História Tudo Por Acaso - Uma pequena reunião

Na manhã de sábado, Clarke se encontrava na sala de aula, escrevendo tudo que sua professora de Desenvolvimento Socio-Econômico ditava. A classe estava quase vazia e a voz monótona da educadora ecoava pelas paredes, lhe deixando um pouco sonolenta. O ruído da chuva caindo no lado de fora do prédio também não a ajudava a ficar desperta. Por isso, tentava prender-se ao máximo à matéria, para não cair sobre a mesa em um sono profundo. Neste instante, Clarke realmente gostaria de saber como Lexa conseguia se manter com os olhos bem abertos.

A morena, sentada atrás dela, com o cabelo preso em um rabo de cavalo e uma mão pressionada no queixo, tinha as esferas esverdeadas fixas na mulher à frente. Nenhum sinal de cansaço mostrava-se presente em seu rosto, apesar de terem passado os dois últimos dias na biblioteca, estudando de tarde até a noite. Assim que notou o olhar curioso dela em sua direção, Lexa sorriu timidamente, mas logo voltou a prestar atenção na aula.

A loira suspirou e piscou várias vezes. Não que ela estivesse reclamando das sessões de estudo com a colega, aprendeu bastante nelas; mas não sabia até quando poderia continuar nesse ritmo. Sua cabeça não doía, mas se sentia exausta sempre que chegava no seu quarto, com a maior vontade de hibernar. Até torcia para que Raven já estivesse dormindo, só para não ter mais um contato social cansativo. É só até as provas, ela pensou em um mantra, procurando se convencer, e depois eu descanso. É só até as provas, onde eu vou tirar 10, e depois...

Seu celular vibrou. A superfície de madeira fez um estrondo com o tremor, mas a professora não pareceu se importar. Clarke ficou agradecida por isso. Após ter desbloqueado a tela, viu que se tratava de Octavia.

"Oi sumidaaa! Tá tudo bem com você? Fiquei sabendo que já tem dois dias que você recebeu alta e ainda não veio me visitar. Quero saber o porquê, antes que eu te dê uma voadora."

Ela digitou uma resposta rápida.

"Ei! Tudo bem comigo, e com você? Então, não parei muito no dormitório depois de ter saído da enfermaria. Fiquei estudando esses dias na biblioteca, por causa das provas que tão chegando e tal... Aliás, você tem estudado, né?"

Como esperado, não demorou nem um minuto para que o celular vibrasse novamente.

"Eu tô bem e tenho estudado sim, MÃE. Não sou tão burra como você pensa!" Repetidas carinhas com raiva estavam no meio da mensagem. "E aqui, é verdade que você dispensou o meu irmão nessa semana?! Me explica isso aí."

Confusa e com as sobrancelhas cerradas, Clarke estava prestes a respondê-la, mas tomou um pequeno susto quando recebeu uma cutucada nas costas. Ao se virar, Lexa indicou o quadro negro, onde a professora explicava uma questão que não conseguiram resolver enquanto estudavam. Ela tentou se concentrar para entender o raciocínio, mas a sua mente já estava em outro lugar.

Como assim, tinha "dispensado" Bellamy? Em momento nenhum, nesses dias, tinha deixado de falar com ele de proposíto. Só quando estudou com Lexa pela primeira vez, na quarta-feira, que deixou de olhar o celular, mas foi sem querer. Além do mais, eles tinham conversado ontem mesmo, por mensagem, sobre um documentário de História que a loira viu na TV, passando às altas horas da noite. Bellamy disse que iria assistir, mas ela tinha as suas dúvidas. 

Escondida da colega, ela voltou a mexer no aparelho.

"É mentira, O., sério. Eu tinha combinado de revisar uma matéria com ele, mas acabou que o Bellamy tomou o comprimido errado e eu esqueci de ver se tinha alguma mensagem dele pra mim. Foi só um mal entendido, de verdade. Já até pedimos desculpas um pro outro."

Octavia logo respondeu.

