Acordo e já está quase claro, deve ser umas seis da manhã. Lá fora está uma barulheira. Vou até a janela e olho para fora. Vejo pessoas pra lá e pra cá, ouço sirenes e barulhos de tiro. Tropas de choque estão para todos os lados, realmente está um caos.
- Bom dia – Diz Maria saindo do corredor.
-Ah, oi, bom dia – respondo.
-Está com fome? Tem uns pedaços de bolo na geladeira, bem, mas como acabou a energia ontem, nem ta mais gelado. Já está meio velho, mas da pra comer.
-Obrigado, já vou lá comer. Só estou... olhando lá fora. Meu deus, é horrível não é? – Digo encarando a janela – Precisamos ir hoje.
-Sim – Diz ela concordando com a cabeça – Só precisamos pegar mais comida pra levar.
-É. Como abandonaram tudo, deve ter alguma lojinha por ai que não saquearam tudo. E pela situação que estamos, não vão poder nos impedir de entrar e levar algumas coisas , né? – Pergunto me virando para ela, que ergue as sobrancelhas.
-Bem, acho que sim. Denise fica aqui e eu te acompanho. – diz ela.
-Acho melhor não. Vamos de uma vez, saímos daqui nós três para não voltar mais. – Digo – O que acha?
-Ah, só fico meio preocupada com ela, sabe, ela só tem dez anos – diz Maria jogando a franja pro lado.
-Vai ficar tudo bem com ela. Estou armado. Confie em mim. – digo.
Maria assente com a cabeça. Vou para a cozinha e como um pedaço do bolo que ela falou, coloco umas latas de atum em minha mochila e levo umas garrafinhas de água. Espero uns minutos para que as duas se arrumem. Olho ao redor no apartamento e vejo os porta-retratos vazios. Maria deve estar levando as fotos com ela. Olho pra fora e penso como estará tudo isso em um mês. Será que a maioria dessas pessoas lá fora, correndo desesperadas, esses policiais combatendo aquelas coisas com tudo que podem, estarão mortas em pouco tempo? É realmente bem estranho ver as coisas por esse lado.
Após alguns minutos as duas voltam dos quartos com as malas prontas. Ambas parecem bem nervosas, tensas. Todos estamos. Sair sem saber se no dia seguinte estaremos vivos. É realmente muito difícil.
-Vamos então – Diz Maria – Estamos prontas.
Deixamos então o apartamento e descemos as escadas. Vejo ma daquelas coisas na frente da porta de saída. Era o zelador.
-Roberto! – Exclama Maria levando cobrindo a boca com a mão.
- Calma. Deixa comigo – Digo sacando minha faca. Ainda acho psicologicamente bem difícil matar eles. Mas vou em frente e finco a faca em sua cabeça. Guardo sem me dar o trabalho de limpar.
Saímos para a rua, que está bem agitada, Maria me explica o caminho para uma loja bem próxima, não entramos no carro pois está quase impossível de passar pela rua dirigindo. São muitas pessoas, e Maria mora quase no centro da cidade. Após alguns minutos de uma caminhada bem apressada, chegamos em uma loja de conveniência bem grandinha de um posto. Por incrível que pareça, ninguém arrombou o lugar ainda.
Quebro o vidro e entramos, pego sacolas e encho com tudo que der. Tem um carro largado no posto, penso em pegar ele. Saio da loja para descarregar as coisas. Quando estou colocando tudo dentro, vejo por minha visão periférica, um movimento bem rápido dentro da loja. Me viro e vejo que uma daquelas coisas saiu de uma porta dentro do posto. Provavelmente alguma ala de funcionários. Mas quando olho já é tarde demais. Maria está de costas e não vê. Tento gritar mas a coisa a ataca mordendo seu braço por trás. Ouço Denise dar um grito de desespero e Maria berra de dor. Corro até la dentro mas nesses 5 segundos a coisa abocanha a lateral de seu pescoço. Antes mesmo de entrar, já vou sacando minha arma e meto uma bala na cabeça dele. Corro e me agacho sob o corpo de Maria, que começa a chorar, junto com Denise.
-Não não, não.- Digo sem saber o que fazer, apertando com a mão o lugar da mordida dela no pescoço.
-Mãe... – Soluça Denise – Mãe... Não – Lágrimas escorrem de seu rosto.
Maria tenta dizer algo mas não consegue. Uma lágrima escorre de seu olho e ela fecha os olhos. Morta.
Abraço Denise por alguns instantes. Sei que já deveria fincar a faca em Maria , mas acho que sua filha não merece ver isso. Aos poucos consigo tirar ela da loja, pego as sacolas no chão e levo pro carro. Denise chora descontroladamente. A chave está na ignição então já dou partida.
-Vai ficar tudo bem – digo – Vou proteger você, prometo – Falo quase hesitando. Sei que não deveria fazer promessas assim, ainda mais no meio disso tudo. Mas acho importante dizer isso para reconfortar-la. Denise assente com a cabeça ainda chorando bastante no banco de trás. Me sinto muito mal e culpado por isso. Se eu não tivesse ido levar tudo pro carro, teria tido tempo de defende-la. Maria morreu por minha causa. Denise perdeu a mãe por minha causa. E isso é uma coisa que vou ter carregar pelo resto da vida.
