História The pair - First consultation

“O raciocínio é um ato mental que permite passar de certos juízos a outros juízos, ligando-os uns aos outros.” —M. Gex

Hoje incrivelmente fazia sol, talvez isso fosse um bom sinal, talvez Deus estivesse me mandando algum recado. Sinceramente, eu não fazia ideia. Mas gostava da sensação dos raios de sol batendo contra a minha pele. Era bom, era revigorante.

Vovó Susy costumava dizer que não existe sensação melhor do que correr pela areia da praia em um dia de sol, talvez ela achasse isso porque conheceu o Vovô Joseph assim, mas afinal, ela estava certa. Dona Susy sempre estava certa. 

Olhei para cima observando prédio —luxuoso demais para um clínica — em minha frente. O sol fazia ele reluzir um pouco por conta de algumas janelas —que provavelmente seria das salas dos psiquiatras —, o brilho me fez fechar os olhos com força, me fazendo lembrar que só havia trago os óculos de grau. Droga.

Andei em passos largos até a entrada do prédio de sexto andar, onde se encontravam dois seguranças fortes e mal encarados. Assim que adentrei no prédio pude observar o local ao meu redor. Havia um grande balcão de madeira no centro, atrás dele estava uma mulher de cabelos loiros e bastante baixinha -poderia jurar que ela estava em cima de um banquinho, para o balcão não cobri-lá-, também existiam dois elevadores, um a direita e outro a esquerda.  

Quando ela se deu conta da minha presença levou um pequeno susto, o que me fez segurar o riso. 

—Dra. Collins, eu estava a sua espera — pronunciou sem ao menos me deixar falar — Meu nome é Marise Stuart, meu Deus, eu nem deixei você se apresentar, mas eu também já tinha lido sua ficha então eu sei seus dados — falou tudo rápido de mais, desta vez eu não havia conseguido prender o riso. 

—Está tudo bem Marise, sem problemas — sorri amigavelmente —Você poderia me informar qual é o meu consultório? 

—Jesus, eu quase ia esquecendo, eu não trabalho aqui na entrada, quem fica aqui é o velho Fred — revirou os olhos —Ele viu que eu estava aqui e aproveitou pra sumir, aquele velho não toma jeito. 

Arqueei as sobrancelhas, ela falou e falou mas não me respondeu.  

—Marise…? — tentei fazê-la se lembrar da minha pergunta anterior. 

—Ah sim, eu sou a sua secretária — pronunciou enquanto saia de trás do balcão, o que me surpreendeu pois não havia nenhum banco ali —Por favor, Dra. Collins, me acompanhe. 

—Só Lily — a corrigi enquanto acompanhava-lhe até o elevador da esquerda. 

—Como desejar srta —entramos na caixa de metal e ela logo apertou o quarto andar —No segundo andar fica a enfermagem, no terceiro, as salas dos pacientes mais perigosos e estáveis, que por conta disso são atendidos nos seus próprios quartos, creio que a senhora tenha um paciente lá — me olhou enquanto ainda explicava, me fazendo assenti — No quarto andar são os consultórios, onde são atendidos alguns pacientes em estágios mais “tranquilos”, no quinto são os quartos desses mesmos pacientes — o elevador se abriu, nós fazendo sair e um homem entrar, não antes de nos cumprimentar— Continuando, o sexto andar é um espaço de “lazer” para os funcionários -andávamos pelo longo corredor branco, com portas e nomes escritos em plaquinhas pregadas nelas — Na parte de trás do prédio há um espaço para lazer dos pacientes, além da cozinha e o refeitório, é basicamente isso — parou em frente a porta 415 onde havia gravado em uma plaquinha “Dra. Collins” —Essa é a sua sala — falou me dando espaço para girar a maçaneta e assim eu fiz. 

Na realidade, existia uma mesa de vidro com uma poltrona de couro preto atrás, em cima da mesa havia uma plaquinha com o nome “Secretária Marise” ao lado de um telefone fixo, as paredes eram brancas e continham algumas vidraças ao lado esquerdo que davam para a vista da rua, mais ao fundo estava uma segunda porta que provavelmente era o meu consultório sem si.

—Todos os psiquiatras têm secretárias? — perguntei me virando para olha-la.

—Sim, como sabe a clínica é bastante… Como posso dizer.. — Mordeu os lábios — É bastante “conceituada”, digamos assim, então o dono acha que é necessário um secretário para cada. — acho que a palavra certa que ela deveria ter dito era “rica” com toda a certeza Stratford psychriatric clinic, era rica.

Fui em direção a segunda porta de madeira a abrindo logo em seguida, havia uma mesa de madeira rústica, em cima continha um notebook, secretária eletrônica, algumas papeladas e portas retratos vazios, a poltrona também era de couro mas dessa vez era marrom, havia também duas poltronas reclináveis de couro preto e branco, a parede era nos meus tons de branco da sala de Marise, contendo algumas pinturas exóticas nelas.

— Como pode ver os portas retratos estão vazios para você mesma colocar as suas fotos e caso você não queira é só me avisar que irei removê-los — escutei sua voz atrás de mim.