"Como vocês se dão bem, hein? Hahahah! Relaxa, não precisa se defender, eu sei do que rolou, tava só brincando. O Bell conversou comigo sobre você quando eu vim ver ele. Imagina, eu tô tendo que tomar conta do marmanjo agora, pra ver se ele toma o remédio certo daqui pra frente! Por isso que acordei cedo hoje e resolvi te chamar, enquanto ele faz o "ritual de beleza" dele pela manhã. Qualquer um teria sorte de ter uma irmã como eu, não acha?"

— Clarke, ela falou que esse tópico vai cair na prova. — Lexa sussurrou no seu ouvido com a voz séria, sem tirar os olhos da professora. — Deixa pra papear depois e presta atenção, essa parte é importante.

— Já vou fazer isso, espera aí. — A loira se apressou a digitar, com um pequeno desespero.

"Bem que eu tava desconfiada sobre você, me mandando mensagem a essa hora. E com certeza, seu irmão é sortudo de ter você. Olha, eu tô na aula agora, tem como a gente se falar mais tarde? Eu passo hoje no seu quarto e colocamos o assunto em dia pessoalmente, pode ser?"

"Mas era sobre hoje mesmo que eu queria falar com você! O que vai fazer à noite?"

A garota respondeu com uma frase curta, tentando entender o que estava escrito no quadro ao mesmo tempo.

"Nada, por quê?"

"Quer ir em uma festa comigo e as meninas?"

Um nó se formou em sua garganta assim que terminou de ler. Ela nunca gostou do tipo de festa que Octavia costumava ir, e após os eventos recentes... Queria passar longe de boates e de brigas, só para evitar que a história se repetisse. Seus dedos avançaram para o teclado do celular, mas interrompeu o movimento quando um barulho surgiu atrás dela.

— Eu não vou explicar tudo para você na biblioteca, está bom? É coisa demais e eu ainda vou precisar do meu caderno para revisar. Vai ter que achar outra pessoa para te ensinar. — Lexa reclamou, em baixo tom.

— Calma! Eu te disse que...

— As duas têm algo que querem compartilhar com a classe? — A voz da professora, que revelava uma pequena raiva, ecoou pela sala enquanto a outra tentava se explicar. Os poucos alunos presentes se viraram para elas.

— Não, senhora. — Lexa respondeu de imediato, com firmeza.

— Então, silêncio, por favor. Se quiserem conversar, vão para fora. — E assim continuou a escrever no quadro negro. A morena fitou Clarke com um olhar furioso e logo o retornou para a mulher à frente. Octavia já tinha enviado mais uma mensagem.

"Na verdade, eu meio que preciso que você vá. Não tô indo só pra me divertir, não. Tô levando o meu novo namorado pro Bellamy conhecer, já que ele também vai. E, assim, você sabe como é o Bell, né? Não quero que meu irmão dê um escândalo quando eu apresentar os dois. Preciso da sua ajuda."

Clarke não sabia como respondê-la. Estava tão surpresa que não imaginava por onde começar sua resposta. Desde quando estava namorando de novo? Não tinha terminado seu relacionamento com Atom há duas semanas?! Tudo bem que eles nunca tiveram algo especial, mas ainda sim, era um caso recente. E ela queria apresentá-lo ao Bellamy? Estava assim, tão séria, sobre alguém com quem tinha começado a namorar há pouco tempo?! Todos esses questionamentos estavam fazendo sua cabeça latejar. Era melhor ouvir da fonte, quando as aulas acabassem.

"Eu vou. Mas você vai ter que me contar todos os detalhes dessa história."

"Aaaaaaaah, sua linda! Não se preocupa, eu quero que você conheça ele também! Vamos sair às 21 horas, passa no meu quarto às 19 pra gente se arrumar. Tchauzinho!"

A loira guardou o celular dentro da bolsa, respirou fundo, aliviada por ter terminado aquele diálogo; e escutou o discurso da professora para poder anotá-lo. O tópico, que era um tanto interessante, foi suficiente para deixá-la focada, sem ficar pensando no que poderia acontecer de pior durante a noite. Meia hora depois, o sinal tocou, todos juntaram seus pertences e saíram da sala.

