- Emma ! – Chama minha mãe pela milésima quinta vez naquela manhã – Não podemos nos atrasar
- Já vou, já vou...
Estou nervosa. Finalmente 18 anos, o que posso fazer nessa idade? Repentinamente já pensamos que é a idade de beber, sair sem se preocupar em dar satisfação, responder por si mesmo, ser preso...e tantas outras coisas negativas. Essa idade foi esperada por mim não pela falta de maturidade, mas sim porque agora posso trabalhar, ter meu próprio dinheiro e meus documentos, ser de maior e ajudar minha mãe nas tarefas.
Com 18 vou ajudar minha mãe no trabalho dela, na casa dos Sam, no condomínio residencial mais nobre do bairro. Vert, o condomínio cercado de pinheiros e altas árvores faz os humildes trabalhadores e auxiliares domésticos suspirarem, além do ar puro e da extensa estrada de caminhada, também tem a praça onde as crianças brincam e os adultos fazem ginástica.
Que falta de educação a minha,com esses pensamentos que me fazem sonhar em um dia morar nesse condomínio, esqueci de me apresentar. Emma Colline Flynn, nome extenso e até bonito, realidade simples e dura. Desde que nasci minha mãe, Silvia Flynn, é domestica dos Sam. Meu pai, o falecido Will Colline Flynn, levou o sonho de crescer com suas habilidades culinárias junto a ele. Meu pai também trabalhava na casa dos Sam, era o jardineiro,lá foi onde ele e minha mãe,na época babá dos filhos dos patrões, se conheceram e se apaixonaram. Eles planejavam montar um restaurante na cidade, eu era pequena demais e não entendia até que com as histórias da minha mãe pude saber.
Meu pai, assim como minha mãe,era uma pessoa de valor. Trabalhador e honesto, nunca precisou puxar o tapete de ninguém nem mentir para conseguir o que conseguimos hoje.
Sorrio sozinha. Prendo meu cabelo ruivo escuro cor de ameixa vermelha em coque. Torço o lábio, odeio maquiagem, pisco pro meu reflexo “o mesmo de sempre”, limpo a roupa,uma calça jeans skinny e uma blusinha branca, sapatilhas nos pés e nada mais.
- Emma. Santo Deus, que demora para se arrumar. – Sacode minha mãe as mãos para o alto, em clemência
- Estou pronta. – Murmuro
- Está linda. – Ela me da um beijo na bochecha
Não tenho do que reclamar em relação a minha mãe, nunca deixou que nada faltasse na minha educação. Ela é uma boa pessoa, suas primeiras rugas já aparecem nos olhos, mas seu sorriso doce sempre é o mesmo.
- Vamos porque senão o senhor Matt pode descontar. – Ela coloca a bolsa no ombro e segue na minha frente
Pegamos a condução e seguimos para o condomínio. Fico a viagem toda distraída com a paisagem que passa pela janela,subimos a estrada asfaltada com muito verde em volta quando os primeiros sinais de comércio e casas começam a aparecer . O ônibus nos deixa na porta do Vert, a casa dos Sam fica no bloco C. Agradecemos ao motorista e soltamos, minha mãe caminha apressadamente pela estrada, cumprimentando as moradoras que caminham por ela. Eu sigo atrás, olhando pros meus pés.
Há um bom tempo não entro no condomínio, só conheço a família e seus dois filhos. Katy e Brock são os “herdeiros” de tanta fortuna que a família possui ao longo dos anos, graças as diversas lojas de supermercado e utilidades domésticas, e as lojas K.L (Katy e Lisa),onde a dona é a senhora Sam,Lisa Sam.
Katy é a mais velha, e tem mania de grandeza. Brock eu não consigo me lembrar de seu rosto,deve ser pelo tempo que fiquei sem vê-lo.
Finalmente chegamos. 308C, a mansão dos Sam.
Minha mãe entra pela porta da cozinha como já de costume e eu a sigo. Prontamente já me entrega uma roupa e um avental.
- Toma,vista isso depressa. Eles acordam às 8:30h e eu vou apressando o desjejum...
