Estavam frente a frente uma da outra, olhos nos olhos, sorriso imóveis numa expressão de puro tesão, no rosto e o coração aos pulos. Mas Marina não perdia nunca sua confiança, mesmo quando Clara, disfarçando uma risada de alegria, se voltou de costa para ela num rodopio. Ela debruçou-se por trás a abraçando pelas costas e disse amavelmente em seu ouvido numa voz rouca devido a emoção cheia de intenções sussurrando:
- Você está magnífica Clara! Feliz aniversário! Podemos conversar?
Não respondeu. Não podia. A emoção a paralisava. A inflexão da voz de Marina não combinava com o sentido das palavras proferidas. Havia mais uma súplica ou uma reclamação incontida, mas também algo a mais que Marina não estava conseguindo disfarçar. Clara percebeu isso. Ou estaria supondo coisas a sua mente apaixonada? Clara já não estava conseguindo raciocinar direito com aquela aproximação de Marina sentindo todo seu corpo arrepiar e seu centro umedecer com o contato e com aquele perfume amadeirado que Clara tanto amava sentir nela.
Aquela mulher maravilhosa com aquele corpo e aqueles lábios pintados de vermelhos iam levá-la á loucura literalmente.
Clara voltou-se de frente e quando ia responder seu pai veio sorrindo satisfeito, adiantando-se para ela que a recolheu nos braços para cumprimentá-la.
- Parabéns minha filha! Não vai receber seu presente?
- O que eu poderia desejar, tendo um pai assim maravilhoso?
- Interesseira! Aposto que vai me desprezar quando vir o que tem neste envelope.
Clara pegou-o e abriu com os dedos trêmulos ainda. Ficou calada, olhando para o papel.
- Não poderá faltar às aulas, senão quando o carro chegar, não vai ter carteira para poder dirigir. Já comprei, mas a entrega só dentro de trinta dias. Você agora é de maior e já pode dirigir.
Clara beijou a matrícula da auto-escola e abraçou seu pai. E olhou para Marina que estava ali lhe olhando com o mesmo olhar que a pouco trocaram e esperando a oportunidade para falar-lhe. Clara voltou a ficar tensa. Imaginando a conversa que poderiam ter ali mesmo no meio de sua festa.
Nessa hora um garçom veio, empurrando um carrinho com o tradicional bolo de aniversário e suas velinhas. Todos cantaram parabéns, estouraram champanhes, mais abraços e após a cerimônia habitual o baile recomeçou com Clara dançando a valsa com seu pai.
Quando terminou de dançar Clara tentou isolar-se por alguns instantes e foi para o terraço onde não tinha ninguém. Clara então passou a olhar sobre tudo a procura dela. Viu alguns casais que namoravam pelos jardins e outros conversavam animadamente. Estava uma festa muito bonita. Do outro lado da sala lá estava ela. Conversando com seu suposto noivo e alguns alunos. Clara percebeu que Marina já tinha visto e já estava subindo para o terraço ao encontro dela. Ficou parada fitando-a fixamente com a mesma expressão que a poucos minutos a olhara quando haviam apertado naquele círculo.
Viu Marina dizer algumas palavras para o grupo que estava e começou a caminhar para o terraço em sua direção. Seu coração quase saiu pela boca, não conseguia se mover.
Marina puxou-a para mais perto sem falar nada. As duas ficaram se olhando aturdidas. Os olhos de Marina lampejavam de desejo. Clara não conseguia se mexer a emoção a paralisava. Era muito perturbador aquela aproximação. Se alguém as visse assim tão próximas o que pensariam? De repente Marina foi para atrás dela. Clara recuou quase perdendo o equilíbrio ao esbarrar numa cadeira.
-Quero apenas por em seu pescoço meu presente. É para você. Parabéns!
Clara olhou para a correntinha de ouro com um coração de diamantes. Sentiu-a muito perto. Marina passou os braços ao redor dos seus ombros e travou o fecho. Fitou-a nos olhos, passou a mão nervosa pelos seus cabelos e olhou em volta como se acordasse de um sonho e voltou ao seu normal se contendo.
- Obrigada dona Marina não precisava. – finalmente conseguiu balbuciar algo devido a tanta emoção.
- Não precisa me chamar de dona aqui. Apenas Marina, esqueça que sou sua professora. Podemos conversar agora?
Clara custou a responder ainda estava tentando colocar os pensamentos em ordem, pois com a aproximação de Marina ficou completamente molhada e sentido coisas nada propícias para onde estavam.
- Sobre o quê? Minhas notas ou sobre meu comportamento na sua aula?
Marina riu. Uma risada gostosa, calma e tranqüilizadora. Nem parecia que estava mais nervosa a segundos atrás.
