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História Trégua Suspensa - The four musketeers. Or was it three?


Escrita por: caulaty

Capítulo 6 - The four musketeers. Or was it three?


Foi Eric Cartman quem descobriu primeiro. Não era preciso ser nenhum detetive para entender, visto que Kenny e Bebe estavam completamente pelados no quarto de hóspedes da casa de Eric, que só descobriu a existência dos dois na manhã seguinte. Kenny podia se lembrar muito bem do desespero e do som de seu próprio coração batendo rápido, pulsando em seus ouvidos enquanto flashes confusos da noite anterior passavam dentro de seu cérebro. Podia se lembrar, acima de tudo, do cheiro de perfume de vadia nos lençóis e dos olhos de Cartman quando os encontrou. Olhos de um castanho claro perfurando até a alma de Kenny, causando arrepios na espinha, mas isso não o impediu de tentar implorar para que o amigo não dissesse nada a ninguém. Em partes, o loiro realmente acreditava que isso daria certo. Afinal de contas, com a proximidade de uma vida inteira entre Kyle e Stan, inevitavelmente Kenny e Cartman criaram uma ligação que os outros dois nunca entenderiam. Se reconheciam na própria sujeira e se respeitavam, cada um dentro de seu senso distorcido de moral. Mas daquela vez, Cartman não estava disposto a respeitar.

Tanto seus olhos quanto sua voz foram extremamente frios ao mandar que Bebe e Kenny desaparecessem de sua casa. Apesar da dor de cabeça latejante e da tontura, Kenny podia se lembrar muito bem – mesmo anos depois – da frase “Eu quero vocês fora daqui, suas loiras vadias de merda”. Seu tom não chegava a ser raivoso, era quase sem emoção. Bebe não ficou para discutir. Kenny também não se prolongou muito quando Cartman ignorou todas as justificativas e desculpas. Sequer questionou que o amigo o chamasse de “loira vadia”, porque honestamente, era assim que ele se sentia ao sair daquela casa.

Vomitou na calçada em poucos segundos de caminhada, agachado no meio fio com o braço envolto no abdômen, a outra mão segurando para que seu corpo não caísse para frente, de cara no próprio vômito. Talvez ele merecesse isso. O gosto na boca era amargo, os braços estavam moles, os olhos ardiam. E Kenny precisava ir para casa.

Mas não queria ir. Apesar de ter inutilmente pedido para que Cartman não contasse a ninguém sobre aquilo tudo, tinha certeza de que, no momento em que seus olhos encontrassem com os de Kyle, ele mesmo contaria a verdade. Kenny não havia experimentado amor de verdade muitas vezes durante a vida. Não tinha certeza do amor que sentia pelos seus pais, apesar de ter respeito por terem feito o melhor que podiam. Absolutamente não amava seu irmão mais velho e não tinha muitos outros parentes por quem pudesse sentir aquele amor genuíno e incondicional de criança. Mas quando Kenny McCormick experimentava amor de verdade, como o que sentia por sua irmã mais nova, era incapaz de fazer mal deliberadamente. E ele amava Kyle. Do jeito dele, mas amava. Porra, realmente amava. O suficiente para não olhar dentro daqueles olhos verdes brilhantes e fingir que não havia acontecido nada.

Tudo aconteceu muito rápido. De repente, ele estava na porta do apartamento e os braços de Kyle envolviam o pescoço dele enquanto se desculpava por ter ido embora daquela forma, por ter dito coisas cruéis. Kenny não registrou as palavras direito, nem aceitou os beijos do ruivo na pele do seu rosto. Afastou a cabeça o suficiente para enxergar aqueles olhos imensos, as sardas tão sutis que quase não apareciam nas maçãs do seu rosto, aquela expressão... Tão esperançosa, tão verdadeira, tão certa de que tudo ficaria bem. Kenny gastou um bom tempo memorizando aquela expressão porque tinha certeza absoluta de que Kyle nunca mais o olharia da mesma maneira depois que ele abrisse a boca.

-O que foi? – o ruivo perguntou depois de muito tempo em silêncio.

-Eu dormi com outra pessoa.

Ele nem sabia exatamente como é que as palavras escaparam, mas já havia previsto isso. Que, no exato momento em que seus lábios se separassem, a verdade seria cuspida na cara de Kyle sem rodeios e sem tortura. Um corte limpo. Tão direto que Kyle demorou a soltá-lo porque seu cérebro não absorveu a informação rapidamente.