Eu pego a peça de roupa e ando em direção sala principal procurando por um banheiro.
- Onde vai, Emma ? – Pergunta
- A um banheiro.
- Filha,os empregados tem seu próprio banheiro. – Aponta em direção a um corredor dentro da cozinha
Sorrio sem jeito e ando em direção ao banheiro. Quando entro vejo que não é nada mau, até que é limpo e bem arrumado. Coloco o uniforme,um vestido até os joelhos de manga curta e botões fechados na frente ate a altura dos seios,cor cinza escuro, até que cai bem em mim. Coloco os sapatos brancos e ajeito meu coque, sem deixar que nenhum fio de cabelo saia do lugar.
Quando saio do banheiro escuto uma conversa,continuo andando até que vejo um homem alto,com cabelos grisalhos lisos,seus olhos são azuis escuros e ele veste um casaco grande que combina perfeitamente com seu jeans e seus sapatos perfeitamente lustrosos.
- Essa é Emma, ela começou hoje como tinha dito para o senhor,e vai ajudar na limpeza. – Minha mãe sorri orgulhosa enquanto me observa
- Ah,Emma. Prazer,sou o senhor Matt Sam,mas pode me chamar de Senhor Matt. – Ele estende a mão, a aliança dourada brilha em seu dedo anelar da mão esquerda como se fosse recém-comprada.
- Prazer. – Digo envergonhada. Não sabia que seria embaraçoso para mim
- Por que envergonhada, Emma? Vi você crescendo e correndo por esse jardim. – Aponta com a cabeça para a vidraça que separa a cozinha do amplo jardim
- Ela é assim mesmo. - Minha mãe explica.
Suspiro aliviada por ela ter respondido.
- Bom, agora vou pegar o meu café e ler o meu jornal, com licença. – Ele acena com a cabeça com um sorriso gentil,e se afasta para a sala
Minha mãe vira-se para mim e me entrega as louças.
- Coloque isso na mesa e, peça licença quando estiver voltando.
- Ok. – Escuto atentamente às ordens de minha mãe
Reproduzo tudo que ela pede e volto à cozinha. Quando sento na cadeira da bancada ela me entrega uma torrada quente e um copo de suco de laranja fresco. Engulo a comida e volto aos meus afazeres,assim como ela anotou para que eu “não ficasse indo e vindo”.
Coloco meus fones enquanto limpo o corredor com o aspirador de pó,totalmente ligada a minha música quando vejo um par de saltos beje na minha frente. Rapidamente retiro os fones, olho para cima quando vejo uma mulher madura de cabelos loiros que vão até o colo, seus olhos verdes estão miúdos pelo sorriso que cobre os lábios revestidos de um batom cor de canela.
- Bom dia...ora,que animação. – Ela diz
- Desculpe,eu...
- Não tem porque se preocupar. O que está fazendo de errado se dança? Isso não é erro algum.
Eu gostei de sua simpatia. Lisa Sam, não vejo porque o seu apelido ser Dama de Ferro da moda na Califórnia, e pelo visto nem sei o porquê de tantas fofocas envolvendo a crise matrimonial em que ela e o senhor Matt se encontram,parecem tão felizes.
- Lembra de mim,hãm...Emma,não? – Recorda
- Sim,senhora Lisa.
- Emma,não atrapalharei seu serviço até porque estou atrasada e preciso ir. Bom trabalho.
Ela se despede sorrindo e desce as escadas de marfim. O barulho dos saltos ecoa pela casa. Admiro ser bem recebida na casa,bom,não é tão surpreendente assim,eu cresci aqui,mesmo fazendo muitos anos.
Recoloco os fones e continuo o serviço.
Entro no quarto do casal e limpo todo o carpete,os móveis cor mogno e as vidraças que vão do teto ao chão substituindo as janelas e separando o quarto de uma pequena varanda. Arrumo a cama e pego a roupa suja colocando no cesto. Chega e a hora de arrumar o quarto do filho,Brock,acho melhor deixar para depois.
Desço com a roupa suja passando de cabeça baixa pela sala de jantar onde filho e filha tomam café,eles nem percebem minha presença,bem tenho que me acostumar,eu sou só uma servente.
