Algumas horas se passaram desde que atravessaram o portão de embarque e subiram no avião. Lauren foi acomodada confortavelmente na ala mais ampla, a maca aguentou bem a decolagem. Haviam deixado para trás muitas coisas, haviam deixado naquele país muito mais que só um show não realizado ou trazido consigo um trauma bastante definido. Mas haviam deixado naquele país, um pouco de suas almas. Lauren chorou baixinho, nem mesmo Camila notara. Seu coração acelerava, sua respiração falhava.
Camila estava a sua frente, com os olhos fechados e uma expressão igualmente distante. Muitas pessoas possivelmente morreram naquelas terras. Pessoas inocentes que não imaginavam que uma atrocidade como aquelas pudesse acontecer em uma cidade tão bela. Não notou que as horas se passavam a cada palavra que travava em sua mente. Logo estavam pousando no aeroporto internacional de Miami.
Antes mesmo da aeronave parar de vez, Gabriel surgiu.
- Conversamos com a torre e há uma equipe de policiais e uma ambulância nos esperando do lado de fora desta aeronave - ele disse formalmente - Gostaria de dizer o quanto estou lisonjeado de ter participado minimamente dessa missão e o prazer que tenho em conhecê-las.
Lauren sorriu na maca e acenou com o dedão para o rapaz. Camila aproximou-se do policial e abraçou-o carinhosamente, apertando-o com força.
- Obrigada por tudo, Gabriel.
- Eu que agradeço, garota. Eu ficarei por aqui, iremos abastecer e voltarei ao Brasil. Meninas - chamou a atenção de Sarah e Ellen - Qualquer coisa basta me ligar que venho o mais depressa.
- De jato - riu Ellen.
- De jato e tudo - repetiu ele - Mandem notícias.
A aeronave parou de vez, as luzes azuis e vermelhas brilhavam por todo o interior. Camila levou o rosto lentamente até a janela do avião e avistou quatro carros de polícia no local, assim como duas ambulâncias. Mais a frente, o vidro que dava acesso ao aeroporto, infestado de pessoas. Provavelmente sabiam ou talvez eram curiosos a respeito dos veículos da polícia e ambulância na pista do aeroporto. Algo que com certeza não era costumeiro.
A porta foi aberta e o doutor Grandvick se aproximou para prepará-la. Dois policiais entraram na aeronave e olharam em volta.
- Senhorita Jauregui e senhorita Cabello - disse o homem encantado - Estamos aqui para assegurar a chegada ao hospital.
- Obrigada - Camila disse sorrindo e olhando para Lauren que tinha um olhar distante.
O maior terror de suas vidas havia então chegado ao fim. Os dias que se passaram sem cessar, que não comeram direito, que não dormiam com o pavor de alguém chegar e pegá-las. O som da natureza tão selvagem nos arredores. O céu estrelado que parecia gritar sobre suas cabeças. Os pássaros que inertes ao que ocorria abaixo deles, cantavam alegrementes em um sinal de boas vindas ao sol. De repente estavam percorrendo o corredor do avião em direção a saída dele. A maca foi arrastada cuidadosamente, quatro homens foram necessários para tirá-la das curtas portas do jato e enfim tocar o chão de asfalto negro que cobria o caminho até a ambulância.
Ellen e Sarah vinham logo atrás, acenando em despedida a Gabriel e ao piloto que sorria orgulhoso de seu feito heróico. As portas do veículo foram abertas e Ellen aproximou-se de Camila, impedindo-a de entrar. Sarah postou-se ao seu lado com um sorriso maternal.
- Deixe que Ellen acompanhará Lauren no veículo, Camila.
- Mas…
- Só poderá um acompanhante - o enfermeiro informou entrando com Lauren.
- Precisamos estar ao lado de vocês a todo instante e não podemos arriscar perdê-las, entende?
Camila confirmou com um movimento suave, mandou um beijo no ar para a amada, que sorriu em resposta. As portas se fecharam e Camila foi levada até um dos veículos da polícia. Dois carros fariam a escolta até o hospital Grandvick. O médico passava algumas informações para o enfermeira, e logo entrava em um outro carro. Olhou para trás, para a pequena aeronave ainda estacionada, que recebia agora combustível para decolar de volta a sua origem. Gabriel permanecia na porta, com os braços cruzados e olhar firme. Sorria ao fundo, havia definitivamente salvado a vida de quatro mulheres.
Seguiram por quase uma hora até o hospital. Os carros de polícia chamaram a atenção de todos que caminhavam aos arredores. Um dos carros de polícia que levava o médico e a ambulância entraram na rua de acesso ao grande e elegante hospital, seguidos por um dos carros que servia de escolta. Enquanto o que transportava Camila, seguia direto. Acompanhado do segundo carro.
- Ei… ei… por que não vamos ao hospital?
- Calma, Camila. Você precisa descansar - Sarah disse docemente.
- Eu não vou a lugar nenhum sem Lauren. VOLTE LÁ AGORA.
- Não posso modificar o trajeto da missão, senhorita. Sinto muito - o policial informou pacientemente.
- Não, Sarah… não vou a lugar nenhum… por favor.
- Calma, por favor. Ellen está com Lauren, nada acontecerá a ela. Você precisa descansar. Assim que tiver tomado um banho e descansado um pouco, te traremos até o hospital imediatamente.
