Eu estava apavorada. Tecnicamente, eu havia cometido um crime. O que a música fazia comigo... E aquela garota era tão bonita...
Pensei em ir lá e me desculpar na hora, em todas as línguas se precisasse, mas minha mãe chegou mais cedo do primeiro dia de trabalho, e me fez um monte de perguntas sobre como fora o meu dia e na escola. Depois, ela me levou a um museu. Meu primeiro passeio em Paris. Mas fiquei com a culpa de não ter me desculpado corretamente da garota.
No outro dia, foi a mesma coisa. Cheguei ensopada da escola por causa da chuva torrencial daquele dia, e almocei. A única coisa que fiz diferente foi lavar algumas roupas que estavam sujas.
Depois, me deitei no sofá e liguei a TV. Estava passando uma série que eu gostava. Foi quando eu me lembrei de que tinha uma pilha de temas para fazer. Peguei meu caderno correndo e sentei a mesa. Escrever em francês é mais difícil que falar.
Foi quando eu tive a brilhante ideia de escrever uma carta para meu pai. Eu não falava com ele há meses. Eu estava contando com um telefonema, mas já se passara tanto tempo... A ligação internacional devia ser cara mesmo, e a distância era um problema.
Não ouvi o piano o dia inteiro. Eu acho que a garota estava com medo que eu invadisse a casa dela novamente. Bem que eu queria, só para ouvir sua música e ver seu rosto lindo de novo.
A chuva agora caía lentamente lá fora, é claro, quando eu já havia chegado em casa. Foi quando eu tive outra brilhante ideia; assustadora, mas brilhante.
Lacrei a carta e desci correndo na chuva para colocar na caixa do correio do prédio. Logo subi e fui direto para o 7º andar, na porta 742. Toquei a campainha e uma mulher baixa e elegante me atendeu. Parecia ser a mãe da garota. Eu disse em francês a ela:
- Oi, eu sou a garota nova do prédio. Posso falar com sua filha por um momento?
A mulher não respondeu, só ficou me olhando com uma cara de interrogação.
- Por favor... – pedi.
- Eu não falo sua língua – ela disse em inglês.
- Ah, sim... Desculpe – respondi um inglês.
- Não foi nada. Pode repetir, por favor?
- Eu sou a garota nova do prédio. Posso falar com sua filha por um momento?
- Claro. Ela está no quarto. Me acompanhe.
Segui a mulher até o quarto dela, por um corredor estreito, após passar pela sala. Ela bateu na porta abrindo-a e disse:
- Querida, você tem visita.
Eu a olhei, e ela me encarou ainda espantada. Seu rosto doce continuava o mesmo. Eu me perguntei se ela era muda.
- Divirtam-se – a mulher disse e fechou a porta.
Incrivelmente, ela começou a conversa.
- Oi.
- Oi.
Fiquei um tempo em silêncio, até que falei:
- Olha, me desculpe por ontem... É que eu ouvi sua música e...
- Tudo bem, não se preocupe... – ela riu. Meu Deus, seu sorriso era lindo. Seus olhos azuis brilhavam.
Percebi que seu piano não estava lá. Devia estar na sala escura em que a vi tocando.
- Mas, então... Qual é o seu nome? – ela perguntou.
- É Rihanna. Sou brasileira. Me mudei para cá antes de ontem por causa do trabalho da minha mãe e...
- Jura?! – ela perguntou em português.
- Você fala português?! – perguntei.
- Claro, morei seis meses no Brasil.
- Que legal!
- Meu nome é Katheryn. E eu não sou francesa, sou inglesa. Moro na França há dois meses.
- Nossa, tem tanta gente de outros países aqui nesse hotel. Encontrei uns jamaicanos aqui também...
- É verdade! – ela riu.
Fiquei um tempo calada. Bisbilhotei seu quarto com os olhos.
- Legal, você tem vários CDs de...
- Bach, Beethoven... – ela completou – Música clássica é a minha vida.
- Nossa! Sabe, eu também amo música clássica, nunca ouvi outra coisa. E eu toco violino.
- Legal! Nós podemos tocar juntas.
- Seria ótimo! Quando?
- Que tal amanhã? Se você não tiver nada pra fazer, e...
- Perfeito!
- Ah, e sobre você não ouvir nada além de música clássica...
- Sim?
- Nem um rock...?
- Não... – eu ri.
Eu ri de novo. Ela era muito engraçada, e bonita. Seu sorriso e seus olhos se destacavam em seu rosto. Mas, voltando a realidade, eu percebi que estava ficando tarde.
- Olha, eu preciso ir...
- Mas ainda é cedo...
- É que minha mãe deve estar chegando.
- Ah, entendo.
- Mas, posso pegar emprestado um de seus CDs?
- Claro! Vai em frente, é só escolher.
Procurei um que ainda não tinha, mas era difícil.
- Mas o que é isso? Sex Pistols?!
- Nunca confie em uma garota inglesa que toca piano – ela piscou para mim.
- Então acho que vou levar esse! – eu disse rindo.
- A gente se vê amanhã?
- Com certeza.
A abracei e agradeci a mãe dela. Cheguei no meu apartamento e me esparramei no sofá, colocando o CD no rádio. Minha mãe ainda não tinha chegado. E entre as batidas da música senti seu nome pulsando em minha cabeça.
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