História Tormento - Camila e Lucy

- Como assim? - Camila perguntou desconfiada.

- Lauren jamais me permitiria uma conversa com qualquer uma do grupo.

- Lauren? Por que faria isso?

- Ela não queria que eu me misturasse com vocês, porque são trabalhos e se um dia terminássemos, como aconteceu, não teria nenhum problema no trabalho.

Foi então que uma ficha parecia cair. No México, enquanto fugiam dos assassinos, não havia trabalho, não havia grupo de garotas que cantam. Havia somente elas e uma nova história. Camila já não era a integrante do grupo Fifth Harmony, era agora uma garota comum que fugia para manter-se viva. O retorno mudava completamente as pessoas que estavam anteriormente em fuga, retornando ao seu ponto inicial. Ainda que os últimos acontecimentos tenham sido torturantes, impossíveis de serem esquecidos, era o que Lauren faria.

- É de coração - Camila disse no instante que as portas do elevador se abriram.

- Como?

- Te ouvir, será de coração e Lauren não precisaria saber disso, se assim achar melhor.

Jessyka aproximou-se das duas e sorriu para Camila. Não parecia conhecer Lucy, a tratou com cordialidade, mas sem esboçar uma expressão conhecida.

- As garotas foram pro Hotel e embarcam logo mais para uma coletiva de imprensa, para tratarem sobre os últimos acontecimentos.

- Devo estar presente?

- Informamos aos entrevistadores que por hora não, devido ao psicológico de vocês duas. Vi sua entrevista para o jornal do país e percebemos que ainda precisam descansar até que tudo passe. Em seguida incluirei as duas nas entrevistas, se estiverem prontas.

- Obrigada, Jess.

- Ainda tem mais, terá uma consulta no fim da tarde com um psiquiatra, aqui mesmo neste hospital - ela disse receosa - O mesmo acontecerá com Lauren. Ela ainda está nas 48 horas de observação e se tudo correr bem voltará para casa amanhã.

- Fico feliz com essa notícia, Jess - sorriu - Agora, estou um pouco indisposta.

- Vamos para casa, querida - sua mãe aproximou-se - Minha amiga virá comigo, mãe.

- Claro.

Não iria ao hotel, cansou-se de não estar em casa e não deixaria Lucy no hosital até compreender tudo o que acontecia na vida de Lauren antes de serem levadas para o inferno. Entrou no carro de sua mãe, na portaria do hospital haviam muitos jornalistas, mas estavam quietos observando apenas a porta de entrada. Não perceberam o carro de sua mãe e quando se deram conta que o carro que saia era da mãe de Camila, já estavam disparadas pela estrada em direção a mansão onde moravam quando a garota não viajava pelo mundo em shows. Não demorou muito para chegarem e logo a porta da garagem se abria e entrava. Haviam alguns repórteres na área externa, fixaram suas câmeras direcionadas ao interior da garagem, mas todas só deixaram o veículo, quando a porta desceu, impedindo que as vissem.

Lucy desceu primeiro, seguida por Camila. Sua mãe abriu a porta que dava acesso ao interior da casa e sua irmã Sofia disparou do outro lado da sala em sua direção, abraçando-a com tanta força que perdeu o fôlego. Retribuiu o abraço vendo as lágrimas escorrerem em seu próprio rosto. Não demorou muito e seu pai fez o mesmo. Sofia afastou-se deixando seu pai cumprimentá-la com carinho, beijou-lhe a testa com o fôlego lhe faltando, quase esquecera-se da namorada de Lauren.

- Essa é Lucy, uma amiga, trouxe-a, pois precisamos conversar - disse ela com um sorriso sem graça, percebendo que sua família queria aproveitá-la - Prometo que seremos breves - disse tranquilizando-os - Só não queria fazer isso no hospital, pois estou exausta.

Seu pai consentiu e Sofia o abraçou, vendo Camila alcançar as escadas e subir ao seu quarto. A casa era bastante aconchegante, o corredor largo dava acesso aos quartos, embora tivesse apartamentos em outras cidades, gostava do aconchego próximo a seus pais. Lucy a acompanhou silenciosamente, parecia desconfortável, não era para menos. Ficaria ainda mais desconfortável quando Camila lhe contasse tudo o que aconteceu nas terras do México. Se contasse o toque delicado das mãos suaves de Lauren em seu corpo. Da boca da colega em seu seio e dos tantos beijos apaixonados que tiveram naqueles dias de terror que se transformaram em muitos momentos, sonhos que desejavam jamais acordarem.