Camila nada podia fazer mais. Sarah tinha razão. Estava esgotada fisicamente e psicologicamente. A beira de um ataque de nervos. Baixou os olhos se permitindo chorar baixinho, se permitindo sentir toda a dor que vinha sentindo durante a fuga e todo o processo de se livrar do perigo. Vinha se controlando emocionalmente, embora se desequilibrasse em alguns momentos. O carro estacionou frente a um grande hotel. Os policiais do veículo a frente desceram para abrir a porta. Seu coração acelerava, seus olhos permaneciam fechados, ainda que sentisse a mão firme de Sarah sobre seus ombros.
Colocou um pé para fora, como se sair dali naquele instante decretasse a sua liberdade definitiva. Pisou firme no solo, empurrou seu corpo para fora e olhou para a frente com os olhos cobertos por densas lágrimas. Lá estava o rosto amigo, os cabelos curtos, a franja batendo rente as sobrancelhas, o óculos fino e reto e o sorriso tímido, banhado as lágrimas que lhe cobriam o rosto. Logo ao seu lado o homem forte, alto de cabelos grisalhos que levava a mão aos lábios tentando inutilmente controlar as lágrimas que escorriam desesperadamente. Eram seus pais. Vê-los fazia toda a sensação ainda de desprotegida desaparecer. Seu coração acelerou e suas pernas não permitiram que corresse em sua direção. Seus joelhos fraquejaram e sem esperar, seu corpo pendeu para o chão. Sentiu o impacto doloroso de seus joelhos contra o concreto da calçada e se não fosse amparada rapidamente por Sarah, a dor haveria sido maior ainda.
Seus pais vendo a cena correram em sua direção. Sua mãe, abalada como estava, jogou-se contra o chão, agarrando-a pela cintura e trazendo com força ao seu encontro. Abraçando-a com tanta firmeza, que Camila perdia o fôlego. Seu pai igualmente, jogou-se e abraçou as duas com força. Camila deixou-se chorar ouvindo o soluçar da mãe e do pai. Estava em casa, então.
No hospital, a ambulância estacionava na ala emergencial. Ellen preparava-se para descer. A maca foi tirada cuidadosamente, colocada ao chão e levada para o interior do hospital. Antes de entrarem, o doutor Grandvick juntou-se a eles.
- Doutor Grandvick… o que houve? - uma senhora de aparentes cinquenta anos aproximou-se.
- Prepare a sala de cirurgia, Eloise.
- Claro, doutor, claro.
- Chame o doutor Smith para juntar-se a nós - virou-se em direção a Ellen que observava tudo atentamente - Tenente.
- Por que a sala de cirurgia?
- Avaliei o protocolo utilizado para tratamento dos órgãos afetados pelo projétil e um dos exames não me alegrou muito. Achei conveniente aproveitarmos a não cicatrização do corte realizado para tratamento, para corrigimos alguns erros médicos.
- Erros? Mas eu não me sinto… ai - Lauren cerrou os olhos com força - Ai, Ellen…
- O que está havendo? O que foi? Doutor?
- ELOISE, APRESSE-SE.
- Sim senhor - a senhora desapareceu pela porta.
- O que está acontecendo com ela? - Ellen questionou nervosa.
- Tenente, infelizmente não poderá entrar na sala de cirurgia. Um de seus rins foi afetado pela bala que entrou em seu corpo. Esse ferimento não foi fechado adequadamente e o rim por ser um órgão sensível, rejeitou a linha utilizada, infelizmente eu já suspeitava de algo semelhante, por isso quis tanto que elas chegassem logo aqui. Iremos lavar o órgão e recolocá-lo, suturando-o com equipamentos mais apropriados. Não há nada com o que se preocupar, pois ela não corre perigo algum.
- Faça o que for necessário. Preciso dela viva, doutor.
- Este hospital é referência. Faremos tudo o que for possível pelo bem de Lauren Jauregui. Agora devo pedir que aguarde na sala de espera da ala cirúrgica. Assim que puder virei informá-a sobre o estado dela.
- Ellen - Lauren chamou - Onde está Camila?
- Sarah a levou para descansar, logo mais estará aqui.
- Se algo acontecer… diz que pedi desculpas por tudo.
- Não se preocupe, Lauren, nada irá acontecer nada. Estarei aqui o tempo todo, logo mais a Camila também estará…
Lauren apenas sorriu. A maca foi levada pelos longos corredores brancos e desapareceu por trás da larga porta. Uma cena que parecia se repetir, como um Dejavu.
- Lauren Jauregui… por favor…
Ellen olhou para trás, uma mulher apoiava-se na recepção e encurralava a atendente. A tenente caminhou até ela curiosa, pois a mesma insistia em saber de Lauren.
- Com licença…
A mulher olhou para Ellen, seus olhos vermelhos como quem chorou por horas a fio.
- Sim?
- Qual seu nome?
- Clara… Clara Jauregui.
- Meu Deus - os olhos de Ellen arregalaram-se - Você é a mãe da Lauren.
- Minha filha… você sabe onde ela está? Minha filha…
- Fique tranquila, senhora - Ellen pediu nervosa - Lauren está bem.
- Por que disseram que minha filha morreu? Por que me deixaram fazer um funeral?
A mulher agarrou-se a roupa de Ellen, puxava nervosa, em prantos, enquanto suas pernas pareciam não responder mais. Caindo ao chão levando as mãos ao rosto de forma desesperadora. Por que haviam deixado o sofrimento daquela família acontecer? Lauren havia sido homenageada constantemente, recebeu um funeral digno e agora tinha uma lápide com seu nome. Mas estava viva… e como estava viva.
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