1. Spirit Fanfics >
  2. Through the wall >
  3. Capítulo único

História Through the wall - Capítulo único


Escrita por: Yeol6192

Notas do Autor


Hey baby's
Finalmente terminei de corrigir, nem estou crendo que consegui postar dentro do prazo \O/
Boa sorte para as pessoinhas que estão na última fase e, cara... Melhor fase <3 Amei escrever kkkkkkkk

Boa leitura *3*

Ps.: Me perdoem pela capa sem graça kkkkkkkkkk

Capítulo 1 - Capítulo único


Todo o caos começara após a derrota da Alemanha na Segunda Grande Guerra, os ditadores nazistas responderam por seus crimes e ódio, e então as potências vitoriosas – Estados Unidos, França, União Soviética e Reino Unido – tomaram controle de todo o território alemão, dividindo-o em quatro zonas, cada área pertencendo a uma potência. Entretanto, o que no início era uma cooperação tornou-se competitivo e ameaçador, visto que as potências, conhecidas como Aliados, não chegavam a um acordo sobre qual tipo de política usar no país.

A partir daí a confusão apenas cresceu sem controle algum. Bombardeios, aumento dos preços de produtos, grande parte da produção foi confiscada como uma reparação da guerra que haviam criado. Conflitos e mais conflitos, um seguido do outro. Mortes, perdas, dor, fome e pobreza. Estavam em pura ruína.

Até o momento em que o país foi completamente dividido de acordo com sua política e a população se viu obrigada a aceitar, pois isso garantiria sua sobrevivência. A Alemanha se separou em Ocidental, sendo esta capitalista, recebendo ajuda dos Estados Unidos, França e Reino Unido que se uniram, criando a Lei Fundamental, onde se originou a República Federal da Alemanha. E a parte Oriental, ficando sob o poder da União Soviética, tendo como regime o comunismo e a República Democrática Alemã como conselho parlamentar. Em seguida, foi ordenada a separação de Berlim, que também se disseminou em ocidental e oriental, cada um com suas políticas, regras e normas.

Foi em 1961, depois de a República Democrática Alemã perceber que boa parte de sua população estava deixando Berlim Oriental para buscar uma vida melhor, que foi ordenada a construção do Muro de Berlim. De início feito de arames farpados, guaritas improvisadas, tanques de guerra e militares vigiando cada passo da população com o comando de atirar em qualquer um que ultrapassasse a barreira.

Foi preciso algum tempo até que o Muro fosse de fato finalizado, ganhando mais de 60 km de extensão, trezentas torres de observação com monitoramento 24 horas por dia e um posto fronteiro denominado Checkpoint Charlie, único lugar onde havia alguma chance de sair ou entrar da Berlim Oriental. Contudo, ninguém atravessava a fronteira, além dos próprios militares e pessoas de alta influência.

Zhang Yixing se recordava com riqueza de detalhes os meses que se estenderam dali em diante. Lembrava-se da agonia e desespero de famílias que foram separadas pela parede de cimento, presenciou tristeza e luto que outros sentiram ao perder um parente ou amigo próximo que tentara ultrapassar a fronteira. Era uma injustiça com toda a população e, mesmo após sete anos de sua construção, o homem ainda sentia repulsa por toda aquela situação.

E era exatamente por conta de sua indignação que se encontrava sentado em frente ao balcão de um dos únicos bares existentes no território. A impaciência parecia querer tomar posse de todo seu corpo, fazendo-o balançar a perna de modo frenético para tentar relaxar, mas aquilo não estava surtindo efeito algum.

Respirou fundo antes de pedir o segundo copo de uísque, sua bebida preferida. Detestava quando JongDae se atrasava, tinha uma tremenda vontade de desferir um soco no nariz do amigo e seu pensamento violento aumentou quando o viu atravessando a entrada do recinto.

 – Está atrasado de novo, Chen.  – Yixing reclamou.

 – Desculpa. – o mais baixo pediu, arrancando o copo de vidro da mão do amigo e tomando o conteúdo em dois grandes goles, fez uma careta ao devolver o objeto a superfície plana do bar – Vamos?

 – Além de se atrasar ainda toma minha bebida? – indagou com falsa revolta.

JongDae revirou os olhos e o puxou dali. Faltavam alguns minutos para 1 hora da manhã, teriam de se apressar para cumprir o esquema que haviam combinado há pouco mais de quatro meses.

Caminharam lado a lado até o local requerido, sem usar o carro para não serem descobertos. As ruas eram escuras naquele horário e raramente davam de cara com alguém. Pararam apenas quando o Muro de Berlim apareceu em seus campos de visão. Agacharam-se atrás da parede de uma das casas ali de perto, tentando não chamar atenção.

 – Se lembra do que combinamos? – Chen sussurrou no ouvido do outro, recebendo um aceno positivo.

Claro que se lembrava, falavam sobre aquilo há meses. Ambos estavam fartos de viver como cachorros dentro de um canil, queriam fugir dali o mais rápido possível, então passaram a observar o posto de Checkpoint Charlie durante todas as madrugadas, monitorando cada movimento dos militares que ali trabalhavam. Descobriram que os homens fardados faziam trocas de seis em seis horas, mudando seus postos e dando lugar para dois novos trabalhadores, entretanto, sem deixar a torre de vigilância vazia. A próxima troca aconteceria em algumas horas, perto das 5 horas. E seria nessa hora que fugiriam.

Esperariam os militares iniciarem a troca de postos, era quando paravam para jogar conversa fora e recarregar a munição de suas armas, seria nesse momento que JongDae e Yixing aproveitariam a curta distração para passarem por de baixo da cancela da guarita, localizada a alguns metros de onde os dois se encontravam, e correriam o mais rápido que conseguissem. O plano era muito simples e perigoso, sabiam que as consequências poderiam ser mortais, contudo precisariam arriscar suas vidas se quisessem deixar o inferno onde viviam.

 – Promete que vai continuar correndo mesmo se eu ficar para trás? – JongDae indagou.

 – Cala a boca.  – repreendeu o outro, falando o mais baixo possível – Não podemos chamar atenção.

Yixing sabia o quão inquieto o outro estava, conhecia seu amigo o suficiente para saber que quando se sentia ansioso falava mais do que devia, então seria bom calá-lo antes que ele começasse com mais um de seus discursos. Foi pensando no outro que acabou divagando em anos atrás.