Entrou em seu quarto, deu espaço para a garota entrar e fechou a porta logo após sua entrada. Lucy ainda tímida, olhava ao redor sem entender muito bem como viera parar ali. Fora tudo tão automático, aconteceu tão rápido, que agora parecia cair a ficha. Camila sentou-se em um sofá próximo a cama e tirou os sapatos. Seus pés enrugados, enfim livres, como se há muito não respirassem. Colocou-os no carpete e quase chorou de emoção. Encostou-se no móvel respirando fundo, tudo sendo atentamento observado por Lucy, que sorriu ao notar o conforto da cantora.

- Pode sentar onde quiser, Lucy - disse Camila olhando-a então.

Lucy o fez, sentou-se na ponta da cama timidamente e olhou a latina. Seus olhos claramente demonstravam que ela buscava pelas palavras. Olhou para o chão percebendo que não sabia como falar.

- Difícil? - perguntou.

- Eu posso entender que tudo o que aconteceu tenha sido muito difícil para vocês - esboçou encarando-a - Entendo perfeitamente que não foi nada fácil.

- Não foi.

- Eu não sei como agir com Lauren. Eu estou realmente perdida e até parece que eu não a conheço - lágrimas invadiram o rosto de Lucy e Camila fez menção de falar, mas foi impedida pela garota - Nosso namoro nunca foi muito fácil, apesar de ter sido muito lindo - engasgou e respirando fundo continuou - Ela jamais quis misturar as coisas, trabalho era trabalho e nosso relacionamento era parte de sua vida pessoal.

O coração de Camila disparou, notando que jamais fizera parte da vida pessoal de Lauren, embora acreditassem que fossem amigas, já que viviam juntas. O grupo viajava junto, ria junto, saia junto. Mas notou então que haviam uma vida na qual não compartilhavam.

- E eu achei isso ótimo no começo, sabe? Porque realmente eu não confundia as coisas. A Lauren do Fifth Harmony não era a mesma Lauren que eu tive sempre. Mas de uns tempos para cá, os shows foram sendo maiores, uma quantidade que eu acabava não a encontrando mais e fiz menção de acompanhá-la no meu período de férias. Foi então que ela enfureceu-se. Ela disse não. Pisou o pé e então aconteceu o que mais tinha medo. Nos afastamos. Continuei com nossos amigos, com as festas de nossos conhecidos, algumas vezes ela ainda me acompanhou, mas depois ela já estava em outros lugares. Vi mensagens nas redes sociais, pessoas novas, amigos novos. Ela mudou!

Lucy baixou os olhos envergonhada, as lágrimas escorriam sem limites e Camila percebeu a dor e o sofrimento que aquela garota vinha sofrendo silenciosamente. Talvez por essa razão Lauren por vezes ficava mal humorada. Talvez por isso estava sempre revoltada ou irritada. Parecia que os anos que a conhecia, de repente faziam algum sentido.

- Quando senti que havia outra pessoa… eu resolvi sair de campo e deixar ela seguir sua vida livre. Eu não posso impedir esse momento dela, Camila.

- Eu sei que não pode.

- Eu não poderia jamais impedir Lauren de aproveitar a fama, viajar, conhecer pessoas, mudar de vida. Eu não tiraria isso dela, jamais. Então ela achou que eu que estava com alguém - riu com desdém - Jurou de pé junto que a culpa era minha e que destruí tudo. Eu estava exausta e acabei desistindo dela.

Sim, Lauren era bem difícil. Apesar da sede de afeto e a carência de alguém que Lauren tinha, aparentemente ela exigia e acabava dramatizando qualquer situação, aumentando-a e com o medo de entregar-se ao errado, perdia pessoas que realmente valeriam a pena. Mas Camila não sabia nada de Lucy, estava ali ouvindo uma história que poderia não ser verdade.

