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História Trégua Suspensa - Should I stay or should I go?


Escrita por: caulaty

Capítulo 10 - Should I stay or should I go?


A festa tinha durado até quase cinco horas da manhã, mas logo depois das duas e meia, Cartman puxou Kyle pelo braço com um aperto excessivamente embriagado e sussurrou ao ouvido dele que iria embora. Tecnicamente, ofereceu-lhe a escolha de ficar. Coisa que o ruivo não cogitou fazer porque, àquela altura de um relacionamento, ele já sabia muito bem o que resultaria em uma briga de proporções catastróficas no dia seguinte. Então, ele se despediu de Stan com um abraço demorado e foi embora. Não se despediu de mais ninguém porque não quis arriscar sequer ter que olhar para Kenny mais uma vez.

Agora, ele fechava a torneira da pia depois de lavar o rosto e olhava de relance para a porta aberta do banheiro, a qual era possível enxergar a cama. Cartman já estava deitado de costas para ele, mas Kyle sabia que ele estava acordado; a respiração dele mudava muito quando ele pegava no sono. Em partes, ele esperava que Eric fingisse que estava dormindo, ou simplesmente o ignorasse quando ele deitasse ao seu lado, para que eles não precisassem conversar. O caminho de volta, no carro, foi silencioso. Kyle ficou o tempo todo esperando o começo de uma discussão, pela forma como ele suspirava fundo e esfregava a testa, mas logo percebeu que Cartman estava fazendo algo que nunca fazia: torturando-o com o tratamento do silêncio. Kyle nem mesmo sabia que ele era capaz disso.

Respirou fundo e voltou para o quarto, fechando a porta do banheiro atrás de si. Tentou não encarar as costas nuas de Eric, o cabelo castanho bagunçado dele, porque não queria ser visto observando-o caso ele decidisse se virar. Então começou a se despir; abriu botão por botão da camisa, depois desfez os fechos da calça, o tempo inteiro com a cabeça abaixada e os olhos estreitos por pensamentos que ele estava tentando afastar. Pendurou as roupas na cadeira, decidindo que tudo o que queria era deitar na cama e fechar os olhos. E assim o fez.

Engatinhou na cama exageradamente alta, colocando-se por baixo das cobertas e se ajeitando na beirada, deitado de costas para o outro homem. As luzes já estavam apagadas, mas um feixe de luz dos postes de fora entrava pela janela, ainda que a cortina fina o contivesse um pouco. Seus olhos já estavam acostumados ao escuro quando sentiu o corpo pesado de Eric se movimentando sobre o colchão inquietamente. Kyle podia sentir o calor dele por trás do seu corpo conforme ele se aproximava, e logo o nariz gelado dele tocava a sua nuca, inalando seu cheiro, e os lábios dele colavam na curva entre o pescoço e o ombro, enquanto sua mão pesada passava por baixo do cobertor e percorria a cintura do ruivo, tocando-o maliciosamente.

Kyle franziu as sobrancelhas e ergueu o tronco quase que imediatamente quando sentiu o peito nu de Cartman colando em suas costas e a perna dele passando por entre as suas. Ele estava duro. Kyle virou o rosto para encará-lo com uma expressão confusa, incerto de se Eric conseguiria enxergar sua insatisfação.

-O que você pensa que está fazendo?

-O quê, caralho?!

-Você quer transar agora? Eu pensei que nós estivéssemos com raiva um do outro.

-Estamos. Mas me fala alguma coisa que a gente faça melhor do que sexo com raiva. – Cartman disse em um tom mais baixo enquanto aproximava a boca do ouvido de Kyle, descendo a mão pela coxa nua dele, escorregando os dedos pela pele e apertando de leve.

Mas a mão do ruivo rapidamente segurou o pulso dele. Os lábios de Kyle se separaram e ele se ajoelhou na cama, afastando-se para mais perto da beirada, franzindo o rosto de forma quase ofendida. Era uma dança ensaiada e freqüente entre eles, então em partes, Kyle se achou idiota por não ter previsto que isso aconteceria: Cartman era um homem de necessidades primitivas e simples, no fim das contas. Ou ele manifestava a agressividade dele com brigas, ou com sexo. De uma forma ou de outra, aconteceria.

Mas Kyle não era um homem de necessidades simples. Não, as coisas com ele sempre eram extremamente complicadas, os pensamentos eram repletos de vertentes confusas e vírgulas, buracos, frestas que Eric sequer sabia por onde começar a compreender. Ele não sabia como satisfazê-lo de outras formas, muitas vezes. E isso o frustrava. Cartman deixou escapar um suspiro irritado quando ele se afastou, apertando o nariz com dois dedos enquanto abaixava um pouco a cabeça como se tentasse se conter.

-Qual é o seu problema?

-O meu problema? – O ruivo disso mais alto, com a voz mais esganiçada, colocando uma perna pra fora da cama e encostando o pé no chão, aproximando as mãos do peito enquanto gesticulava. – Meu problema é que você está fingindo que não aconteceu nada pra descontar o seu ciúme gozando em mim! Eu tenho cara de quê?