Conheceram-se no trabalho, bem antes do Muro de Berlim ser construído, ambos no ramo jornalístico. Yixing, que apesar de ter nascido em Changsha na China, se mudou quando possuía cinco anos, em 1938, e fora criado na Alemanha por conta de perseguições políticas sofridas pelos pais em seu país de origem. Já Kim JongDae era nativo da Coreia do Sul, entretanto resolveu sair de lá, pois seu namorado da época iria se mudar para a Alemanha a trabalho. Quando terminaram o relacionamento Kim optou por continuar onde estava enquanto seu ex voltou para o país de origem. A amizade entre Kim e Zhang fluiu no momento em que o chinês resolveu ajudar o outro a se adaptar a Alemanha.

Eram influentes no trabalho, apesar de abordarem as matérias de maneira diferente. Yixing costumava expor muitas críticas à política e à economia, fazendo com que muitas pessoas poderosas o odiassem. Já Chen escrevia sobre acontecimentos corriqueiros, publicando tudo que lhe era ordenado, evitando que fosse colocado na "lista negra" das autoridades na qual, certamente, seu amigo estava incluso.

Quando o Muro foi construído muitas famílias foram separadas pela fronteira, incluindo a de Yixing. O homem não via seu filho desde o começo de toda a confusão, o garoto estava passando o mês na casa da mãe quando acontecera e, por sorte, não participara dos conflitos. Eram nesses momentos que Zhang agradecia por ter a guarda compartilhada com sua ex-esposa.

Sabia que era errado ficar relembrando o passado com o melhor amigo num momento como aquele, afinal, a probabilidade de morrerem era grande demais e isso corroia seu interior a cada lembrança, fazendo seu coração acelerar. Considerando isso, parou abruptamente de pensar sobre o assunto e apenas encarou o chão, ansiando logo o horário que agiriam.

Cada segundo pareciam horas para ambos. Estavam agitados e nervosos com o que estavam prestes a fazer. Rezavam para tudo dar certo, assim como haviam planejado.

O sol já estava quase dando "bom dia" para a população quando dois militares de grande estatura apareceram caminhando até a torre de vigilância calmamente, enquanto conversavam alto, atravessaram a entrada do local feito de pedras e sumiram de vista. Aquele era o momento.

JongDae se pôs diante do amigo e apontou para frente, indicando que começassem a correr. Yixing escutou o cara a sua frente suspirar antes de apertar o passo e correr em direção a única saída daquele maldito lugar. Ambos sentiam o sangue ferver dentro de suas veias, adrenalina fluía por todo o corpo e nada poderia pará-los. Abaixaram-se e conseguiram passar por baixo da única cancela que havia ali. Foi quando chegaram ao lado de fora que dois sons ensurdecedores foram ouvidos, um seguido do outro. Juntamente com gritos de alerta para que parassem ou seriam mortos.

Ouviu o amigo resmungar, mas sem parar de correr. Assistiu JongDae olhar rapidamente para trás, o cenho franzido, suor escorrendo pela têmpora e o sangue pingando por entre os dedos que antes apertaram o machucado recém feito. Sabia que ele havia sido acertado pelos tiros, entretanto o abalo e perturbação do momento não lhe deixaram constatar onde os tiros tinham acertado.

O chinês notou uma movimentação vinda de trás, estava convicto de que os militares os perseguiam. Involuntariamente suas pernas cessaram a corrida ao mesmo tempo em que encarava as costas do Kim, que corria o máximo que conseguia, cambaleando vez ou outra. Ele estava visivelmente com muita dor.

Quatro soldados estavam no posto naquele instante, dois deles, que estavam à frente dos demais, tentaram correr para capturar Chen, contudo Yixing se posicionou na frente destes, segurando-os pelas fardas.

 – Desgraçado! – os ouvidos do chinês captaram a fala rude de um dos militares à medida que seus braços eram segurados e uma arma era posicionada contra sua cabeça. Sentia o objeto gelado cutucar o couro cabeludo.

Viu um dos homens fardados apontar a arma novamente para o coreano que estava quase desaparecendo de vista, se preparando para atirar, Zhang outra vez lhe impediu, mas agora com um chute já que os braços eram segurados.

 – Ele conseguiu fugir por sua causa. – uma coronhada foi desferida na parte de trás da cabeça do jornalista, levando-o ao chão instantaneamente.

Yixing sentiu inúmeros chutes acertarem seu corpo, deitou-se no chão se encolhendo o máximo possível e escondeu a própria cabeça entre as mãos querendo impedi-los de acertá-la mais uma vez.

 – Heinz, chega! – um dos soldados segurou o companheiro, impedindo-o de espancar o homem jogado no chão – O outro levou dois tiros, certamente vai durar uma ou duas horas correndo e morrerá de hemorragia.

 – E vamos fazer o que com esse infeliz?

 – Ver a ficha dele. – respondeu como se fosse óbvio – Sabe que o Boss deixou claro: utilidade primeiro, “diversão” depois. Temos que ter certeza de que ele não poderá ser útil antes de matá-lo. – o homem grande e alto apenas assentiu, revirando os olhos como se não gostasse de seguir aquela regra.

Yixing sentiu seu cabelo escuro ser segurado com força até que estivesse em pé, diante dos quatro que eram a autoridade ali. Seus pulsos foram presos pela mão grande e forte do militar ao mesmo tempo em que um sussurro ameaçador foi pronunciado perto de seu ouvido.

 – Se tentar alguma gracinha tenho permissão de estourar todos seus miolos. – reconheceu o cano gélido da arma tocar sua nuca mais uma vez, o ato fez seu coração falhar um batida – E se eu fosse você, não duvidaria das minhas palavras.

Um pano negro cobriu seus olhos como se o homem não quisesse que decorasse o caminho que percorreriam. Ao mesmo tempo em que outras mãos o algemaram com os braços para trás. Suas pernas foram chutadas com um pouco de força para que começasse a andar para onde foi ordenado. Talvez estivessem indo para onde o chefe dos militares ficava apenas para tentar arrancar alguma informação que lhes fosse útil e, depois de descobrirem que não sabia de nada que era do interesse das autoridades, seria executado como qualquer outro.

Não queria morrer, mas estava feliz de saber que ao menos havia dado uma chance para o amigo fugir, apesar de duvidar de sua sobrevivência. JongDae não duraria muito tempo após levar dois tiros sabe-se lá onde.

Durante a caminhada tropeçou algumas vezes nos próprios pés e até mesmo no chão que era incapaz de enxergar e a cada queda que sofria era presenteado com xingamentos e coronhadas na coluna. Não fazia ideia de quanto tempo caminharam, porém, ficou aliviado quando pararam e foi empurrado sem gentileza para o assento traseiro de algum veículo. Tentou entender o que seu captor falava com um possível motorista, contudo foi impossível. As palavras eram desconexas e deviam ser parte de algum código particular dos militares.

