- Vejamos até onde sua sorte vai, então!
Oh Bonhwa 🐞 Point Of View
Eu soube que meu primeiro dia de aula seria marcante quando acordei com o despertador tocando às 7h30 da manhã, aproximadamente uma hora depois do que deveria.
Percebi que seria ainda mais quando, ao levantar às pressas, lembrei que havia dormido com o cabelo molhado e que agora tem um emaranhado de fios digno do ninho de um pássaro gigante no topo da minha cabeça.
Tudo apenas melhorou quando cheguei na cozinha e o café já havia sido retirado. E, ainda por cima, levei um esporro quando reclamei disso.
"Ninguém manda dormir que nem uma pedra, te chamamos seis vezes e..."
Depois disso não ouvi mais nada, pois minha mãe gritou um "tchau, tchau" lá da entrada, e tive que sair desesperada para impedir ela de partir. Perder a carona seria muito mais do que a cereja do bolo, seria a cobertura completa!
Ela esperou enquanto eu tomava banho na água fria (obviamente meu chuveiro também teve que se unir a cacofonia da desgraça e se recusar a esquentar) e me vestia. Coloquei uma maçã na boca e sai derrubando tudo, inclusive minha autoestima, enquanto equilibrava a mochila e o casaco nas mãos.
Agora, destro do carro parado no engarrafamento (é claro que teve um engarrafamento), coloco gloss de pêssego nos lábios, tentando parecer um pouco mais saudável, pelo menos. Enquanto isso, minha mãe grita a plenos pulmões com o sistema do carro, de onde sai a voz de um dos operários.
- Como assim os canos são maiores que as paredes?!
Ah, sim... Deu tudo errado na obra hoje também.
Eu devia me sentir mal com isso, mas não consigo. Pelo menos serve como indica tico de que o dia tá ruim para todo mundo e o universo não se voltou exclusivamente contra mim hoje.
Aos poucos os carros vão andando, e consigo me acalmar bem mais ao perceber que, de uma forma ou de outra, já perdi a primeira aula. A senhorita Jeonghwa, no entanto, continua surtada bem ao meu lado.
- Não, querido, eu tenho certeza que não pedi canos de seis metros de largura para paredes de setenta.
- Setenta metros? - Ele tem coragem de perguntar.
- Setenta centímetros, amado. - Ela aperta os dedos no volante, e toda a sua expressão está contorcida. - Estou construindo uma casa, não a Muralha da China.
Uma risadinha me escapa, mas logo é recolhida quando os olhos bastante expressivos dela caem em mim. Me concentro na tarefa de rir discretamente enquanto escovo meu cabelo, quase chorando com os puxões na nuca.
Escovar o cabelo seco nunca é bom.
Não tenho como fazer nada melhor do que isso, então aceito meu destino: um pouco de rímel, gloss cheiroso, roupas casuais e cabelo no estilo "fui eletrocutada e olha no que deu".
Para ajudar, minha mãe agita meus cabelos quando espera eu descer. Então, com uma juba descontrolada e mal humor, sigo em direção a meu primeiro dia de aula (atrasado).
Assim que atravesso o portão, fico totalmente arrepiada.
Se esse lugar conseguiu ser incrível quando estava vazio, agora, preenchido pela voz de centenas de estudantes, é simplesmente espetacular.
Fico furiosa ao perceber que, além de mais ninguém estar descabelado, ninguém usa roupas como as minhas. Nenhuma nas garotas aqui usa calça jeans e moletom. A maioria desfila longas pernas em vestidos, saias, calças sociais ou jeans tão trabalhados que parecem estar gritando marca de grife.
Medicina é o curso mais caro, mas não havia passado pela minha cabeça que isso significaria estudantes mais ricos. Droga de raciocínio lento.
Abaixo a cabeça e sigo correndo em direção ao prédio no qual tenho a segunda aula (que vai ser a minha primeira), para qual também vou chegar atrasada.
O auditório é sensacional, e graças a deus a entrada fica no topo da sala estilo "arquibancada". Assim, nenhum dos estudantes sentados abaixo me vê entrar. O professor nem mesmo me dirige mais que um segundo de atenção ao seguir andando por ali, ministrando sua aula.
Sento na primeira fileira que vejo e cruzo os braços, tentando entender o que está acontecendo.
