes apagaram.
- Ótimo, tudo que eu precisava agora era que a luz acabasse. – ela bufou – Essa chuva não vai parar tai cedo, Ruggero. Como eu vou embora?
- Você não vai embora. – eu não iria deixar ela sair na rua com uma chuva daquelas e ainda por cima com a cidade sem luz – Você vai ter que dormir aqui. – falei e peguei duas lanternas que deixo perto do sofá para casos como esse da luz acabar.
- O que? Não, não. Isso seria incomodar demais. Vou ligar pra minha amiga e... – a interrompi.
- Se sua amiga sair com esse temporal corre um sério risco de sofrer um acidente e você também. Não vai incomodar.
- Eu não quero causar proble... – ela foi interrompida por mais um trovão – Tá, eu aceito ficar por aqui.
- Bom, eu... Posso te emprestar alguma coisa pra você dormir. – falei sem me dar conta que as únicas roupas femininas que eu tinha na minha casa eram da Cami, e ela não iriam gostar que eu as emprestasse a Karol.
- Não precisa, eu durmo assim mesmo. Isso é confortável. – olhei a roupa dela e não imaginei ninguém dormindo confortável com calça jeans.
- Calça jeans? Sério mesmo?
- O que? Eu acho. – ela falou e eu ignorei o comentário.
- Vou te emprestar um moletom. Espera ai. – fui até o meu quarto e voltei com um dos meus moletons – Acho que vai ficar bom.
- Bom? – ela olhou – Isso vai ficar um vestido em mim.
- Ninguém mandou ser baixinha. Aliás, agora entendo o porquê das crianças gostarem tanto de você. Elas te confundem com uma delas. – gargalhei e pela primeira vez ela não rio dos meus comentários.
- Engraçadinho. – sorriu fraco – Piadas com a minha altura já passaram de moda. – ela se esticou e pegou o moletom.
- Bom, tem um banheiro no final do corredor se quiser se trocar. Eu vou levar o Matteo pro meu quarto, se ele acordar e ouvir os trovões provavelmente fique com medo, então melhor deixar ele dormindo comigo.
- Ok. Só vou ligar pros meus pais avisando que não vou voltar para casa. – ela pegou o telefone e foi até a cozinha.
Peguei Matteo no colo e o levei até a minha cama. Deixei ele lá e coloquei uma calça de moletom cinza que eu usava como pijama. Arrumei as cobertas em cima de Matteo e voltei com alguns cobertores para a sala. Karol dormiria lá já que o chaise do sofá era grande o suficiente para alguém tranquilamente dormir.
Sai no corredor e levei um pequeno susto ao encontrar ela vestindo apenas meu moletom, quer dizer, não sei o que ela veste por baixo dele, mas voltando, ela estava na sala concentrada, olhando uma foto de minha com Matteo. Tossi indicado que eu estava no cômodo e ela se virou assustada.
- Desculpa. Achei essa foto muito adorável. – sorriu enquanto olhava de volta para a foto.
- Os modelos são ótimos, eu sei.
- Olha se não é o senhor convencido dando o ar da graça. Acho que atrás desse muro de proteção tem alguém muito palhaço. – ela tinha razão.
- Eu trouxe cobertas e um travesseiro. – levantei a muda de roupas de cama que estava na minha mão.
- Obrigada. A verdade é que nem está tão frio assim, mas é bom dormir com várias cobertas quando está chovendo.
- Papai. – Matteo apareceu sonolento na sala.
- Oi carinha.
- Tia Karol. – falou ainda sonolento.
- Oi. – ela o pegou no colo – Pensei que você fosse continuar dormindo.
- To com medo da chuva. – falou esboçando um choro.
- Papai já vai lá com você.
- A tia Karol vai ficar aqui? – nos olhamos antes de responder, mas não teria outra maneira.
- Vou sim. A chuva está muito forte para eu ir embora.
- Posso dormir com você? – o pequeno falou pra ela.
- Filho, não seja assim. Deixa ela dormir em paz.
- Não tem problema, Ruggero. Acho que ele cabe aqui no sofá também.
- Certeza?
- Certeza.
- Pai, você vai dormir com a gente também? – ele falava coçando os olhinhos.
- Não. Matteo, se decida.
- Por favor... – esboçou um choro de novo.
- Vamos fazer assim. Você dorme com a tia Karol, e eu fico aqui até você dormir, ok?
- Ok.
- Você se incomoda? – perguntei só pra ter certeza de que ela não veria problema.
- E tem outro jeito? – falou olhando Matteo que esperava que fossemos dormir.
Karol e eu deitamos no sofá colocando Matteo entre nós. Assim que ele dormisse, eu o levaria para o meu quarto de volta e ela ficaria mais confortável aqui. Mas em poucos minutos percebi que ela também tinha dormido. Acho que aquela cena foi a coisa mais terna que eu já vi na vida. Matteo dormia encolhido enquanto Karol o abraçava. Fiquei tão bobo com a cena que não percebi que por sono, descuido ou impulso involuntário eu levei minha mão até sua cintura quando ouvi um trovão, na intenção de protegê-los. Eu sei que deveria tirar a mão dali, mas logo o sono chegou até mim também, e só me lembro de sentir sua respiração muito perto da minha e ouvir a forte chuva que continuava a cair lá fora.
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