O carro deu partida e Yixing até arriscou calcular quanto tempo rodaram, uma hora, talvez duas. Seus braços amortecidos pela posição em que estavam diziam que tinha sido muito mais. Mas não saberia dizer se saíram do centro principal da cidade ou se davam voltas pelas ruas locais.

Nenhuma palavra foi trocada dentro do veículo exceto um “saia” seguido de um cutucão com a arma em suas costelas quando o carro parou. Desceu e um rangido de portões de ferro, aparentemente pesados, foi ouvido.

Novamente foi arrastado bruscamente, entretanto desta vez a jornada não durou tanto, pois logo foi obrigado a se sentar numa cadeira gelada e dura. A venda que tampavam sua visão foi arrancada de sua cabeça.

O ambiente no qual se encontrava era pequeno, tendo apenas a cadeira em que estava sentado e uma mesa de madeira contendo pilhas de papeladas empilhadas e organizadas em sua superfície, que cheiravam a mofo. As paredes, assim como o chão, tinham a cor do próprio cimento, não encontrou qualquer janela no local. E a porta provavelmente ficava atrás do chinês, visto que ele não conseguia vê-la.

Três homens estavam de pé diante de Yixing, o militar que o havia levado até lá tinha sumido de vista. O homem gorducho de olhos azuis, cabelos loiros com a raiz naturalmente grisalha, mostrando que já não era tão novo, tinha a aparência esperada de qualquer alemão. Aparentemente era o comandante dali, visto que foi o primeiro a se aproximar com o semblante sério, sequer se importando em tirar a arma do coldre.

 – Qual seu nome? – o velhote indagou autoritário.

 – Por que deveria falar meu nome?

 – Não deve falar, apenas seja sensato, afinal quem está armado aqui? É uma questão de lógica.

Yixing revirou os olhos com uma tremenda vontade de levantar da cadeira e sair na mão com o homem a sua frente, porém não o faria. Não era imbecil o bastante para fazê-lo.

 – Zhang Yixing.

 – Nome bem diferente para um alemão. Deve ser por isso que causou problemas, estou certo, estrangeiro? – zombou soltando uma risada nasalada, em seguida se dirigiu aos dois que estavam atrás de si – Achem a ficha dele.

Os dois capangas aproximaram-se da mesa localizada adiante de Zhang, pareciam cachorrinhos obedecendo às ordens de seu dono, e se perderam em meio à papelada, olhando com atenção cada nome escrito na parte superior de cada registro, procurando pelo do chinês. Quando acharam seu documento com todas as informações necessárias, entregaram-na para o mais velho da salinha.

 – Zhang Yixing, nascido em 1933. – leu em bom tom alguma das informações contidas ali, enquanto passava os olhos calmamente por cada mínima vírgula. Um sorriso de canto se formou na face do senhor – Pelo o que vejo aqui é um jornalista bem conhecido por falar mal do regime comunista, essa informação está correta?

Yixing engoliu em seco ao ouvi-lo comentar sobre aquilo. Agora era certo que o matariam. O regime da Berlim Oriental era completamente comunista e definitivamente aniquilavam qualquer um que fosse contra seus princípios e política.

 – Eu parei de escrever matérias sobre política nos últimos anos. – tentou se justificar, não queria ser morto embora acreditasse que nada naquele momento poderia salvá-lo.

 – Claro que parou, afinal, pessoas desse tipo são covardes demais para enfrentar as consequências de falar besteiras sobre a política de nosso país. São medrosos e nojentos. – deixou que uma risada irônica saísse de seus lábios. O homem mais velho empurrou a mesa que os separavam para o lado, espalhando pelo chão tudo depositado ali em cima, e sacou sua arma de seu coldre verificando se estava carregada de munição – Vou lhe fazer uma pergunta simples e direta, então quero que me responda da mesma forma, está entendendo? – indagou sem esperar que o outro respondesse – Qual é o nome daquele seu amigo que fugiu? Poderíamos até esquecer o que fez se nos contasse, sabe disso? Não sabe?

O chinês se remexeu na cadeira dura, visivelmente incomodado. Tinha total noção de que o coreano poderia estar morto naquele exato momento, entretanto não daria quaisquer informações sobre o mesmo. Afinal, ele era seu melhor amigo, e mesmo sabendo que a proteção dada naquele instante ao mesmo poderia ser em vão, preferia não arriscar contar algo sobre JongDae que o fizesse acabar com qualquer chance de vida que ele tinha. Não responderia àquela pergunta nem que fosse torturado.

 – Ele não era meu amigo. – Zhang mentiu, rezando para sua voz parecer firme e confiante.

 – Ah, sejamos sinceros, jovem jornalista. – apontou a arma para a testa do mais jovem. Yixing estava farto de ter armas de fogo apontadas para sua cabeça. – Realmente acha que vamos acreditar que estavam no mesmo horário e lugar, executando o mesmo plano, tudo por mera coincidência? Tente me enrolar com alguma desculpa mais plausível, porque essa não tem a menor coerência.

 – Disse que não éramos amigos e não que foi coincidência estarmos lá no momento em que tudo aconteceu. – o chinês tentou improvisar qualquer coisa que fizesse o velhote esquecer a ideia de ir atrás do Kim – Nos encontramos a alguns dias no bar e percebemos uma coisa em comum: o desejo de atravessar esse Muro. Então criamos um plano de última hora que, infelizmente, deu errado.

 – Meus soldados disseram que impediu que o outro cara fosse morto a tiros. Como me explica o fato de você ter impedido isso sendo que não é amigo e nem se importa com o bem-estar dele? – o velhote riu enquanto guardava a arma de fogo – Se não quer me contar tudo bem, queria apenas facilitar as coisas para você, mas vejo que não quer isso. – virou de costas para o homem sentado, voltando-se para os outros dois que pareciam indiferentes perante toda aquela situação – Não quero que o matem agora, levem-no para nossa cela especial para jornalistas cretinos, ok?

Ambos aproximaram-se de Yixing e o seguraram, forçando-o a ficar de pé e segui-los pelos corredores do local onde estavam. O chinês tentou resistir, todavia parou assim que os dois seguranças fizeram tamanha força contra seu corpo, o levantando do chão. Desistiu de tentar reverter a situação, afinal de contas, era inútil tentar alguma coisa contra eles.