🐞
- Não entendi nada.
Me apoio no batente da sacada do prédio em que acabo de ter a última aula da manhã, equilibrando o celular no ouvido. Do outro lado, minha mãe dá risada.
- Você deve ter entendido alguma coisa.
- Bom... Aprendi que não importa quanta grana você tenha, sempre existe alguém mais rico do que você.
- Ah, é? - Ela se diverte. - Faz sentido, já que a gente não tem grana nenhuma.
- É. - Troco o peso de perna, mordendo o lábio inferior. Ela pede se realmente não entendi, e dou risada. - Entendi as últimas duas, né. A primeira eu perdi e a segunda peguei pela metade.
- Tal mãe, tal filha. - Estala a língua, reprovando. - Você podia ter herdado só meus olhos, sabe... não meu jeito atrapalhado.
- Mas aí qual seria meu charme? - Pergunto, vincando as sobrancelhas.
- Os olhos iguais aos meus, obviamente.
Dou risada, balançando a cabeça. Mamãe explica que os canos estão sendo trocados, mas que isso vai levar pelo menos três dias. Ou seja, nossa mudança foi adiada outra vez.
Eu falo sobre a habilidade incrível que Gaon, professora de Anatomia Humana, tem de fazer uma aula de uma hora passar como minutos.
Quando estou na metade do relato, ela engasga.
- Ei! - Interrompe, e eu murmuro um "hm" assustado, esperando que prossiga. - Você não tinha que estar almoçando?
- Eu não. - Resmungo. - Aquele refeitório com gente rica até o topo? Nem que me paguem...
- Ah, mas trate de lidar com isso. - Repreende. - Vai ficar o dia todo aí sem comer nada?
- Eu tenho bala de café na bolsa...
- Pro refeitório. Agora.
Antes que possa reclamar, ela desliga, me deixando sozinha. Bato o pé no chão, xingando baixinho. - Maluca.
Viro para a porta da sacada, que dá para o corredor, e a abro meio desanimada. Nunca fui realmente fã dessas situações de aglomeração e, quando são com pessoas que naturalmente acreditam ser melhores do que as outras, isso só piora.
- Ei, cuidado!
Levanto o rosto em direção a voz, arregalando os olhos quando paro de me mover à um centímetro de uma pilha de potes cheios de comida.
- Você não olha por onde anda, garçonete?
É só o que me falta mesmo.
- Jimin... - Cumprimento com certo receio, levantando os olhos para seu rosto.
Olhos preguiçosos, expressão suave, sorriso doce. Perco o ar quando percebo que nunca vi Jimin tão natural assim antes, sem maquiagem ou penteado perfeito, e meu lábio treme quando, além disso, percebo também que ele nunca esteve tão bonito.
Ele não está usando as roupas caras de sempre, mas continua elegante com uma calça jeans bonita e camiseta branca. Talvez seja a postura dele. Jimin poderia usar um saco de batatas e ainda sim andar como um top model.
- Hm... - Ele pressiona os lábios, inclinando a cabeça em direção a sacada atrás de mim. - Você pode me deixar passar? Isso tá meio pesado.
- Ah, claro.
Dou espaço, abrindo mais a porta. Ele curva a cabeça em um agradecimento silencioso e passa por mim, cheirando tão, tão bem.
Coloca a pilha no chão e tira a pesada bolsa que carrega, apoiando alí também. Se levanta e, depois de agitar as mãos, sorri para mim.
Que sorriso...
- Ok, agora posso te dar oi. - Abre os braços e inclina a cabeça, os fios negros caindo sobre seus olhos que brilham ao sol do meio dia. - Oi, Bonhwa.
Por um segundo penso que, se eu fosse uma máquina, Jimin conseguiria me desconfigurar inteirinha com apenas esse oi preguiçoso e suave. Ele tem essa voz tão doce...
Mas, quando avanço um passo, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha e sorrindo nervosa, lembro do porquê de não querer encontrar ele hoje. Estaco no lugar, encarando seu olhar que se torna confuso.
- Você não me ligou, Jimin.
Eu não devia ter trazido isso a tona como se fosse uma cobrança, já que não tenho direito nenhum de fazer isso, mas agora já fiz.
- O que você disse? - Vinca as sobrancelhas, parecendo realmente não ter entendido.