—Tudo bem, Marise, obrigada — falei sentando-me em minha poltrona e sentindo o quanto ela era confortável.

—Se precisar estarei em minha mesa — caminhou até a porta, mas antes de sair virou-se novamente para mim — A srta. tem 30 minutos para preencher essa papelada e ir visitar o paciente do 312 — assenti e ela saiu fechando a porta atrás de si. E lá vamos nós.

                                    ***          

Meia hora depois pude ouvir Marise batendo levemente na porta, suspirei vendo-a entrar. 

—Dra. Collins? —indagou já dentro do consultório. 

—Só Lily, Marise — a corrigir novamente. 

—Oh, sim, só passei pra te avisar “Lily” — enfatizou meu nome — Que o paciente do 312 já está lhe aguardando, ele acordou na personalidade de número três — assenti mordiscando os lábios — Quer que eu acompanho você até até a sala? 

—Não precisa, mas obrigada — sorri vendo-a sair fechando a porta atrás de si. 

Peguei meu bloquinho de notas e sai da sala, sorri quando passei por Marise em sua sala e logo já me encontrava no grande corredor novamente, era estranho o fato de não ter cruzado com quase ninguém nesse meio tempo que estou aqui. Adentrei o elevador apertando o botão do terceiro andar. 

TDI. Cento e dezessete mortes. Maravilha. 

Lembrei-me do relatório que li.

 “Personalidade de número três: A 'nerd’, incrivelmente inteligente e talentosa, não costuma ser agressiva, porém, contém humor negro, bastante debochado, adora falar sobre seus feitos — que inclui já ter invadido o sistema do governo — e tem conhecimento sobre as outras personalidades — ou seja, ele ouve vozes.”

Sem ao menos perceber pude ouvir um “plim” do elevador quando chegou ao seu destino. Sai calmamente observando o corredor em minha frente, esse já era mais “agitado”, haviam seguranças em quase todas as portas, enfermeiros e psiquiatras entravam e saiam de alguns quartos e podia-se ouvir os sons de gritos e choros que vinham deles. 

309, 310, 311, 312.

Parei em frente a porta de metal que continha uma janela mediana — provavelmente era algum tipo de vidro blindado —, dois seguranças estavam de cada lado e agora me olhavam, essa é a minha deixa. 

—Bom dia, eu sou a Dra. Collins e agora estou responsável por esse paciente — falei formalmente. 

— Estávamos a sua espera doutora — pronunciou-se o homem da direita — Ele já lhe aguarda, qualquer imprevisto é só nos chamar — assenti vendo-o pegar um pequeno chaveiro, abrindo a porta em seguida dando-me espaço para entrar no local, logo fechando a porta atrás de mim. 

Era um cômodo com espaço mediano, as paredes eram brancas, havia uma cama de solteiro feita de metal com os pés grudados no solo, também continha uma mesa e duas cadeiras também de metal grudadas no chão. Ele estava ali, sentado na cadeira que estava virada de frente para mim, me observava fitar todo o local, seus olhos eram calculistas, seus braços continham inúmeras tatuagens e mesmo usando óculos, ele era incrivelmente bonito — ainda mais do que nas fotos da sua ficha —.

Sorriu sarcasticamente. 

—Pelo que pude notar você não é nada convencional, não vejo meu diagnóstico em suas mãos — sua voz era rouca, porém boa de se ouvir — Se controlem — sussurrou, mas não parecia estar falando comigo —Como eu ia dizendo… A não ser que você tenha algo anotado ao meu respeito nesse mísero bloco — sorriu novamente — Oh, onde estão meus modos? Você não vai passar o dia todo em pé aí na porta, não é mesmo? Sente-se doutora. 

Foi então que percebi que eu ainda estava parada no mesmo local desde que entrei, apenas observando-o. Sem me deixar abater por seu comentário andei em passos largos até a cadeira em sua frente e sentei-me.

—Bom dia, Sr. Bieber, meu nome é Lily e serei a sua nova psi…

—Psiquiatra, eu sei — me cortou — E eu prefiro que me chame de DJB.

—Seu nome de hacker? — indaguei.

—Vejo que fez sua lição de casa, doutora — inclinou-se depositando suas mãos na mesa. 

—Como você observou meus métodos não são tão convencionais —ignorei sua fala anterior — Eu prefiro criar meus próprios métodos e neles não incluem andar de um lado por outro com as fichas de meus pacientes. 

—Pensei que eu fosse seu único paciente — arqueei as sobrancelhas — Sabia que eu invadi o sistema do governo? Sistema de bosta devo ressaltar — pronunciou mudando de assunto drasticamente. 

—Sim, eu ouvi dizerem.

—Uma coisa me deixa intrigado, mesmo eu já sabendo a resposta — seus olhos agora me analisava minuciosamente, era como se ele conseguisse enxergar minha alma — Você não faz ideia de nada, não é mesmo? 

—Desculpe…?

—Ele realmente conseguiu, nós conseguimos — seu sorriso agora era maldoso, me causando calafrios —Fiquem quietos, eu sei o que estou falando — esbravejou novamente — É bom te ver, Lily.