- Não, claro que não!
- Então sobre o que poderíamos conversar? Minhas notas baixas?
- Aqui não é lugar para falar de colégio. Talvez seu aniversário, sobre como você está maravilhosa. Está uma festa muito bonita e seu vestido é muito lindo.
Marina estava novamente segura de si, elogiando-a educadamente como se elogiasse uma aluna qualquer por obrigação. Não gostou, sentiu ciúmes. Ela tinha o poder de provocar o ânimo de Clara, que a encarou semicerrando os olhos numa expressão desafiadora.
- Por causa de um menos escandaloso quase me proibiu de assistir sua aula. Não consigo-a entender.
- Não. Estou estabelecendo diferença de ambiente. Aqui não sou sua professora. Hoje sou apenas uma amiga da sua família e estou tentando cumprimentá-la pelo seu aniversário.
-Já me cumprimentou antes lembra? Ou vai passar a noite me dando os parabéns?
- Por que você está sendo agressiva? Não é capaz de me ver como professora cumprindo obrigações e, aqui, sou uma convidada amiga de seus pais, tentando ser simpática com você?
-É preciso ser simpática comigo Marina? – Clara sentiu um nó na garganta e seus olhos começaram a querer cair uma lágrima.
- As vezes a gente se esforça, e dependendo da pessoa a quem se dirige, de nada adianta a tentativa.
- Está insinuando que eu que sou antipática?
- Não, simplesmente que eu que não sou agradável para você. Desculpe-me Clara não vou estragar sua noite. A presença de uma professora deve ser realmente chata, lembra obrigações e estudos. Acho que foi um erro ter vindo. Sinto muito. De todo modo, desejo-lhe muitas felicidades, e que você encontre alguém que te faça muito feliz.
- Estou atrapalhando alguma coisa?
- Não Silvia, eu já estava de saída mesmo. Boa noite! - Saindo rapidamente e muito chateada.
Clara ficou sem dizer nada, vendo-a afastar-se. Perdi-a. Como se nunca a tivera? Sentiu os olhos boiando num oceano. Não podia chorar. Precisava disfarçar. Deu alguns passos para o canto escuro. E mal enxugou os olhos.
Silvia acercou-se e percebeu que ela estava triste:
- O que aconteceu? Você andou chorando? O que ela fez pra você? Vocês estava conversando com dona Marina, e agora está assim. Vocês discutiram de novo?
Clara arranjou uma desculpa. Não queria que Silvia desconfiasse de seus sentimentos em relação à Marina.
- Imagina se hoje era dia de falar em exames. Foi lembrar-me que preciso me aplicar, senão perderei o ano e que ela não faz exceções. – Mentiu descadaramente.
- Ela disse isso? É estranho, muito estranho.
- Por que Silvia?
- Profª Marina sempre vai às festas nas casa dos alunos, e quando a gente quer tocar em assuntos de colégio, ela nega, diz que é outra pessoa, e que não é mais professora, que é somente Marina. Nem de proª dona ela quer que chamem. Fala com a gente e conversa como se fosse nossa amiga. Uma vez eu fui fazer uma pergunta sobre história e ela me respondeu: Do que está falando? Eu não entendo nada de história, pergunte amanhã para sua professora.
- Talvez ela não goste mesmo de mim e quis estragar minha noite.
- É estranho. Parece que você está falando de outra pessoa. Você gosta dela né?
- Você deve está ficando maluca Sil, já bebeu?
- Ainda não. Mas cuidado dona Marina não se apega a ninguém. Tem a Van e dona Shirley correndo atrás dela e ela nunca para com mulher nenhuma.
- Quem sabe está procurando sua alma gêmea e por isso age assim?
- Pode ser mais dizem que ela teve um amor não correspondido e por isso não quer mais se apegar a ninguém. Esqueça a dona Marina ou vai sofrer Clara fique com gosta de você. - e foi se aproximando tentando a abraçá-la.
Silvia ofegante e febril, inclinou a cabeça tentando beijá-la na boca com um certo desespero. Clara a empurrou com as mãos.
- Silvia aqui não. Respeita a casa da minha avó e a minha família. Vamos descer, por favor, isto é um absurdo, uma loucura.
Clara atravessou o terraço e Silvia correu atrás dela. Abriu a porta, Silvia a puxou novamente pelos braços. Clara estava muito nervosa e quase gritou, choramingando:
- Chega Silvia, por favor, vamos descer daqui. Eu amo outra! Não podemos ter mais nada, isso foi um erro!
O modo como ela falou deixou Silvia com medo de que Clara ficasse com raiva.
- Está bem, mas você não está zangada comigo está?