- Não acho que deva desistir dela, ainda - Camila disse, embora aquilo estivesse corroendo suas entranhas e seu coração batesse tão depressa que poderia sair pela boca.

- Eu não acho que tenha algo para se desistir. Eu tenho certeza que nossa relação acabou e que eu não seja a pessoa que ela quer ao lado. Mas… Camila… eu sei o quanto pode ser difícil para você reviver tudo o que aconteceu, mas eu realmente gostaria de entender o que se passou lá. Ela parece tão diferente.

- A gente passou por muitas coisas, coisas que eu jamais seria capaz de dizer. Mas sei que precisa ouvir - Camila apoiou os cotovelos no joelho e encarou Lucy - Mas entendo sua curiosidade. Como eu disse na entrevista que esteve presente, Lauren acabou se sobrecarregando em me proteger.

- Vocês duas tinham que proteger uma a outra. Por que Lauren iria querer te proteger acima de tudo?

- O grupo é bem unido e temos uma amizade… no trabalho - gaguejou.

Camila agiu por impulso ao oferecer-se para conversar. Sabia que a garota teria curiosidade nos acontecimentos trágicos e esqueceu-se que deveria omitir as relações pessoais com Lauren. Mas como faria isso? E se Lauren optasse por contar tudo, acabaria mentindo e sendo um problema.

- Lucy… infelizmente existem coisas que não posso contar antes que converse francamente com Lauren. Eu disse que estava disponível para conversar e não para contar tudo o que aconteceu lá. Ainda não estou pronta ou preparada para isso.

- Eu sei… eu entendo, claro que entendo. Me desculpe… mas… eu sinto que existe algo.

- Como? - assustou-se Camila.

- Me desculpe se isso possa te ofender, Camila. Mas… sinto que há algo mais que trabalho ou amizade entre vocês duas.

- Por que acha isso?

- Eu vi a maneira como você e Lauren se olharam.

Aquelas palavras pareciam um soco no rosto de Camila, que ficou estática com a boca entreaberta encarando-a sem jeito. O que diria então? Sim. Estava completamente apaixonada por Lauren e não se enxergava acordando de manhã sem estar ao lado dela. Encarava Lucy com certa inveja pelo relacionamento que tivera com a garota. Sentia inveja pelos dias mais tenebrosos da sua vida, terem sido ainda os melhores dias. Como poderia encarar uma desconhecida que até mesmo criou uma certa afeição e dizer que a mulher por quem ela era apaixonada, era a mesma?

- Nós passamos por muitas coisas, Lucy. Coisas muito ruins. Corremos riscos 24 horas por dia. Passamos frio, calor, fome, sede. Dormíamos mal por medo de alguém nos encontrar, nos escondemos em fuga, fomos pegas e o psicológico da gente não está nada bom. Por dias tive somente a imagem de Lauren e ela logicamente se tornou muito mais que amiga para mim. Estivemos juntas, quase morrendo.

- Eu sei… eu entendo, mas…

- Eu sei que pode estar confusa, enciumada. Quer entender, saber o que houve para Lauren ter mudado tanto assim com você, mas antes de torturar-se com ideias ou curiosidades, acho que deveria mesmo conversar com ela. Mesmo que ela esteja incomunicável e sério, eu sei que está. Eu mesma saí do quarto dela completamente furiosa. Então não é só com você que isso está acontecendo. Sente com ela, converse com ela, coloque tudo na mesa e deixe que ela mesma te explique e conte tudo o que precisa.

Lucy encarou Camila com certa admiração. Claro que ela tinha razão, embora sentisse um certo remorso em sua voz. Camila levantou-se do sofá e Lucy fez o mesmo, olhando-a fundo em seus olhos. A latina sorriu docemente e estendeu a mão.

- Vocês vão ficar bem e foi um prazer te conhecer, Lucy - disse educadamente.

A garota sorriu apertando a mão da cantora e despediram-se. Ao voltar para o quarto, Camila tomou um demorado banho, colocou o pijama mais confortável que tanto sentiu falta. Não sabia por qual razão havia ido a um hotel, por qual razão não fora diretamente para casa? Talvez não estivesse pronta, mas o conforto de seu lar era exatamente o que precisava.