- Você disse que me ligaria para saber se eu passei na universidade, mas não ligou.
Seus braços caem na lateral do corpo, e ele pisca algumas vezes, devagar.
- Não, não liguei. - Conclui, dando de ombros.
- Pois é. - Concordo, apertando as mangas do casaco entre os dedos. Ele confirma, pensativo.
Enquanto atento em suas expressões, posso jurar que vejo um leve brilho de satisfação cruzar seu olhar curioso.
- Então você ficou esperando eu ligar?
Meus lábios se separam e minhas mãos largam as mangas. Sinto como se tivesse sido pega fazendo algo terrível, mas ao invés de sentir vergonha, fico indignada.
- Apenas para falar que fui aprovada.
Ele levanta uma sobrancelha.
- Apenas para isso?
- Sim.
- Então você ia atender, falar "passei" e desligar na minha cara? - Meus olhos se abrem mais e minhas bochechas começam a formigar.
- Sim...?
- Você não ia me falar um bom dia, ou quem sabe alô, ou...
- Não, Jimin. Não ia te falar nada, ok? - Cruzo os braços, rangendo os dentes enquanto tento espantar o rubor. - Podemos falar de outra coisa?
Dessa vez, ele não esconde a completa satisfação que cobre seus olhos quando sorri abertamente e também cruza os braços, parecendo orgulhoso.
- Você queria falar comigo.
Aperto os olhos, encarando-o pelo feixe de visão livre. - Você é que está dizendo isso.
- Você é que me cobrou a ligação.
Arfo. - Não cobrei não. Só comentei.
- Hm... - Ele estreita o olhar, analisando minha expressão. Por fim, apenas descruza os braços e dá de ombros. - Se você diz, garçonete, então deve ser verdade.
- Claro que é.
- Eu sei.
- Não tenho porque mentir.
Ele ri. - Eu sei.
Concordo com a cabeça, assistindo enquanto ele se senta ao lado da comida, cruzando as pernas e abrindo os potes. Enquanto separa os hachis descartáveis, pergunta:
- O que você faz aqui, mesmo?
- Estudo? - Respondo. Ele ri, balançando a cabeça.
- Quis dizer aqui. - Aponta para baixo, e leva os palitos ao montinho de arroz. - Na sacada.
- Ah. - Pisco algumas vezes, desviando o olhos de sua expressão bonita enquanto mastiga, fazendo um biquinho adorável. - Estava no telefone.
- Hm... - Resmunga, engolindo em seguida. - E não vai almoçar?
- Vou. - Respondo simplesmente. Ele abre uma latinha de suco e seu abdômen treme de leve com a risadinha que ele contém enquanto bebe.
- E então...
Ah.
Me balanço de leve, concordando com a cabeça.
- Bem, eu... - Ajeito a alça da bolsa e penso em sair, mas não me movo. - O que você faz aqui?
- Almoço?
Viro os olhos.
- Tá, mas porquê aqui?
Ele dá de ombros, levando uma tira do que parece ser tteokbokki (rolindo de arroz com molho) aos lábios.
- Eu não me sinto confortável no meio de toda aquela gente, sabe?
Balanço a cabeça. - Consigo entender.
- Eu até comia lá ano passado, mas é meio difícil fazer digestão com todos aqueles olhos em você.
Dou risada. - Eu duvido que todo mundo fique olhando para você comer, Ji.
- Humpf. - Ele bufa baixinho. - Isso é porque você nunca me viu lá.
- Por que ficariam te encarando?
Ele nega.
- Vai almoçar, Bon. - Indica a saída. - Vai acabar perdendo a hora.
- Ah, não. De novo não. - Viro para sair rápido para sair, mas ele chama de novo. Levanto as sobrancelhas, indicando que fale rápido.
- Que aulas você tem hoje, mesmo?
Franzo o cenho e coloco a mão no bolso do moletom, onde carrego a folha da grade horária para consulta mais rápida, e a estendo para ele. Antes de pegar, esfrega as palmas nas calças, franzindo o cenho enquanto se concentra.
- Hm... - Pressiona os lábios e tira o cabelo do rosto, estendendo para mim. - Tínhamos o primeiro período juntos hoje, mas voce não estava lá...
- Então... - Me encolho de leve. - Eu perdi a aula porque acordei atrasada. - Recolho o papel, sorrindo sem graça. Ele separa os lábios, estreitando os olhos para mim.