— Sorte nossa que aquela mulher não lembra do rosto e do nome de ninguém. — Lexa comentou enquanto andavam lado ao lado pelo corredor, de forma despreocupada. — Não seremos marcadas por causa de você e seu celular.

— Você sabe que pode encontrar outra parceira de estudo se quiser, não sabe? —  Clarke retrucou sem esconder seu desprezo, rápida. O jeito grosseiro da colega a tinha irritado bastante. Lexa cerrou as sobrancelhas por alguns segundos, tentando entender o porquê do comportamento da outra. Assim que compreendeu, suspirou.

— Me desculpe. Eu não queria que você ficasse perdida na matéria, só isso. Gostaria que nós continuassemos estudando juntas, sem ter uma mais atrasada que a outra. Sinto muito se te ofendi.

— Tá tudo bem, eu entendo. Já passou de qualquer maneira, então não precisa pedir desculpas. — A loira ofereceu um breve sorriso amigável. — Normalmente, eu não fico mandando mensagens durante as aulas, mas desta vez, foi uma emergência.

— Ah, e está tudo bem? — A morena parecia preocupada.

— Sim, não era uma emergência de verdade. Foi uma amiga minha que me chamou pra ir em uma festa hoje. Ela vai apresentar o novo namorado ao irmão dela, que também é um amigo meu, e me pediu ajuda. Por causa disso, acho que vou dispensar os estudos pela tarde. Foi mal. — Lexa arqueou uma das sobrancelhas.

— Tem certeza disso? Ainda não revisamos todas as matérias e as provas estão logo aí.

— Uma noite só não vai fazer mal. E eu realmente preciso ajudar ela. — A outra inclinou a cabeça, como se dissesse "você que sabe". Enquanto andavam pelo campus à caminho do refeitório, Clarke analisou a garota com discrição. Ela não parecia ter outros amigos além da loira e o seu tom de voz, tão confiante, assustava os colegas. Além disso, era introvertida e não gostava de conversar, respondendo, na maioria das vezes, com frases curtas. Era difícil para qualquer um conhecê-la a fundo.

Lembrava a Clarke de como a própria era um mês atrás: solitária e concentrada apenas nas aulas. Era uma vida boa, mas se tornou muito melhor após de ter conhecido seus amigos. Quem sabe, talvez a morena também pudesse entrar no seu círculo. Essa festa podia ser a chance perfeita para enturmá-la. 

As duas adentraram o local, pegaram seus pratos e se sentaram à mesa.

— Então, não sei como vai ser essa festa de hoje, mas tenho quase certeza de que ninguém precisa ser formalmente convidado pra ir. Sei que é em cima da hora e que talvez você prefira estudar, mas o que acha de me fazer companhia à noite? Você pode dançar um pouco, tirar o estresse... Até conhecer essa minha amiga que me chamou, também. Ela é meio sem noção, mas é legal.

— Você quer que eu vá? — Clarke mexeu a cabeça de cima para baixo, esperando que a morena pensasse no assunto. — Tudo bem. Eu vou. — Ela deu uma garfada no seu prato, deixando a outra com os olhos arregalados por um momento.

— Sério? "Tudo bem, eu vou" assim, de primeira?

— Você me chamou e disse que queria que eu fosse, ué. Eu falei sim, qual é o problema? — Lexa a olhou, mostrando-se atenta e um pouco confusa.

— Nenhum, nenhum. — Clarke retrucou depressa. — É só que você não me parece o tipo de pessoa que gosta de festas, música alta e tudo mais. Imaginei que eu teria que tentar te convencer.

— Bem, você também não me parece esse tipo de pessoa. Imaginei que ia gostar de uma presença parecida com a sua lá. — Ela arqueou uma sobrancelha e sorriu, contente com as suas palavras. A loira apenas sorriu de volta, dizendo:

— Entendi.

Assim que terminaram suas refeições, as duas caminharam para o dormitório, onde se despediram. Combinaram de se encontrar antes das 21 horas e seguiram para os quartos de cada uma. Ao passar pelo corredor do segundo andar, Clarke já conseguia ouvir a música tocando por trás da porta de Octavia. A festa ainda estava longe de começar, mas nunca era muito cedo para fazer uma farra, segundo a Blake.