Observou atentamente cada centímetro por onde era arrastado. As paredes, teto e chão tinham a mesma cor que a sala em que estava anteriormente, constatou que certamente estavam em algum tipo de prisão com segurança máxima.

Assustou-se um pouco ao passarem pelo primeiro corredor onde as celas dos criminosos permaneciam trancadas. O cheiro de uma lata de lixo parecia mais agradável. Quando perceberam sua presença, começaram a gritar coisas obscenas e violentas para o estrangeiro, as frases eram proferidas rápido demais e todas se embaralhando umas as outras não permitindo que ouvisse tudo com nitidez, agradeceu mentalmente por esse detalhe. Alguns esticavam seus braços por entre os vãos das grades tentando a todo custo tocá-lo, os seguranças nada faziam somente continham o riso vez ou outra.

Conforme foram andando passaram por mais três blocos inteiros de celas, eram sempre os mesmo comentários nojentos e desumanos, foi preciso muito autocontrole para não avançar em nenhum dos presos. Zhang sabia que não adiantaria em nada bater em algum deles.

Suspirou aliviado quando finalmente se distanciaram das celas, porém, o alívio durou pouco ao se certificar qual era sua “cela especial” como o chefe dos seguranças denominava.

Um uniforme velho e fedido foi entregue em suas mãos, teve que se vestir ali naquele bloco mesmo, ficando apenas com a roupa íntima por baixo. Um dos seguranças pegou a roupa jogada no chão, indicando que a levaria consigo.

 – Entre aí e fique quietinho. – foi capaz de ouvi-los rindo ao empurrá-lo para dentro do cubículo.

 – Vocês só podem estar brincando com a minha cara.

 – Achou que teria manicure, princesa? – o homem que fechava sua cela falou em tom de deboche. – Vai ter que se acostumar com suas unhas sujas, gracinha. E agradeça pelo tratamento especial que jornalistas como você recebem.

 – Tratamento especial? – o chinês franziu o cenho. O que diabos tinha de especial em ficar naquela cela?

Sua nova “casa” era minúscula, talvez tivesse 5m². Uma única lâmpada iluminava o local e não existiam janelas ou qualquer coisa que conseguisse ter acesso ao lado de fora, exceto pela porta de ferro que provavelmente sempre estaria trancada.

Assim como tudo que vira da construção até ali, o cubículo era inteiramente da cor cinza do cimento, sem nenhuma rachadura ou falha nas paredes ou chão. Sem aparente sistema de ventilação, a temperatura do ambiente variaria de acordo com o clima fora da cela, entretanto nunca haveria meios termos: ou o extremo calor dominaria o cômodo fazendo com que tivesse que arregaçar as mangas do uniforme – muitas vezes optando por ficar nu – ou o tremendo frio o deixaria espremido no canto tentando conter as tremedeiras avassaladoras.

Logo nas primeiras semanas aprendeu a lidar com a maneira em que era tratado. Tinha o mínimo necessário para que continuasse respirando, pois nem mesmo sua saúde os guardas se importavam em preservar. Normalmente comia – quando comia – uma pequena refeição composta de pão e água ou, quando dava sorte, uma tigela de sopa com gosto que se assemelhava a vômito. Talheres eram proibidos para os prisioneiros, talvez por acharem que eles conseguiriam se suicidar com os objetos. Os alimentos eram passados por uma pequena abertura que ficava na parte debaixo da porta, suficientemente largo e alto para transpor apenas um prato. Ali era o único lugar que o permitia ver o exterior da cela, uns 30 cm de chão de cimento era tudo o que se podia enxergar.

Seu uniforme era trocado duas vezes por semana, eventualmente, três vezes, mas raramente acontecia. A “cama” era composta por um colchão finíssimo jogado no canto da cela, na outra extremidade era depositado um balde, que servia para fazer suas necessidades, o recipiente era trocado na mesma frequência que suas vestimentas. Depois de uns dias seu olfato já não captava mais o odor fétido do lugar fazendo-o imaginar que jamais abandonaria seu nariz.

Yixing tinha que admitir que os primeiros três meses vivenciados foram uma experiência nada agradável, entretanto tudo começou a piorar ainda mais quando as autoridades passaram a fazer brincadeiras que mexiam com psicológico de qualquer um.

A diversão mais comum entre eles era o hábito de “esquecerem” as luzes acessas por dias, com o objetivo de deixar o prisioneiro exausto por não conseguir descansar. Não achara aquilo tão ruim nas primeiras horas, mas após pouco mais de 24 horas consecutivas com a luz acessa sua cabeça já explodia de dor e exaustão. Vez ou outra as autoridades batiam diversas vezes na porta de metal apenas para incomodar quem jazia ali dentro, nesses momentos Yixing se encolhia em um canto da cela tapando os ouvidos, tentando de tudo para bloquear os sons irritantes vindos da entrada.

Outro método usado para deixar seus pensamentos atordoados envolvia o ato de colocar baratas e pequenos insetos dentro da cela, como se já não bastasse os que entravam por conta própria. Era nojento quando alguns tentavam a todo custo adentrar suas vestimentas, mas ainda assim isso era melhor do que quando o deixavam dias sem qualquer refeição, e então quando se cansavam, vinham com a maldita sopa e deixavam-no comer enquanto assistiam com divertimento a cena de alguém faminto tomando até a última gota do caldo horrível feito na cozinha do lugar.

Mais algum tempo passou até se dar conta de que não estava nada bem. Não conseguia raciocinar de forma coerente, passava noites em claro pensando na saudade que sentia de sua família. Imaginando como seria se sua ex-esposa ainda lhe amasse e que pudessem cuidar melhor de seu garoto. Talvez assim não estivesse enfrentando aquela situação, pois nunca teria ido para aquela parte de Berlim se não fosse pela separação.

Pegava-se divagando entre lembranças que envolviam JongDae, e quando se sentia exausto o bastante para desmaiar no mais profundo sono, sonhava com o melhor amigo. As imagens distorcidas do sangue escorrendo pela mão do mesmo depois de apertar o local onde havia sido baleado. Como não vira onde Kim fora baleado? Perguntava-se acordado ou dormindo.

Dez longos e torturantes meses se arrastaram diante de seus olhos. Ou achava que eram dez meses, não tinha total certeza. Sua mente ficava cada vez mais insana, possivelmente estava enlouquecendo. Sentia-se morrendo dia após dia, quem sabe de fato estivesse.

