Acordo com a luz do sol entrando pela barraca. Estou tão confortável. Ouço vozes bem altas, mas isso não me incomoda. Viro para o lado e vejo Cristina sentada, mexendo no celular, com uma cara abatida. Deve ser pelo namorado. Ergo meu corpo e levanto, me espreguiçando.
-Bom dia – Ela diz – Como conseguiu dormir com a barulheira?
-Bom dia... Ahn? Que hora são? – pergunto.
-Quase nove horas – ela responde.
-Nossa, não ouvi nada, dormi bem – falo enquanto pego um garrafa de água.
-É – ela diz dando um sorriso – eu acordei faz umas duas horas
-Vou um pouco lá fora, tomar um ar – digo abrindo o zíper da barraca.
Saio para fora e vejo dezenas e dezenas de barracas, varias pessoas andando, muitas chorando. Uma verdadeira confusão.
-Meu deus...- falo enquanto olho ao redor.
-Cheio pra cassete né? – Diz um homem alto do meu lado.
Concordo com a cabeça e estendo a mão para cumprimenta- lo.
-Carlos – Digo
- Nicolas – ele responde
-Está sozinho? – Ele pergunta
-Não. Estou com uma mulher que me deu carona pra cá. E você?
-Estou com meu filho, o Junior – Diz ele apontando para um rapaz de uns 17 anos, que está sentado no chão de fone de ouvidos.- Chegamos ontem.
- Também – respondo – São muitas pessoas juntas né?
- Também acho – Diz ele coçando a bochecha. – Se der alguma merda... geral se fode.
-É... com certeza. Mas... esta funcionando bem por enquanto – Falo olhando em volta.
-Pelo menos até resolverem isso...Pode dar certo.
- Mora muito longe daqui? – Pergunto
- Alguns quilômetros, zona Leste – Ele responde dando de ombros
-Também sou de lá – Digo rindo – Dou aula em uma escola.
- Ah é? Professor de que?
- História
-Ah, bem legal. Nunca fui bem na matéria. Uma pena.
-Er... Acha que vão resolver isso? - Pergunto.
Nicolas hesita.
-Acho que sim. É. Sim. A humanidade já passou por tanta merda... Já já resolvem isso tudo. Tenho muita fé nisso.
Continuamos conversando por mais um tempo, Nicolas é um cara bem legal. Acho que deve estar sendo duro estar passando por tudo isso com um filho.Ele me disse que sua esposa esta desaparecida faz uns 4 dias.Veio pro refúgio com a esperança de achar ela, mas não a encontrou até agora.
Volto para dentro da barraca e Cristina está acabando de colocar a blusa, vejo suas costas sem nada e reparo que está sem sutiã, paro por um momento mas ela se vira para mim.
-Ah...Desculpa. Não vi que você estava se trocando – Falo um pouco apressadamente.
-Não tem problema não – Disse ela dando um sorrisinho. – De boa.
- Ah, ok então – Digo retribuindo o sorriso enquanto sento no chão.
Cristina da outro sorriso e pega um pequeno rádio portátil em sua bolsa e o liga, enquanto o coloca no chão.
“- o mais rápido possível pra a maior cidade próxima da sua. Estão montando centros de refugiados em estádios de futebol. Autoridades estão fazendo patrulhas pelas estradas para recolher pessoas perdidas. Se forem mordidos, vão para o hospital o mais rápido possível, antes que a febre o ataque. O governo está fazendo o máximo possível para resolver isso. Cientistas trabalham o máximo que podem para achar uma cura par tudo isso....”
-Meu deus, a situação está muito feia né? – Cristina diz olhando para mim.
- Muito. Essas coisas...Podem atacar a qualquer momento...Podemos estar mortos amanhã.
-Deveríamos aproveitar bem então... Antes que seja tarde... Vai saber se não morremos amanhã.
-Como assim? – Pergunto
- Ah, você sabe...Aproveitar – Cristina diz isso aumentando bastante o volume do rádio enquanto se aproxima de mim engatinhando. - E ai?
-É, acho que tem razão. – Digo abrindo um sorriso, corando, e recebendo Cristina, que vem para cima de mim.
-Você...
-Relaxa eu tenho sim - digo pegando a carteira.
***
Cristina coloca de volta sua calça enquanto não tira o sorriso do rosto, e abaixa o rádio novamente. Ela suspira calmamente e satisfeita.
Coloco minha cueca de volta e visto meu short, ponho minha camiseta e deito no chão da barraca suspirando. Ela deita do meu lado, apoiando sua cabeça em meu ombro. Olhamos para o teto por alguns segundos, sem dizer nada.
-Está com fome? – Pergunto alisando os cabelos dela.
Ela concorda com a cabeça e se vira para mim, sorrindo, sem falar nada. Ela me da um beijo nos lábios e ergue as sobrancelhas.
Levanto e abro minha mochila, pego uma sacola e desembrulho dois lanches. Entrego um para e ela e como o meu. Depois que acabo, saio da barraca e caminho até a fila do banheiro. Cristina logo sai e faz a mesma coisa.
Por incrível que pareça, a condição do vestiário está muito boa. E pensar que muitos jogadores de futebol famosos já ocuparam esse mesmo lugar que estamos agora. Entro em uma cabine e uso o banheiro. Muitas mensagens como “Deus esqueceu de nós” , “O inferno é aqui” estão escritas com caneta permanente na parede do banheiro. De certa forma, concordo com isso. Com toda essa merda acontecendo fica difícil ter esperança.
Lavo meu rosto na pia, e um policial aparece na mesma hora.
-Senhores, seus dez minutos já acabaram. Vão saindo logo. Certo?
Saio de lá de dentro e outras pessoas entram. Volto para a barraca e logo Cristina volta, senta do meu lado e continua ouvindo rádio comigo.
-Sabe, as pessoas daqui são até que bem gentis, eu esperava mais aquele povo sem noção querendo causar. – Digo
-É, também imaginei que seria assim. Mas acho que no meio de toda essa zona, as pessoas estão tendo bom senso né? – Fala Crisitina enquando arruma seu cabelo olhando pela câmara frontal do celular. –Ei... - ela sorri - Vamos tirar uma foto? – Pergunta ela sorrindo.
-Claro – Respondo ajeitando o cabelo.
Ela estende o celular e tira uma foto nossa. Por sorte o sinal da 3G está pegando. Logo ela me manda a imagem por mensagem no celular, que infelizmente só restam 23% de bateria.
A foto ficou realmente bonita.
Sabe, tem uma frase que vi em um filme. Fala de como a foto é uma coisa legal, pois ela captura os bons momentos antes que eles acabem. É algo pra se refletir.
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