Ela parou em frente ao quarto e pensou em bater, mas se deu conta, de repente, do quanto estava cansada. Seu corpo estava fraco, o ombro doía de carregar a bolsa pesada, a cabeça estava um pouco tonta e o seu humor... Ainda não estava rabugenta como sempre ficava pela noite, quando dormia pouco, mas logo logo ficaria assim. Octavia a perdoaria se ela adiasse o encontro delas por algumas horinhas, certo? Ela nem precisava saber da soneca que daria naquela instante.

A cama, arrumada do jeito que deixara pela manhã, estava lhe aguardando no aposento silencioso. Raven estava estudando por agora. Clarke permitiu que a bolsa caísse no chão, meio sem jeito, e se esparramou pela colcha macia, com olhos fechados e um sorriso no rosto. Queria tanto passar o fim de semana daquele jeito, deitada e sem ninguém para importuná-la, mas não, tinha que ir à festa. Tinha que aturar algumas conversas de bêbado. Tinha que aguentar a batida ensurdecedora da música na sua orelha. Tinha que tomar conta dos Blake. Tinha que...

O sono a tomou por completo. Dormiu por algumas horas, sem sonho algum, até que o rodar da maçaneta a despertou. Ainda dormente, ela notou que a porta não se abria, mas a maçaneta mexia-se de um lado para o outro, sem parar. Quem queria entrar, com tanto desespero? O que queria fazer ali, que precisava ir tão depressa? De súbito, sentou-se na cama, assustada. Seria Murphy? Não, ele estava afastado da universidade e demoraria bastante até voltar. Um dos capangas dele, talvez, querendo se vingar? Ou alguém que resolveu terminar o plano dele? O que ela devia fazer, ligar para alguém? Bloquear a porta? Gritar?

— Droga de chave enferrujada. Vou ter que pedir outra pro Kane. — Raven apareceu do outro lado, abrindo um sorriso quando viu a amiga. — Clarke, ei! Você tá com uma cara de sono. Foi mal, te acordei?

— Não, deixa pra lá, tá tudo bem... — Uma vergonha passou a inflamar em seu peito. Desde quando começara a sonhar acordada daquela maneira? Era óbvio que não era alguém querendo machucá-la, nem um dos capangas de Murphy. Aquela história já tinha acabado, não tinha? Até quando ficaria com esse medo bobo? Ela respirou fundo. — Foi bom você ter me acordado. Tenho que me arrumar, vou numa festa com a Octavia.

— A que vai ter na casa do Myles? — Raven perguntou, abrindo o guarda-roupa. — Eu vou pra lá também.

— Hm, eu não sei se é na casa desse Myles. — A garota nem conhecia essa pessoa. — Ela não me falou nada sobre o endereço, ou de quem era a festa.

— Deve ser a festa dele. Todo mundo tá indo. Só espero que a casa seja grande o suficiente pra caber a multidão que vai aparecer. — Ótimo, pensou Clarke, desanimada. Ela fechou os olhos e tentou se lembrar do motivo de sua ida. Tinha que tomar conta dos Blake, claro. Quando abriu os olhos, percebeu que Raven usava uma saia branca, curtíssima, combinada com sua blusa de manga longa e o salto, ambos pretos. Nunca tinha visto a morena de saia, muito menos sabia que ela possuía uma.

— Quer ir com a gente, então? Vamos sair às 21 horas.

— Desculpa, mas eu vou com o pessoal da minha sala. Eles me chamaram primeiro, então... Só vim pegar meus documentos e já tô dando o fora. Arrá, aqui! — Ela achou sua carteira e a colocou dentro de uma bolsa pequena. — Tudo pronto. Te vejo lá?

— Uhum. — Clarke sorriu com a empolgação dela.

— Beleza, tchau tchau! — Raven saiu para o corredor, mas antes de fechar a porta, se virou para trás. — Ah, e pra quem vai sair às 21 horas, você tá meio atrasada, hein? — A porta bateu enquanto a loira procurava seu celular, levemente aflita. Já eram 18:30 e sua amiga estava certa. Além disso, Octavia a mataria se não fosse se arrumar com ela.