- No primeiro dia de aula, Oh Bonhwa? - Balança a cabeça, apoiando as mãos no quadril magro. - Que vergonha.
- Ei! Não fiz de propósito! - Coloco no bolso outra vez, desviando o olhar. Ele ri.
- Eu sei, relaxa. - Pressiono os lábios, ainda levemente envergonhada. Ele intervém. - Posso te mandar foto das minhas anotações, se quiser.
Levanto a sobrancelha.
- Agora você vai usar meu número, hm?
Ele levanta um ombro, mostrando a palma da mão.
- Eu poderia te ligar, mas agora já sei que você foi aprovada, então...
- Ah, vai se ferrar. - Viro os olhos, indo em direção a porta.
- Ei. - Ele chama. Bufo, girando outra vez.
- O que foi agora?
- Amanhã temos o primeiro período juntos outra vez. - Sorri doce, e posso jurar que suas bochechas estão levemente coradas quando ele balança a cabeça. - Se quiser, pode me procurar e ficar comigo ao invés de sentar sozinha...
Separo os lábios e ele abre mais os olhos, balançando a cabeça.
- Só se você quiser, é claro. - Dá de ombros. - Você pode preferir sentar sozinha e então...
- Obrigada, Ji. - Sorrio, finalmente abrindo a porta, olhando para ele. - Se eu não perder a hora, vou te procurar, sim.
Ele sorri travesso, embora ainda pareça coradinho.
- Vou te ligar cedo, então. - Levanto a sobrancelha e ele levanta as duas mãos, rendido. - Apenas para te acordar, é claro...
Sorrio, genuinamente feliz ao concordar e seguir meu caminho.
- É claro.
🐞
Mesmo que tenha me enrolado muito na conversa com Jimin, assim como esperado, o lugar ainda está cheio. Estudantes andam de um lado para o outro, alguns saindo e outros entrando, a maioria sentado pelas pequenas mesas.
Eu até poderia criar coragem e procurar por uma vazia, mas seria muito mais trabalhoso do que o que decido fazer no lugar. Sigo para as máquinas de bebidas ao fundo e compro uma pequena garrafa de refrigerante. Depois, vou para os servidores e pego um copo de viagem. Despejo o conteúdo dentro do isopor e me afasto, decidida a beber aquilo agora e comer algo mais tarde, quando tenho quase uma hora de diferença entre as aulas.
Coloco a tampa enquanto dou uma risadinha, pensando que se minha mãe me pega fazendo isso, me dá uma surra na frente de toda essa galera sem dó nem pena.
Quase como se tivesse sido invocada pelo pensamento, sinto o celular vibrar no bolso traseiro e não preciso nem olhar para saber que é ela tentando descobrir se já almocei.
Viro os olhos, equilibrando o copo cheio enquanto pego o aparelho, digitando de forma atrapalhada que sim, já comi.
Uma mentirinha leve não mata ninguém, certo?
Antes de guardar o celular, no entanto, consigo ver a hora no canto da tela e meu olhos se arregalam tanto que dói.
Minha aula começa em dois minutos.
Em dois minutos. No outro prédio.
- Inferno!
Praguejo alto e acelero os passos, concentrada em não derrubar o copo enquanto guardo o celular, que parece estar preso em alguma coisa e não entra de jeito nenhum na porcaria do bolso apertado. Sinceramente, parce até piada a forma como nada na minha vida é simples.
Finalmente consigo enfiar o celular ali e estou prestes a levantar o rosto com força, pronta para correr pelo corredor vazio, quando bato com força contra alguma coisa.
Contra alguém.
A pessoas atingida se desequilibra e estende os braços, se segurando em mim. Com isso, meu corpo se choca contra o dela de novo e, para o desespero de todos, o copo se estilhaça entre nossos corpos, enxarcando sua camiseta e calça e chão no processo.
- Puta que...
- Mas que droga!
Congelo no lugar, olhando para a outra vítima, completamente assustada ao ver que aquele sapato na poça de refrigerante de laranja só pode ser um Armani.
Um Armani original.
Aí meu senhorzinho...
- Você é louca, garota?!
E para ajudar, é um cara. Um cara alto e muito mal humorado com seu Armani banhando em soda e camisa social arrasada.
