Epílogo: O Outro
“Depois de um bom tempo sem tentar, aqui estou eu, escrevendo mais uma vez. Não sei se isso vai se tornar um hábito, afinal, para quem eu poderia escrever além de eu mesmo? Todos se foram; morreram ou me deixaram. E eu sei que a culpa é toda minha.
Na última vez em que eu peguei uma caneta e um papel para escrever, eu tinha uma ideia na cabeça. Pensava que a chave para sobreviver era a solidão. Eu acreditava nisso, repetia esse mantra para mim mesmo todas as manhãs. Entretanto, por mais que tenhamos o hábito de mentir para nós mesmos, uma mentira contada por muito tempo não se torna verdade.
O Vince de meses atrás não é o mesmo Vince de hoje. Agora eu percebo como eu fui estúpido e ingênuo. Não devia ter deixado Athena e James em Atlanta, não devia ter abandonado Samantha para morrer com Sebastian, não devia ter machucado Victoria. Hoje eu pago o preço pelo meu orgulho e pela minha estupidez.
Estar sozinho não é de todo ruim. Desse jeito eu pude pensar, refletir e, acima de tudo, sentir. Primeiro, eu senti raiva; raiva de mim mesmo por ter perdido tanto tempo com um bando de maricas que não me levariam a lugar algum. Depois, senti medo; medo de ter feito escolha errada, de ficar sozinho para sempre, de não ter ninguém para me ajudar quando eu mais precisasse. E nesse momento, eu só consigo sentir saudade. Meu arrependimento me consome todas as manhãs, desde que eu saí de Atlanta naquela noite fatídica.
Porém, isso tudo me fez perceber uma coisa, um elemento no qual nunca havia reparado antes: o fogo.
O fogo esteve presente nos momentos mais decisivos da minha vida, fosse na morte de Mary, na explosão do Centro de Pesquisas Golden Bay, na destruição da base da Nova Nação ou no incêndio no chalé. Talvez isso tenha algum tipo de significado obscuro que a vida, ou Deus, ou o Destino, pôs à minha frente. Se eu descobri esse tal significado? Não tenho certeza.
Das cinzas daquele chalé na colina se reergueu uma fênix, que carrega ainda o pó e a destruição do passado em seu coração, mas ostenta uma nova forma, um novo disfarce. Ou talvez eu seja só um rato pensando ser um homem grande, achando que o universo se daria ao trabalho de mandar algum tipo de mensagem para mim.
Mas uma coisa é certa: a cada incêndio, a cada episódio de destruição, eu sobrevivi e segui em frente. Não como uma fênix, mas como uma barata imunda que suporta todo esse caos em silêncio, discretamente.
Não sou nada sem aqueles me completam. Só agora eu vejo isso. Já é tarde demais para buscar aqueles que se foram, mas espero que não seja para um recomeço. Jake é a prova disso: a solidão deixa a loucura dentro de nós sair. Não há perigo maior do que um homem louco sem nada a perder.
Como já havia escrito, não sei se essa coisa de escrever vai virar um hábito. As palavras que estão nessa folha rasgada de papel são tudo o que eu não tenho mais ninguém para contar.
Talvez você, leitor imaginário, seja meu recomeço. Ou talvez eu só esteja delirando outra vez. É, definitivamente isso não pode virar um hábito.
Adeus, Velho Vince. Que você encontre algum lugar para ficar em paz dentro da minha consciência, me fazendo aprender com os erros do meu passado.
Algum dia da era dos mortos-vivos
Vince”
Vince largou o papel depois de lê-lo inteiro pela terceira vez. Não sabia exatamente o que dera nele para escrever aquilo tudo. Mas não podia deixar de sentir algum tipo de alívio.
Sentado no banco do carro, à beira da estrada, cercado por uma espessa camada de neve que cobria o chão, Vince encarou a paisagem à sua frente. Podia ver a cidade de Nova Iorque de onde estava. Mas ainda não queria se arriscar a se aproximar mais. Mesmo lá, nos arredores da cidade, a presença de infectados era grande, a sobrevivência era incerta.
Não tinha para onde ir, não tinha quem o esperasse. Tudo o que restava era um bloco de anotações, uma arma e um carro, todos encontrados com muita sorte numa casinha à beira da estrada.
Vince encarava os prédios gigantes pelo vidro frontal do carro. Tinha paz no coração e uma única ideia na cabeça: precisava encontrar um rumo para sua vida.
No entanto, para que cumprisse seu objetivo, precisaria de suprimentos. E o melhor lugar para conseguir isso estava bem à sua frente.
Não pensou duas vezes ao dar a partida no carro e seguir em direção a Nova York, seu próximo destino... e o primeiro de muitos outros.
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