Cartman deixou escapar uma risada baixa e irônica, sacudindo a cabeça de leve.

-Você não quer que eu responda isso de verdade.

-Vai se foder, Eric.

O riso morreu nos lábios dele por um segundo. Cartman se levantou da cama pelo lado oposto e deu a volta para se aproximar de Kyle, marchando rapidamente, apontando o dedo indicador bem próximo ao rosto dele enquanto o ruivo recuava para trás. Apesar de se afastar, o queixo de Kyle continuava erguido e a expressão se mantinha desafiadora.

-Repete isso na minha cara, sua vadiazinha. – Eric resmungou em um tom ainda contido, encurralando-o contra a porta do armário. – Você quer mesmo conversar sobre hoje à noite? Quer tentar me explicar que merda você tava conversando sozinho na varanda com o teu ex-namoradinho? Eu não sou retardado, Kyle, eu vi como ele olha pra você.

-Pelo amor de Deus, Eric. Faz oito anos. E vocês também foram amigos por quase duas décadas, não é só um ex-namorado. Isso não significa nada pra você?

-Você se afundou na merda por causa desse cara! Desculpa se eu não vou receber ele de volta com um tapinha nas costas e dizer “bem-vindo”! Mas eu não sou que nem as bichinhas retardadas que você usava quando ele te largou.

-Eric. – Ele lutava com todas as forças para manter o tom o mais paciente possível, mas sua voz saía distorcida em um ar de condescendência que Cartman achava profundamente irritante. Quando Kyle esticou a mão para tentar tocá-lo no ombro, o homem se afastou bruscamente, dando-lhe as costas. – Nós estamos juntos há três anos, quando é que você vai começar a confiar em mim?

Mas toda vez que as discussões deles começavam a tomar um rumo de conversa, em que Kyle continha o próprio pavio curto para falar com ele como se fala com um louco descontrolado, Cartman chegava muito perto de, de fato, se tornar um louco descontrolado. As mãos do ruivo gesticulando no ar e aquela voz pseudo-tranquila que tentava acalmá-lo tinha justamente o efeito contrário: ele precisava se afastar para conter a vontade de dar com a cabeça de Kyle no chão.

Não que ele realmente fosse capaz disso.

Cartman pisava como um búfalo zangado para fora do quarto, agarrando o travesseiro na cama para levá-lo consigo para o sofá.

E a noite poderia muito bem ter terminado por ali, se Kyle tivesse aprendido a silenciar na hora certa. Normalmente, ele sabia a hora de parar. Mas não havia nada de normal naquela noite, e o ruivo estava mais destemperado do que de costume. Nessas horas, ele era pior do que um cachorro com um osso.

-Eu posso te contar a minha conversa com ele inteirinha, se você estiver disposto a me contar a sua conversa com o Butters enquanto eu estava lá fora. Que tal?

Kyle não era uma dessas pessoas que tomavam consciência das palavras erradas assim que elas deixavam a sua boca. Ele precisaria repassar a conversa inteira em sua mente, a noite inteira, até chegar à conclusão do que ele não deveria ter tido. Mas a reação de Cartman já foi uma pista bem escancarada: ele se virou para encará-lo por cima do ombro com os lábios entreabertos. Kyle pegou um relance de incredibilidade naqueles olhos, antes que a raiva tomasse lugar – como sempre acabava acontecendo com Eric. O homem se virou de frente para ele e se aproximou apenas o suficiente para arremessar o travesseiro no colo de Kyle, com força suficiente para que ele desse dois passos bambos para trás, falando entre dentes:

-Quer saber? Durma você no sofá.

Agora sim, o ruivo sentia que havia dito o suficiente. Cartman marchou de volta à cama sem olhar para ele, fazendo as molas do colchão rangerem sob o peso dele ao se deitar, cobrindo parte do corpo e virando de costas, com os olhos bem abertos encarando a parede. Kyle sacudiu a cabeça e ajeitou o travesseiro sob o braço, dando uma última olhada nas costas do outro homem, que agora ignorava a sua presença. Então, deixou o quarto.

 

* * *

Depois que todo mundo havia ido embora, Kenny se ofereceu para recolher as latinhas de cerveja e garrafas de bebidas que haviam ficado largadas pela sala, pela varanda, pela cozinha e, inexplicavelmente, pelo banheiro. Stan gargalhava alto com as teorias que o loiro formulara acerca de como aquelas latas amassadas foram parar dentro do chuveiro, enquanto os dois homens enchiam sacolas de lixo com os restos da festa. Os dois estavam embriagados e cambaleavam para andar, rindo um do outro, revivendo memórias antigas e vergonhosas sobre os convidados. A adolescência em South Park, por mais estranha e curiosa que tenha sido, rendeu a eles todos os tipos de histórias bizarras que faziam com que eles, enquanto homens adultos feitos, rolassem no chão como se ainda fossem crianças.