Finalmente, decido encará-lo, e tenho vontade de sair gritando e pular da janela no outro lado do corredor ao reconhecer o rosto bonito.
Olhos pequenos e muito escuros em contraste com o cabelo muito claro e a pele leitosa.
É ele, é claro que é ele.
Min Yoongi.
Em carne, osso e roupas muito caras.
- Você não tem nada na cabeça, caralho? - Aponta para o próprio corpo, os olhos arregalados e maxilar tremendo. Nada parecido com a expressão neutra que ele exibia na televisão a algumas semanas. - Puta que pariu...
- Ei!
Quando percebo, já gritei, batendo o pé com raiva e fazendo ainda mais bebida espirrar na calça dele, que parece pegar fogo com a cena.
- Quem você pensa que é para falar assim comigo, porra? - Ele trava o maxilar, mas eu não me seguro e continuo falando alto. - Você acha que eu paguei quase cinco dólares nessa merda só para estragar seu casaquinho? Vai para p... Ei!
O maxilar dele treme e ele bufa alto, agarrando meu braço em seguida. Dou um pulo quando ele me puxa com tudo para dentro de uma porta na lateral, e não demora para eu perceber onde estou.
O banheiro. E a julgar pelas cores escuras, um banheiro masculino.
- Mas que...
Engolo a confusão quando, sem mais nem menos, ele tranca a porta e começa a desabotoar a camisa social.
Minha nossa senhora.
Um maluco. Eu virei refrigerante em um cara completamente biruta!
Abro a boca com força, e o pedaço de isopor que ainda estava na minha mão é esmagado quando me preparo para gritar o mais alto possível.
O refeitório é logo ali, alguém vai ter que me escutar.
No entanto, mais uma vez, acabo prendendo o grito na garganta quando, na atitude mais inesperada possível, ele me estende a camisa suja. Não bastante, ainda fecha a expressão, sério e racional ao dizer, sem nem tremer:
- Lava.
Meu queixo vai ao chão.
- Como é?
- Lava. - Ele fala lentamente, deixando cada sílaba marcada. - Você não sabe o que é isso?
- Você é doido, não é?
- Você jogou uma porcaria cheia de corante em uma camisa mais cara que o carro do ano e tá pedindo se eu sou doido?
Bem, quando ele fala assim...
- Você me jogou dentro de um banheiro e começou a tirar a roupa! - Ele arregala os olhos e eu bato o pé, tentando descontar a raiva. - E eu não te joguei refri, foi um acidente.
O lábio dele treme e ele amassa a peça na mão com força, abaixando ela do lado do corpo para apontar com o outro dedo pra mim.
- E eu também não te joguei aqui, eu só te puxei rápido pra ninguém ver!
- Isso não torna a situação muito melhor, sabia?
Ele vira os olhos.
- Só lava essa merda e cala a boca.
- Não me manda calar a boca!
- Lava a camisa!
- Eu não vou lavar essa porcaria. - Cruzo os braços, trocando o peso de perna. Essa é, sem dúvida, a maior insanidade que já me aconteceu. - Já disse que não foi de propósito.
- Isso não é uma porcaria, é uma roupa caríssima!
- Problema é seu que vem para aula vestindo isso, ué. - Dou de ombros, tremendo com o nervosismo e a indignação. - Eu não tenho nada a ver com isso.
- O copo era seu!
- Foi um acidente!
- O copo ainda era seu!
- Argh! - Bufo irritada, e o som sai quase como um rosnado. - Lava você, inferno. Não tem mãos, não?
- Eu não sei como lavar isso!
- Isso também não é problema meu, ou é? - Pego o copo aos pedaços em meus pés com raiva, andando irritada até ele. - Sai da frente antes que eu comece a gritar.
Ele pragueja baixinho, mas sai. Não presto atenção em mais nada, apenas estendo a mãos e destranco a porta, pensando na probabilidade de isso acontecer com qualquer outra pessoas que não eu. Qual é!
Quer dizer, eu realmente tenho parcela de culpa. E não teria problema em ajudar, se ele tivesse pedido ajuda, o que não fez.
- Você pode pelo menos me dizer se isso vai estragar a minha roupa?
Congelo, a porta aberta em uma mão e o copo amassado na outra.
- O que? - Viro, me sentindo mais calma agora que a porta está aberta diante de mim, exibindo a bela poça laranja no meio de corredor.