A sanidade parecia escapar dentre seus dedos, como quando imaginava que seu filho havia morrido durante toda aquela confusão de separação da Alemanha. Nesses momentos ele gritava e chorava em puro desespero. E se seu pequeno estivesse morto? Passando por dificuldades? Ele era o pai e deveria estar ao lado dele em quaisquer circunstâncias, então por que não podia simplesmente protegê-lo?

Quando esses pensamentos surgiam se recusava a comer qualquer alimento oferecido, não sentia fome ou sono, apenas vontade de encontrar uma saída daquele inferno. Essa situação continuava até que algum dos guardas perdesse a paciência, entrasse na cela e lhe agredisse até que perdesse a consciência. Eles não entendiam que os chutes, socos e ameaças não adiantariam de nada, pois, no outro dia, tudo voltaria ao que era antes, voltaria à estaca zero.

Ninguém poderia entender o que passava em sua cabeça naquele momento. Nem mesmo o próprio Yixing compreendia. Muitas vezes sentia vontade de implorar para que o matassem porque qualquer coisa era melhor do que estava fadado a viver ali. Era uma vida nojenta, sem propósito algum. Ele apenas estava ali por estar, sem sonhos ou esperança. Sem nenhuma perspectiva. A inutilidade era um sentimento que não o abandonava. Era como estar morto sem de fato estar.

Após um curto tempo não sabia se lá fora era dia ou noite. E preso dentro daquele lugar horrendo não tinha sequer o conhecimento de qual o período exato que permanecia ali. A última vez que tentou contar chegara à conclusão de que estava preso há dez meses, depois achou que era um ano e meio, mas a contagem não fazia sentido sem ter no que se basear.

Vez ou outra era capaz de ouvir os gritos dos outros presidiários que permaneciam nas celas solitárias ao lado da sua. Às vezes ouvia a porta de metal de alguma cela ser aberta e então os gritos paravam de soar. Provavelmente eram levados para cadeira elétrica ou apenas para qualquer lugar reservado onde atirariam contra a cabeça do homem. Afinal, não fariam isso dentro da própria cela, o sangue mancharia o chão e as paredes, depois seria preciso paciência e trabalho para limpá-los.

Yixing vivia como um animal criado para o abate. Encarcerado naquele lugar, era alimentado com o que fosse necessário para sua sobrevivência, para que não morresse fora do tempo. E, assim como um animal, observava outros ao seu redor serem brutalmente assassinados, somente esperando seu próprio abate.

Hoje era apenas mais um dos dias em que seu estômago implorava por alimento, a última coisa ingerida fora há três dias. Suas costas doíam pelo tempo em que se encontrava deitado no chão frio, o colchão estava lhe incomodando, não estava confortável nele. O odor do ambiente estava insuportável, assim como o respectivo cheiro da sua pele sobre os ossos.

Estava de costas para a porta de metal quando esta foi aberta. Os passos se aproximaram de onde se localizava, entretanto não moveu um músculo sequer para averiguar o que aconteceria a seguir.

 – Levante. – um dos homens ordenou, enquanto cutucava a região da coluna do chinês com a ponta do coturno.

Zhang ignorou o chamado, não estava com humor para brincadeiras, não depois de dias sem alimento ou água.

Seus pulsos foram envolvidos por algemas de ferro grosso enquanto os dois seguranças o levantavam a força.

 – Não estamos com tempo para gracinhas. – pronunciaram antes de arrastarem o corpo fraco do chinês para fora da cela.

Os pulsos algemados doíam pela força demasiada em que era arrastado pelos corredores extensos da prisão, tratado como se fosse um saco de lixo. Conforme era empurrado através do primeiro bloco de celas, ouvia os presos gritarem de dentro de seus próprios "dormitórios", fazendo a algazarra que sempre faziam quando viam alguém ser levado pelas autoridades do local. Sempre que isso acontecia o preso jamais voltava.

Yixing deixou de se importar com os xingamentos e a barulheira que ouvia pelo caminho que seguia. Todo seu corpo entrou em estado de pavor. O estômago, antes roncando de fome, estava completamente embrulhado como se fosse botar sua bile para fora a qualquer instante. Depois de sabe Deus quantos anos eles o executariam. Não queria morrer, mas estava ciente que a morte era melhor do que ser obrigado a viver naquele inferno.

Apesar disso, em pânico, por um instante tentou se soltar das mãos firmes e fortes que o seguravam, entretanto estava fraco demais, no primeiro chute que levou nas pernas seus joelhos foram de encontro ao chão. Outro segurança responsável pela organização do lugar foi em seu encontro e abaixou-se até que ficassem da mesma altura.

 – Cara, colabore com o meu trabalho e colaborarei com você, estamos entendidos? – o trabalhador pediu, era visivelmente mais jovem que o chinês.

Segurou um dos braços de Zhang fortemente, levantando-o para continuarem com o trajeto que precisavam percorrer. Yixing deixou-se ser levado até o caminhão grande onde foi obrigado a entrar e sentar no chão, ainda com as mãos presas.

Outros seis prisioneiros estavam no local junto do chinês, não era possível ver nada do que existia do lado de fora, pois não existiam janelas ali e a parte em que os presos estavam era isolada dos bancos da frente. Dois seguranças estavam em pé diante de todos, sequer piscavam, atentos em quaisquer movimentos dos indivíduos ali de dentro, sem contar o motorista que não conseguiam ver.

Yixing engoliu a seco pensando na possibilidade de avançar em um dos homens fardados, porém desistiu da ideia ao perceber que cairia no chão assim que levantasse, não comia há três dias e suas pernas sequer aguentariam o próprio peso. Ele morreria em qualquer hipótese, então escolheu o modo mais fácil. Ficaria quieto, esperando que a morte lhe buscasse. Já havia lutado o suficiente e agora não existia mais nada a se fazer.

Durante o trajeto ninguém ousou abrir a boca para perguntar ou falar absolutamente nada, cada um estava imerso em seus próprios pensamentos.

Vários questionamentos passaram pela cabeça do chinês quando o veículo começou a fazer paradas em alguns pontos específicos, um ou outro nome era chamado e o indivíduo era retirado do caminhão e então continuavam o caminho requerido. A única hipótese que fazia algum sentido para Zhang era que talvez estivessem fazendo isso apenas para deixar os corpos mortos dos presidiários em locais distintos e ninguém suspeitar que os próprios militares e seguranças estivessem os assassinando sem motivo aparente.

Prisioneiro por prisioneiro foram sendo deixados pelo caminho, até que sobrassem apenas três homens na parte de trás do transporte, Yixing estremeceu ao ver um dos homens armados direcionar o olhar em sua direção.