***
Continuamos e entramos na avenida. Está tudo muito parado então prevejo que vai demorar um pouco para sair. Ouço vários helicópteros no céu, e muitas tropas de choque pelas ruas. Estou parado no congestionamento com Denise quando ouço um barulho de explosão. Quase grito de susto quando reparo no fim da rua. Um tanque disparava contra um hospital. Parece que contiveram varias daquelas coisas lá dentro para poder explodir tudo. Mas sinceramente não acha que tinha só daquelas coisas lá, e nem acho que todos os bichos morreram. Imagino que devem estar matando pessoas mordidas la dentro, invés de ajudar-las. Será que haviam também policiais e pessoas que nem foram mordidas lá dentro?
Viro o carro e entro na calçada, não posso arriscar ser acertado, já vi pelo menos uns três carros em chamas nos últimos 30 minutos. Há corpos sem vida no chão, largados e prontos para acordar a qualquer momento e atacar alguém. Denise ainda chora no banco de trás, atravesso quase a avenida toda quase na calçada, algumas pessoas reparam nisso e me imitam. Percebi que pela avenida não vai dar muito certo, então viro na primeira saída que vejo, volto para as ruas e vou seguindo por esse caminho.
Estou indo sentido norte para fora da cidade. Muitas daquelas coisas estão por ai, enquanto a policia e o exército lutam contra tudo, atirando e jogando até granadas. Reparo em vários deles comendo policias de choque no chão. Seguro o volante firme enquanto vejo toda aquela tragédia. Tento acalmar Denise aos poucos, e ela parece parar de chorar descontroladamente, agora só mantém o rosto coberto pelas mãos. Decido ligar o rádio para ver o que estão dizendo.
-A situação continua muito grave nas cidades, os refúgios estão enfraquecendo. Os refúgios em estádios das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte estão sob ataque no momento. Os soldados do exercito Brasileiro estão tendo que lutar contra o vírus usando armas de fogo e tanques de guerra. Muitas pessoas não infectadas estão morrendo por conta disso. As mortes só aumentam a cada dia, estima-se que mais de 100 pessoas morreram nessas duas ultimas semanas. Já falamos, mas iremos repetir. Se mantenham em grupos, a ajuda está vindo.
-Ajuda... – Digo – Espero que estejam dizendo a verdade.
Continuamos dirigindo até fora da parte mais movimentada, e voltamos para o congestionamento. Já devem ser umas quatro da tarde. Aproveitamos que estamos parados e comemos um pouco dentro do carro mesmo, o dia está bem limpo. Muitos policias fazem uma ronda em pela avenida para checar se não há nenhum deles. De vez em quando ouvimos tiros mas nada chega perto de nós. O trânsito fica literalmente parado até quase seis horas da tarde. Então aos poucos conseguimos prosseguir. Já começa a querer escurecer quando tudo para de novo.Ouço tiros quase do nosso lado. Uns dez deles vem caminhando pela avenida e atacam umas duas pessoas que cochilavam dentro do carro com o vidro aberto, mas logo os policias aparecem e atiram em todos. Depois de um tempo já quase saímos da cidade, já deviam ser umas oito horas. Está bem escuro e parece que a energia não vai voltar. Sorte que temos a luz da lanterna dos carros.
A cidade inteira é só uma sombra escura ao longe, com poucos sinais de luz visíveis. Imagino então que deve estar o maior caos na parte principal. A maioria das pessoas sai do carro para observar horrorosamente a cidade. Barulhos de sirene e tiros ainda são bem notáveis. Penso em tudo que vivi lá, em meus amigos, que devem estar preocupados em fugir ou já estão até mortos.
Entro de volta para o carro com Denise. Após mais uma meia hora conseguimos chegar no inicio da estrada. Como estão fazendo algumas pessoas, entro no acostamento e vou passando por todos. Mas decido não seguir o fluxo. Tenho um mal pressentimento sobre isso, mas continuo na estrada por mais de uma hora. Certo tempo depois, aproveito que a divisão das pistas está quebrada em um ponto e saio da pista principal, indo pela contra mão, onde não passa praticamente nenhum carro e acabo virando na primeira entrada que vejo, provavelmente a saída de alguma posta de retorno. Ainda sentido norte. Não há quase ninguém que escolheu o mesmo caminho que eu. Continuo pela estradinha, e paro no acostamento, quase entrando no mato.
-Vamos parar pra descansar um pouco, ok? – Pergunto para Denise – Sei que ainda é umas nove e meia, mas precisamos dormir um pouco.
Ela concorda com a cabeça e deita. Inclino a cadeira do passageiro para trás, quase encostando no pé de Denise e fecho as janelas do carro. Apago as luzes interiores e deixo a arma no banco do lado, pronta para eu pegar se precisar. Fecho os olhos e tento dormir, mas não consigo. Logo após mais de uma hora tentando, eu caio no sono.
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