Ele troca o peso de perna, a camisa agora apoiada na pia e os dedos compridos apertando os bolsos.
- Eu perguntei se você sabe me dizer se...
- Eu ouvi a sua pergunta, cara. - Balanço a cabeça. - Eu só não entendi porque a mudança de atitude.
A boca dele treme e as mãos afundam no bolso. Seus olhos não encontram os meus.
- Esquece, pode deixar.
Dou de ombros e viro novamente para a saída, mas travo quando ouço um suspiro ecoar pelo espaço. Um suspiro derrotado.
Franzo o cenho, ainda de costas para ele. Agora ele parece muito mais assustado do que mandão, e preocupado com algo além do que o preço das roupas.
- Não vai estragar se você dissolver na água o sabão antes de esfregar. - Respondo, apertando os olhos com força, já levemente arrependida. - Depois, não coloca muito perto do secador automático, e tenta não passar muito tempo no sol com ela.
- Você tem certeza?
Outra vez, viro para ele. Meu coração se parte ao perceber que seus olhos estão brilhando, esperançosos.
Tão confuso...
- Tenho sim, porque?
Ele apenas fecha o ralo de uma pia e passa a enche-la de água. - Porque minha mãe me mata se algo acontecer com a roupa.
A risada escapa da minha garganta antes que eu possa pensar sobre isso. Rio alto, e minha barriga chega a tremer com isso.
- Fala sério... Você tá com medo da mamãe?
Ainda estou rindo quando ele olha para mim, apertando os lábios com força. Ele junta os ombros e seus olhos parecem aguados.
Puta que me pariu, mesmo...
A quinze minutos, estava rosnando para mim. Agora, se encolhe todo ao ter a mãe citada na conversa.
Meu queixo cai e a risada fica presa em mim. Minha mão que segurava a porta escorrega conforme ele enche a mão de sabão e passa a misturar na água da pia.
Ele não estava gritando porque estava com raiva de estragar a roupa. Ele estava gritando porque estava com medo de sua mãe, e com raiva de mim por dar a ele um motivo para sentir isso.
Eu não sou nenhuma idiota. Consigo entender que nem todo mundo teve sorte com a mãe como eu tenho. Muitas pessoas realmente temem alguns membros da família.
Suspiro quando minha mão escorrega e tranco a porta outra vez. Ele levanta o olhar assutado para mim e eu tiro a bolsa pesada no ombro, apoiando na bancada da pia. Sinto vontade de chorar ao perceber que ele está tremendo.
- Cuida da porta. - Ordeno, indicando a mesma com o rosto. - Deixa que eu faço isso para você.
Ele parece chocado, mas não pergunta nada. Se apoia na madeira, atento a todos os meus movimentos. Lavo a blusa em silêncio, e dou graças a deus pelo refrigerante ainda não ter secado na peça. A maioria do pigmento se solta na água, então tiro a camiseta e encho a pia novamente.
Passo mais uma água limpa na peça, tanta do agora tirar o sabão. Torço a camiseta com cuidado, parte por parte. Yoongi não diz uma palavra durante todo o processo.
Abro a peça e estendo para ele.
- Seca balançando. - Indico. Ele ascende e pega, ainda com os olhos brilhando e as mãos menos trêmulas. - Vai demorar pelo menos uma hora, nessa coisinha aí.
- Eu não tenho aula agora...
Confirmo. - Eu tenho.
- Ok...
Ele não diz mais nada, então apenas estendo a mãos e pego minha bolsa, o copo amassado já no lixo. Antes de sair, dou uma última olhada sobre os ombros.
Ele segura a camisa pelos ombros da peça, e um sorriso verdadeiramente aliviado brilha em seus lábios quando ele olha para a o tecido branquinho outra vez (na medida do possível).
Fecho a porta e passo pelo corredor, que já foi limpo a essa altura. Agarro a alça da bolsa e tento conter a vontade de voltar lá e abraçar ele.
Não consigo imaginar que tipo de monstro ele tem em casa se foi capaz de gritar com uma desconhecida desse jeito apenas por medo da reação da mãe.
"Vejamos até onde sua sorte vai, então..."
É, vovó. Minha sorte nem sempre vai longe, mas é, com certeza, bem melhor do que a de alguns.
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