Entrego a roupa suja à assistente da minha mãe, Wanda, que está lavando montes de roupas. Por um segundo me pergunto o porquê de ter tantas roupas iguais.
Volto para a parte de cima da casa para limpar o quarto de Brock.
Quando entro o cheiro de perfume masculino canelado invade minhas narinas,isso me satisfaz de algum modo,é um cheiro convidativo. O quarto é de um tom azul claro,com móveis de madeira de demolição,uma madeira nem escura nem tão clara. Observo a organização do quarto para um homem,tudo em seu devido lugar,até a cama já está feita. Alguns pôsteres emoldurados de bandas antigas e propagandas retro cobrem uma parede onde está um puff e uma escrivaninha com papéis riscados, canetas sem tampa e um notebook novo e moderno. Entrei no banheiro,do mesmo tom do quarto,os moveis também eram de madeira e o Box de vidro.
Depois de limpar o banheiro vou para o quarto limpar os vidros que substituem as janelas. Ouço alguém se aproximando e automaticamente já me sinto envergonhada.
- Sim...confirme. É só o tempo de tomar um banho e chego aí. Não mude nada, por favor...
Olho meio sem graça quando troco olhares com Brock. Nossa,ele é de tirar o fôlego. Pele branca, alto, e cabelo castanho escuro preso em um coque bagunçado.
- Bom dia. – Ele sorri
- Ahn...Bom...dia – Droga, gaguejei
- Pode separar uma blusa para mim? Tem uma branca recém lavada no cabide.
Pede e anda em direção ao banheiro. Ainda indignada com a obra prima que acabei de ver procuro a tal blusa branca e rapidamente a acho. Deixo-a encima da cama e saio do quarto indo para o quarto de Katy.
O quarto dela já me deixa enjoada com o cheiro de perfume adocicado. O local é também organizado,com tons de amarelo pastel e branco, há objetos de decoração bem femininos,desde quadros com fotos, um lustre de cristal no teto até jarros em tom rosa chamativo. Não fiquei surpresa de ter um banheiro no quarto,da mesma cor que o quarto,com os móveis da mesma cor de branco com detalhes espelhados. Fiz o mesmo processo no quarto e também tive de fazer a cama.
Desci e nenhum dos dois já se encontravam em casa,estava silenciosa e calma, minha mãe ainda estava na cozinha e o cheiro de molho me deixava zonza, gostaria de provar um pouco.
- O cheiro está bom. – Elogiei
Ela mexia uma panela com molho vermelho. Também havia um escorredor de massa de alumínio com macarrão espaguete.
- Você vai almoçar já,já. E voltar ao trabalho. É uma rotina diária e cansativa,qualquer um ao fim do dia dorme que nem pedra. – Ela ri do próprio comentário
- Já estou sentindo o resultado.
- Chame Wanda para terminar o molho. Preciso ir ao mercado aqui perto.
- Tem dinheiro?
- Os patrões me deixam dinheiro para um taxi particular,ele me leva e aguarda para me trazer de volta.
- Menos mal.
Vou até o quarto de serviços onde ficam a máquina de lavar,de secar,armários,prateleiras brancas e uma tábua de passar roupa. Wanda está lá, dobrando algumas peças de roupa. Wanda tem pele morena de traços espanhóis, cabelo escuro e é meio gordinha.
A ajudei a fazer o macarrão e pudemos almoçar.
De noite cheguei exausta,como minha mãe havia dito que ficaria. Jogo-me na cama e suspiro cansada, me lembro daqueles lindos olhos cor mel de Brock. “Emma, você está sonhando alto demais...”. Rio com meu auto-esporro. Desabotoo a calça jeans e a retiro do meu corpo ainda deitada, estou sem vontade alguma de levantar.
Acho que fico uns 10 minutos só pensando no dia de hoje; aquelas casas enormes com grama verde e recém cortada em volta, as pessoas elegantes, os carros importados... consumismo não é meu grande sonho, até desprezo a palavra ostentação, mas como ser humano não canso de sonhar.
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