 – Levanta. – o mesmo homem que lhe encarava se aproximou do chinês, o segurou pelos braços e forçou-o a se levantar. Erguer-se de forma repentina havia deixado Zhang com uma tremenda tontura.

A porta do baú foi aberta o suficiente para que os dois passassem. Yixing sentiu seu corpo ser praticamente empurrado para fora, novamente seria arrastado para algum lugar que não desejava. Não estava pronto para morrer, ninguém aos 41 anos de idade estava pronto para uma atrocidade dessas.

O céu já se encontrava escuro, e o chinês não se lembrava da última vez em que vira estrelas. Era difícil andar sobre o chão coberto por pequenas pedras por conta das pernas molengas, estava sem qualquer estabilidade, sendo que a única coisa que o mantinha em pé era as mãos do homem que lhe apertavam os braços. Seu estômago reclamava pelo tempo em excesso que passara sem se alimentar, todo seu corpo doía e a tontura era extrema.

Conforme andavam, Yixing foi capaz de ver um grupo de pessoas paradas ao longe, porém, àquela distância sua visão permitia apenas que visse a quantidade de militares que estavam ali, havia cerca de sete deles. Apenas quando pararam em frente destes que conseguiu observar outro homem baixinho que permanecia parado com o semblante sério. O terno que vestia era feito sob medida, dando a impressão de que era alguém importante e essa informação apenas se confirmou quando forçou seus olhos para ler o crachá preso no blazer dele: Kim MinSeok, chanceler da RFA.

Aquela sigla só podia significar uma coisa. Ele era da República Federal da Alemanha, ou seja, era chanceler da Berlim Ocidental. O que diabos aquele cara queria consigo?

 – Trouxe o que pedi? – o tal Kim MinSeok indagou olhando o chinês de cima a baixo, como se analisasse algum dano em um objeto que estava prestes a comprar.

 – Sim, Sr. Kim.

 – Alguém os viu enquanto saíam com a mercadoria? – se referiu ao humano. Zhang pensou que se estivesse com sua saúde normal já teria agredido o outro pelo termo pejorativo.

 – Ninguém nos viu, senhor. Saímos de noite para evitar que isso ocorresse.

 – Sabe que se alguém os viu vou ser obrigado a tomar as medidas necessárias com você e seus soldados, não sabe?

O homem apenas assentiu com a cabeça baixa, enquanto empurrava o chinês em direção ao baixinho.

 – Vamos. – MinSeok tornou, segurando-o pela gola da blusa.

 – Vai me levar para um lugar mais reservado e então me matar? – questionou tentando se soltar das mãos do outro, mas falhando miseravelmente. Sua cabeça girava pela tontura repentina.

 – Acredite, será melhor se ficar quietinho e vir comigo.

Yixing observou os lábios do homem se movendo indicando que falava consigo sem parar, porém não foi capaz de entender uma só palavra.

O chão abaixo de si parecia ter desaparecido, a visão ficou turva, completamente embaçada. Sentiu seus joelhos ficarem fracos demais para mantê-lo em pé fazendo com que fosse de encontro ao chão. Tudo que foi possível ver foi a completa escuridão tampando seu campo de visão.

 

 

 

 

Sua consciência veio aos poucos e antes mesmo de abrir os olhos, sentiu sua cabeça doer. Com certa dificuldade abriu os olhos puxadinhos tentando a todo custo se acostumar com a luz do ambiente. Há quanto tempo não via outra luminosidade que não fosse a da lâmpada de sua cela?

Olhou para o próprio corpo, estranhando ao perceber que não estava com as vestimentas da prisão, mas sim com um avental fino. Um soro estava ligado ao seu braço direito por um caninho de plástico. O chinês desconfiou de toda aquela situação. Sabia que sua saúde mental não estava das melhores, mas será que havia enlouquecido de vez?

Estava deitado sobre uma cama com lençóis brancos, aparentemente o cômodo fazia parte de um hospital. Odor de desinfetante hospitalar queimava em suas narinas já acostumadas com o cheiro de sua cela. Mas não fazia sentido algum estar em algum tipo de clínica, afinal, eles não costumavam levar presidiários para esse tipo de lugar.

 – Fico feliz que tenha acordado. – Yixing exaltou-se pelo susto que tomara com o outro entrando de supetão no quarto – Está se sentindo melhor?

O chinês estreitou os olhos em direção a Kim MinSeok enquanto se sentava com dificuldade, apoiando-se na cabeceira da cama. O baixinho andou até a cama onde estava, carregava uma bandeja nas mãos. O cheiro da comida contida ali fazia com que o estômago de Zhang revirasse de fome.

 – Por que não me matou ainda? – indagou, olhando-o da cabeça aos pés. Não compreendia o motivo de o homem ter deixado que fosse tratado.

 – Não vou te matar, Yixing.

 – Então por que estou aqui?

 – Prefiro que coma primeiro, depois te explico tudo. – colocou a bandeja no colo do homem.

Yixing olhou o objeto colocado sobre suas pernas. Há tempos não via uma comida como aquela, o prato tinha divisórias cada uma com um alimento diferente. Schnitzel¹ era o seu predileto dali, mas também havia spätzle² e salada, juntamente com um suco num copo de alumínio no canto da bandeja. Sentir o odor gostoso dos alimentos perfumando o ambiente fez a barriga de Yixing roncar. Não comia há algum tempo e quando o fazia os alimentos eram completamente desprovidos de um gosto agradável. Será que tinha veneno na comida?

 – Eu realmente posso comer isso? – o chinês indagou ainda receoso, vendo o outro assentir com a cabeça.

Segurou os talheres de maneira inábil, não fazia ideia da última vez que usara um garfo e faca. Meio desajeitado começou a comer, não conseguindo conter o desespero em comer tudo rapidamente. Estava faminto e tinha medo de demorar e não poder finalizar a refeição. Apenas cinco minutos foram precisos para que deixasse a bandeja completamente vazia.

 – Obrigado. – agradeceu à MinSeok que lhe olhava sorrindo.

 – Vou levar a bandeja de volta para o refeitório, já conversaremos.

Zhang esperou que o outro saísse porta a fora para olhar com mais atenção o local. O quarto não era com paredes completamente brancas como era esperado de um hospital normal, mas sim com grandes azulejos meio azulados, o chão era pintado de bege, as janelas eram arredondadas com os vidros decorados com desenhos geométricos. Não havia muitas coisas dentro do cômodo, apenas duas camas, uma pequena cômoda com uma única gaveta ao lado de sua cama e utensílios médicos que não conhecia. Tudo muito limpo.