Na versão curta da história, Kyle quebrou um relógio de parede, um abajur e uma miniatura de cavalo que Stan e ele trouxeram de uma viagem ao Peru que fizeram assim que terminaram a faculdade. Nada atingiu o loiro, mas isso só porque Kyle não estava realmente mirando nele. Gritou alto o bastante para que Stan acordasse e aparecesse na sala só de cueca, o rosto amassado pelo travesseiro, com a missão de segurar Kyle sem questionamentos, querendo evitar apenas que o ruivo se machucasse. Talvez, no fundo, também quisesse evitar que ele machucasse Kenny, porque o olhar no rosto do loiro era tão, tão infeliz que Stan sempre se lembraria de olhá-lo com pena.

Kenny pedia para que Stan soltasse Kyle e voltasse para o quarto, em meio às tentativas de explicações que nem mesmo ele sabia quais eram. O amigo não obedeceu, mas também não discutiu, apenas apertou o ruivo firme em seus braços enquanto ele xingava Kenny de algumas palavras até então desconhecidas pelos dois. O vocabulário do ruivo sempre foi muito mais abrangente que o deles, aparentemente até para ofensas. Eventualmente, Kyle parou de se debater nos braços de Stan e começou a chorar, escondendo o rosto no pescoço do amigo que o recolhia. A mão de Stan cobriu a cabeça do ruivo, quase como um pai faria com um filho, o olhar fixo no de Kenny, que desviou o rosto e esmurrou a parede, recostando-se a ela como se não conseguisse mais respirar.

-Por favor, vai embora. Depois você pega as suas coisas. – Stan pediu ao loiro, quase tão baixo quanto um sussurro, como se não quisesse que Kyle escutasse. O que nem chegava a fazer sentido.

Sem protestos, Kenny obedeceu. Ao sair do apartamento, cruzou com vizinhos curiosos na porta, assustados com a gritaria. E perguntou, quase cuspindo, se eles não teriam nada melhor a fazer.

Essa nem chegou a ser a pior parte.

Dois dias depois, Stan mandou uma mensagem avisando que ele poderia aparecer no apartamento assim que quisesse para fazer suas malas – não que ele tivesse muito o que empacotar – porque nenhum dos dois estava lá. Obviamente, não disse onde eles estavam. Mais obviamente ainda, Kyle não atendeu ao celular todas as vezes que Kenny telefonou. E a constatação mais óbvia de todas, após um porre de coragem líquida: eles estavam na casa do Cartman. O loiro verificou o relógio. Eram onze da noite. Havia dormido na casa dos seus pais na noite anterior, apenas porque seu pai estava bêbado demais para questionar quando a mãe o recolheu por baixo do braço, trazendo consigo apenas a roupa do corpo e nada mais. No dia seguinte, o pai já o expulsou pela segunda vez. Kenny poderia ir dormir no apartamento. Mas não sem antes fazer uma visita bêbada e noturna à residência do senhor Eric Cartman.

Cumpriu com toda a etiqueta de visitas bêbadas: gritou o nome de Kyle em frente ao portão até que algum dos vizinhos ameaçasse chamar a polícia, balançando uma garrafa de cachaça na mão, estilhaçando-a na calçada quando gritou em resposta para que o vizinho enfiasse alguma coisa no rabo. Kenny não lembrava ao certo o quê. O teatro todo foi suficiente para trazer um Eric extremamente puto até a porta da frente, colocando um casaco grosso para sair no frio de South Park à noite, uma ruga entre as sobrancelhas que não indicava coisa boa.

Ele era um homem grande. Todas as provocações que fizeram com ele durante a infância deviam tê-lo estimulado a alguma coisa, porque embora ele não parecesse ter perdido peso em quilos, sua estrutura física comportava o peso muito bem. Cartman era mais alto que todos eles. A época em que serviu no exército, aos dezoito anos, fez com que seu abdômen endurecesse e o peito estufasse. Os braços eram basicamente do tamanho das coxas de Kenny. Não foi muito difícil para Eric erguê-lo pela gola da camisa e socá-lo contra o muro da casa sem cuidado algum, bufando próximo ao seu rosto. Mesmo com a visão embaçada e girando, Kenny enxergou muito bem aqueles dois olhos perfurando os seus, exatamente como estavam no momento em que o pegou com Bebe na cama.