Relembraram de quando Craig, que sempre fora bom aluno em química, construiu uma mini-bomba para explodir uma privada do banheiro das garotas. E de quando Butters fez xixi para fora da janela da sala de ciências sociais enquanto eles esperavam o professor, porque Cartman havia apostado que ele não conseguiria acertar um passarinho que estava lá embaixo. E daquela época em que Tweek começou a fazer chapinha no cabelo. E do Halloween em que eles tinham 15 anos e Kyle se vestiu de Marge Simpson, gastou duas semanas fazendo um cabelo falso que Cartman acabou rasgando todo ao fim da noite e a rua inteira ficou coberta de floquinhos de espuma azul. E de quando Kenny quis largar a escola para montar uma linha de vibradores caseiros.

-Eles venderam muito bem durante uma semana, se você quer saber. – O loiro justificou, apontando o dedo indicador na direção de Stan, que já estava sentado no chão do banheiro com a mão na barriga e as bochechas doloridas de tanto rir.

-O que você usou mesmo pra fazer aquilo?

Um sorriso sacana se formou nos lábios de Kenny, levemente envergonhado, mas Stan não pôde enxergar porque ele estava agachado de costas alcançando pelas latas embaixo da pia para jogá-las dentro de sua sacola.

-Pepinos, cenouras, escovas de cabelo, massageadores elétricos, motorzinho de brinquedos da minha irmã, cabo de vassoura...

-O quê? Cabo de vassoura? Mentira.

-Ei. Tinha pra todo gosto.

Stan apertou os olhos em uma expressão agoniada, exceto pelo sorriso embriagado em seus lábios, soltando uma mistura entre gargalhada e grunhido de horror, sacudindo a cabeça. Kenny acompanhou o riso enquanto se sentava de frente para ele, apoiando as costas na parede oposta à de Stan, separando as pernas para colocar a sacola cheia entre elas.

Aos poucos, o riso dos dois homens foi desaparecendo e eles ficaram em um silêncio confortável. Kenny bateu com a cabeça contra o azulejo gelado da parede algumas vezes, bem de leve, como se estivesse em algum tipo de transe. Stan também parecia mergulhado nos próprios pensamentos, um tanto perdido, com a testa franzida encarando nada em especial.

-Merda. – Kenny disse baixinho. Stan não perguntou o motivo daquilo, apenas direcionou o olhar ao loiro e aguardou por uma explicação que levou algum tempo para chegar. Kenny esfregou os olhos. – Meu cunhado vai me encher a porra do saco quando eu chegar em casa.

-Por que você continua morando com eles?

-É mesmo. Eu devia escolher uma das minhas quatro mansões pra passar um tempo, que besteira a minha.

Stan sorriu, esticando o pé para chutá-lo de brincadeira.

-Você devia ficar aqui.

-O quê? Não.

-Por que não?

-Porque uma coisa é explorar família, outra coisa é explorar amigo.

-Não é exploração. Você já tem dormido aqui mais vezes do que lá. Você não gosta do Carl, ele também não gosta de você, a Karen fica no meio... Seria melhor pra todo mundo. Eu e a Sally gostamos de ter você aqui.

-Você tá bêbado, cara. Amanhã você vai se arrepender de ter oferecido.

-É sério, Kenny. Você não pensa em ficar em South Park?

A pergunta fez com que o loiro silenciasse novamente. Ele pensava em ficar? Naturalmente. Chega a ser engraçado, ele passou tantos anos sonhando em deixar aquela cidadezinha, mas voltar para lá e ver como quase todos os seus amigos de infância continuavam ali fez com que Kenny sentisse algo que não experimentava há oito anos: uma sensação de pertencimento. De que ele tinha um lar. A vida toda, ele havia se sentido tão independente desse conceito de lar; como se fosse uma ideia besta à qual as pessoas se agarravam para sentir como se tivessem um porto seguro. Mas durante aquela noite, ele entendeu. Sentia na pele todo o conforto e acolhimento daquela cidadezinha.

-Eu não sei. – respondeu ao amigo com sinceridade, encolhendo os ombros.

-Bom. – Stan fungou e se apoiou no próprio joelho para se levantar o mais devagar possível, sentindo a cabeça começando a pesar. – Pense direito então. Eu falo sério, Kenny, você poderia ficar aqui, juntar um dinheiro antes de procurar um lugar pra morar. Você viu como todos nós sentimos sua falta.

Não importava por quantos lugares Kenny havia andado nesse mundo, Stan Marsh continuava sendo a pessoa mais gentil e bondosa que ele já conhecera. Então retribuiu com um sorriso, observando o amigo catar as sacolas cheias de latinhas e dois tapinhas no ombro de Kenny, cumprimentando-o antes de sair do banheiro se apoiando nas paredes, bêbado como um gambá. Stan sempre bebeu mais do que todos eles juntos, e o loiro acreditava que isso se devia ao fato de, por baixo de toda aquela bondade, ele ser uma pessoa bastante melancólica.

Kenny ainda passou um bom tempo sentado no chão do banheiro, namorando a ideia de se estabelecer em South Park. Cartman ficaria muito, muito puto, ele imaginava. A ideia trouxe um sorriso aos lábios do loiro.



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