Pulou até o guarda-roupa, de onde tirou as primeiras peças que lhe vieram a cabeça: uma casaco estampado, uma blusa branca, uma calça e um saltinho pretos. Estava perfeito. Ela correu para o banheiro com tudo em mãos, tomou um banho gelado em frações de segundo, se vestiu e voltou ao quarto, quase se esquecendo de colocar algum acessório. Quando estava prestes a sair pelo corredor, alguém bateu em sua porta.

— Achei que você tinha se esquecido de mim. — Octavia disse, depois de analisar o seu visual de cima para baixo. — Agora, vamos. — A morena a puxou pelo braço até o seu quarto, que estava uma completa bagunça. Roupas se encontravam empilhadas sobre as camas, sapatos estavam jogados pelo chão e diversos itens de maquiagem se espalhavam pela mesa. Dentro dessa zona, Fox passava um pó na sua bochecha na frente do espelho e Harper secava o seu cabelo, ao mesmo tempo que cantava a música que vinha do notebook. Fox a cumprimentou depressa, Harper apenas cantou com mais força.

— O que aconteceu com ela? — Clarke perguntou, sentada na cama de Octavia, entre incontáveis blusas e shorts.

— Harper? Ah, ela tá mal. Descobriu que o Jasper tá ficando com uma garota aí. Coração partido, sabe como é que é, né. Só por esse motivo que ela ouviria Taylor Swift mesmo, porque sinceramente... — Octavia fingiu estar vomitando. — Enfim, vou arrumar esse seu rostinho bonito, ok? Fica quieta.

Enquanto a outra pegava o que precisaria, Clarke se sentiu um pouco culpada. Nem tinha se lembrado de Harper quando conversou com Jasper. Talvez fosse melhor assim, na verdade. Essa quedinha já tinha durado tempo demais, e realmente, não era para ser.

— Eu chamei uma colega minha pra ir com a gente. Tem problema? — Ela perguntou, de olhos fechados.

— Não. Mas quem é? Eu conheço?

— Acho que não. Ela não é de conversar muito.

— Hm. Olha só pra você, fazendo amigos sozinha. Ah, você tá crescendo tão rápido! — Octavia brincou, fingindo um choro, e a loira lhe deu um tapinha na perna.

— Estranha. — Uns segundos se passaram em silêncio. — Dessa vez, não vamos passar em nenhuma... Loja de conveniência, não é? Por favor, O., me diz que você não tá pensando em fazer aquilo de novo.

— Nossa, Clarke, não! Tem como você esquecer aquele dia? Foi a última vez que participei de um assalto. Era tudo armação do Atom, de qualquer maneira, sempre foi. — Ficou evidente que ela tinha se estressado com o tópico. — Decidi deixar esse assunto morrer, sugiro que você faça o mesmo. Agora, boca fechada! — Mais alguns instantes ocorreram.

— O Bellamy conhece esse seu namorado? Tipo, eles conversam um com o outro, são amigos? Não quero que o que aconteceu com o Atom se repita. — Octavia suspirou.

— Nem eu. E não. Meu irmão nunca viu ele.

— E eu? Conheço ele? — A morena soltou uma risadinha.

— Não. Mas, se quer mesmo saber, ele conhece vocês dois. Até já ajudou vocês quando precisaram, indiretamente. — Clarke cerrou as sobrancelhas, pronta para questioná-la, mas a outra foi mais rápida. — E para com esse interrogatório, ou não vai ter a menor graça quando eu apresentar ele.

— Tá, uma última pergunta, então. — Octavia afastou as mãos, esperando. — O Bellamy sabe que vai conhecer ele hoje? Ou vai ser uma surpresa total?

— Vai ser uma surpresa total. — Clarke revirou os olhos e respirou fundo. — Eu sei, eu sei, também tô assustada, mas não me vem com essa cara, porque se rolar briga, quem vai pagar o pato sou eu. Vamos mentalizar que nada de errado vai acontecer, tudo bem? Você tá pronta.