Esticou-se um pouco, sentindo todos seus músculos reclamarem. Alcançou a cômoda ao lado, abriu a gaveta encontrando uma folha com ficha médica. Ali continha todas as suas informações pessoais, mas nada disso lhe deixou espantado, afinal, o país tinha acesso a esse tipo de informação. O que o deixou intrigado foi o nome do hospital: Beelitz-Heilstätten³. Conhecia a história naquele lugar. Aquele hospital fora construído no final do século XIX e foi muito conhecido por ter tratado muitos soldados alemães que se machucaram durante a Segunda Guerra Mundial, incluindo o próprio Adolf Hitler. Estremeceu ao imaginar-se deitado na cama que anteriormente aquele homem se deitara.

Também viu a data em que foi internado, lá dizia outubro de 1974. Fez as contas de cabeça e supôs que estivesse preso há seis anos. Arregalou os olhos ao se dar conta do tempo que passara enjaulado.

 – É bom ver que não está morto. – novamente uma voz soou repentinamente dentro do quarto, assustando-o.

Yixing visualizou o homem de muleta entrar no cômodo junto de MinSeok, parecia estar habituado a usá-la. Aproximou-se da cama, sorrindo em direção ao chinês enquanto o mesmo só conseguia encará-lo com os olhos arregalados e lábios entreabertos.

Kim JongDae estava diante de sua cama, com o mesmo sorriso brincalhão de sempre. Ele tinha envelhecido desde a última vez que haviam se visto, as rugas clarinhas apareciam no canto dos olhos do coreano mostrando que estava alguns anos mais velho. Zhang se surpreendeu ao reparar três ou quatro fios brancos no cabelo escuro. Em seguida riu internamente pela própria afobação ao descobrir tal fato, afinal, é claro que o coreano os teria, já possuía trinta e nove anos, qualquer um a essa idade tinha um ou outro fio branco.

O chinês continuou observando cada detalhe do amigo que não se lembrava, sem se importar em parecer inconveniente. Entretanto nada o surpreendeu mais do que quando olhou para as pernas do outro, para ser mais preciso: para a perna do outro. A calça que utilizava era feita apropriadamente para ele, visto que somente a perna direita da peça tinha o tecido cortado um pouco abaixo do joelho, deixando claro que aquele membro havia sido decepado da coxa para baixo. Zhang agora entendera o motivo pelo qual o outro usava muletas.

 – Não se lembra de mim? – JongDae questionou visivelmente preocupado com qual seria a resposta.

 – Eu lembro. É só que... – parou de falar por um momento, respirando fundo para acalmar o coração antes de retomar o diálogo – Você foi baleado, achei que estivesse morto.

 – Vejo que têm coisas particulares a tratarem, não quero incomodar então vou esperar lá fora. – MinSeok se fez presente no recinto, enquanto se aproximava de JongDae e deixava um singelo beijo na testa do mesmo – Se precisar de alguma coisa sabe onde me encontrar, querido. – despediu-se do chinês de modo rápido com um aceno e saiu porta a fora.

O coreano se sentou na ponta do colchão da cama de hospital, apoiando as duas muletas nas próprias coxas. Respirou fundo e tentando formular uma frase que não parecesse confusa para o outro.

 – Antes de te explicar tudo o que aconteceu, tenho que te pedir desculpas. – Kim abaixou a fronte, parecia verdadeiramente envergonhado – Eu te deixei para trás aquele dia por nada mais que medo, fui covarde e um completo imbecil com você que sempre me ajudou. E desculpe por ter demorado tanto tempo para te tirar daquele lugar, Xing. Eu me arrependo muito e espero que possa me perdoar.

 – Kim JongDae, para de falar besteira. Você é meu melhor amigo, te perdoaria por qualquer coisa. – respondeu o óbvio, não ficando nem mesmo mais um minuto quieto, afinal de contas, queria entender tudo o que tinha acontecido até aquele momento – Agora me conte o que aconteceu desde o dia que sumiu.

 – Durante a minha fuga fui baleado duas vezes, mas por algum milagre ele acertou duas vezes na minha panturrilha direita. – esticou o que restara da perna, levantando o tecido até o meio da coxa. Yixing mentiria se dissesse que não sentia preocupação ao observar a perna anteriormente amputada – Consegui correr mancando até uma rua isolada longe da fronteira, estava exausto e me sentindo culpado por ter deixado você para trás, realmente achei que fosse morrer por conta da hemorragia e foi ali onde eu desmaiei. Acordei quatro dias depois nesse mesmo hospital, sem entender onde estava ou quem me resgatara, então foi quando MinSeok apareceu. Disse que havia me visto nas piores condições na rua e me trouxera para que cuidassem de mim.

 – E por que ele te salvou sem ao menos te conhecer?

 – Não interrompa minha linha de raciocínio, por favor. – pediu, revirando os olhos – Ele me explicou que trabalhava para a República Federal da Alemanha e que atualmente estava visando o trabalho de resgate e recuperação das pessoas vindas da Alemanha Oriental, apesar de que eles apenas podem trazer para a parte ocidental indivíduos como médicos, jornalistas, escritores, ou seja, somente pessoas influentes. Afinal, eles querem trazê-las aqui para que trabalhem e deem lucro para o regime capitalista e não para o comunista.

 – Eles acham que se arriscar por pessoas pobres e "normais" não vale à pena. – Yixing concluiu.

 – Infelizmente é exatamente o que pensam. – concordou com o amigo, em seguida continuou com seu discurso – MinSeok falou que imaginou que eu tinha tentado fugir e havia sido baleado e que, apesar de saber que iria se encrencar com seus superiores, ele me ajudou. Disse também que minha perna tinha sido amputada por conta dos tiros que não foram cuidados há tempo e acabaram infeccionando. Demorou um pouco até eu me acostumar com a ideia de que nunca mais poderia andar sem a ajuda de um par de muletas, mas essa fase passou rápido. – tomou fôlego antes de retomar a história – Passei dois anos inteiros acreditando que você estava morto, que nunca mais te veria, e foi nesse meio tempo que me aproximei do MinSeok, nós começamos a sair e eu contei sobre o que havia te acontecido, ele esclareceu que jornalistas não eram mortos na Alemanha Oriental, mas torturados, só os matavam em último caso. Foi quando cheguei à conclusão de que não estava morto e que eu precisava te tirar de lá. – a voz do homem se tornou embargada conforme falava, mas sequer uma lágrima deixou os olhos pequenos – Seok relatou como funcionava o processo de resgate, então descobri que a República Federal da Alemanha comprava prisioneiros influentes da Berlim Oriental de modo clandestino, sem deixar que ninguém soubesse. Tivemos a ideia de comprá-lo o mais rápido possível, mas não era nada fácil conseguir permissão do Governo para a compra e que demoraria talvez mais de sete anos. Subornamos muita gente para conseguir te tirar antes desse tempo, porém MinSeok conseguiu apenas quando disponibilizou uma quantia extremamente grande para um dos homens de Mikhail Gorbatchov, que é um dos líderes da União Soviética. Mas ainda assim demorou algum tempo até te liberarem da prisão.