-Escuta aqui, sua bostinha loira, escuta bem direitinho porque eu só vou dizer isso uma vez. Todos nós sabíamos que você ia fazer merda uma hora ou outra. O único retardado o bastante pra acreditar em você foi aquele judeuzinho, e agora, – As mãos grandes de Cartman bateram seu corpo contra os tijolos mais uma vez antes de soltá-lo. – ele já sabe o lixo que você é de verdade. Uma coisa era você chifrar as tuas vadias burras, outra muito diferente é cagar em cima de um amigo nosso. Some daqui, Kenny, ou eu juro por Deus que eu quebro cada ossinho de rato do seu corpo.

-Não, Cartman... Pelo amor de Deus, me deixa conversar com ele. Eu preciso. Eu preciso vê-lo, isso não pode... – Kenny apoiou a mão no muro e tentou se endireitar, mantendo o equilíbrio por muito pouco, franzindo o rosto. – Eu o amo, Cartman. Eu o amo tanto. Por favor, só... Me deixa falar com ele.

-Eu não o amarrei e escondi lá dentro, seu imbecil. Ele não quer ver você.

O loiro esfregava a testa constantemente. O olhar caído ao chão enquanto o homem maior se afastava dele, balançando a cabeça como se ele fosse um cachorro digno de pena. Talvez isso o incomodasse – e muito – em outras circunstâncias, mas não com Cartman, e não naquele momento.

Havia um senso muito estranho de compaixão dentro daquele olhar arrogante de Eric, como se, de alguma forma, ele compreendesse. Kenny não deu tanta importância a isso no momento em que ocorreu, tampouco nos dias seguintes, mas olhando para trás, ele tinha certeza de que aquele foi o momento em que tudo ficou mais claro. Toda a obsessão opressiva, a implicação e (por que não?) todo o ódio de Cartman com relação a Kyle se resumiam a momentos assim, em que Kyle estava vulnerável e machucado e Cartman carregava no olhar aquela expressão de quem daria os dois braços e um rim apenas para que o ruivo parasse de sofrer. Kenny teve a impressão de que a raiva com que ele o havia atirado contra o muro e ameaçado representava muito mais do que proteção perante um amigo em necessidade. Alguns anos depois, enfim, veio a realização que estava escancarada sob seus olhos o tempo inteiro: Eric Cartman nunca soube o que era estar no lugar de Kenny. Segurar Kyle nos braços, sussurrar qualquer sacanagem ao seu ouvido, abraçá-lo por trás enquanto ele lavava a louça, sentir seu cheiro, brincar com ele sob os lençóis depois do sexo.

Pelo menos até aquele momento.

Cartman nunca tinha tido nada disso e Kenny sim. E Kenny havia estragado tudo. E Cartman não podia entender como alguém poderia ser tão demente a ponto de ter Kyle para si e traí-lo com qualquer outro alguém. Apenas por isso, sentia raiva o suficiente para socar tanto aquele loiro até que ele vomitasse o próprio fígado.

É claro, nada disso foi verbalizado naquela noite. Sequer foi totalmente compreendido por qualquer um dos garotos.

Kenny desistiu e foi embora para o apartamento abandonado durante aquela noite, deitou-se na cama que os dois dividiram por oito deliciosos meses e exalou o cheiro de Kyle nos lençóis pela última vez.

E Cartman entrou em casa para encontrar Stan ajoelhado no chão do banheiro, segurando os cachos ruivos para trás enquanto ele vomitava e chorava abraçado ao vaso sanitário. Stan não dizia nada, apenas emitia um “shh” reconfortante e alisava as costas de seu melhor amigo, sem querer fazer promessas sobre o dia seguinte.

-Ah, puta que pariu. Eu juro, se tiver vômito de judeu em qualquer lugar do meu banheiro, eu chuto a bunda de vocês dois pra fora daqui e podem passar a noite congelando com os mendigos. Cacete. – Eric resmungou da porta, cruzando os braços.

Kyle sugava o ar pela boca e soluçava, os olhos ardendo em lágrimas, suando frio, alguns fios rebeldes de cabelo caindo pela frente do rosto mesmo com o esforço de Stan para segurá-los para trás. Com uma tomada brusca de fôlego e um suspiro, sem virar o rosto, Kyle sussurrou com a voz grogue:

-Obrigado, Cartman.

Não havia qualquer sarcasmo nas palavras.



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