Em questão de minutos, todas pegaram suas bolsas e se prepararam para saírem. Antes de irem pelo corredor afora, Octavia gritou "selfie!" e tomou alguns segundos para tirar uma foto com as amigas. Elas caminharam até o segundo andar, parando na porta de Lexa.

— Ei. Te mandei umas mensagens, você não me respondeu. — A morena falou, após ter aberto a porta. Se já era bonita durante o horário das aulas, sem maquiagem alguma, estava maravilhosa agora. O cabelo estava solto, um pouco ondulado; os lábios estavam levemente avermelhados e usava uma saia longa, bem estilosa. Parecia uma verdadeira modelo. — Fiquei com medo de ter ficado para trás.

— Relaxa, ela fez isso comigo também. — Octavia respondeu depressa, intrometendo-se na conversa da loira. Clarke ficou um bocado sem graça.

— Garotas, essa é a Lexa, minha colega de sala. Lexa, essas são Harper, Fox e Octavia, a amiga que me chamou hoje.

— Ei, tudo jóia? — Octavia disse.

— Tudo. — Lexa deu um breve sorriso. — Já estamos indo?

— Já. Vamos pegar um táxi fora do campus.

As cinco abandonaram o dormitório e andaram pela alameda principal, que parecia deserta àquela hora. A noite estava escura e uma brisa refrescante corria entre as árvores. Harper e Fox pareciam estar bem animadas, como sempre estavam quando se tratava de festa, mas Octavia estava mais calada que o normal, Clarke notou.

A Blake se sentou no banco da frente do carro, enquanto as outras sentaram-se atrás, apertadas. Ela passou o endereço, pediu para que o rádio fosse ligado e assim começaram a ouvir umas músicas eletrônicas, tentando entrar no clima, ao mesmo tempo que o carro avançava.

— O., você ficou sabendo que toda a galera de Medicina tá indo? — Harper comentou.

— Tem cada cara gatinho lá, que meeeeu Deeeeus... — Fox complementou. — Vai ficar lotada essa casa, né. Será que ainda vai ter espaço sobrando quando a gente chegar?

— Para, Fox, é claro que vai ter. — Octavia virou-se para Clarke. — Fica tranquila, elas tão exagerando. Tenho certeza que vai ser só uma... pequena reunião de colegas, mesmo.

Clarke apenas acenou com a cabeça, lembrando-se do que Raven lhe disse. Seu estômago começou a se revirar com a palavra das outras. As memórias que tinha da última vez em que esteve em uma festa (mesmo que não tivesse sido uma "festa", e sim uma balada) passaram na sua mente e ela foi ficando nervosa, com as mãos suadas. E se algo parecido acontecesse dessa vez? Se ela, Bellamy ou Octavia se metessem em mais uma encrenca, como já era comum? Não aguentaria. Queria tanto se esquecer de tudo que aconteceu; caso se repetisse, ela simplesmente não aguentaria.

Sentiu vontade de fugir, de pedir para o taxista a levar de volta, mas seria muito chato com as amigas. Imaginou também se poderia ir embora assim que Octavia apresentasse seu namorado à Bellamy, mas todos os seus conhecidos estavam ali, iriam achar estranho ela querer voltar mais cedo, sozinha. Nenhum plano de fuga parecia bom o suficiente. Sentia o seu rosto pálido e o suor frio no pescoço.

— Está tudo bem? — Lexa sussurrou ao seu lado. Estava tão próxima dela que podia até cheirar seu perfume. — Você não parece legal.

— Ah, eu tô bem. É só que... — Clarke foi puxada dos seus devaneios. Ela olhou para as garotas, que estavam todas envolvidas nos celulares e nas conversas, nem prestando atenção à ela. — Eu não gosto dessas reuniões, sabe. Toda vez que vou em alguma, uma coisa ruim acontece. Uma coisa muito ruim.

— Você está com medo. — A loira sorriu, achando-se patética. Que tipo de pessoa tinha medo de algo assim? — Eu também não gosto, mas, se quiser saber, estou com um bom pressentimento. Vai dar tudo certo hoje, está me ouvindo? — Ela sorriu de forma amigável.