 – Então por que ele me tratou igual lixo quando me viu?

 – Tinha que ser algo parecido com qualquer negociação. Min não queria que descobrissem que, neste caso em particular, havia mais que só um profissional importante envolvido, mas que há todo um lado emocional implícito. Nós combinamos tudo, caso contrário, talvez pedissem mais dinheiro.

O chinês apenas assentiu, compreendendo tudo o que lhe foi dito.

 – E eu achando que você tinha morrido enquanto estava aqui fazendo de tudo para me salvar. Obrigado. – se sentindo um ignorante por não saber de absolutamente nada daquilo, ao mesmo tempo emocionado, juntou brincando disfarçar o clima de intensa comoção estabelecido no local – Você realmente me surpreende cada vez mais, perneta.

 – Se me chamar assim de novo, eu te devolvo para a prisão.  – devolveu a brincadeira.

 – Ok, desculpe. – riu, sendo prontamente seguido pelo outro – Senti sua falta.

 – Eu também senti a sua.

Yixing se arrastou com dificuldade pelo colchão até ficar próximo de JongDae, o envolvendo em um abraço cheio de saudade. Há tempos não se sentia seguro como naquele momento em que era abraçado pelo melhor amigo.

 

 

Os meses que se estenderam dali para frente foram difíceis, afinal Yixing já não estava mais acostumado a viver em sociedade e, por conta disso, teve que procurar ajuda. Realmente não gostava da ideia de ser tratado como um antissocial, entretanto fazia aquilo por seu filho, ele o amava e sabia que se não melhorasse nunca poderia ficar com ele sem a supervisão da mãe. JongDae e Minseok haviam lhe ajudado muito durante toda a recuperação e tiveram uma paciência que provavelmente ninguém teria no lugar deles.

Sua ex-esposa não pareceu muito feliz de saber que havia voltado para a Berlim Ocidental, muito menos quando soube que Yixing estava maluco para ver o filho, porém não pôde impedir o contato entre eles, afinal de contas, eles não se viam há muitos anos e seria egoísmo seu não deixar que o garoto reencontrasse o pai. Especialmente por o pai não ter sumido por vontade própria.

O chinês teve de aprender a viver novamente, a se comunicar com as pessoas. Foi obrigado a tomar remédios para conter seus ataques de pânico repentinos durante as madrugadas, remédios para a ansiedade excessiva que adquiriu após viver seis longos anos naquele inferno de prisão, e mais remédios para a depressão que lhe atingiu em cheio ao se dar conta de que tudo que conquistou antes agora estava perdido e não tinha mais valor.

Não conseguiria voltar para a carreira jornalística por conta de seu estado psicológico, não tinha mais casa própria – obrigando-o a morar na casa de MinSeok e de JongDae que lhe receberam com os braços abertos, apesar de Yixing saber que era um tanto incômodo para MinSeok o fato de ter um amigo de seu noivo na mesma casa que o casal, afinal não havia privacidade alguma –, sua saúde teria que melhorar o mais rápido possível para não perder a chance de conviver com o filho o máximo possível, não tinha esposa e agora era visto pela sociedade como um coitadinho tirado da Berlim Oriental. Mas de forma alguma desistiria de viver, afinal de contas, havia chegado até ali mesmo depois de tantas dificuldades. Reconquistaria seu lugar no mundo e tentaria ser feliz como antes.

 

 

Os conflitos, entretanto, continuaram acontecendo na Alemanha, tendo seu final oficial somente dezesseis anos depois. O Muro de Berlim foi demolido em 1989, um ano antes do final guerra não declarada, pela própria população, quando o tenente-coronel, Harald Jaeger, declarou – sem quaisquer permissões de seus superiores – que todos poderiam ultrapassar a fronteira. Yixing acompanhou de sua casa as notícias do acontecimento e se emocionou ao presenciar a alegria das pessoas ao atravessar o muro, os reencontros de famílias há tempos separadas.

Zhang Yixing mesmo com suas crises de pânico conseguiu se reerguer, assim como o país em que morava. Construiu um laço de amor e amizade verdadeiro com o filho, agora um jovem de pouco mais de vinte anos. Deixou a carreira jornalística para trás alegando que a mesma lhe dava problemas demais, escolhendo virar um singelo escritor para assim permitir-se expor todos seus pensamentos e sentimentos através de palavras escritas em folhas e mais folhas de papel. Assim também, podia ser um pouco recluso de tempos em tempos sem que o questionassem demais em relação a sua preferência pela solidão.

Naqueles anos aprendera que o mundo era cruel e nunca deixaria de ser. Que infelizmente sempre existiriam conflitos entre todos que habitam nele. Que, às vezes, a humanidade insiste em cometer os mesmos erros, com nomes diferentes, não aprendendo as lições. A violência, o preconceito e a ignorância jamais desapareceriam por completo. Entretanto, bastava ter esperança, pois para que coisas ruins existam, coisas boas também precisam acontecer. Afinal, para haver sombra, tem que haver luz.

 


Notas Finais


Schnitzel¹: É uma comida típica na Alemanha, muito semelhante ao bife à milanesa que conhecemos aqui no Brasil.
Spätzle²: É só um macarrão normal só que produzido na Alemanha e, normalmente, são em formato de batata frita.
Beelitz-Heilstätten³: Esse hospital existiu e o Hitler realmente tratou um machucado na coxa durante a 2ª Guerra. Depois de milhares de pesquisas eu encontrei um site que fala tudinho sobre a clinica, então, se alguém quiser saber mais algumas coisa sobre o hospital: http://www.rusmea.com/2013/05/beelitz-heilstatten-hospital-abandonado.html

Cara, eu amo essa parte da história e me senti na obrigação de colocar tudo o mais realista possível, incluindo a parte de venda das pessoas hehe
Espero que ñ tenha ficado maçante demais e boa sorte pra quem está na última fase <3 Essa fase foi treta <3

Kisses *3*


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...