História The Selection. (Camren) - Inscrição.

C*

Aishe e eu estávamos há horas trancafiadas em meu quarto, tentando sem sucesso tirar a música da próxima apresentação. Quando repassávamos o último trecho, três batidas insistentes na porta levaram minha concentração para longe.

-Quem é? -Perguntei com a voz baixa, e de maneira um pouco arrogante, decorrente da  interrupção.

-Desça para o jantar Camila. –Disparou minha mãe do outro lado.

-Venha Aishe, vamos jantar.

A morena me olhou com um semblante triste e disse que talvez não fosse uma boa ideia, pois até ela tinha percebido o modo como minha mãe a havia recebido naquele dia.

Acompanhei Aishe até o hall de entrada, onde demos um abraço demorado e ela saiu para a noite fria, observei por alguns instantes minha melhor amiga de infância se afastar pela rua deserta, e fechei a porta.

Naquela noite, o jantar foi tranquilo até demais, causado por um silêncio que por incrível que pareça, era ensurdecedor. Porque eu sabia mais do que ninguém a quantidade de palavras grotescas que pairavam pelo ar, à espera de serem ditas.

Depois que acabamos de comer, tirei os pratos da mesa e lavei a louça sozinha, no momento em que saia da cozinha para subir até meu quarto, uma mão agarrou meu braço com força, e ao me virar constatei a face enfurecida da minha mãe.

-Você pensa que vai conseguir levar este joguinho de ignorância até que ponto, Camila? –Bufou à mulher.

-Não faço a mínima ideia do que está falando, mamãe. –Eu disse tentando me desvencilhar. Mas ela continuava a me apertar cada vez mais forte, sentia que aquilo deixaria uma marca. –Pare, você está me machucando!

-Eu estou te implorando, filha. Não quero ter que conviver com raiva de um ser que saiu do meu próprio ventre, mas não posso tolerar o seu egoísmo para conosco. Sabendo que poderia ter feito algo que mudaria nossas vidas, e escolheu simplesmente ficar parada, não te pesa a consciência nenhum pouco?

-Mamãe, eu adoraria poder ajudar todos nós, mas isso também envolve a minha felicidade.

-Camila, Camila...Tantas coisas poderiam mudar, pelo menos tente minha filha.

-Eu vou pensar, está bem? Agora preciso subir para o meu quarto, estou cansada, boa noite. –Puxei meu braço de uma vez só e subi as escadas rapidamente, sem olhar uma única vez para trás.

Naquela noite, chorei até dormir. Pensando em como aquele país era injusto de permitir que apenas os ricos tivessem a oportunidade de escolher que rumos tomariam na vida, e o mais valioso, ter o direito de viverem seus sonhos com plenitude.

***

No outro dia de manhã, acordei com uma proposta inusitada e claramente uma maneira desesperada de minha mãe para tentar conseguir a minha incursão no processo seletivo da Seleção.

-Se você ao menos tentar, e nos mostrar que se importa com sua família, prometemos que você poderá guardar metade da sua renda nos shows para si própria, querida. E logo, logo, ingressar em uma faculdade de música. Seu pai tem alguns contatos na Casta 3, e poderia conseguir uma bolsa gratuita para você em nossa província.

É claro que aquela era uma proposta irrecusável, talvez mamãe fosse mais esperta do que eu imaginava, sabendo usar do argumento certo para penetrar em meu subconsciente, ela conhecia meus sonhos e objetivos, assim como eu conhecia os dela.

Sem pestanejar um segundo sequer, indaguei:

-Traga-me o formulário. 

Ás vezes, é bom abrir mão do próprio orgulho, contanto que isso acarrete coisas maiores do que você mesmo possa esperar, maiores até do que seu próprio orgulho.