— Obrigada. — Clarke se sentiu reconfortada. A voz serena de Lexa foi capaz de acalmar seus nervos enquanto chegavam ao destino final. Conversaram sobre estudos e professores no meio tempo, um assunto com o qual já estava bem acostumada.

Minutos depois, o táxi parou. Elas dividiram a tarifa e saíram do carro, estacionado bem na frente da festa. Uma casa de dois andares se mostrava à frente delas, com uma batida irritante e absurdamente alta surgindo por entre as janelas e a porta aberta, sendo ouvida a quilômetros de distância. No gramado, grupos de jovens já estavam com copos plásticos e cigarros "diferentes" nas mãos. Alguns gritavam, outros dançavam bem fora do ritmo. Clarke se questionou o porquê dos vizinhos ainda não terem chamado a polícia.

— Meninas, vou ligar pro meu namorado, aqui. Preciso esperar ele chegar, mas não deve demorar muito. Podem ir entrando de uma vez, encontro vocês lá dentro. — Disse Octavia, discando o número e colocando o aparelho próximo à orelha. As outras começaram a andar. — Ah, e Clarke. — A morena lhe interrompeu, fazendo ela se virar para trás. — Tenta encontrar o Bell pra mim, por favor. Vai, sei lá, tranquilizando ele. Ou alguma coisa assim.

Ela revirou os olhos e seguiu o percurso com as amigas. Perfeito, Clarke pensou. Teria de improvisar a brilhante ideia da pequena Blake.

As quatro adentraram a casa, com os olhos bem abertos. O lugar era enorme. Até o teto parecia estar metros acima de suas cabeças. Os móveis eram bem bonitos e havia vasos e decorações caras nas paredes e nas prateleiras. Quem quer que fosse Myles, o dono da festa, ele tinha grana e sabia gastar bem. Isso não podia ser negado.

Apesar de estar lotada de estudantes, os cômodos eram tão largos que podia movimentar-se para lá e para cá sem esbarrar nos outros, o que deixou a loira aliviada. Pararam na sala de estar, onde dois belos sofás brancos e uma mesa de vidro refinada localizavam-se.

— O que vamos fazer agora? — Fox perguntou. — Dar uma voltinha pela casa? Descobrir quem resolveu aparecer por aqui?

— É uma boa ideia. — Harper respondeu. — Eu topo. Quero ver uns gatos. E vocês?

— Por mim, pode ser. — Lexa retrucou. 

Clarke também concordou e assim começaram a conhecer o local. Ela manteve-se atenta para encontrar Bellamy, o que não a tomou nem cinco minutos. O avistou dentro da cozinha, de relance, conversando com alguém, enquanto passeava pelo corredor atrás das amigas. Quase não o reconheceu sem a famosa jaqueta preta nos braços; esta estava amarrada em sua cintura. Os verdadeiros braços estavam à mostra, cruzados em cima de uma camiseta cinza.

— Ei. — Clarke puxou de leve o braço de Lexa, interrompendo seu andar. — Você se importa de acompanhar as meninas por um tempo? Eu acabei de encontrar o irmão da Octavia ali. Preciso ter uma palavrinha com ele, vou ser o mais rápida possível.

— Não se preocupa, eu vou ficar bem. Pode ir. — A morena falou, com o sorriso tranquilo. Clarke assentiu e parou na porta da cozinha, pronta para cumprimentar Bellamy.

Seus pés travaram bem na entrada, no entanto. Suas pernas endureceram e não ousaram dar um passo à frente. Sua garganta se embolou em um nó e uma sensação estranha se alastrou em seu peito. Não sabia se era raiva, medo ou aversão. Parecia ser uma mistura dos três. E tudo por causa da pessoa com quem Bellamy conversava.

Era Raven. Os dois estavam em pé e encostados no balcão, trocando segredos e risadinhas, bem juntos um do outro. O clima entre eles parecia mais amigável que o normal, e por algum motivo, aquilo não agradava Clarke. Nem um pouco.