Clara não respondeu. Saiu do terraço e foi para o salão onde muitos casais ainda dançavam. Clara estava indiferente, mas na verdade estava preocupada com o que quase fizera, e se fosse com Marina? Talvez estivesse mais feliz e não aborrecida como ficara. Silvia perguntou quando se aproximou mais dela:
- Jura que não está zangada comigo?
- Silvia por favor não quero que toque mais nesse assunto. Você sabe que eu gosto de outra. É melhor você encontrar outra pessoa que goste de você!
- É dela não é?
Clara não respondeu, mas também não negou. Quem cala consente! Dona Chica foi em sua direção com o semblante preocupada e perguntou:
- Clara onde você estava? O que aconteceu? Marina foi embora e não se despediu de ninguém. Achei muito estranho essa atitude, ela não é de fazer isso. Você não destratou ela né?
- Claro que não mãe. Acho que ela estava com dor de cabeça, ou seu noivo queria ir embora cedo para ficarem à sós.
Riu disfarçadamente e, como se nada de mal tivesse acontecido e foi em direção ao bar.
- Hoje eu quero encher a cara! Vamos beber meninas! - chamou as amigas que haviam chegado por perto.
Não poderia haver melhor desculpa. Mesmo assim, a mãe seguiu a filha com olhar preocupada e pensou consigo mesma. - Alguma coisa de errado está acontecendo com minha filha. É coração de mãe não se engana.
Como era horrível sonhar! Como fazia mal imaginar coisas pensar e não poder realizar. Quem ela quer não a queria e quem a quer ela não quer! Essa vida era muito cruel. Amores não correspondidos. Clara esgazeou os olhos amortecidos devido as inúmeras doses de tequilas e recobrou a noção de onde estava.
Parou de dançar, considerando que já não era mais necessário escapar de dona Chica com seu olhar de preocupação, tentava aproximar-se e agora estava rindo muito satisfeita num grupo de amigas. Cadu seguiu-a, Clara voltou-se de súbito para ele e falou, com voz de desânimo e cansada:
- Ouça Cadu, não dá mesmo sabe, eu gosto de outro. E estou numa tremenda fossa, muito na fossa por que ele não veio. Olha vá procurar a Verônica, que gosta de você, me deixa tá? Eu não sirvo pra você, amo outro mesmo.
Cadu ficou olhando para ela com uma expressão estranha. Clara deu um suspiro e explicou, tentando desfazer uma má impressão:
- Olha tudo que eu quero é que sejamos amigos viu? Não fique magoado comigo, eu gosto mesmo de outro.
Cadu abaixou a cabeça para disfarçar a ira num roupante com os olhos cheios de raiva e disse chateado:
- Você me apresentou para todo mundo como seu namorado e agora vem com esse papo?
- Desculpe-me por isso. Pode até ter parecido que te usei mas não foi. Eu gosto de você, mas como um amigo e nada mais. Desculpe mais uma vez!
Silvia aproximou-se acompanhada de Verônica:
- Cadu vamos dançar? Pedi pra tocar a nossa música lembra?
Cadu olhou para Clara e Silvia e sorriu maliciosamente e disse:
- Já entendi tudo!
Os dois se afastaram e Clara olhou para Silvia desconfiada:
- O que você disse para Verônica?
- Coitadinha estava chorando num canto cheia de ciúmes de você com Cadu. Eu assegurei para ela que você não gosta de Cadu, gosta de outro.
- Você disse isso mesmo?
- Claro, o que acha que sou?
Nesse meio tempo Flavinha avistou-as e aproximou-se. Clara não prestava atenção ao que ela dizia. Com indisfarçável ansiedade, procurava notícias de alguém que tinha ido embora. Como que lesse seu pensamento sussurrou baixinho:
- Eles foram embora sem se despedir de ninguém.
- Eles quem?
- Dona Marina e o noivo. Ela estava tão esquisita. Achei meio estranho, porque ela sempre foi tão alegre nas festas e essa noite foi logo embora assim que cortaram o bolo.
Clara ficou curiosa em saber porque Marina foi embora tão cedo apenas por que elas discutiram de novo por uma bobeira dela que não conseguia conter seus ciúmes.
Clara viu Verônica dançando com Cadu que desviou o olhar quando percebeu que Clara os estava observando. Clara olhou para Silvia. Não restava dúvida de que Cadu ficou magoado e ainda estava com muita raiva dela.
Mas o que ela poderia fazer? Se ela estava completamente de quatro pela bela e misteriosa professora que a tirava dos eixos. Teria que mudar seu jogo de conquista ou a perderia para Van ou para a antipática Shirley.
Essa semana seria de decisões! Segunda teriam aula de história, e ela teria que mudar completamente a história de sua vida!
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